Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2222/10.7TBBRG-A.G1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: SOCIEDADE UNIPESSOAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
GERENTE
REPRESENTAÇÃO LEGAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1º- Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios.
2º- O gerente de uma sociedade unipessoal vincula a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura, mesmo sem indicação dessa qualidade, desde que dos próprios termos do acto da subscrição resulte claro, nos termos do artigo 217º do Código Civil, que a intervenção do gerente, com a aposição da sua assinatura, só podia, com toda a probabilidade, ter sido feita em representação da sociedade, caso em que torna-se desnecessário que a menção da declaração da qualidade de gerente seja feita de forma expressa, através da utilização das expressões sacramentais “ em representação da sociedade” ou “pela sociedade”.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

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SUMÁRIO:
1º- Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios.
2º- O gerente de uma sociedade unipessoal vincula a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura, mesmo sem indicação dessa qualidade, desde que dos próprios termos do acto da subscrição resulte claro, nos termos do artigo 217º do Código Civil, que a intervenção do gerente, com a aposição da sua assinatura, só podia, com toda a probabilidade, ter sido feita em representação da sociedade, caso em que torna-se desnecessário que a menção da declaração da qualidade de gerente seja feita de forma expressa, através da utilização das expressões sacramentais “ em representação da sociedade” ou “pela sociedade”.
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I…, Unipessoal, Lda., veio, por apenso à Execução Comum n.º 2222/10.7TBBRG, deduzir contra A…, Lda., a presente oposição à execução alegando, em síntese, que: a Exequente suporta a execução num contrato que não está assinado pela Executada; a Exequente apenas é proprietária do imóvel em causa nos autos desde 19.07.2005, pelo que não o poderia arrendar em 1.06.2005; a Executada ocupou o imóvel entre 1.06.2005 e 31.08.2009, data em que entregou as respectivas chaves; a Executada pagou 20 rendas e meia; o montante correspondente a nove rendas e meia seria para compensar com o valor de serviços prestados a uma sociedade denominada “T…, S.A.”; a Exequente nunca emitiu recibos de renda, o que impediu a Executada de contabilizar este custo em sede de I.R.C., causando-lhe um prejuízo de € 3.000,00.
Contestou a Exequente, impugnando os fundamentos da oposição.
Proferido despacho saneador, foi dispensada a selecção da matéria de facto.
Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls. 107 a 111.
A final foi proferida sentença que julgou procedente a oposição e, em consequência, determinou a extinção da execução intentada por “A…, Lda.”, contra “I…, Unipessoal, Lda.”.
As custas ficaram a cargo da Exequente.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a exequente, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“Haver contradição entre a matéria de facto dada como provada ou admitida por evidente, que nos parece ser a qualidade de sócio—gerente, de resto, também extraída da resposta aos quesitos, ver na parte da " Contestação" Artigos 1.° e 2.° quando diz " Provado apenas que o contrato junto com o requerimento executivo esta assinado por J…" e a conclusão na decisão final ao afirmar", em concreto no último parágrafo do texto da sentença e precedente à " V ―¬ Decisão”, onde afirma que a " exequente não logrou demonstrar que a assinatura constante do contrato dado a execução tenha sido efectuada pelo legal representante da Oponente”.
“ Salvo melhor entendimento, os fundamentos estão em oposição com a decisão violando assim o preceituado no artigo 668º, n.° 1 al. c ) do Codigo de Processo Civil”.

O executado não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1- O Exequente apresentou à execução um escrito datado de 1 de Junho de 2005, no qual consta como primeiro outorgante a Exequente e como segundo outorgante a Executada e no qual se declara que ambas “Celebram entre si um contrato de arrendamento de duração limitada para o exercício da actividade comercial da arrendatária, referente ao prédio urbano sito na Rua… concelho de Braga e correspondente às fracções B e C, com a área de 200m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 00104 e inscrito na matriz respectiva no artigo 2073, destinado ao exercício de actividades económicas” – Cfr., o teor do documento junto a fls. 9 a 11 dos autos principais.
