Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
402/09.7GCGMR.G1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: APRECIAÇÃO DA PROVA
INDÍCIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A prova indiciária, circunstancial ou indireta, devidamente valorizada, permite fundamentar uma condenação quando os indícios são graves, precisos e concordantes.
II –Deve considerar-se provado que pertencem ao arguido as armas apreendidas no decurso de uma busca a sua casa, que apenas era habitada por ele e sua mulher (que não tem qualquer experiência com armas), tendo o arguido mantido um comportamento processual tendente a justificar ou atenuar a sua culpa, nomeadamente juntando documentos para demonstrar que tinha experiência de com munições, que serviu o Exército Português (na especialidade de “munições e artifícios”), que é colecionador de objetos; e requerendo o levantamento de objetos apreendidos.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães
I)
Relatório

No processo comum Singular supra referenciado do 3 Juízo Criminal de Braga, por sentença de 31.05.2013, foi para além do mais, decidido:
- Condenar o arguido Jorge M... pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos arts 86° n°1 d), 2° n°3 al. e) e 2° n°3 al. p) da Lei n° 5/2006, de 23/02, na redacção introduzida pela Lei n° 17/2009, de 6/05, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de e 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), num total de € 585,00 (quinhentos e oitenta e cinco euros).
Nos termos do art° 109° CP, declaram-se perdidas a favor do Estado as munições, as armas de ar comprimido e a reprodução de arma de fogo apreendidas à ordem dos presentes autos, as quais deverão ficar depositadas à guarda da PSP, que promoverá o seu destino (cfr. art° 78° da Lei n° 5/2006, de 23/02).
Ordenar a restituição ao arguido Jorge M... do chicote apreendido à ordem dos presentes autos, o qual deverá proceder ao seu levantamento no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, findo o qual passará a suportar os custos resultantes do seu depósito, sendo o mesmo declarado perdido a favor do Estado caso não proceda ao respectivo levantamento decorrido um ano (art° 186° n°s 2, 3 e 4 CPP).

Inconformado com a decisão condenatória, o arguido recorreu, terminando a sua motivação com conclusões São as conclusões que o recorrente extrai da motivação que definem o âmbito do recurso, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso – cfr. Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., pág. 335 e, entre muitos, Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tomo 1, pág. 247. .das quais se retira serem as seguintes as questões a decidir:
Saber se a busca realizada no domicílio do arguido padece de nulidade;
Da inexistência de factualidade integradora de responsabilidade contra-ordenacional por parte do recorrente, designadamente a prevista no artº 97º, nº 1 do RJAM e da revogação do segmento da decisão recorrida na parte em que declarou o perdimento a favor do Estado referente aos bens referidos nos pontos 4 e 5 da matéria de facto dada como provada,
Da valoração de prova proibida na fundamentação da sentença (a queixa apresentada contra o arguido);
Do erro notório na apreciação da prova, por violação de regras da experiência comum;
Da violação do princípio da livre apreciação da prova;
Da errada apreciação da prova quanto ao elemento subjectivo do crime;
Da aplicação ao arguido da medida de admoestação;

O arguido também interpôs recurso da decisão proferida a fls. 501 e 506 que lhe indeferiu uma reclamação que havia apresentado, suscitando à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
Saber se só após o trânsito em julgado da sentença é possível proceder à recolha das impressões digitais do condenado;
Saber se a recolha antes do trânsito em julgado deve ser considerada ilegal e inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência;
Saber se o facto de os dados pessoais do arguido ficarem sob a alçada da secretaria do tribunal até ao trânsito em julgado da sentença configura uma clara violação do disposto no art. 8° do DL n°381/98, de 27/11, por não observar as normas de procedimentos e protecção de dados previstos na Lei de Protecção de Dados Pessoais

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Admitidos os recursos, a eles respondeu a magistrada do Mº Pº junto da 1ª instância, concluindo pela sua improcedência.
O Exmo Procurador–Geral Adjunto emitiu parecer no qual conclui pela mesma forma.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo a seguinte a matéria da facto provada, não provada e a fundamentação de facto (transcrição):
1. No dia 11 de Março de 2010, pelas 18h20m, o arguido detinha em seu poder, no interior da sua residência sita na Travessa C Manuel Faria, 63, 1.° esquerdo, Braga e no interior da viatura automóvel por si utilizada com a matrícula 01-07-..., as seguintes armas e munições:
- 1 munição da marca "Cheddite", calibre 12, própria para armas da classe D;
- 1 munição da marca "Amusa", calibre 12, própria para armas da classe D;
- 1 munição da marca "G A", calibre 12, própria para armas da classe D;
- 1 munição da marca "FAM", calibre 12, própria para armas da classe D;
- 2 munições da marca "Hirtemberger", calibre 12, próprias para armas da classe D;
2 munições da marca "Fiocchi", calibre 12, próprias para armas da classe D;
2 munições da marca "Nobel", calibre 12, próprias para armas da classe D;
- 3 munições da marca "UEE", calibre 12, próprias para armas da classe D;
- 1 munição da marca "GB", calibre 12, própria para armas da classe D;
- 100 munições de calibre LR 22, próprias para armas da classe C;
25 munições da marca "G.F.L.", calibre 6,35mm, próprias para armas da classe B1;
- 1 munição para equipamentos militares de calibre 12,7;
- 1 chicote – cabo de fios de cobre, com comprimento total de 45 cm, cujo efeito é servir de empunhadura podendo ser utilizado como arma de agressão;
2. O arguido não era nem é titular de licença de uso e porte de arma.
3. O arguido previu e quis ter consigo as aludidas arma e munições, sabendo das suas características e que não era titular de documento que para o efeito o habilitasse.
4. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar o arguido ainda detinha:
35 munições para armas da classe G, calibre 4,5mm, de aquisição livre para armas da classe G;
- 1 arma de ar comprimido, calibre 4,5mm, comprimento de cano 16 cm;
1 arma de ar comprimido, marca Perfecta, modelo 55, comprimento de cabo 42,5 cm;
1 reprodução de arma de fogo, inscrição Padimaster, a qual no interior do cano tem uma resistência que quando accionada através do gatilho aquece com a finalidade de acender cigarros, tem a configuração de arma de fogo, pela sua apresentação e características pode ser confundida com uma pistola de calibre 6,35mm, arma da classe Bl;
Conhecia o arguido as características de tais objectos e que não era titular de licença de uso e porte de arma, nem autorização que o habilitasse a deter tais armas.
Agiu o arguido livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido Jorge M... não tem quaisquer antecedentes criminais.
Encontra-se reformado, auferindo de pensão de reforma cerca de €600,00 mensais.
A esposa encontra-se reformada, auferindo de pensão de reforma cerca de €200,00 mensais.
Tem um filho, que se encontra desempregado, a cargo.
Vive em casa própria.
O arguido Jorge M... serviu no Exército Português em 1960, tendo tido o posto de soldado e a especialidade de "Munições e Artifícios" e obtido um louvor no âmbito das suas funções.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou que o chicote apreendido ao arguido Jorge M... tivesse sido construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão.
Não se provou que o arguido seja um amante do coleccionismo e que, por essa razão, é que tivesse na sua posse a reprodução da arma de fogo que lhe foi apreendida.
Não se provou que as munições apreendidas ao arguido sejam propriedade do seu irmão -João M...- nem que este tivesse pedido ao arguido, pouco tempo antes da realização da busca, para guardar as munições na sua casa.
Não se provou que as munições de pistola 6,35mm e de calibre, 12,7 fossem do irmão do arguido, Augusto M..., nem que ele as tivesse deixado em casa do arguido há mais de 10 anos.
Não se provou que as armas de pressão de ar servissem para o arguido fazer tiro ao alvo juntamente com o seu filho.
Não se provou que o arguido Jorge M... nunca tivesse tido qualquer caçadeira, revólver ou arma.
Motivação:
O arguido Jorge M... não prestou declarações, no uso de um direito que, por lei, lhe assiste, à excepção dos factos respeitantes à sua situação económica.
Assim, a convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados baseou-se, antes de mais, nas declarações dos agentes da PSP Álvaro F..., Manuel G... e Manuel M..., os quais, de forma serena, precisa, segura, coincidente no essencial e, por conseguinte, credível descreveram a busca efectuada à residência e automóvel do arguido, bem como as diversas armas e munições que foram encontradas.
Acrescentaram ainda que o chicote apreendido poderia servir não só como arma de agressão, mas também para fustigar animais ou para outras actividades ("pode ser utilizado para muita coisa" disse o agente da PSP Manuel G...) e que, tanto quanto puderam aperceber-se, na residência que foi alvo da busca, só viviam o arguido e a esposa, pois o quarto do filho do arguido não aparentava estar a ser usado (nas palavras do agente da PSP Álvaro F..., existiam indícios que não estava a ser utilizado por ninguém).
Em segundo lugar, levou-se em conta o depoimento da testemunha Nuno T..., vizinho do arguido, o qual, de forma igualmente serena e segura, explicou que era ele quem conduzia o veículo automóvel com a matrícula 01-07-..., mas que tal veículo não era sua propriedade, tendo-lhe sido emprestado pelo arguido e que os objectos que foram apreendidos no seu interior, designadamente, o chicote, já lá estavam quando o arguido lhe emprestou o veículo, sendo certo que, desde então, nunca emprestou o automóvel a mais ninguém, sempre tendo estado na sua posse.
Por outro lado, esta testemunha, embora tivesse começado por afiançar que na residência do arguido também vivia um seu filho, acabou por frisar que não poderia assegurar com total certeza se, em 2010, assim era, tanto mais que o mesmo pertenceria à Polícia Judiciária e trabalharia em vários pontos do país, nomeadamente, no Porto e em Lisboa.
Em terceiro lugar, levaram-se em conta o auto de busca e apreensão de fis 72 e 73, o auto de busca e apreensão de fls 74, os autos de exame de tis 76 a 98 e 142 a 143 e a informação da PSP de fls 112 no sentido de o arguido Jorge M... não ser titular de licença de uso e de porte de arma.
Em quarto lugar, foram tidos em consideração o doc. de fls 266, o louvor de fls 267, a informação do Ministério da Defesa Nacional de fls 411 e a certidão de fls 412 e 413 devidamente analisados em sede de audiência de julgamento.
Veio o arguido, através do seu mandatário, em sede de alegações finais, suscitar a hipótese de as munições e armas que lhe foram apreendidas não lhe pertencerem, podendo pertencer à sua esposa ou até a um filho que, alegadamente, viveria na mencionada residência e pertenceria à Polícia Judiciária.
Deve desde já dizer-se que, em nenhum momento do despacho de pronúncia, se refere que o arguido fosse o proprietário das ditas armas e munições, mas sim que as detinha, isto é, que as mesmas estavam na sua esfera de disponibilidade.
Cumpre, porém, esclarecer como é que o Tribunal chegou à conclusão que era o arguido e não qualquer outra pessoa que detinha tais objectos.
Na formação da sua livre convicção, ao Tribunal não está vedada a possibilidade de retirar ilações dos factos probatórios, socorrendo-se de um raciocínio dedutivo ou indutivo, apoiado nos princípios da lógica e fundamentado nas regras de experiência comum.
Sob pena de incontornável frustração de qualquer tentativa de apreensão exacta da realidade sujeita a comprovação judicial, exige-se do julgador que, uma vez confrontado – como não raras vezes sucede no universo da criminalidade em que nos situamos – com a ausência de testemunhos completos e auto-suficientes, proceda a uma apreciação global e correlativa de toda prova produzida, valorando-a dialecticamente e inferindo a partir dos factos expressamente afirmados aqueles outros que são sugeridos por um critério de experiência comum.
O caso dos autos é um exemplo paradigmático de como as regras de experiência comum permitem, a partir de determinados factos provados, inferir outros que estão numa relação lógica com os primeiros.
