Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3760/14.8T8GMR.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: FACTOS CONCRETIZADORES DA CAUSA DE PEDIR
BENS PRÓPRIOS DE UM DOS CÔNJUGES
BENFEITORIA
FACTO NOTÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Numa ação em que o núcleo essencial da causa de pedir corresponde à realização de benfeitorias úteis no âmbito da relação jurídica matrimonial, estando alegados o prosseguimento e conclusão, pelo ex-casal, da construção de uma casa em prédio de um dos elementos daquele, a pormenorização das obras realizadas na dita casa deve ser qualificada como factualidade concretizadora, sendo, por isso, suscetível de, nos termos do disposto no art. 5º, nº2, b), do CPC, suportar e legitimar uma decisão de procedência da ação de reconhecimento dessas mesmas benfeitorias;

II - Por força do aludido preceito, para garantir o direito de defesa da contraparte necessário se torna que o Tribunal evidencie a relevância dos factos concretizadores, mas essa relevância pode ser eficazmente evidenciada de modo implícito, tal sucedendo quando as partes, embora não expressamente notificadas para se pronunciarem, virem o seu direito plenamente garantido pela estrutura contraditória da audiência final;

III - Não estando em causa a fixação de uma indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa por benfeitorias úteis mas sim o linear reconhecimento da existência de despesas suportadas pelo património comum do ex-casal com a realização desse tipo de benfeitorias em bem próprio de um dos seus elementos, à procedência da ação basta a verificação da ocorrência de tais despesas com obras que melhoraram e, nessa medida valorizaram, esse bem;

IV - A melhoria de um bem através de obras que, pela sua natureza, em si mesmas, evidenciam tal melhoria é um facto notório que pode e deve ser tido em consideração pelo Tribunal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

