Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5088/10.3TBBRG-B.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
MULTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. O prazo de 30 dias para a dedução dos embargos de terceiro tem natureza judicial.
II. Aplica-se a tal prazo o art. 145º nºs 5 e 6 do CPC.
III. Tendo os embargos sido apresentados dentro dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, sem que o embargante tenha requerido o pagamento da multa, compete à secretaria cumprir o nº 6 da citada norma.
IV. Não o tendo feito, não podia o tribunal julgar imediatamente procedente a exceção da caducidade que foi invocada pelo embargado.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

J… deduziu, em 27 de abril de 2013 e por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que C…, S.A. instaurou contra J… e mulher M… e Outros, e onde foi penhorado um imóvel, os presentes embargos de terceiro.
Além do mais que para o caso não importa, alegou que teve conhecimento da penhora em 27 de março de 2013.
Os embargos foram recebidos.
A Embargada C…, S.A. apresentou contestação.
Entre o mais que para o caso também não importa, invocou a caducidade do procedimento, alegando que o Embargante já em 15 de março de 2013 tinha conhecimento da penhora, data em que requerera o benefício do apoio judiciário, e daqui que apresentou os embargos para além do prazo legal de 30 dias.
O Embargante replicou, não recusando ter tido conhecimento da penhora nesta última data. Mais requereu a emissão de guias para pagamento da multa devida nos termos do art. 145º do CPC.
Foi de seguida proferida decisão que julgou procedente a exceção da caducidade.
Afirmou-se, para o efeito, em síntese, que entre a data do dito conhecimento da penhora (15 de março de 2013) e a apresentação dos embargos haviam transcorrido, descontado o período das férias judiciais da Páscoa, 34 dias. Assim, mesmo mediante a faculdade prevista no nº 5 do art. 145º do CPC, os embargos não podiam ter-se por atempados.

Inconformado com o assim decidido, apela o Embargante.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:

A) Proferida a sentença, se a matéria controvertida puder sustentar quer o pedido da sua reforma (art° 669° n°2 do CPC) quer o recurso da mesma, de uma forma prévia e autónoma, posto que concomitantemente com a interposição do recurso e nas suas alegações, a parte inconformada deve suscitar ao tribunal a quo tal reforma.
B) O Mmº Juiz a quo, fez a contagem do prazo, englobando o dia 25 do mês de Abril de 2013, como dia útil, quando o mesmo é considerado feriado nacional e, como tal dia não útil.
C) Tendo terminado o prazo de 30 dias no dia 23 de Abril de 2013 e a prática de ato fora de prazo, para ser tempestivo teria de ser praticado até ao 3.º dia útil subsequente ao seu termo, temos que esse 3.º dia útil foi o dia 29 de Abril e não, como diz a sentença, o dia 26 de Abril, porque o primeiro dia útil foi o dia 24 de Abril, quarta-feira; o dia 25 de Abril, quinta-feira, foi feriado nacional e, como tal, dia não útil; o 2.º dia útil foi o dia 26 de Abril, sexta-feira; os dias 27 e 28 de Abril foram, respetivamente sábado e domingo e, como tal, dias não úteis; e o 3.º dia útil foi o dia 29 de Abril, segunda-feira.
D) Assim, tendo os embargos sido deduzidos no dia 27 de Abril, entende o embargante, pelas razões expostas, que não se encontra esgotado o prazo de 30 dias previsto no art.º 353.º, n.º 2 do CPC, acrescido de três dias).
E) E assim sendo, como é, os embargos de terceiro, teriam dado entrado em juízo, no terceiro dia útil subsequente ao seu termo, o que com o pagamento da respetiva multa nos termos do artigo 145.º, n.º 5 (como foi requerido) tornava a instauração dos mencionados embargos de terceiro, perfeitamente tempestivos.
F) Na sentença em crise, verifica-se que o Mm.º Juiz a quo, por lapso manifesto, não tomou em consideração, na contagem do respetivo prazo para a dedução dos embargos de terceiro, que o dia 25 de Abril de 2013 foi feriado nacional e como tal dia não útil.
G) E, como consequência disso, o M.º Juiz a quo foi impelido a julgar improcedentes, por extemporaneidade, os presentes embargos de terceiro.
H) Estão assim reunidos todos os pressupostos de facto e de direito para que tenha lugar a reforma da sentença nos termos do art. 669°, n° 2, al. b ), do C.P.C., devendo ser reconhecido pelo próprio juiz que proferiu a sentença, a tempestividade dos embargos de terceiro deduzidos pelo recorrente.
I) O recurso apenas terá seguimento se a reforma for indeferida.
J) Após a revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro deixaram de ser tratados como ação possessória, passando a ser regulados entre os incidentes de instância, classificados como incidente de oposição.
K) Apesar de configurados processualmente como incidente de instância, os embargos de terceiro continuam a manter a estrutura de uma ação declarativa, pelo que lhe é aplicável o estabelecido no artigo 145º, nºs 5 a 7 do Código de Processo Civil.
L) Porque tempestivos, porque entregues no 3º., dia útil, findo o prazo, conquanto ainda com o pagamento da respetiva multa (artº. 145.º, n.º 5, CPC), deveriam os embargos serem admitidos.
M) Ao rejeitar os presentes embargos de terceiro, o Mm.º Juiz a quo, violou o disposto nos artigos 145º, nºs 5 a 7, 353.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (na redação anterior á Lei nº 41/2013, de 26/6).

