Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1075/03-1
Relator: LÁZARO FARIA
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DEFERIDO
Sumário: 1. Em Proc.º Crime, presente o defensor oficioso, mas não o arguido, no acto de leitura da sentença, se a Secretaria notificar esta ao arguido (n.º 9 do art.º 113º do C.P.P.), mesmo que indevidamente (n.º 6 do art.º 161º do C.P.C.), é a partir desta notificação que se conta o prazo para interposição do recurso; e nomeadamente, se para o efeito, constitui mandatário.

2. Havendo mais arguidos, só o ausente, e notificado, beneficia deste último prazo.

3. Se no recurso for impugnada prova gravada, é aplicável o n.º 6 do art.º 698º do C.P.C. ex vi do art.º 4.º do C. P. Penal.

4. Se razões ponderosas de celeridade impõem em processo penal prazos mais curtos, a salvaguarda do direito de defesa e o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei impõem que os recorrentes, em processo penal, beneficiem do mesmo prazo dos recorrentes em processo civil, dado que de situações iguais se trata.
Decisão Texto Integral: No processo n.º 740/99.5 GBB.CL (Comum Singular) que corre termos no Tribunal Judicial de Barcelos – 2.º Juízo Criminal – sendo arguidos "A" e mulher "C" tendo sido condenados ambos, como co-autores e em concurso real, por crimes praticados, em penas que a decisão fixa, ambos interpuseram recurso da decisão, o qual não veio a ser admitido “por extemporâneo”.
Os recorrentes reclamaram da proferida decisão, defendendo - com fundamentos vários – a tempestividade do recurso.
Entre os fundamentos invocados, há pelo menos dois, que nos parecem fundamentais à procedência da reclamação a que seguidamente nos referiremos, sendo certo que foram igualmente invocadas variadas inconstitucionalidades, mas de que se não curará de conhecer, por prejudicado tal conhecimento, face à decisão que se proferirá, de procedência.
Vejamos os factos provados pela certidão junta aos autos:
a) Dada a dispensa, a pedido da arguida, e concedida pelo Mmo Juiz, esta não esteve presente na audiência de leitura de sentença; esteve presente o arguido e a Defensora Oficiosa de ambos; o que ocorreu em 10/01/2003.
b) Nesta mesma data foi depositada na Secretaria Judicial a sentença proferida, referida na alínea a).
c) Foi igualmente, nesse mesmo dia entregue cópia da mesma à defensora oficiosa.
d) Em 13/01/2003, foi pelo Tribunal enviada carta de notificação da sentença à arguida, fazendo-se nela constar que se considera notificada da mesma “no 5.º dia posterior ao do seu depósito na caixa do correio do destinatário, constante do subscrito”.
e) Em 06/02/2003 foi interposto recurso pelos arguidos, tendo como mandatária a Sra. Dra. Maia , a coberto de procuração emitida em 17/01/2003, abdicando-se dos serviços da ilustre defensora oficiosa.
f) Na motivação apresentada como fundamento do recurso, entre outros, foram invocados factos pondo em causa a apreciação da prova feita, constante de gravações, implicando, em sede de recurso, a reapreciação dessa prova.


Outros factos resultam provados; porém, os referidos afiguram-se-nos já suficientes à feitura da decisão que se segue, independentemente de outro puder vir a ser o entendimento do Tribunal Superior, nos termos do art.º 689º n.º 2 do C. P. C. .

Quid juris ?