Efectivamente, todos os indícios, se devidamente concatenados, apontam numa direcção (a de ser o arguido Jorge M... o detentor das armas e munições que lhe foram apreendidas), não deixando margem razoável a qualquer outra explicação alternativa.
Ora, como se decidiu no Ac. RG de 19/01/2009 (Relator: Juiz Desembargador Cruz Bucho), in www.dgsi.pt., "A prova indiciária, circunstancial ou indirecta, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação quando, como refere o art° 192° do CPP Italiano, os indícios são graves, precisos e concordantes."
No caso vertente, dúvidas não existem que os indícios existentes contra o arguido são todos eles graves, precisos e concordantes, o mesmo é dizer são persuasivos, inatacáveis e convergem todos no mesmo sentido.
Vejamos em que termos.
Em primeiro lugar, a busca efectuada, que teve como corolário a apreensão das referidas armas e munições, desencadeou-se com base numa queixa efectuada contra o arguido, dando conta que esse tinha na sua posse várias armas.
Em segundo lugar, aquando da busca efectuada, constatou-se que quem habitava na referida residência era apenas o arguido e a sua esposa (que é reformada e não tem, ou pelo menos não foi alegado que tivesse, qualquer experiência com armas e/ou munições). Não existe a mínima prova que tal residência também fosse habitada pelo filho do arguido, muito menos que as ditas armas e munições lhe pertencessem. Tal prova era extremamente fácil de ser feita caso o arguido pretendesse pôr em causa todos os indícios que contra ele já existiam.
Em terceiro lugar, o arguido esteve presente na parte final da busca efectuada e assinou o respectivo auto.
O veículo onde foram encontrados alguns dos objectos apreendidos pertencia ao arguido, tendo por ele sido emprestado a terceiros.
Nunca ao longo de todo o processo (nem sequer em audiência de julgamento, nem mesmo aquando das últimas declarações) o arguido pôs em causa que detivesse as armas e munições que lhe foram apreendidas. Tão pouco levantou a mais pequena suspeita que assim não fosse. Só o fez em sede de alegações finais e através do seu advogado.
O comportamento processual do arguido é completamente incompatível com o facto de as armas e munições que lhe foram apreendidas não lhe pertencerem ou, pelo menos, não estarem na sua posse.
E note-se que não nos estamos a referir à contestação apresentada, na qual o arguido assume claramente que detinha as referidas armas e munições, pois tal peça processual está subscrita pelo seu mandatário, não tendo, evidentemente, o valor de confissão.
Porém, é o arguido (só ele poderia fornecê-los ao seu mandatário, já que este não teria conhecimento próprio da existência dos mesmos) quem junta aos autos documentos para se justificar ou atenuar a sua culpa por ter na sua posse armas e munições, nomeadamente fotografias para demonstrar que é coleccionador de objectos (cfr. fls 265), cópia de um antigo bilhete de identidade da Escola Prática de Cavalaria (cfr. fls 266), de um antigo louvor (cfr. fls 267), ou requerendo a junção de outros para comprovar que tinha experiência com munições (cfr. docs de tis 411 a 413, onde se dá conta que o arguido serviu no Exército Português, que teve o posto de soldado e que a sua especialidade era precisamente "Munições e Artifícios")
Por último, é o arguido quem ao longo do processo vem requerendo o levantamento dos diversos objectos que foram apreendidos e que lhe têm vindo a ser entregues (veja-se por exemplo o auto de entrega de fls 410).
Sempre se diga ainda que, se por completo absurdo, se pudesse afirmar que era a esposa do arguido (reformada e sem qualquer experiência em armas e munições) quem detinha os referidos objectos, então estaríamos perante uma detenção partilhada com o arguido, pois é óbvio que este tinha conhecimento da sua existência e habitava na residência onde tais objectos foram encontrados.
Perante tudo isto, a dúvida suscitada pelo mandatário do arguido em sede de alegações finais não tem qualquer razão de ser, pois não só ignora as mais elementares regras de experiência comum e os juízos de normalidade como é contrária a toda a realidade processual.
A prova do elemento subjectivo é sempre indirecta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras de experiência comum. Desta perspectiva, pode certamente dizer-se que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo da ilicitude da sua conduta.
Quanto à situação pessoal e económica do arguido, as suas declarações, as quais se mostraram credíveis.
No que concerne aos seus antecedentes criminais, o CRC de fls 416, devidamente analisado em sede de audiência de julgamento.
Relativamente aos restantes factos não provados, cumpre dizer que nenhuma outra prova se produziu em audiência que permitisse dar como provados outros factos para além dos que, nessa qualidade, se demonstraram.
***
RECURSO DA SENTENÇA:
Da nulidade da busca domiciliária:
Argumenta o recorrente que não existiam indícios da prática de crime nem que existissem objectos com ele relacionados e guardados no seu domicílio.
Mas sem razão.
Na verdade, da leitura dos autos retira-se que MP e JIC consideraram indiciada a prática pelo arguido Jorge M... de um crime de ameaça agravado.
E como se vê a fls. 3, o queixoso Fernando Gomes diz ter sido “ameaçado de morte” pelo arguido e que o mesmo “anda armado, é perigoso e inclusive já lhe mostrou várias armas de fogo” “ficou com bastante receio devido à forma como o denunciante o ameaçou”.
Por seu turno a testemunha José E... afirma que “já tinha ouvido que outrora o denunciado era portador de armas e catanas dentro do seu carro” e que já viu o denunciado “com uma bengala de ferro ou aço, na via pública”.
Pois bem, a busca constitui, como é sabido, um meio de obtenção de prova, permitindo colher no processo meios probatórios.