2- Desse escrito consta que “A renda inicial acordada é de € 4.788,48 (Quatro mil setecentos e oitenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos)”, que “A renda será paga em duodécimos de € 399,04 (Trezentos e noventa e nove euros e quatro cêntimos)” e que “A renda será actualizada anualmente nos termos legais” – Cfr., o teor do documento junto a fls. 9 a 11 dos autos principais.
3- Juntamente com o documento referido em 1, a Exequente apresentou à execução uma notificação judicial avulsa dirigida à ora Executada e efectuada por funcionário judicial em 26 de Novembro de 2009, da qual constam os dizeres “Neste momento a renda mensal é de € 400,00 (…) Porém, a requerida deixou de cumprir com os pagamentos das rendas no passado mês de Outubro de 2006, inclusivé (…) A R. não pagou as rendas relativas aos meses de Outubro de 2007 (inclusivé), todo o ano de 2008 e até ao mês de Outubro de 2009, renda esta que se venceu no passado dia 8 (…) Perfazendo, assim, neste momento, o valor total em dívida de € 10.000,00 (dez mil euros)” – Cfr., o teor do documento junto a fls. 4 a 19 dos autos principais.
4- Desse escrito constam ainda os dizeres “Nestes termos, requerem a notificação judicial avulsa da requerida, dando-lhe conhecimento de que os requerentes consideram resolvido o contrato de arrendamento celebrado em 1 de Junho de 2005”” – Cfr., o teor do documento junto a fls. 4 a 19 dos autos principais.
5- O contrato junto com o requerimento executivo está assinado por J… – Cfr., resposta aos artigos 1.º e 2.º da Contestação.
6- No documento dado à execução não foi aposto o carimbo da Executada –Cfr., resposta ao artigo 3.º da Petição Inicial.
7- Documento este que também suporta a notificação judicial avulsa pela qual se resolve o suposto contrato de arrendamento – Cfr., resposta ao artigo 4.º da Petição Inicial.
8- A Exequente tem inscrita a seu favor no registo predial a aquisição da propriedade do imóvel em causa a partir de 19.07.2005 – Cfr., resposta ao artigo 5.º da Petição Inicial.
9- Nunca foi entregue à Executada qualquer recibo de quitação – Cfr., resposta ao artigo 10.º da Petição Inicial.
10- Os pagamentos foram sempre efectuados por meio de cheque ao portador –Cfr., resposta ao artigo 11.º da Petição Inicial.
11- A Executada ocupou o imóvel em causa desde 1.06.2005 até 31.08.2009 –Cfr., resposta ao artigo 12.º da Petição Inicial.
12- Ainda antes do final do mês de Agosto de 2009 a Executada passou a ocupar outro imóvel – Cfr., resposta ao artigo 13.º da Petição Inicial
13- A Executada pagou 18 rendas e metade de uma 19.ª – Cfr., resposta ao artigo 15.º da Petição Inicial.
14- E pagou ainda mais duas rendas por meio dos cheques nºs 2100126048 e 1800126501, ambos sacados sobre o BES e no valor de € 400,00 cada um – Cfr., resposta ao artigo 16.º da Petição Inicial.
15- Durante o ano de 2008 a Executada executou um trabalho da sua especialidade para uma empresa do gerente da sua senhoria – Cfr., resposta ao artigo 17.º da Petição Inicial.
16- A empresa em causa denomina-se “T…, S.A.” e tem a sua sede no mesmo local da sociedade que arrendou o imóvel à Executada – Cfr., resposta ao artigo 18.º da Petição Inicial.
17- Este serviço, no valor de € 3.808,50, não foi pago, pois seria para compensar com rendas vencidas e a vencer – Cfr., resposta ao artigo 19.º da Petição Inicial.
18- A sociedade locadora nunca entregou recibos de renda à Executada – Cfr., resposta ao artigo 23.º da Petição Inicial.
19- A Executada não contabilizou esse custo – Cfr., resposta ao artigo 24.º da Petição Inicial.
20- A Executada, os valores que pagou, pagou-os a título de rendas à Exequente – Cfr., resposta ao quesito 5.º da Contestação.

FUNDAMENTAÇÃO:
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se a sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea c) do art. 668º, nº1 do C. P. Civil.