A decisão do Mmo Juiz não é de manter pelos fundamentos seguintes:
a) Não pondo em causa as normas invocadas pelo Magistrado decisor, não tiveram elas aplicação correcta porquanto a situação subjudice é composta por outros factos de real relevância e que, no despacho, se menosprezaram ou não foram tidos em conta.
A notificação enviada pelo correio à arguida, ausente quando da leitura da sentença, porventura feita em cumprimento do disposto no n.º 9 do art.º 113º do C. P. P., não é inócua; releva no presente caso, em nosso entender, pese embora o facto da arguida não ter estado presente, a seu pedido, quando da leitura da sentença e na qual esteve presente sua defensora oficiosa, a qual da decisão até recebeu cópia; e o facto do depósito da mesma na secretaria judicial, nesse mesmo dia.
b) Sem se tomar posição sobre se in casu, era devida, por necessária, aquela notificação à arguida, o certo é que a mesma ocorreu.
E se a mesma teve lugar, ainda que se considere que foi devido a lapso, o certo é que o Tribunal não pode fazer dela “tábua rasa”, agindo como se ela não tivesse existido.
Dispõe o n.º 9 do art.º 113º do C. P. P. que as sentenças são notificadas quer ao arguido quer ao seu advogado; e que, “neste caso, o prazo para a prática do acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”.
O disposto neste número não teria qualquer aplicação se a arguida tivesse estado presente à leitura da sentença, onde se encontrava igualmente a sua defensora oficiosa.
E não tendo qualquer aplicação, certamente a Secretaria não teria enviado qualquer carta de notificação.
c) Há ainda uma particularidade: A arguida, com a notificação, constituiu advogado “ex novo”, abdicando assim da colaboração da Sra. Defensora Oficiosa, Dra. Filipa ....
É com o prazo concedido pela notificação que o acto de recurso – acto subsequente - tem lugar, sendo certo que a arguida, como se disse, não esteve presente à leitura da referida sentença.
d) O acto praticado pelo Tribunal presume-se correcto, em cumprimento estrito de normas legais aplicáveis ao caso.
A arguida não só não tem conhecimentos jurídicos para duvidar da sua correcção, como nem tem que os ter.
O novo advogado constituído não tem que aferir da validade ou não do acto praticado pelo Tribunal; nem da sua relevância.
Aliás, do acto resulta para o arguido uma posição favorável, que lhe não pode ser retirada, depois de concedida, pelo Tribunal.
Mas ainda que de erro se tratasse, dispõe o n.º 6 do art.º 161º do C.P.C. – aplicável em processo penal (art.º 4.º C. P. P.) – que “os erros e omissões praticados pela secretaria judicial, não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”. Além de tal resultar, como se vê, da lei, a jurisprudência, como não podia deixar de ser, é também no mesmo sentido - entre outros – BMJ-485- 496; acresce que o princípio da boa-fé impõe-se, não só às partes, como ao próprio Tribunal.
Se este, no exercício da dinâmica processual, diz à parte, notificando-a, de que tem x (xis) dias para interpor recurso, se o pretender, não pode seguidamente vir dizer à mesma parte que o recurso é intempestivo ... (art.º 206º-A do C.P.C.), se a mesma utilizou esse prazo.
Também sairia prejudicado o princípio da cooperação, previsto no art.º 266º do C.P.C., porquanto a cooperação pressupõe também rectidão e objectividade não só nos actos do processo, como nas relações processuais entre as partes e entre estas e os magistrados.
e) Não se desconhece alguma ou algumas decisões que, considerando a contagem do prazo a partir do depósito da secretaria, consideram irrelevante a notificação atrás referida (vide, Ac. do S.T.J. de 18/09/97 in Proc. n.º 631/97).
Só que não se trata de situação igual à subjudice; e cada caso é um caso.
Em direito não há decisões standartizadas; têm de ter em conta as particularidades, sobretudo se relevantes, de cada caso.
f) Assim sendo, a notificação da sentença feita à arguida, ocorreu apenas “no 5.º dia posterior ao depósito da carta na caixa do correio do destinatário constante do subscrito”, sendo estes cinco dias os da dilação – cremos – a que se refere o art.º 252º-A n.º 1 al. b) do C.P.C. .
E como, de acordo com a presente reclamação, a carta foi depositada na caixa do correio da destinatária no dia 14/01/2003, então a notificação ocorreu no dia 19/01/2003, a qual – por ser domingo – passou para 20/01/2003 (n.º 2 do art.º 144º do C.P.C.).
Contando-se os 15 (quinze) dias para a interposição de recurso (art.º 411º do C.P.P.), o prazo terminou, para arguida, no dia 04/02/2003, dado que se trata de prazo contínuo, que só se suspende nas férias judiciais...(vide n.º 1 do cit. art.º 144º).
g) Dos autos consta que o recurso foi interposto no dia 06/02/2003 (Quinta-feira).
Porque nos termos do disposto no art.º 145º do C.P.C., dentro dos três dias seguintes ao termo do prazo, e não consta que tivesse sido requerido o pagamento de qualquer multa, deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 6 do citado art.º, oficiosamente, pela Secretaria.
E, após, decidir-se em conformidade.
Isto, antes de se conhecer do segundo atrás referido fundamento relevante.