Dispõe-se no artigo 178° do CPP sob a epígrafe "Objectos susceptíveis de apreensão e pressupostos desta":
1. São apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de prova.
Por seu turno no artigo 174°, nºs 1 e 2 do CPP, preceitua-se:
"1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com o crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2. Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca"
Ora, ao contrário do que pretende o recorrente configuram-se, a nosso ver, in casu, os requisitos para accionar tal meio de obtenção de prova. Com efeito e atentando no teor da referida queixa e no testemunho do José E... é patente que existiam indícios, isto é, fortes sinais de que o arguido detinha armas, designadamente de fogo, sendo perfeitamente previsível como se refere no despacho de pronúncia, que o recorrente as detivesse na respectiva habitação e não apenas no carro como se veio a comprovar. Relembre-se que o queixoso fala em ameaças de morte, considerando o arguido perigoso, e que já havia exibido várias armas de fogo. E essas referências a armas que até poderiam servir para a comissão de um qualquer outro crime maxime contra a integridade física justificam a promovida busca domiciliária. Nestes termos, bem andou o Srº Juiz de instrução ao considerar que, in casu, se encontravam reunidos os pressupostos legais para a busca no domicílio do arguido e bem assim que esta se mostrava provida de interesse probatório, deferindo, pois, a requerida passagem de mandados de busca.
E tal conclusão não é abalada face ao teor das declarações prestadas pelo ofendido no dia 11 de Março de 2010 Nesse dia o ofendido Fernando Gomes vem, de facto, dizer nos autos que afinal “nunca tinha visto o denunciado nem nunca lhe viu nenhuma arma de fogo”, contrariando aquilo que havia afirmado na queixa que apresentou., uma vez que nessa altura já havia sido definido o quadro factual que justificou legalmente a emissão dos respectivos mandados.
Tão pouco se pode acusar o despacho proferido a fls. 35 de falta de fundamentação. Na verdade, se é certo que o mesmo não prima pela sua perfeição, não é menos verdade que a sua leitura permite perceber qual o delito em causa (ameaça agravada), o seu autor, as concretas disposições legais que o caso convoca e bem assim, os concretos meios probatórios que em termos indiciários suportaram a decisão (os elementos de prova carreados para os autos expressamente referidos na promoção do Mº Pº - auto de queixa e o testemunho de fls. 27).
Cumpre também referir que as críticas que o arguido dirige quanto à forma como decorreu o auto de busca, não procedem.
Assim e quanto à suscitada questão da violação das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido, por não observância do preceituado no artº 176º, do CPP, importa desde já dizer que lido o auto de busca que constitui fls. 72-73, do mesmo se retira que tal diligência “foi presenciada pela esposa do visado, também ali residente (na habitação do arguido), Rosa da Conceição Vieira”, a quem foi entregue “triplicado do presente mandado e do douto despacho que o determinou”. Ou seja, não se encontrando presente no início da busca o recorrente foi dado conhecimento do despacho que determinou a busca à pessoa que também tinha a disponibilidade do lugar em que a diligência se realizou, isto é, à esposa do arguido. Certo é também que quando se procedia à busca na garagem surgiu o “visado, conduzindo o veículo de matrícula 31-HÁ-56, sendo então sujeito a revista pessoal, tal como a viatura foi buscada, nada sendo encontrado que servisse de prova aos autos. Assim, assistiu ainda à parte final da diligência que incidia sobre a garagem”. O auto de busca foi então assinado, para além do mais, pelo arguido.
Ora é um facto que no auto em causa não consta que haja sido dada cópia do despacho que determinou a busca ao arguido/recorrente. Mas tal não significa que lhe tenham sido retiradas garantias de defesa, como defende o recorrente. É para nós claro que ao assinar o auto nos exactos termos em que o fez, depois de ainda assistir à parte final da busca, o arguido teve todas as possibilidades de se esclarecer quanto aos fundamentos da decretada diligência. E convém relembrar que foi entregue à esposa do arguido Rosa Vieira cópia do despacho que ordenou a busca, justamente porque o arguido não se encontrava em casa nessa altura. Tanto basta para dar observância ao formalismo que é exigido pelo artº 176º do CPP. De todo o modo se dirá, citando o Ac. do STJ de 8 de Novembro de 1995, pág.238, referido pelo arguido nas motivações de recurso que “A falta de entrega de cópia do despacho que determinou a busca à pessoa que a esta assistiu, inobservando o disposto no artº 176º do CPP, constitui, quando muito, nulidade suprível, sanada por falta da respectiva arguição até ao encerramento do debate instrutório”. Ora, in casu, o arguido não invocou a nulidade da busca com o fundamento na não notificação dos fundamentos da mesma ou na falta de entrega da referida cópia que autorizou a busca domiciliária na fase instrutória e, por isso, sempre tal vício haveria de considerar-se sanado.
Em suma, a prova que foi obtida através da busca à residência do arguido tem de considerar-se válida, uma vez que não foi violado o artº 126º, nº 3 do CPP Não será despiciendo sublinhar que “a busca realizada na casa do arguido sem o seu consentimento constitui procedimento ressalvado no nº 3 do artº 126º do CPP, quanto à regra da nulidade das provas obtidas mediante intromissão no domicílio sem o consentimento do respectivo titular “- Cfr. o citado Ac. do STJ de 8.11.95 –BMJ 451, pág. 238..
Suscita também o arguido a questão da validade dos mandados de busca, por em seu entender a busca ter sido realizada para além do 30 dias previstos legalmente. Considera, assim, que “a sentença recorrida valorou prova que não podia valorar por proibida, pelo que deve considerar-se nula nos termos do art 379º, nº 1, c) do CPP”.
Mas também neste ponto não lhe assiste razão.
Na verdade, resulta dos autos que não obstante a busca ter sido decretada em 4 de Fevereiro de 2010 (cfr. fls.35), como o arguido reconhece, o certo é que tal diligência acabou por ser devidamente validada mais tarde, em 4 de Março de 2010 (cfr. fls. 54), por entretanto ter ocorrido erro na emissão dos primitivos mandados, tal como decorre das peças processuais e despachos que constituem fls. 44 a 53.
Daí que tendo a busca sido realizada no dia 11 de Março de 2010, tem-se por observado o prazo de 30 dias fixado no artº 174º, nº 4 do CPP.
Em conclusão dir-se-á que nenhum fundamento existe para pôr em crise a diligência de busca, tal como consta do respectivo auto, visto que observou-se o horário fixado pelo nº 1 do artº 177º, bem como as formalidades prescritas no nº 1 do artº 176º do CPP
Improcede, pois o recurso nesta parte.