A este respeito, sustenta a exequente/apelante existir contradição entre os factos dados como assentes na sentença recorrida sob os nºs 5 e 6, dos quais resulta que o contrato junto com o requerimento executivo está assinado por J…, e a conclusão exarada na decisão final no sentido de que a " exequente não logrou demonstrar que a assinatura constante do contrato dado a execução tenha sido efectuada pelo legal representante da Oponente”.
Que dizer?
Segundo a referida alínea c), é nula a sentença “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
No dizer de Alberto dos Reis , in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, pág. 141 e de Antunes Varela, in "Manual de Processo Civil", 1.ª edição, pág. 671, tal preceito aplica-se tão só às situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença.
Ou seja, refere-se a um vício lógico na construção da sentença: o juiz raciocina de modo a dar a entender que vai atingir certa conclusão lógica (fundamentos), mas depois emite uma conclusão (decisão) diversa da esperada.
Ora, nada disto acontece no caso dos autos, sendo certo que este vício nem sequer se reporta à decisão sobre a matéria de facto.
Daí a sem razão da exequente/apelante, carecendo de qualquer fundamento a afirmação de que a decisão recorrida padece da apontada nulidade.
Todavia, há que reconhecer assistir-lhe razão quando afirma que da matéria de facto provada impõe-se concluir que o requerimento executivo foi assinado por J…, na qualidade de sócio-gerente da executada/apelada.
Isto porque o que se constata, no caso presente, é que o Tribunal a quo, nos factos dados como assentes na sentença recorrida sob os nºs 1 e 3, não reproduziu, na íntegra, o teor dos documentos juntos a fls. 4 a 19 dos autos principais, quando é certo deles resultar, por um lado, que o escrito intitulado “ Contrato de arrendamento de duração limitada”, datado de 1 de Junho de 2005, foi celebrado entre a “A… Ldª,(….), representada pelo seu sócio gerente M… na qualidade de primeira contraente e senhoria, e, I…, Unipessoal, Ldª, sociedade unipessoal, (…), na qualidade de segunda contraente e inquilina, aqui representada pelo seu sócio gerente J…, solteiro, maior com residência na Rua…, em Braga”.
E, por outro lado, que a notificação judicial avulsa destinada à cessação do contrato de arrendamento urbano por resolução fundada na mora superior a 3 meses no pagamento da renda, foi instaurada contra “I…, Unipessoal, Ldª, sociedade unipessoal, (….), na qualidade de arrendatária/inquilina, aqui representada pelo seu sócio gerente J…, (…) com residência na Rua…, em Braga”, tendo tal notificação sido efectuada na pessoa deste.
Acresce que, lendo o requerimento de oposição, constata-se que a executada opoente não impugnou tais factos, pelo que há que considerá-los assentes, por acordo das partes, nos termos do disposto no art. 490º, nº2 do C. P. Civil.
Assim sendo e porque, a doutrina do Assento n.º14/94 do STJ, de 26.5.94, publicado no D.R. I-A, de 04/10/94, segundo a qual “a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode ser sempre alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”, continua válida após a reforma do Código de Processo Civil de 95/96, nenhum obstáculo legal existe a que se determine o aditamento da referida factualidade aos factos dados como assentes na sentença recorrida sob os nºs 1º e 3º, os quais passam a ter a seguinte redacção:
1- A Exequente apresentou à execução um escrito, datado de 1 de Junho de 2005, em que intervieram a ora exequente “A…, Ldª,(….), representada pelo seu sócio gerente M… na qualidade de primeira contraente e senhoria, e, I…, Unipessoal, Ldª, sociedade unipessoal, (…), na qualidade de segunda contraente e inquilina, aqui representada pelo seu sócio gerente J…, solteiro, maior com residência na Rua…, em Braga” e no qual se declara que ambas “Celebram entre si um contrato de arrendamento de duração limitada para o exercício da actividade comercial da arrendatária, referente ao prédio urbano sito na Rua… concelho de Braga e correspondente às fracções B e C, com a área de 200m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 00104 e inscrito na matriz respectiva no artigo 2073, destinado ao exercício de actividades económicas” – Cfr., o teor do documento junto a fls. 9 a 11 dos autos principais.