R. R. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra J. F. pedindo que:

a) seja reconhecida e declarada a propriedade, em comunhão, sua e do Réu, dos bens móveis enunciados no artigo 17º;
b) seja reconhecida e declarada a propriedade, em comunhão, sua e do Réu, nos ter-mos do nº 1 do artigo 1726º do Código Civil, da casa de morada de família erigida pelo casal no prédio rústico, adquirido pelo Réu ainda em solteiro, composto por uma sorte de mato com carvalhos, denominado de “Outeiro”, situado no lugar de …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 14… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4…, descrita nos artigos 9º a 14º.
Para o caso de assim não se entender, pediu o reconhecimento e declaração de que as obras de construção levadas a cabo na constância do matrimónio por si e pelo Réu, por dinheiro comum do casal, que ascenderam a € 80.000, são benfeitorias realizadas no prédio próprio do Réu, nos termos do nº 2 do artigo 1726º do Código Civil e que, como tal são um bem comum do agora ex-casal.
Alegou, em síntese, que casou com o Réu a 14 de Setembro de 1985, sem convenção antenupcial, casamento que foi dissolvido por divórcio por sentença transitada em julgado em Maio de 2011; instaurado inventário, foi proferido despacho remetendo para os meios comuns a discussão sobre o prédio urbano e os objetos móveis que discrimina.
Referiu que o Réu adquiriu em solteiro o já identificado prédio rústico, ali tendo dado os primeiros passos para construção de uma casa, que os dois prosseguiram, após celebrarem matrimónio, concluindo-a a 15 de Outubro de 1995, em comunhão de esforços, despendendo € 80.000.
Na sequência do despacho de convite ao aperfeiçoamento, alegou que, aquando da aquisição, o prédio tinha um valor de mercado de Esc. 200.000$00, a construção existente à data do casamento valia Esc. 5.000.000$00 e o casal despendeu € 80.000 na construção com produto do seu trabalho.
O Réu contestou, contrapondo que, não obstante a celebração da escritura em 1984, em 1980 iniciou a construção de uma casa de habitação no aludido prédio urbano, sem estar dotado de licença de construção, a qual requereu em 1982 e foi indeferida em 4 de Junho desse ano; após ter feito as diligências necessárias à legalização, em 29 de Novembro de 1984 tal licença foi-lhe concedida por despacho que legalizava um prédio de cave e rés-do-chão destinado a habitação, ficando concluída e pronta a habitar antes da celebração do casamento; refere que desde cedo foi o único a contribuir para as despesas e necessidades do agregado.
Após saneamento do processo, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e, seguidamente, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, reconhecendo e declarando, no que para agora interessa, que as obras especificadas no ponto 17) da fundamentação de facto correspondem a despesas suportadas pelo património comum do dissolvido casal e realizadas em bem próprio do Réu, ascendendo a valor a liquidar em incidente próprio.
Inconformado, o Réu interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença na parte em que reconhece e declara que as obras especificadas no ponto 17 da fundamentação de facto correspondem a despesas suportadas pelo património comum do dissolvido casal e realizadas em bem próprio do Réu, ascendendo a valor a liquidar em incidente próprio.
2- Antes de mais, dir-se-á que a sentença está ferida com a nulidade prevista no art. 615.º, n.º1, al. d) do CPC, pois, ao contrário do decidido pelo tribunal “a quo”, a apelada não alega um único facto que tenha qualquer tradução com o que, a final, veio a ser dado por provado pelo tribunal “a quo” sob o ponto 17 dos factos provados;
3- E, o certo é que, cumpre a quem invoca o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de uma benfeitoria!
4- Assim, a sentença apelada é nula e como tal deve ser revogada e substituída por outra que expurgue da sentença apelada a factualidade dada por provada sob o ponto 17, com as legais consequências.
5- Todavia, e sem prescindir, o presente recurso é de direito, considerando o apelante que a sentença apelada violou, entre outos, o disposto nos arts.º 342.º, n.º1, 349.º, 351.º, 1273.º, 1275.º e 1722.º, n.º 2 do CC e nos arts. 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 412.º e 413.º do CPC.
6- Na verdade, dizer-se que “As obras anteriormente elencadas, bem como a construção dos muros, do anexo que acolheu a cozinha de lenha e o espaço destinado a guardar os objetos restaurados pelo Réu, a casa de banho edificada sob as escadas, têm de ser classificadas de benfeitorias úteis porquanto se trata de despesas que não se relacionam com a conservação, decorrendo da experiência comum que se traduzem em melhoramentos que aumentam o respetivo valor pelo acréscimo de cómodos e de possibilidades de fruição do imóvel do ponto de vista habitacional e de privacidade no caso dos muros” é ir muito além dos poderes inquisitórios que são conferidos ao julgador.