b) Da matéria contra-ordenacional:
O Senhor juiz a quo seguindo a tese acolhida na decisão instrutória, condenou o recorrente apenas pela prática de um crime de detenção de arma proibida, por ter considerado e a nosso ver bem, haver uma relação de consunção entre o referido delito e a contra-ordenação de que vinha acusado.
Considera, no entanto, o arguido que inexiste facticidade integradora de matéria contra-ordenacional e, por isso, deve a sentença ser revogada nesta parte, tal como a decisão de perdimento dos objectos descritos no ponto 4) dos factos provados.
Ora tendo em conta o enquadramento jurídico que foi feito da apurada conduta do arguido E em matéria de subsunção jurídica do comportamento delituoso do arguido reafirmamos de novo, que nada temos a censurar, uma vez que concordamos inteiramente com a tese do concurso aparente, pelas razões invocadas na decisão instrutória., não importa estar a discutir se os concretos factos praticados pelo arguido preenchem ou não a contra-ordenação que lhe era imputada na acusação, face ao preceituado nos artº 20º e 21º, nº 1, al. a) do RGCO. Ou seja, o arguido é punido apenas a título de crime «sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação (citado artº 20)”, sendo que tais sanções estão prevenidas no citado artº 21º, nº 1, a).
Daí que apesar do esforço argumentativo do recorrente, o recurso terá de improceder também neste particular.

c) Da valoração de provas proibidas:
Alega o arguido que “o tribunal a quo não podia valorar a queixa apresentada contra si na fundamentação, por um lado porque se trata de prova proibida e não produzida em audiência de julgamento e, por outro, porque, relativamente aos indícios relativos à busca, o queixoso desmentiu a queixa ainda em inquérito”.
Pois bem.
É orientação pacífica na jurisprudência dos nossos tribunais a de que o nº 1 do artº 355º, do CPP visa «tão só evitar que o tribunal possa formar a sua convicção, alicerçando-se em material probatório não apresentado e junto ao processo pelos diversos intervenientes e relativamente ao qual não tenha sido exercido o princípio do contraditório Por significativos sobre esta matéria podem ver-se, entre outros, os ac. do STJ de31.05.2006 (processo 06PI412, Rel. Sousa Fonte e Ac. RP de 20.10.2004, Proc 0442822, Rel. Agostinho Freitas, citados no CPP Anotado de Vinício Ribeiro, pág. 726.».
Na verdade, encontrando-se os documentos no processo, tendo os sujeitos processuais integral acesso aos autos na fase de julgamento, não há razão para que os mesmos não devam servir para formar a convicção do tribunal, sejam ou não lidos em audiência, pois nada obsta que sobre eles seja exercido o contraditório pelas variadas formas que a lei prevê. Não há violação de qualquer princípio.
A simples leitura de todos os documentos traduzir-se-ia, na maior parte dos casos, em pura perda de tempo.
Aplicando estes princípios ao caso dos autos, dúvidas não subsistem de que a valoração da queixa apresentada contra o recorrente foi feita de forma válida e legal, por não violar qualquer princípio constitucional O TC no seu Ac. 87/99, DR, II série, de 1 de Julho de 1999, debruçou-se sobre a questão de saber se «I - as normas dos artºs 127, 355 e 165º, nº 2, do CPP, quando interpretadas no sentido de que o tribunal de 1ª instância pode formar a sua livre convicção com base em documentos constantes dos autos, não lidos, nem explicados em audiência, frustra o princípio da publicidade da audiência de julgamento do arguido, consagrado no artº 209º da CRP, por impedir o controlo público da aplicação da justiça. II – A leitura e explicação do conteúdo dos documentos na audiência é indispensável ao acompanhamento por parte do público, da formação da convicção do julgador, melhor garantindo o direito de defesa do arguido, consagrado no artº 32º da CRP», tendo-se pronunciado pela sua não inconstitucionalidade. ou norma processual, designadamente a do artº 355º do CPP.
Por outro lado, é totalmente irrelevante a invocação pelo recorrente sobre o que terá deposto, em sede de inquérito, o queixoso, face ao preceituado no artº 355º, nº 2 do CPP.
Daí que também neste particular o recurso não pode deixar de improceder.

d) Da discordância quanto à forma como o Senhor Juiz apreciou a prova:
Na perspectiva do recorrente a prova produzida nos autos é manifestamente insuficiente para suportar a matéria de facto dada como assente no ponto nº 1.
Assim alega que perante o teor dos testemunhos prestadas em julgamento pelos agentes da PSP, que em larga medida contribuíram para formar a convicção do senhor Juiz a quo, “quando muito na sentença recorrida, poder-se-ia chegar a um estado de dúvida e não de certeza quanto ao facto de o filho do arguido viver ou não na aludida habitação”.
Ora toda a argumentação que o recorrente aduz tendente a concluir pela insuficiência de elementos probatórios para fixar os factos impugnados, mais não é do que uma análise da prova produzida no julgamento e consequente extracção de conclusões que o arguido tem por pertinentes.
Na realidade, o recorrente não fez as especificações previstas no artº 412º, nºs 3 e 4 do CPP. Limitou-se a fazer a sua própria análise crítica da prova para concluir que o essencial dos factos que o responsabilizam (a detenção das referidas armas na sua residência e na sua viatura automóvel) deveria ter sido considerada como não provado. Mas o momento processualmente previsto para o efeito é o das alegações finais orais a que alude o artº 360º do CPP Neste sentido pode ver-se o Ac. desta Relação relatado pelo Sr. desembargador Fernando Monterroso, de 18.12.2012, no proc. 384/11.5PBVCT.G1.. A impugnação da decisão da matéria de facto não se destina à repetição, agora por escrito, do que então terá sido dito. Fica-se a saber qual teria sido a decisão se o arguido/recorrente tivesse sido juiz do seu próprio caso, mas isso nenhumas consequências pode ter, pois é ao juiz e não a outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam, que compete o ofício de julgar. Verdadeiramente, nesta parte, a procedência do recurso implicava que a Relação censurasse o tribunal recorrido por, cumprindo a lei, ter decidido segundo a sua livre convicção conforme lhe determina o artº 127º do CPP.