Relativamente ao arguido que esteve presente na audiência de julgamento ouvindo a leitura da sentença, além de que se encontrava igualmente presente a sua ilustre defensora oficiosa, o problema que se põe é outro, como se verá.
Na verdade, a notificação para este, da sentença, ocorreu no dia da leitura - 10/01/2003 – porquanto o seu depósito na secretaria teve lugar logo após tal acto – (art.ºs 372º e 373º do C.P.P.).-
Entendemos aqui não haver lugar à aplicação do disposto no n.º 12 do art.º 113º do mesmo diploma legal porquanto a possibilidade de recurso, quando de vários arguidos se trate, ser para cada um no prazo que correu em último lugar, depende da lei expressamente o prever; e a lei não a prevê, concretamente, nomeadamente nas normas próprias do recurso.
Poderá dizer-se que se a lei concretamente o previsse, por exemplo, no art.º 411º, haveria duplicação relativamente ao disposto no n.º 12 daquela norma.
Poderá igualmente pensar-se que o comando deste número, para que tivesse real conteúdo, poderia ter sido formulado negativamente; ou seja: “Nos casos não expressamente previstos, ...”, assim se generalizando e instituindo a possibilidade de, havendo vários arguidos recorrentes, com prazos diferentes, valer, para cada um, o prazo do último.
Cremos, no entanto, que essa não foi a posição adoptada pelo legislador; foi precisamente aquela que resulta da lei – a de apenas ser possível “nos casos expressamente previstos”.
E esta posição tem sido a adoptada pela Jurisprudência não só quanto ao recurso, mas também relativamente a outros actos.
Assim, v.g., “havendo dois ou mais arguidos no mesmo processo e não tendo sido todos notificados da acusação na mesma data, o prazo de apresentação do requerimento para a abertura da instrução conta-se em relação a cada um deles, a partir da data da respectiva notificação, não se esgotando só com o termo do prazo do que foi notificado em último lugar” - CJ – XXI – tomo 5 pg. 51; no mesmo sentido CJ – XXII, tomo 3, 141, entre outros. –
Ora, não sendo este um “caso expressamente previsto”, não pode o arguido beneficiar do teor deste comando legal.

Um segundo fundamento igualmente relevante tem a ver com a aplicação, em processo penal, do disposto no n.º 6 do art.º 698º do C. P. Civil ex vi do teor do art.º 4.º do C. P. Penal.
Dispõe este n.º 6 que “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias, os prazos referidos nos números anteriores”.
Estes prazos são os referidos quanto às alegações que, em processo civil, são diferentes e separadas do prazo de interposição de recurso a que se refere o art.º 685º do mesmo código.
Só que, de acordo com o teor do citado art.º 4.º, há que fazer uma interpretação de harmonização das normas do C.P.C. e do C.P.Penal.
Esta passa pelo seguinte:
Em processo penal é fixado o prazo de 15 dias para interposição do recurso e, simultâneamente, de motivação, sob pena de não admissão do mesmo (art.º 411º n.ºs 1 e 3 do C.P.P.).
Ou seja, com a interposição do recurso têm de ser apresentadas as respectivas “alegações” (motivações).

Enquanto que em processo civil a parte dispõe de 10 dias para interpor recurso (art.º 685 citado) e ainda de mais 30 dias para alegar, contado da notificação do despacho de admissão do mesmo. (n.º 2 do art.º 698º do C.P.C.), e ainda de mais 10 dias (além dos 30 referidos), se o recurso “tiver por objecto a reapreciação da prova gravada” (n.º 6 do mesmo artigo) – este último prazo adicional destina-se a facilitar o cumprimento do ónus estabelecido no art.º 690º/A – vide nota 4 in C.P.C. anotado de A. Neto, ao mesmo artigo – em processo penal não há qualquer norma que lhe corresponda sendo certo que pode ser suscitada, em recurso, “a reapreciação da prova gravada”.
Face ao referido, põem-se no caso subjudice duas questões:
a) Aplicam-se aqueles normativos, ex vi do disposto no art.º 4º do C. P. Penal, ao processo penal ?
b) Em caso afirmativo, é matéria de conhecimento oficioso ?

