Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1715/12.6GBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: DEFENSOR
ESCUSA
PRAZO
SUSPENSÃO
RECURSO
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Não suspende ou interrompe o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa da defensora do arguido, comunicado ao tribunal, sete dias após a leitura e depósito da sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Por sentença de 2-4-2014 lida na presença do arguido e da sua ilustre defensora e depositada no mesmo dia (fls. 260 e 261), foi Alfredo A. condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa da ofendida Helena Silva), p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa e pela prática de um outro crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa do ofendido José Silva), p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 990,00.

Mais foi o arguido condenado a pagar aos demandantes cíveis Maria H. e José M. as quantias de € 400,00 e € 1.500,00, respectivamente, acrescidas de competentes juros, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformado veio o arguido recorrer (a 28-5-2014 - fls.287 e segs.) suscitando, em síntese, as seguintes questões:

- impugnação da matéria de facto (e violação do in dubio pro reo);

- medida das penas de multa.

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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

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II- Fundamentação

Cumpre analisar, antes de mais, se numa situação como a presente, em que o defensor do arguido é substituído no decurso do prazo para recorrer, se deve ter por interrompido este último prazo, o qual só correrá de novo por inteiro após a notificação da nova nomeação efectuada.

Compulsados os autos apreende-se o seguinte historial com relevo para a apreciação dr tal questão:

- a sentença recorrida foi lida em audiência pública na presença do arguido e da sua ilustre defensora, no dia 2 de Abril de 2014, tendo sido depositada na mesma data (fls. 260 e 261);

- a ilustre defensora do arguido comunicou ter pedido escusa, mediante requerimento que deu entrada no tribunal em 9 de Abril de 2014 (fls. 262);

- a delegação da OA viria a nomear nova defensora ao arguido a 28 de Abril de 2014 (cfr. fls. 269).

- o presente recurso deu entrada em tribunal no dia 28 de Maio de 2014 (enviado por fax na mesma data pelo ilustre defensor nomeado) - cfr. fls 287 e segs.

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Ora, esta questão já foi apreciada várias vezes pelo STJ que se vem pronunciando sempre da mesma forma.

Assim, no Ac. STJ de 15-1-2004 (pr. 03P3297, rel. Pereira Madeira) escreveu-se o seguinte:

“… O arguido esteve sempre - e continua estando - representado pelo advogado que constituiu, pese embora o procedimento de revogação do mandato que, pelos vistos, ainda está em curso.

Na verdade, o advogado constituído pelo arguido pode ser substituído, sendo-lhe revogado o mandato, e pode renunciar ao mandato ocorrendo justa causa - art.ºs 39º do CPC e 83º, n.º 2, do EOA.

Também o defensor nomeado cessa as suas funções logo que o arguido constitua advogado (art. 62º, n. 2, do CPP) e pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa ou ser substituído a requerimento do arguido (art.º 62º, n.º3).

Enquanto não for substituído, porém, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo (art.º 66º, n. 4) e o defensor constituído mantém-se, enquanto não for substituído e até à junção ao processo de certidão da notificação, salvo nos casos em que a constituição de defensor é obrigatória, porque nestes a renúncia só produz efeito depois de constituído ou nomeado novo defensor (art. 39º do CPC).

É o caso dos autos.

Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.64º, n. 1, d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva.

Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.

O que bem se compreende, de resto, sob pena, até, de o incidente em causa poder, sem razão plausível, prejudicar o andamento do processo, em prejuízo nomeadamente de outro ou outros arguidos que com ele nada têm a ver.

Por isso, não houve irregularidade alguma ao terem sido - e continuarem a ser - feitas as notificações ao Dr. B, por enquanto ainda, repete-se - até ser substituído - o mandatário efectivo do requerente neste processo, e, sobretudo, neste recurso…”.

E no Ac. STJ de 12-5-2005 (pr. 05P1310, rel. Santos Carvalho) pode ler-se, entre o mais:

“… Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só opera após a substituição respectiva. Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.

Por isso, a revogação do mandato forense apresentada pelo arguido não suspendeu o prazo em curso para a interposição de recurso, nem o colocou na posição de ficar sem defensor

Na verdade, pode ser revogado o mandato ao advogado constituído, tal como pode renunciar ao mandato ocorrendo justa causa - art.ºs 39.º do CPC e 83.º, n.º 2, do EOA.

Também o defensor nomeado cessa as suas funções logo que o arguido constitua advogado (art.º 62.º, n.º 2, do CPP) e pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa ou ser substituído a requerimento do arguido (art.º 62.º, n.º 3).

Enquanto não for substituído, porém, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo (art.º 66.º, n.º 4) e o defensor constituído mantém-se, enquanto não for substituído e até à junção ao processo de certidão da notificação, salvo nos casos em que a constituição de defensor é obrigatória, porque nestes a revogação só produz efeito depois de constituído ou nomeado novo defensor (art.º 39.º do CPC).

É o caso dos autos.

Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64.º, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva.

Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.

O que bem se compreende, de resto, sob pena, até, de o incidente em causa poder, sem razão plausível, prejudicar o andamento do processo, em prejuízo nomeadamente de outro ou outros arguidos que com ele nada têm a ver.

Esta tem sido a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, como se pode ver pelo Acds. de 15-01-2004, proc. 3297/03-5 (cuja fundamentação praticamente transcrevemos) e de 27 de Janeiro de 2005, proc 3501/04-5…”.

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E a mesma tem sido a solução quando analisada a situação no caso de defensor nomeado.