Ainda assim dir-se-á respondendo às críticas dirigidas à motivação da decisão impugnada, que a mesma se mostra suficientemente fundamentada indicando com precisão e clareza a razão pela qual foram valorizados os depoimentos dos agentes da PSP, Álvaro F..., Manuel G... e Manuel M... – “os quais, de forma serena, precisa, segura, coincidente no essencial e, por conseguinte, credível descreveram a busca efectuada à residência e automóvel do arguido, bem como as diversas armas e munições que foram encontradas”, o depoimento do Nuno T..., vizinho do arguido o qual depôs “de forma igualmente serena e segura”, o auto de busca e apreensão e apreensão de fls 72 e 73, o auto de busca e apreensão de fls 74, os autos de exame de fls 76 a 98 e 142 a 143 e a informação da PSP de fls 112 no sentido de o arguido Jorge M... não ser titular de licença de uso e de porte de arma.
O processo de convicção que ressalta da motivação afigura-se-nos lógico e racional, não violando as regras da experiência na apreciação da prova.
De resto, a análise crítica feita na sentença pode considera-se exemplar na medida em que esclarece de foram clara e transparente todo o processo seguido para chegar às conclusões tiradas da prova produzida. Assim, fica-se a saber as razões pelas quais se afastou a hipótese aventada pelo arguido de as armas apreendidas ao recorrente não serem da sua pertença, como então foi alegado no julgamento.
Ainda assim, é entendimento do arguido que “o tribunal a quo não lançou mão das regras da experiência comum, mas fez apelo à sua própria convicção íntima, imotivada e imotivável” e que “a fundamentação da sentença viola o princípio da livre apreciação da prova, chega a conclusões relativamente à detenção da arma que não derivam da prova produzida em audiência, mas sim de ilações não permitidas pelas regras da experiência comum que não são regras da experiência do julgador
Pois bem, como já se referiu, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, nos termos do artº127º do C.P.P., o que significa que, em regra Regra que sofre algumas excepções ou “limites”, assim lhes chama Castanheira Neves – Sumários de Processo Criminal – Coimbra 1968., “designadamente, as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art.169.º); ao caso julgado, não obstante este apenas se encontrar indirectamente regulado no CPP, a propósito do pedido cível (art.84.º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (art.344.º) e à prova pericial (art.163.º)”. , o julgador não fica adstrito a critérios apriorísticos e valorativos - não existem provas previamente tarifadas ou de maior valor que outras.
Mas porque livre convicção não é o mesmo que apreciação discricionária e/ou arbitrária nem mesmo íntima convicção do julgador, o artº379º do C.P.P. impõe que a sentença, sob pena nulidade (al.a) do nº1), para além de enumerar os factos provados e não provados, contenha a exposição dos motivos que fundamentam a decisão e a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (nº2 do artº374º).
E, neste aspecto, nunca é demais repetir, a sentença é exemplar na análise concisa mas completa que faz da prova – testemunhal e documental - e na exposição do processo lógico-dedutivo seguido para chegar aos factos provados, assente em toda essa prova devidamente conjugada.
Na valoração da prova, é sabido, há que distinguir dois momentos:
- o primeiro, relativo à credibilidade que merecem os meios de prova, dependente substancialmente da imediação, da percepção directa da prova pelo julgador, em que a componente psicológica e instintiva é determinante, não é passível de controlo em recurso, pois não é possível entrar no processo mental íntimo do julgador que o leva a valorar determinadas atitudes, gestos, reacções, etc..
Como, a propósito, se escreve no Ac. do STJ de 27/02/2003 http://www.dgsi.pt/jstj., «O valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.
A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características a atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas.
O Tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.».
- o segundo, o juízo sobre a prova, é já um aspecto objectivo em que se impõe que o julgador dê a conhecer as razões que apoiam a decisão adoptada, deixando claro o processo intelectivo que a tal o conduziu, por forma a permitir ao tribunal de recurso verificar se não foram violados os princípios da lógica, as regras da experiência e dos conhecimentos científicos.
Voltando de novo à alegação do recorrente de que a prova apresentada pela acusação é insuficiente para sustentar os factos dados como assentes em 1), na medida em que o tribunal a quo ao socorrer-se da prova indiciária e do critério da experiência comum terá violado o princípio da livre apreciação da prova, mais uma vez sublinhamos que não tem razão. Como é sabido, a convicção do tribunal não tem que assentar necessária e/ou exclusivamente em prova directa. Pode também assentar, na totalidade ou em parte, em prova indiciária ou circunstancial. Nada obsta a que na ausência de prova directa o tribunal possa deduzir racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indiciária pois, na formação da convicção não está o juiz impedido de usar presunções baseadas em regras da experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos. Ensina Vaz Serra Direito Probatório Material – BMJ 112/190. que “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência”. Mas “a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada por impressões. Ac. do STJ de 17/03/04 (Processso nº265/03), in http://www.dgsi..pt/jstj,nsf .