Em nosso entender, ambas as perguntas merecem resposta positiva.
Vejamos:
Quer no âmbito do C.P.C. quer no âmbito do C.P.P., está em causa o legítimo exercício de um direito de defesa por parte do recorrente já que, tendo ficado vencido – pressuposto comum do direito ao recurso – pretende impugnar a decisão para que, também na parte vencida, lhe seja reconhecido o direito, invocado por inteiro – art.º 20.º da C. R. P..
Em ambos os casos, as partes e/ou os intervenientes pretendem exercer direitos e deles pedem o reconhecimento ao tribunal.
Só que, se por razões ponderosas que são específicas do Processo Penal, o legislador determinou que o prazo de interposição de recurso seja o da sua própria motivação, já por esse facto criou um regime de prazos totalmente diferente e muito mais curtos no processo penal relativamente ao processo civil; e tal para exercício de direito sensivelmente iguais – “o de impugnar decisões com que não concordam”.
E se o comando contido no citado n.º 6 do C.P.C. (art.º 698º) não foi transposto igualmente para o C. P. Penal, mas a situação que lhe subjaz, e lhe deu ser, existe igualmente em processo civil e em processo penal, e estando em causa o exercício do mesmo direito (o de recurso), não é facilmente perceptível a razão da diferença; ou seja, porque é que tal prazo adicional é concedido em direito processual civil e o não é em processo penal.
Só o alargamento do prazo permitirá ao recorrente dar cumprimento ao poder-dever de motivação do recurso, havendo gravação da prova (n.º 3 do art.º 412º, C.P.P.), e, com eventual êxito, poder impugnar a matéria de facto duma forma séria e ponderada; e tal impõe-se de uma forma decisiva tratando-se, como vai sendo cada vez mais, de processos complexos.
Aliás, torna-se praticamente impossível que no prazo legal de recurso, e motivação se possa cumprir todos os actos que advêm da gravação da prova e que têm muitas a ver com a sua própria transcrição para consequente impugnação.
Sob pena de grave restrição do exercício do direito de recurso, em processo penal, afigura-se-nos que em caso de impugnação da matéria de facto, tendo havido gravação da prova, é de aplicar-se o disposto no n.º 6 do art.º 698º referido.
“Quando a lei concede um direito, há-de facultar os meios necessários ao seu exercício”; e dentro destes meios, um importantíssimo, aliás determinante, é o prazo suficiente para o seu exercício.
Já Coelho da Rocha, no Século XIX, ensinava: “Àquele a quem compete um direito, competem também os meios necessários para tornar efectivo o exercício desse direito” (in Instituições de Direito Civil Portuguez, tomo I, pág. 30, 3.ª ed., Coimbra, 1852).
Entendemos, pois, que deve aplicar-se, como já atrás se disse, em processo penal, o disposto naquele citado n.º 6.


Mas mesmo que assim se não entenda, o certo é que se tem vindo a admitir, em Jurisprudência recente, que a sua aplicação ou não, em processo penal, suscita, pelo menos, dúvidas.
Na verdade, há acórdãos nos dois sentidos: em sentido negativo – da Relação de Coimbra de 27/02/2002 in CJ – XXVII – tomo I – pág. 58; desta Relação de 10/07/2002, Proc. 319/02 – 1.ª secção em sentido positivo – Ac. R. P. De 16/01/2002 in CJ – XXVII – tomo I – 225; do S.T.J., de 10/07/2002 e 27/11/2002, CJ STJ X, tomo 3 – págs. 170 e 236.
E havendo dúvidas, o Mmo Juiz “a quo” deveria ter considerado essa possibilidade para que o Tribunal Superior, em seu alto critério, pudesse decidir.

A segunda questão atrás referida tem a ver com o conhecimento oficioso da justificação ou não do alongamento do prazo.
Dispõe aquele n.º 6 que “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores”.
O texto legal não aponta para qualquer necessidade de requerimento nesse sentido pela parte impugnante da prova gravada.
Parece-nos, assim, que tal resulta de uma apreciação das alegações e respectivas conclusões e do tempo usado pela parte para as apresentar em tribunal.
Ou seja, sempre que a parte recorrente impugne prova gravada e apresente as alegações dentro dos 10 dias após o decurso dos prazos a que se referem os números “que lhe são anteriores”, as alegações terão de ser consideradas tempestivas.


Face a todo o exposto, entende-se que:
a) Relativamente ao recurso interposto pelo arguido, o prazo de interposição terminou em 04/02/03; ou seja, contando-se 15 dias (art.º 411º do C.P.P.) + 10 dias (n.º 6 do art.º 698º do C.P.C. ex vi art.º 4.º do C.P.P.).
Como o recurso foi interposto em 06/02/03, haveria que a secretaria ter dado cumprimento, oficiosamente, ao comando do n.º 6 do art.º 145º do C.P.C..
b) Relativamente ao recurso da arguida, tendo sido notificada a 19/01/03, e acrescentando-se-lhe os 15 dias + 10 dias atrás referidos, o recurso é tempestivo.
Mesmo que se entendesse que o n.º 6 do art.º 698º se não aplica em processo penal, haveria, quanto a esta, que dar sempre cumprimento ao n.º 6 do art.º 145º referido porquanto, neste caso, o prazo de interposição de recurso teria terminado em 04/02/03.


Sintetizando:
Quanto ao recurso do arguido deverá dar-se cumprimento ao art.º 145º do C.P.C.;
Quanto ao recurso da arguida, é tempestivo.

Eis porque deverá ser proferido despacho, em conformidade.

Assim se defere a deduzida reclamação.
Sem custas.
Guimarães, 11 de Junho de 2003.