Veja-se, por exemplo, o Ac. STJ de 23-6-2005, Proc. n.º 2251/05 - 5.ª Secção, relator Carmona da Mota

“I- Se, em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, já o correspondente regime geral é inaplicável à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especialidade que decorre dos artigos 42.º a 47.º deste diploma (DL 387-B/87 de 29-12) e, antes, dos arts 42.º e segs. (Disposições especiais sobre processo penal) da Lei 30-E/2000 de 20-12. E o mesmo se diga do pedido de escusa (ou, em processo penal, de dispensa do patrocínio: art. 66.º, n.º 2 do CPP) do defensor nomeado. Com efeito, a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal (...) (arts. 42.º, n.º 1 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 1 da Lei 34/2004 de 29-07).

II- O art. 66.º, nºs. 2 e 3 do CPP (que prevê a dispensa do defensor a pedido deste e a substituição do defensor a pedido do arguido), o art. 66.º, n.º 4 do mesmo diploma (que determina que o defensor nomeado se mantenha para os actos subsequentes do processo enquanto não for substituído) e os arts. 42.º e segs. da Lei 30-E/2000 (Disposições especiais sobre processo penal) e 39.º e segs. da Lei 34/2004 (idem) não prevêem, no âmbito do incidente de substituição do defensor, a interrupção dos prazos em curso.

Pelo contrário, os arts. 42.º, n.º 3 e 45.º, n.º 2 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 4 e 42.º, n.º 3 da Lei 34/2004 dispõem, especialmente, que, em processo penal, o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo e enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.

III- Daí que não suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido.”

Mais recentemente também a Relação de Lisboa, em acórdão de 21-6-2011 Cfr. Ac. Lisboa, de 21-6-2011, pr. 4615/06.5 TDLSB.L1-5, rel. Filomena Clemente Lima, disponível em www.dgsi.pt

, se pronunciou no mesmo sentido.

“… Será que, independentemente disso, nos termos do art.º 24º Lei 34/2004, o prazo de recurso se interrompeu com o pedido de nomeação de patrono e só se iniciou novo prazo a partir da notificação ao patrono nomeado?

O que está em causa, no processo penal, é a obrigatoriedade, não de constituição de advogado - o arguido pode constituir advogado se e quando quiser - mas de estar representado por advogado (art. 61º e 62º CPP). O prosseguimento do processo penal não está dependente da atitude que o sujeito processual adoptar.

… Deste conjunto normativo resulta que o pedido de concessão de apoio judiciário, em processo penal, não tem qualquer influência na marcha do processo, face à disposição especial do artigo 39º, nº4, da Lei nº 34/2004.

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou em situações semelhantes, à luz de anteriores regimes legais, como no acórdão de 06-07-1994, in BMJ 439, 418, nestes termos: O prazo para a interposição do recurso referido no art. 411º, nº 1, do CPP não se suspende por força do estatuído no art. 24º, nº 2, do Dec-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro. O prazo atingido pela suspensão é o que estiver relacionado com os fins tidos em vista com o pedido de apoio judiciário formulado, e não o da própria interposição do recurso, alheio ao pedido.

E no acórdão de 13-11-2003, in CJSTJ2003, tomo III, p. 231, onde estava em causa nomeação de patrono, foi decidido: Não se aplica em processo penal o disposto no artigo 25º, nº 4, da lei nº 30/E/2000 (que interrompe o prazo em curso quando o requerente pretenda a nomeação de patrono), pois, segundo reza o art. 42º, nº 3 do CPP, o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo.

A interrupção de prazo, prevista no Capítulo da Lei 34/2004 em que se insere, entre outros, o art.º 24º, não se reporta a processos penais cujo normativo está previsto no Capítulo IV, entre os quais o citado art.º 39º. A razão de ser da solução encontrada no art.º 24º decorre da circunstância de na pendência da acção judicial se requerer a nomeação de patrono por nessa fase processual não ter a parte ainda advogado constituído e como tal, não poder exercer os seus direitos, o que determina a interrupção do prazo em curso até à nomeação.

Porém, em processo penal, tendo a parte advogado constituído ou já nomeado e cuja substituição requeira, não lhe é conferida tal possibilidade uma vez que o mandato apenas cessa nos termos do art.º 39º CPC e até à nomeação de patrono ou de patrono substitutivo não deixou de estar devidamente representado.

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Igual jurisprudência tem sido perfilhada nesta Relação, por exemplo, no Pr. 487/10.3 GBBCL.G1 (decisão de 11/10/2011), no Pr. 156/98.0 IDBRG.G1 (decisão de 23-1-2013) ou no Pr. 137/09.0 IDBRG.G2 (decisão de 22-3-2013).

Não se vislumbra ademais qualquer razão para afastar tal entendimento, que está bem longe de plasmar qualquer interpretação restritiva dos preceitos legais em análise ou do direito ao recurso do arguido.

Face ao exposto, impõe-se concluir que o prazo para o recurso em análise não se interrompeu nem suspendeu pelo simples facto da apresentação do requerimento de escusa por parte da primitiva defensora do arguido, tendo terminado efectivamente em 12 de Maio de 2014.

Ora, compulsados os autos verifica-se que o recurso do arguido foi apresentado somente a 28 de Maio de 2014 (fls. 287).

Pelo que a situação em causa acarreta a respectiva rejeição nos termos dos arts. 414º., nº.2 e 420º., nº.1, al. b) do CPP, já que interposto manifestamente fora de prazo.

E, o facto de o recurso ter sido admitido não vincula este Tribunal, conforme consta do art. 414º., nº.3 CPP.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em rejeitar o presente recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça um em 3 UCs, a que acrescem mais 4 UCs, ao abrigo do disposto no artigo 420º, nº 3, do C. P. Penal, sem prejuízo de decisões relativas a apoio judiciário.

Notifique.

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Guimarães, 25/5/2015