Sobre a prova indiciária escreve Santos Cabral Prova indiciária e as novas formas de criminalidade - http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/prova indiciarianovasformascriminalidade.pdf
: «Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz. A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto consequência em virtude de uma ligação racional e lógica…»
Sobre este mesmo assunto, escreve-se no Ac. da Relação de Lisboa de 04/07/2012 http://www.dgsi.pt/jtrl Os indícios recolhidos devem ser todos apreciados e valorados pelo Tribunal de julgamento em conjunto, de um modo crítico e inseridos no concreto contexto histórico de onde surgem. Nessa análise crítica global, não podem deixar de ser tidos em conta, a par das circunstâncias indiciadoras da responsabilidade criminal do arguido/acusado, também, quer os indícios da própria inocência, ou seja os factos que impedem ou dificultam seriamente a ligação entre o arguido/acusado e o crime, quer os “contra indícios”, isto é, os indícios de cariz negativo que a partir de máximas de experiência, exaurem ou eliminam a conclusão de responsabilização criminal extraída do indício positivo. Se existe a possibilidade razoável de uma solução alternativa, ou de uma explicação racional e plausível descoincidente, dever-se-á sempre aplicar a mais favorável ao arguido/acusado, de acordo com o princípio in dubio pro reo»
No caso dos autos em audiência de discussão e julgamento não foi produzida prova directa, designadamente, sobre os factos provados integradores do crime imputado ao recorrente, o que, de resto, seria muito difícil, a não ser que o arguido os confessasse o que não aconteceu, visto que se remeteu ao silêncio. Mas o tribunal a quo, ponderando e conjugando os depoimentos das testemunhas indicadas pela acusação e os documentos juntos, justificada e criticamente, como resulta da fundamentação de facto, convenceu-se de que efectivamente era o arguido e não qualquer outra pessoa, designadamente a sua esposa ou filho que detinha os objectos apreendidos Sem pretender aqui repetir os argumentos expendidos pelo Senhor juiz na motivação, não deixaremos de sublinhar a sua coerência e consistência. Na verdade, quer do que se retira da busca que foi concluída ainda com a presença do arguido, designadamente que apenas o recorrente e a sua esposa habitavam na referida residência, quer do facto de o veículo onde foram encontrados alguns objectos apreendidos pertencer ao arguido, quer ainda do comportamento do arguido evidenciado nos autos (o arguido pôs em causa ao longo de todo o processo – nem mesmo na fase das últimas declarações - que detivesse as armas e munições que lhe foram aprendidas) e também da circunstância de ter vindo a requerer o levantamento dos diversos objectos que lhe foram apreendidos é possível ilaccionar, à luz das regras da experiência que o recorrente era o detentor dos objectos em causa..
Acresce que da factualidade objectiva apurada, à luz das regras da experiência da vida, também permite o convencimento do tribunal a quo de dar como provada a actuação dolosa.
Como bem refere o Ac.RP de 23.02.93, citado por Maia Gonçalves, in CPP, em anotação ao artº 14º, «dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência».

e) Da apreciação da matéria de facto no âmbito do artº 410º, nº 2, do CPP:
Defende ainda o arguido que a decisão impugnada padece dos vícios do erro notório na apreciação da prova e da insuficiência para a decisão da matéria de facto.
Analisemos tais vícios para aquilatar se assiste razão à recorrente.
Dispõe o art.410.º nº2 do C.P.Penal: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
Erro notório na apreciação da prova.
O vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição.
Existe erro notório na apreciação da prova quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em patente oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio.
Analisando a sentença recorrida, não se verificam quaisquer dos vícios previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal.
O que acontece é que no caso vertente o arguido Jorge M... vislumbra aqueles vícios na divergência que tem relativamente à apreciação da prova que foi levada a cabo por parte do tribunal, isto é não concorda com os factos que foram dados como provados, o que, face a tudo quanto acaba de ser exposto nada tem a ver com os referidos vícios.
Na verdade no caso dos autos é bem evidente que o recorrente não aponta na decisão recorrida a falta de qualquer elemento que pudesse impedir o juízo de condenação, o que diz é que na sua perspectiva face à prova produzida a sua conclusão era diferente daquela que foi tirada pelo tribunal "a quo" (não se haver como provado que o arguido detinha as armas que foram apreendidas).
Só que essa divergência quanto à forma como o tribunal valorou a prova produzida, nada tem a ver com os vícios previstos no citado artº 410º, nº 2 a) e c) do C.P.P.
Uma coisa é a apreciação da prova pelo juiz que tem de decidir sobre os factos trazidos a juízo e outra a apreciação da prova feita pela recorrente.
Essa convicção, conforme o estatuído no artº 127º do C.P.P., é formada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção.
E a circunstância de os elementos probatórios analisados em audiência de julgamento haverem sido valorados de modo diferente do pretendido pelo recorrente não envolve qualquer violação dos critérios legais sobre apreciação de prova, como parece pretender ao arguido.
Em suma: segundo os meios de prova dos autos concluiu-se pela condenação do arguida Jorge M..., como autor de um crime de detenção de arma proibida, o que notoriamente não está errado, pois que, atentando na fundamentação da matéria de facto dada com assente, é patente que se não valorizaram provas contra as regras da experiência comum ou "contra legem", nem se afirmou algo de impossível verificação (em si ou por inconciliável ou contraditório com outro algo).
Como assim, do texto da decisão sob recurso, quer em si, quer conjugada com as regras da experiência comum não se mostram os apontados vícios.
Face a tudo o que acaba de ser exposto, acrescentaremos apenas que conforme resulta da análise da sentença recorrida o processo lógico de julgamento de facto levado a cabo pelo tribunal "a quo" com base no princípio da livre apreciação da prova e tendo em conta a fundamentação invocada para a mesma, não deixa qualquer margem para dúvidas que se mostram verificados todos os elementos de facto e de direito, objectivos e subjectivos, para se poder dizer que se mostra preenchido o crime que era imputado ao arguido.

f) Da aplicação da medida da admoestação:
Por fim defende o recorrente justificar-se, no caso, a aplicação da pena da admoestação.
O recorrente foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de e 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), num total de € 585,00 (quinhentos e oitenta e cinco euros), pela prática do crime de detenção de arma proibida.
A admoestação é uma pena de substituição de uma pena concreta de multa fixada em medida não superior a 240 dias (cfr. artº 60 do C. Penal).
Como refere Paulo Pinto Albuquerque “O critério de aplicação da admoestação é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização ou de prevenção geral, que constituem “as finalidades da punição” (…) – Cfr. Comentário do Código Penal à luz da CR e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pág. 209).
Na situação concreta, face à matéria de facto apurada, não podemos afirmar serem diminutas as exigências de prevenção especial de socialização O facto de o arguido ter obtido um louvor há cerca de 50 anos, no âmbito das suas funções não é suficiente para justificar uma diminuição acentuada das concretas exigências de prevenção, tendo em conta o comportamento processual do arguido que não assumiu os factos. .