Termina dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida.

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A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.

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Na 1ª instância foi proferido despacho que desatendeu o pedido de reforma da decisão recorrida conforme vem suscitado na alegação de recurso do Embargante.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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É questão única a conhecer:
- A de saber se podia ser julgada procedente a exceção da caducidade ou se, ao invés, havia que notificar para pagamento da multa devida no contexto do art. 145º do CPC.

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Plano Fatual:

A decisão recorrida elenca como provados os fatos seguintes:

1. Nos autos de Execução Comum nº 5088/10.3TBBRG, à qual os presentes se encontram apensos, foi penhorado o seguinte bem imóvel: prédio urbano – casa de rés-do-chão e três andares, sito na Rua 11 de Março n.º 117, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º 3157/Custoias e inscrito na respetiva Matriz Predial Urbana sob o artigo 3354;
2. O Embargante requereu junto do serviços competentes da Segurança Social a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o presente processo no dia 15.03.2013;
3. Os presentes embargos de terceiros deram entrada em juízo no dia 27.04.2013.

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Embora não o tenha discriminado como fato provado na rubrica dos fatos provados, a decisão recorrida mais considera que pelo menos em 15 de março de 2013 o Embargante tinha conhecimento da penhora; e foi, aliás, em função de tal estrito pressuposto fatual que acabou por considerar verificada a caducidade. Este conhecimento não vem impugnado no presente recurso, pelo que acresce necessariamente à matéria de fato provada acima elencada que em tal data o Embargante tinha conhecimento da penhora.

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Quid juris?

