Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4671/15.5T8VCT-C.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: MANDATO
PLURALIDADE DE MANDATÁRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Atento o disposto no art. 12º nº 1 da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto este preceito aplica-se às situações em que a peça processual deva ser assinada por mais do que um mandatário e não às situações em que pode sê-lo.

II - A ratio do preceito em causa prende-se com a apresentação de requerimentos conjuntos por parte de mandatários das diferentes partes.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Nos autos de que estes são apenso é autora Companhia de Seguros A , S.A. e réu J. P..
Aí a autora, não se conformando com o despacho proferido em 09/03/17, que não admitiu o recurso por si interposto, veio apresentar reclamação nos termos dos art. 641º nº 6 e 643º do C.P.C.. Este requerimento foi subscrito pelo advogado H. M. e pelas advogadas estagiárias A. R. e C. D..
Este requerimento foi apresentado através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais denominado CITIUS e no respectivo formulário consta como “Mandatário Subscritor” H. M. e em sede de “Subscrição Múltipla” os seguintes dizeres: “O Mandatário Subscritor declara nos termos do art. 12º nº 1 da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, que esta Peça Processual será também subscrita por: C. D., Advogado(a), com a cédula profissional nº …”.
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Em 08/05/17 foi proferida decisão que se transcreve na íntegra:
“Nos termos do disposto no artigo 12°, n° 1, alínea b), da Portaria n" 280/13, de 26 de
Agosto, "no prazo máximo de dois dias após a distribuição do processo, no caso de
requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta, ou após a recepção da peça processual enviada, nos demais casos, os mandatários indicados no formulário enviam, através do sistema informático de suporte á actividade dos tribunais, uma declaração electrónica de adesão à peça, assinada digitalmente".

No caso do requerimento que deu origem ao presente incidente, foi feita a adesão à
subscrição múltipla tendo sido declarado, logo, no início do requerimento que "o mandatário
subscritor declara nos termos do art. 12°, n" 1, da Portaria n° 280/2013, de 26 de Agosto, que
esta peça processual será também subscrita por C. D., Advogado (a), com a
cédula profissional n° …".

Sucede, porém, que nem naquele prazo de 2 dias, nem posteriormente, foi enviada para o processo a mencionada declaração de adesão.
Ora, de acordo com o disposto com o n° 3, do citado artigo, da mencionada Portaria,
"nos casos de não adesão por parte dos mandatários indicados no formulário no prazo fixado na alinea b), do n° 1, considera-se que a peça processual não foi apresentada e anula-se a respectiva distribuição nos casos de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta".

Consequentemente, deve o requerimento apresentado, e que deu origem ao
presente incidente de reclamação, ser considerado como não apresentado, dando-se o
incidente por findo.

Custas pela requerente.
Notifique.”
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Não se conformando com esta decisão veio a autora dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
A. Não é verdade que o mandatário da recorrente haja declarado que a peça processual relativa à reclamação do despacho de indeferimento, tinha de ser subscrita por um advogado,
B. como igualmente não declarou que a lic.ª C. D. era advogada, porque, de facto, o não é, sendo que foi o sistema informático por cujas diatribes a recorrente não responde, que o fez.
C. A Portaria em que se baseia o douto despacho recorrido, além de não estatuir, no caso concreto, o efeito que dela retirou o douto despacho recorrido,
D. - por apenas se referir àqueles casos e situações, em que a concreta peça processual deve, segundo as leis do processo, ser subscrita por mais do que um dos mandatários, e não àqueles outros casos em que a intervenção de mais do que um dos mandatários na subscrição da peça processual, é facultativa -
E. é ainda orgânica e formalmente inconstitucional, pelo que jamais poderá ser aplicada em qualquer situação que retire direitos às partes de um processo civil, na medida em que o governo da república é material e constitucionalmente incompetente para o fazer, a menos que o faça através de um acto legislativo em sentido estrito, e mediante autorização da Assembleia da República, o que não sucede no caso da portaria em questão.”
Pugna pela revogação da decisão que considerou não apresentado o requerimento de reclamação.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é saber se o tribunal a quo fez uma correcta interpretação do art. 12º nº 3 da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto.
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II – Fundamentação

Os factos relevantes para a decisão da questão colocada são os que estão enunciados no supra elaborado relatório pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
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Dispõe o art. 132º nº 1 do C.P.C. que A tramitação dos processos é efetuada eletronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a atos dos magistrados, das secretarias judiciais e dos agentes de execução ser objeto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
A Portaria actualmente em vigor é a nº 280/2013 de 26 de Agosto, alterada pela Portaria nº 170/2017 de 25 de Maio, com a rectificação nº 16/2017 de 06/06 (que revogou as Portarias nº 114/2008 de 6 de Fevereiro e nº 1097/2006 de 13 de Outubro).
Aquele preceito e este diploma inscrevem-se na denominada desmaterialização do processo com a supressão gradual do suporte em papel e a sua substituição por registos informáticos no sistema CITIUS, designadamente através do envio de peças processuais por via electrónica.
Dispõe o art. 12º da Portaria nº 280/2013 de 26/08, sob a epígrafe “Apresentação de peças processuais por mais de um mandatário”:
1 - Nos casos em que a peça processual deva ser assinada por mais do que um mandatário, deve seguir-se o seguinte procedimento:

a) Um dos mandatários procede à entrega da peça processual, assinando-a digitalmente através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (http://citius.tribunaisnet.mj.pt) e indicando, no formulário, os mandatários que igualmente a devem assinar;
b) No prazo máximo de dois dias após a distribuição do processo, no caso de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta, ou após a receção da peça processual enviada, nos demais casos, os mandatários indicados no formulário enviam, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, uma declaração eletrónica de adesão à peça, assinada digitalmente.
2 - A apresentação de peça processual por mais de um mandatário através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais está dependente do registo prévio de todos os mandatários que apresentam a peça, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º.
3 - Nos casos de não adesão por parte dos mandatários indicados no formulário no prazo fixado na alínea b) do n.º 1, considera-se que a peça processual não foi apresentada e anula-se a respetiva distribuição nos casos de requerimento, petição inicial ou petição inicial conjunta.
No caso em apreço está em causa a interpretação do nº 3 deste art. 12º.
Numa interpretação literal, efectuada pelo Tribunal a quo, tal preceito aplica-se numa qualquer situação em que intervenha mais que um mandatário, ainda que sejam mandatários da mesma parte e cada um deles tenha por si poderes de representação.
Mas esta interpretação afigura-se-nos desrazoável.
Vejamos.
Desde logo, recorrendo ao elemento literal, verifica-se que o nº 1 do referido art. 12º alude aos casos em que a peça processual deva ser assinada por mais do que um mandatário e não aos casos em que pode sê-lo.
Acresce que, nos termos do nº 1 do art. 9º do C.C. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Ora, a ratio do preceito supra referido prende-se com a apresentação de requerimentos conjuntos por parte de mandatários das diferentes partes assim se compreendendo que, na falta de “adesão” por parte de um deles, o mesmo não possa ser atendido nos termos do nº 3. Com efeito, este preceito está em primeira linha pensado para a apresentação de requerimentos de transacção, pedidos de alteração de datas de diligência ou de suspensão da instância. É verdade que o mesmo preceito é ainda aplicável nos casos de apresentação de petições, contestações ou interposições de recursos, mas a apresentação destes articulados por mais que um autor, réu ou recorrente é raro.
Mesmo nestas situações afigura-se-nos que a aplicação imediata da sanção prevista no nº 3 é demasiado gravosa uma vez que outras situações existem no C.P.C. em que são dadas às partes mais oportunidades. Com efeito, por exemplo, no caso de não junção com a petição inicial do comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário, que dá origem à recusa da petição pela secretaria, pode o autor apresentar nova petição ou juntar o documento em falta no prazo de 10 dias considerando-se a decisão proposta da data da apresentação da primeira petição (art. 558º f) e 560º do C.P.C.) ou, no caso da contestação sem junção de tais documentos, primeiro a secretaria notifica o réu para efectuar o pagamento omitido com o acréscimo de multa e caso persista a não junção o juiz ainda convida o réu a proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa nos termos do art. 570º nº 3 e 5 do C.P.C. e só depois determina o desentranhamento da contestação. Assim, afigura-nos que, num momento prévio, deve o tribunal convidar o mandatário em falta a aderir como decidiu o Ac. da R.L. de 17/11//2011, in www.dgsi.pt.
No caso sub judice, não carecendo o requerimento de reclamação do despacho proferido da intervenção de mais do que um advogado, conclui-se pela não aplicação do disposto no art. 12º nº 3 da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto.
Acresce que outro entendimento conduziria à inconstitucionalidade do referido art. 12º nº 3 da Portaria por violação do art. 112º da Constituição da República Portuguesa que prevê os actos normativos existentes na nossa ordem jurídica sendo certo que a Portaria em causa exorbita a sua função ao prever uma tal sanção. A questão da inconstitucionalidade deste preceito já foi suscitada junto do Tribunal Constitucional, mas este Tribunal tem decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso (ex. Acordão nº 223/2011 do T. Constitucional de 03/05/11).
No sentido defendido vide Ac. da R.L. de 17/11/2011 e da R.E. de 06/03/2012, disponíveis em www.dgsi.pt.
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Sumário – 663º do C.P.C.:

I – Atento o disposto no art. 12º nº 1 da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto este preceito aplica-se às situações em que a peça processual deva ser assinada por mais do que um mandatário e não às situações em que pode sê-lo.
II - A ratio do preceito em causa prende-se com a apresentação de requerimentos conjuntos por parte de mandatários das diferentes partes.
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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a Apelação e em revogar a decisão recorrida.
Sem custas.

Guimarães, 09/11/2017

(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)