7- Com efeito, para além do R. não conseguir descortinar o que a Mm.ª Juiz quis dizer com a expressão “As obras anteriormente elencadas, bem como a construção dos muros (…)”, também fica por saber a que muros é que se reporta a sentença apelada (serão os muros divisórios, os de suporte, ou ambos), os metros, o material em que foram construídos; qual o estado do anexo que acolheu a cozinha de lenha e o espaço destinado a guardar os objetos restaurados pelo R., mormente, se estava totalmente concluído, quais os materiais que foram aplicados, etc; o mesmo se dizendo relativamente à casa de banho edificada sob as escadas.
8- Ora, apesar de o tribunal ter concluído que no caso em análise a indemnização a atribuir à A. não seria pelo instituto do enriquecimento sem causa, mas pelo valor que o património comum despendeu com tais benfeitorias – 1722.º, n.º2 do CC -, o certo é que, para que tal sucedesse, tornava-se pois indispensável determinar se as obras comprovadamente realizadas correspondem a benfeitorias úteis.
9- O Supremo Tribunal de Justiça, já por diversas vezes, se pronunciou nesse sentido, ou seja, de que cumpre a quem invoca o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de umas e outras – cfr. acórdãos de 6 de Fevereiro de 2007, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 06A4036; de 22 de Janeiro de 2004, www.dgsi.pt, proc. nº 04B2064; de 22 de Janeiro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07A4154 ou de 6 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08A1389.
10- Destarte, tratando-se de factos essenciais, integradores da causa de pedir da reconvenção, era à A. que incumbia a respectiva alegação (artigo 5.º, nº 1 do CPC), não sendo possível ao tribunal suprir a falta de alegação (nºs 2 e 3 do mesmo preceito); nem, naturalmente, dispensar a respectiva prova.
10- As presunções judiciais, de que se socorreu o tribunal “a quo” para dar por provado que as obras constantes do ponto 17 dos factos provados deveriam ser consideradas como benfeitorias úteis, não têm a virtualidade de inverter o ónus da prova, como as presunções legais (artigo 350º do Código Civil); nem podem ultrapassar o incumprimento do ónus da alegação de factos essenciais – neste sentido cfr. acórdão de 20 de Janeiro de 2010, do STJ, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 642/04.5TBSXL-B.L1.S1.
11- Aliás, decidir da forma como decidiu o tribunal “a quo” seria premiar a postura da A. que, estrategicamente, delineou a causa de pedir da ação com base no instituto da acessão industrial imobiliária, que, como resultou devidamente provado, bem sabia não ter direito, e que, calculadamente, nada alegou em termos factuais relativamente às benfeitorias (necessárias, úteis ou voluptuárias), impedindo, assim, a parte contrária de exercer o direito ao contraditório, tudo com o intuito de passe expressão popular, de “atirar o barro à parede” para ver se lhe era reconhecida uma situação de comunhão sobre a totalidade do imóvel em questão.
12- Face ao exposto, salvo o devido respeito, nunca a ação poderia ser julgada procedente quanto às benfeitorias, por ser inviável determinar se, de entre as obras provadas, algumas (ou todas) poderiam ser havidas como benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias.
Concluiu pedindo seja alterada a sentença apelada por outra que julgue a ação totalmente improcedente.
A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
A Sr.ª Juíza a quo pronunciou-se pela inexistência da arguida nulidade da sentença, na medida em que, no seu entender, “os factos provados constituem uma concretização restritiva das obras realizadas na pendência do casamento em função da prova produzida em audiência final, como decorre da motivação da convicção, em particular das considerações que constam a partir do penúltimo parágrafo de fls. 191 vº”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1 do CPC).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes:
- Saber se a decisão relativa à matéria de facto é nula (ou parcialmente nula) por consideração de factos essenciais para a integração da causa de pedir não alegados ou de factos concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC;
- Saber qual a alegação de factos imprescindível à aplicação do particular regime das benfeitorias na partilha dos bens do ex-casal.
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III. FUNDAMENTOS:

Os factos.

A. Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1. Em 14 de Setembro de 1985, Autora e Réu celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial [alínea A) do despacho em referência e documento de fls. 14/15].
2. Por sentença proferida a 25 de Março de 2011, transitada em julgado a 9 de Maio seguinte, o casamento referido em 1) foi declarado dissolvido por divórcio [alínea B) do des-pacho em referência e documento de fls. 14/15].
3. No âmbito do processo de inventário que correu termos na extinta 2ª Vara de Com-petência Mista de Guimarães sob o nº 14/11.5TCGMR-B, a Autora formulou reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal aqui Réu acusando a falta, entre outros, dos seguintes bens1:
a) um motociclo;
b) um candeeiro de pé com abajur bege;
c) dois candeeiros de sala de teto;
d) dois quadros com relevo e espelho;
e) uma carpete de cor verde;
f) seis quadros motivos “Sintra”;
g) um candeeiro motivo romano;
h) um quarto de casal em madeira cor castanha composto por uma cama, uma cómoda com quatro gavetas, duas mesas de cabeceira com quatro gavetas, um espelho com moldura, um guarda fatos com três portas e três gavetas;
i) várias formas e pratos de loiça corrente;
j) uma arca congeladora Zanussi;
k) uma máquina de lavar roupa “Sauber”;
l) uma cama em ferro;
m) um carro de bois;
n) uma pipa;
o) uma prensa;
p) um trator marca Fiat matrícula XF;
q) uma fresa;
r) uma charrua;
s) uma grade;
1 No confronto com o artigo 19º da petição inicial e com a reclamação apresentada no processo de inventário, constato que a alínea C) do despacho de fls. 169 vº omitiu os bens das alíneas c) e k). Verificado o lapso de transcrição, nos termos dos artigo 613º e 614º do Código de Processo Civil, o mesmo ficou retificado no texto. Para maior facilidade de resposta à matéria alegada no artigo 19º da petição inicial foram introduzidas alíneas que não constavam do texto do despacho em causa.
t) um guincho;
u) uma casa que foi casa de morada de família que é um prédio urbano rés-do-chão e primeiro andar, composto por duas divisões no rés-do-chão, quatro divisões, cozinha e casa de banho no primeiro andar e dependência destinada a garagem, com logradouro, situado na Rua …, com o nº .. de polícia da freguesia de .., do concelho de Guimarães [alínea C) do despacho em referência e documento de fls. 93 a 128].
4. Na reclamação identificada em 3) a Autora alegou que os referidos bens haviam sido adquiridos na constância do casamento e vida em comum com dinheiros de ambos os então cônjuges [alínea D) do despacho em referência e documento de fls. 93 a 128].
5. Por decisão proferida a 23 de Maio de 2012 no referido inventário foram os interessados remetidos para os meios comuns relativamente aos bens identificados em 3) [alínea E) do despacho em referência e documento de fls. 93 a 128].
6. Por escritura pública celebrada no Segundo Cartório Notarial de Guimarães, a 29 de Maio de 1984, E. F., J. R., J. C., Manuel, Maria declararam vender pelo preço já recebido de Esc. 80.000$00 ao Réu J. F., que declarou aceitar, o prédio rústico composto por uma Sorte de mato com carvalhos, rústico a mato, denominado do “Outeiro”, situado no lugar de …, da freguesia de …, que fazia parte do descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 14… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4… [alínea F) do despacho em referência e documento de fls. 25 a 28].
7. Na escritura referida em 6), os cônjuges M. R., M. M. e J. N. declararam dar os devidos consentimentos para a outorga do ato [alínea G) do despacho em referência e documento de fls. 25 a 28].
8. Existe um prédio inscrito na matriz sob o artigo … da matriz urbana da Freguesia de …, inscrito a favor do Réu, sito no lugar …, relativo a prédio de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, composto por duas divisões no rés-do-chão, quatro divisões, cozinha e casa de banho no primeiro andar e dependência destinada a garagem, área total do terreno de 1.300 m2 e área de implantação do edifício de 111 m2 [alínea H) do despacho em referência e documento de fls. 29].
9. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 14… corresponde à atual descrição nº …, respeitando a um prédio rústico denominado “…” composto de terra de mato com carvalhos, atravessada por caminho, com a área de 1.677, inscrito na matriz sob o artigo .. [alínea I) do despacho em referência e documento de fls. 148 a 153].
10. Na descrição do prédio identificado em 9), com referência à Ap. 2607 de 26 de Abril de 2016, foi lavrado um registo oficioso de abertura da descrição nº 2…/20160426, a desanexar, com menção “deixando deste modo e nesta medida de estarem atualizados os elementos supra mencionados na descrição” [alínea J) do despacho em referência e documento de fls. 148 a 153].
11. Da descrição nº 2…/20160426 consta que se trata de uma parcela de terreno a desanexar do nº 2…/20100625, inscrito na matriz rústica sob o artigo … e matriz urbana sob o artigo … da antiga matriz com a seguinte composição: casa de rés-do-chão, primeiro andar, dependência e logradouro, com superfície coberta de 111 m2 e superfície descoberta de 1.189 m2 [alínea K) do despacho em referência e documento de fls. 148 a 153].
12. Pela Ap. 475 de 21 de Junho de 2013 o prédio identificado em 11) foi registado na proporção de metade a favor de E. F. e na proporção de 1/8 a favor de J. R., J. C., Manuel, Maria, na qualidade de bem próprio, mencionando como causa de aquisição “usucapião” [alínea L) do despacho em referência e documento de fls. 148 a 153].
13. O Réu iniciou a edificação da casa descrita em 8) por volta do ano de 1980, sem estar dotado de licença de construção [resposta aos artigos 10º da petição inicial e 5º da contestação].
14. Em 28 de Abril de 1982 o Réu requereu à Câmara Municipal a emissão de declaração de viabilidade para proceder à construção de uma moradia na parcela de terreno identificada em 6), o que foi indeferido por despacho datado de 4 de Junho do mesmo ano [resposta ao artigo 6º da contestação].
15. Na sequência de requerimento apresentado pelo Réu, em 29 de Novembro de 1984 foi proferido despacho mediante o qual a Câmara Municipal concedeu licença, que veio a corresponder ao alvará nº …/85, para legalização de um prédio de cave e rés-do-chão, destinado a habitação, erigido no prédio identificado em 6) [resposta ao artigo 8º da contestação].
16. Na data referida em 1), a casa descrita em 8) estava construída, tendo valor que não foi possível apurar [resposta aos artigos 12º da petição inicial e 9º – último segmento – da contestação].
17. No período compreendido entre as datas referidas em 1) e 2), em conjugação de esforços e com o produto do seu trabalho, Autora e Réu:
- ampliaram a moradia, construindo um anexo de rés-do-chão e sótão onde instalaram uma cozinha a lenha e um espaço para guardar peças antigas que o segundo restaura;
- pintaram o exterior da moradia, assim como dois quartos situados no primeiro andar;
- dividiram o rés-do-chão que anteriormente era amplo;
- edificaram uma casa de banho sob as escadas;
- construíram muros [resposta aos artigos 13º, 17º e 18º da petição inicial].
18. Autora e Réu despenderam nas obras identificadas em 17) quantia que não se logrou apurar [resposta aos artigos 15º e 30º da petição inicial].
19. No período compreendido entre as datas referidas em 1) e 2), em conjugação de esforços, com o produto e resultado do seu trabalho, Autora e Réu adquiriram os bens identificados em 3) alíneas b) a i), k) a l), o) a t), cujo valor não foi possível apurar [resposta aos artigos 18º, 19º da petição inicial e 15º da contestação].
20. O trator Fiat matrícula XF encontra-se registado a favor de C., S.A. desde 25 de Maio de 2001 [alínea M) do despacho em referência e documento de fls. 156].
21. O trator identificado em 20) foi arrolado em 25 de Janeiro de 2011, no procedimento cautelar de arrolamento nº 483/10.0TCGMR da 1ª Vara Mista de Guimarães instaurado pela Autora contra o Réu [facto aditado ao abrigo do artigo 5º nº 2 alínea a) do Código de Processo Civil].
22. A arca congeladora identificada em 3) j) foi adquirida pela filha da Autora e do Réu [resposta ao artigo 17º da contestação].