O prazo de que o Embargante dispunha para deduzir a presente oposição mediante embargos de terceiro era de 30 dias sobre o conhecimento da penhora. É o que resulta do art. 353º nº 2 do CPC anterior, que é o aplicável ao caso, por vigente à data dos fatos ora sob escrutínio.
Sabe-se, de certo, que esse conhecimento existia em 15 de março de 2013. Se existia em anterior data (que teria que vir minimamente concretizada), nada vem provado que o diga e, ademais, nem sequer a Embargada Caixa Geral de Depósitos, S.A. o alegou.
Os embargos de terceiro, pese embora, desde a reforma processual de 1995, não serem legalmente catalogados como uma ação de processo especial (senão como incidente da instância, uma subespécie da oposição espontânea), não deixam de ser uma verdadeira ação (declarativa de mera apreciação) enxertada no processo onde foi cometida a ofensa ao direito de quem embarga (cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., p. 298).
Como assim, aplica-se-lhe sem dúvida o nº 4 do art. 144º do CPC e, em decorrência, o nº 1 da mesma norma.
O que significa que, descontado portanto o período das férias judiciais da Páscoa (24 de março a 1 de abril de 2013), o prazo de que o ora Embargante dispunha para apresentar os embargos expirou no dia 23 de abril de 2013.
Todavia, está implicitamente aceite na decisão recorrida que não estaria afastada a possibilidade dos embargos serem admitidos para além do referido prazo, isto por aplicação do regime dos nºs 5 e 6 do art. 145º do CPC. Tal resulta claro do seguinte inciso da decisão recorrida, e passamos a transcrever: «Com efeito, efectuados os correspondentes cálculos, o prazo de 30 dias previsto no art. 353º nº 2 do CPC havia já terminado no dia 23 de Abril de 2013 (uma Terça-feira), pelo que a faculdade prevista no art. 145º nº 5 de validação da prática do acto fora de prazo, desde que praticado no terceiro dia útil subsequente ao seu termo, não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que o terceiro dia útil era o dia 26-04-2013 (uma Sexta-feira). Nesta conformidade, tendo os embargos sido deduzidos no dia 27-04-2013, não restam dúvidas de que já se encontrava, então, esgotado o prazo de 30 dias previsto no referido art. 353º nº 2 do C.P.C., acrescido de três dias úteis».
Ora, a nosso ver, e sabendo embora que se trata de assunto controvertido na jurisprudência, o prazo para a dedução dos embargos de terceiro tem natureza judicial e não substantiva. Pois que, como aponta Lebre de Freitas (v. Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, p. 478) «não se está perante um prazo estabelecido para o exercício dum direito substantivo que, não exercido, se extingue (art. 298-2 CC), mas perante um prazo para a oposição a um acto judicial (a penhora) praticado em execução duma decisão também judicial (o despacho que a ordena)».
Tendo o prazo natureza judicial, aplica-se-lhe necessariamente o supra citado regime dos nºs 5 e 6 do CPC.
Este ponto de vista é adotado em jurisprudência vária, de que podem referir-se os acórdãos da RL de 19 de janeiro de 1999 (BMJ 483, p. 266), da RE de 6 de abril de 2000 (BMJ 496, p. 317) e da RE de 8 de março de 2007 (www.dgsi.pt). E também na doutrina (entre outros, v. Augusta ferreira Palma, Embargos de Terceiro, p. 79).
E dizer isto é o mesmo que dizer que até concordamos com os considerandos de que parte implicitamente a decisão recorrida.
Esta, porém, entendeu que os embargos foram deduzidos mesmo para além do terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo.
Mas não é assim.
Pois que, na realidade, o terceiro dia útil era o dia 29 de abril de 2013 (considerando que o dia 25 foi feriado), e o que é certo é que os embargos foram apresentados via Citius no dia 27 de abril de 2013.
Como assim, tendo o ato sido praticado no segundo dia útil e não se tendo o Embargante apresentado a pagar a multa, competia à secretaria cumprir oficiosamente o nº 6 do art. 145º do CPC, o que não foi feito. Da mesma forma que, suscitada que foi a questão na réplica, competia ao Mmº juiz mandar cumprir tal norma, mas nenhuma decisão foi atinentemente tomada. Observe-se que se tem entendido na jurisprudência que, constatada a omissão da notificação imposta pelo nº 6 do art. 145º, deve a mesma ser colmatada antes de se rejeitar o ato (v., embora reportados a situações diversas da presente, mas onde valem mutatis mutandis as mesmas razões, o Ac RL de 10.2.2000, BMJ 494, p. 388 ou o Ac do STJ de 9.12.1999, BMJ 492, p. 395).
O que significa que a exceção da extemporaneidade dos embargos só poderia ser julgada procedente se, cumprido o citado normativo, a multa devida não fosse paga. O que não foi o caso.
Procede assim a apelação.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando que se cumpra na 1ª instância o nº 6 do art. 145º do anterior CPC, seguindo depois o processo como ao caso competir.

Regime de custas:

A Apelada C…, S.A. é condenada nas custas da apelação.

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Sumário:
I. O prazo de 30 dias para a dedução dos embargos de terceiro tem natureza judicial.
II. Aplica-se a tal prazo o art. 145º nºs 5 e 6 do CPC.
III. Tendo os embargos sido apresentados dentro dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, sem que o embargante tenha requerido o pagamento da multa, compete à secretaria cumprir o nº 6 da citada norma.
IV. Não o tendo feito, não podia o tribunal julgar imediatamente procedente a exceção da caducidade que foi invocada pelo embargado.

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Guimarães, 20 de fevereiro de 2014
José Rainho
Carlos Guerra
José Estelita de Mendonça