3- Juntamente com o documento referido em 1, a Exequente apresentou à execução uma notificação judicial avulsa requerida contra a ora executada “I…, Unipessoal, Ldª, sociedade unipessoal, (….), na qualidade de arrendatária/inquilina, aqui representada pelo seu sócio gerente J…, (…) com residência na Rua…, em Braga”, efectuada por funcionário judicial em 26 de Novembro de 2009, na pessoa de J…, da qual constam os dizeres “Neste momento a renda mensal é de € 400,00 (…) Porém, a requerida deixou de cumprir com os pagamentos das rendas no passado mês de Outubro de 2006, inclusivé (…) A R. não pagou as rendas relativas aos meses de Outubro de 2007 (inclusivé), todo o ano de 2008 e até ao mês de Outubro de 2009, renda esta que se venceu no passado dia 8 (…) Perfazendo, assim, neste momento, o valor total em dívida de € 10.000,00 (dez mil euros)” – Cfr., o teor do documento junto a fls. 4 a 19 dos autos principais.
Assente que a factualidade a ter em conta para a decisão da causa é a supra descrita nos nºs 1 a 20º, sendo os nºs 1 e 3 com a redacção acabada de referir, e provado que ficou que a assinatura constante do contrato dado à execução é da autoria de J…, vejamos, agora, se dela é possível concluir que o mesmo celebrou o dito contrato na qualidade de sócio gerente da executada I…, Unipessoal, Ldª.
E a este respeito diremos que, sendo a executada/opoente uma sociedade unipessoal por sociedade por quotas, para se decidir se a assinatura de J… aposta no dito contrato vincula a mesma, é necessário ter em consideração o regime legal específico da sua vinculação.
Sobre a questão estipula o artigo 270°-A, nº1 do Código das Sociedades Comerciais que a sociedade unipessoal por quotas " é constituída por um sócio único, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social”.
Dispõe o artigo 270º-G que “às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios”.
Por sua vez, estabelece o art. 192º do mesmo código que “ A administração e a representação da sociedade competem aos gerentes”.
E dispõe o artigo 260° que:
"l - Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios (...)
4 - Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade."
Resulta, assim, do citado n.° 4 do artigo 260, que é indispensável para a vinculação da sociedade a reunião de dois elementos: assinatura pessoal do gerente e menção dessa qualidade.
Todavia, como escreve Raul Ventura, in "Sociedade por Quotas", vol. III, págs. 170 e 171, "os actos dos gerentes, em determinadas circunstâncias vinculam a sociedade. Isto significa que o poder representativo funciona plenamente e os efeitos jurídicos dos actos praticados pelos gerentes nascem directamente na esfera jurídica da sociedade e não na esfera pessoal dos gerentes. Numa terminologia corrente, o acto é da sociedade, é esta que o pratica, é esta que recebe os seus efeitos."
"Quando a assinatura e menção aparecem juntamente não é necessário dizer « em nome da sociedade» ou «pela sociedade».(...).
Mencionar a qualidade de gerente implica a especificação da sociedade de que a pessoa invoca a gerência e esta especificação só está perfeita se o tipo da sociedade for tornado claro, o que resulta da própria firma social completa".
Assim sendo, a simples aposição do nome da firma, constante do respectivo carimbo, é irrelevante para vincular a sociedade por quotas.
O mesmo vale dizer quando é aposta uma assinatura sem a menor referência à sociedade representada.
Mas já assim não acontece se dos próprios termos do acto da subscrição resultar claro que a intervenção do gerente, com a aposição da sua assinatura, só podia, com toda a probabilidade, ter sido feita em representação da sociedade, caso em que torna-se desnecessário que a menção da declaração da qualidade de gerente seja feita de forma expressa, através da utilização das expressões sacramentais “ em representação da sociedade” ou “pela sociedade”.
É que, como ensina Mota Pinto, in "Teoria Geral do Direito Civil", pág. 337, " em conformidade com o critério da interpretação dos negócios jurídicos consagrados no Código Civil ( art. 236°), deve entender-se que a concludência dum comportamento, no sentido de permitir « a latere» um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que , objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do declarante.