B. E considerados não provados os factos alegados:

- nos artigos 11º, 14º, 20º, 29º da petição inicial aperfeiçoada;
- nos artigos 7º, 16º da contestação.

C. Na petição inicial aperfeiçoada, a Autora alegou que:

Aquando da aquisição do prédio pelo Réu (…) o mesmo tinha um valor de mercado na ordem dos duzentos mil escudos, a que corresponde atualmente a €997,60; (art. 11º)
Quando Autora e réu celebraram o seu matrimónio, a construção erigida pelo Réu ascendia a cerca de cinco milhões de escudos, e que atualmente ascende a € 24.939,89; (art. 12º)
Autora e Réu, em comunhão de fundos e esforços, mantiveram e concluíram a construção da casa de morada de família a erigir naquele prédio rustico, composta de r/c e 1.º andar destinado a uma habitação, composto por duas divisões no r/c, 4 divisões, cozinha e casa de banho no 1.º Andar e dependência destinada a garagem, inscrito na respetiva matriz sob artigo n.º 1330; (art. 13º)
(…) desde que a Autora e Réu casaram que ambos trabalhavam, auferindo como sinalagma de tal labuta o competente salário (art. 17º)
Tendo sido com o dinheiro ganho através da sua labuta que, Autora e Réu suportavam as respectivas despesas do casal e do respectivo agregado familiar e, bem assim, adquirindo todos os bens supra e infra sobreditos. (art. 18º)