Desde logo face à quantidade de munições que o arguido detinha na sua residência (140), situação que o arguido não assumiu em julgamento. Ou seja o arguido não se mostrou arrependido pela prática dos factos, (não assumiu em nenhum momento a reprovabilidade da sua conduta) . Por isso, como bem se refere na sentença recorrida “aplicar uma admoestação a alguém que detém cerca de 140 munições em casa e nem sequer confessa os factos seria dar um sinal claríssimo à sociedade de fraqueza do sistema punitivo, estimulando até este tipo de comportamentos”.
Em suma improcede esta questão.
Daí que o esforço argumentativo do recorrente não pode proceder.
Não foram, pois, violadas quaisquer normas legais, maxime, as apontadas pelo recorrente.
Em conclusão, a sentença recorrida não merece qualquer censura.

B) Recurso da decisão proferida a fls. 501 e 506:
As questões suscitadas neste recurso são as seguintes:
Saber se só após o trânsito em julgado da sentença é possível proceder à recolha das impressões digitais do condenado;
Saber se a recolha antes do trânsito em julgado deve ser considerada ilegal e inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência;
Saber se o facto de os dados pessoais do arguido ficarem sob a alçada da secretaria do tribunal até ao trânsito em julgado da sentença configura uma clara violação do disposto no art. 8° do DL n°381/98, de 27/11, por não observar as normas de procedimentos e protecção de dados previstos na Lei de Protecção de Dados Pessoais
E avançando desde já a solução, diremos que a resposta às questões em apreciação não pode deixar de ser negativa.
E para o demonstrar, iremos chamar à colação a resposta apresentada pela Exmª Procuradora-Adjunta, junto da 1ª instância, cujo entendimento sufragamos por inteiro.
Por isso mesmo, passa-se, de imediato a transcrever a douta resposta em causa:
«O D.L, n° 381/98 de 27/11 é o diploma que regula o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes aprovado pela Lei n° 57/98, de 18/8.
No seu art. 5°, n°5, al. a) estabelece tal diploma "a identificação do arguido abrange, tratando-se de pessoa singular, nome, sexo, filiação, naturalidade, data de nascimento, nacionalidade, estado civil, residência, número de identificação civil ou, na sua falta, do passaporte ou de outro documento de identificação idóneo e, quando se trate de decisão condenatória, estando presente o arguido no julgamento, as suas impressões digitais e assinatura", as quais, nos termos do art.6° "(…) devem ser objecto de recolha no boletim de registo criminal respectivo imediatamente após o encerramento da audiência de julgamento'”
Tal foi o que se passou no presente caso, após a prolacção de sentença condenatória, a secretaria procedeu, em obediência às normas dos arts. 5° e 6 do referido diploma legal, à recolha das impressões digitais do arguido. O despacho que indeferiu a reclamação apresentada pelo arguido não fere, portanto, de qualquer ilegalidade.
Por outro lado, vem o arguido alegar a inconstitucionalidade das normas do arts. 5°, n°5 e 6 do D.L. 381/98 de 27/11 por o mesmo violar o princípio da presunção de inocência e o principio da igualdade, considerando que, não tendo ainda a sentença condenatória transitado em julgado, o arguido é para todos os efeitos inocente.
Também, no que concerne a este ponto, não merece razão o entendimento do arguido, na medida em que, não existe qualquer violação do princípio da presunção da inocência, na medida é que, até ao trânsito em julgado da sentença não se irá fazer qualquer uso das impressões digitais, as quais só são remetidas para a entidade competente após aquele trânsito.
O que não podemos esquecer é que já se realizou audiência de discussão e julgamento, em que foi produzida toda a prova apresentada pela acusação e toda a prova que o arguido quis apresentar, e a final, foi o mesmo condenado pela prática de crime. Assim, não podemos considerar que uma pessoa sob a qual recaía uma sentença condenatória, ainda que não transitada em julgamento, se encontra na mesmíssima posição de um cidadão sob o qual não correu processo criminal — e, portanto, o tratamento de ambos, se é desigual, não viola o principio da igualdade, pois estamos perante situações desiguais.
Aliás, não nos podemos esquecer de todas as demais situações em que está prevista a recolha de impressões digitais: fins de identificação civil, recolha a pessoas suspeitas da prática de crime para efeitos de perícia lofoscópica no decurso de um inquérito (e aqui também não há violação do princípio da presunção da inocência); impressões digitais relativas a detidos e suspeitos constantes dos ficheiros da Polícia Judiciária, etc.
Do exposto, resulta que não existe qualquer inconstitucionalidade das normas dos arts. 5°, n° 5, al. a) e 6° do D.L. 381/98, de 27/11, uma vez que é o próprio art. 18°, n°2 e n°3 que prevê, em determinadas situações, restrições aos direitos fundamentais ali consagrados.
Aliás, como se lê no despacho agora recorrido "A questão da recolha de impressões digitais no nosso ordenamento jurídico deve ser analisada à luz, fundamentalmente, de dois princípios: o princípio da determinação e da explicitação do fim (as impressões digitais devem ser recolhidas para finalidades pré-determinadas e explícitas, proibindo-se que as mesmas venham a ser posteriormente tratadas de forma incompatível com aquela finalidade); o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, o qual se subdivide em três subprincípios: a) o princípio da adequação, impondo que a recolha das impressões digitais se revele como meio adequado para a prossecução dos fins visados por lei, salvaguardando outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos; b) o princípio da necessidade (a recolha das impressões digitais deve revelar-se indispensável, não podendo os fins legalmente visados ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias sacrificados); c) o princípio da proporcionalidade em sentido estrito (a recolha das impressões digitais não deve ser excessiva em relação aos fins legais a prosseguir).
Ora a recolha das impressões digitais a arguidos condenados após a realização da audiência de julgamento respeita os referidos princípios."
Em conclusão, o despacho posto em crise não merece qualquer censura, improcedendo o recurso do arguido em todos nos aspectos.
Resta decidir:
DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência confirmar integralmente a decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em duas Ucs
Guimarães