É óbvio ( será até muito frequente) que a declaração tácita pode ter como facto concludente uma declaração expressa, exteriorizando directamente outro negócio negocial.
A possibilidade de um negócio formal ser realizado através da declaração tácita é expressamente reconhecida pelo n.°2 do artigo 217°"
Aliás, foi este o entendimento seguido pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º1/2002 que decidiu que "A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do art. 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem".
Ora, se é certo que a assinatura de J…, aposta no contrato junto a fls. 9 a 11 dos autos principais, não contém qualquer referência à sociedade I…, Unipessoal, Ldª, também não é menos certo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não se verificar uma situação de total omissão de referência à sociedade inquilina.
Desde logo porque do próprio contrato consta que o mesmo é outorgado com “I…, Unipessoal, Ldª, representada pelo seu sócio gerente J…”.
Por isso, apesar de não constar expressamente do lugar reservado à assinatura da segunda outorgante/ inquilina a menção expressa de qualidade de gerente da pessoa que nele apôs a sua assinatura, ou seja, do J…, não há dúvida que a outra conclusão não se poderá chegar a não ser a de que o mesmo interveio na qualidade de sócio gerente daquela sociedade e que tal assinatura revela a sua vontade de se obrigar nessa qualidade.
E, porque, de harmonia com o disposto no art. 55º, n.º1 do C. P. Civil, a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, mal andou o Mmº Juiz a quo ao julgar procedente a oposição com o fundamento de que “a exequente não logrou demonstrar que a assinatura constante do contrato dada à execução tenha sido efectuada pelo legal representante da oponente”.
Procedem, por isso, nos termos referidos, as conclusões da exequente/apelante.
Daí impor-se o conhecimento das demais questões suscitadas no requerimento de oposição.
Assim, diremos, desde logo, que, contrariamente ao que sustenta a executada/opoente, a circunstância de a exequente ter adquirido, por compra, o prédio arrendado apenas em 19.07.2005, não constitui obstáculo à celebração, em 1.06.2005, do contrato de arrendamento em causa.
É que, caracterizando-se o contrato de arrendamento pela cedência do gozo temporário de uma coisa ( cfr. art. 1022º do C. Civil), importante é que o senhorio seja titular do “direito de gozo” sobre essa coisa, não sendo exigível que o mesmo seja proprietário dela.
Do mesmo modo, cumpre referir que a circunstância de a executada/opoente ter ocupado o imóvel em causa até 31.08.2009 de nada releva para efeitos de cessação da obrigação de pagar a renda, pois tal obrigação mantém-se até à resolução do contrato de arrendamento operada, no caso dos autos, através da notificação judicial avulsa levada a cabo no dia 26 de Novembro de 2009, nos termos do disposto no art. 1084º, n1 do C. Civil.
Mas se é certo resultar da matéria de facto provada serem devidas as rendas relativas ao mês de Outubro de 2007, aos meses de Janeiro a Dezembro de 2008 e aos meses de Janeiro a Outubro de 2009, já não se vê que o total destas rendas ascenda aos peticionados € 10.800,00, correspondendo, antes, ao valor de € 10.000,00 ( 25 rendas x € 400,00), conforme, aliás, a própria exequente afirma no requerimento de notificação judicial avulsa dado à execução.
Por tudo isto e porque a executada /opoente não logrou provar o pagamento destas rendas, que a exequente não fez operar a compensação da quantia de € 3808,50 para o pagamento de outras rendas e nem que a falta de emissão dos recibos de renda lhe tivesse causado um prejuízo de € 3.000,00, impõe-se concluir pelo prosseguimento da execução apenas pelo montante de € 10.051,00, procedendo, nessa medida a oposição deduzida pela executada.

DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, julga-se parcialmente procedente a oposição deduzida e determina-se o prosseguimento da execução pelo montante de € 10.051,00, acrescida dos peticionados juros legais.
As custas devidas pela oposição e pela presente apelação ficam a cargo da exequente e da executada/opoente, na proporção do respectivo vencimento.
Guimarães, 27 de Fevereiro de 2012