D. Na fundamentação de direito da sentença recorrida, pode ler-se:

As obras anteriormente elencadas, bem como a construção dos muros, do anexo que acolheu a cozinha de lenha e o espaço destinado a guardar os objetos restaurados pelo Réu, a casa de banho edificada sob as escadas, têm de ser classificadas de benfeitorias úteis porquanto se trata de despesas que não se relacionam com a conservação, decorrendo da experiência comum que se traduzem em melhoramentos que aumentam o respetivo valor pelo acréscimo de cómodos e de possibilidades de fruição do imóvel do ponto de vista habitacional e de privacidade no caso dos muros.

E. Na motivação da sentença recorrida, no que a esta matéria concerne, consta, designadamente, o seguinte:
Ao prestar declarações de parte, o Réu J. F. admitiu factos que vieram ao encontro da versão da Autora e como tal são valorados como confissão:
- quando casaram faltava pintar o exterior da casa (esteve 10 anos sem a pintura), não havia anexos para os animais e o rés-do-chão estava amplo;
- o primeiro andar é composto por sala comum, 3 quartos, despensa, cozinha e casa de banho e o rés-do-chão passou a ter duas divisões;
(…)
No que diz respeito aos depoimentos reportam-se a relatos objetivos e, não obstante o período de tempo envolvido na prática dos factos – os litigantes casaram a 14 de Setembro de 1985 –, foram coerentes e coincidentes entre si, assim como com a confissão das partes.
D. F., irmã do Réu (com quem deixou de se dar depois de a Autora ter saído de casa), afirmou que quando casaram as partes foram morar no primeiro andar da casa, o chão tinha tijoleiras em todas as divisões, o quarto (há 3 quartos) e a cozinha estavam pintados, o rés-do-chão estava amplo, o exterior encontrava-se revestido a cimento mas não acabado, não havia lagar nem adega; aludiu também à existência de uma cozinha a lenha ao lado da casa e uma casa de banho debaixo das escadas e um “anexo” onde a irmã da Autora viveu (situado no rés-do-chão) de construção posterior [do depoimento da testemunha seguinte extrai-se que essa zona da casa resultou da divisão do espaço amplo que antes formava o rés-do-chão]; referiu que quando a sobrinha nasceu [segundo as partes, no ano de 1986] já estava tudo pintado, assim como a garagem nos fundos (local onde faziam as festas, designadamente, batizados, comunhões) sendo o restante feito mais tarde; quando a sobrinha nasceu a Autora trabalhava numa fábrica e o Réu na Câmara, sendo que, quando a primeira tinha, no máximo, tinha 2 anos, passou a funcionar uma confeção nos fundos da casa (a qual já não tinha empregadas quando a Autora adoeceu – o que esta situou em 2004);
J. M., irmão da Autora, era visita da casa; explicou que a casa já existia quando casaram (mais adiante, referiu que a parte de cima tinha sala, cozinha, casa de banho e um quarto, havendo muita coisa que estava em cimento), que em momento posterior dividiram os fundos (uma outra irmã residiu no rés-do-chão), fizeram muros (ajudou nessa construção), outra casa ao lado com cozinha a lenha nos fundos e o “museu” na loja/sótão; referiu que vendia a pedra ao Réu (desconhecia se era o único fazê-lo), chegou a emprestar-lhe a máquina (outras vezes contratava-a) construindo, ora com ajuda de pessoas amigas, ora contratando pessoal;(…)
M. C., colega do Réu desde 1990/1991 (é motorista da Câmara Municipal), referiu que, em 1983, quando regressou da tropa, foi pedir trabalho ao Réu como trolha na casa onde este reside (mora a 1 km desta e andou à procura de emprego até Maio de 1984), mas não foi contratado pois aquele afirmou que estava a finalizar a obra e já não precisava; asseverou que o Réu lhe foi mostrar a casa, recordando que no primeiro andar estava tudo pintado por dentro com várias cores (tinha uma sala comum do lado direito, seguida de um quarto, a cozinha do lado esquerdo e dois quartos; um quarto estava mobilado, assim como a cozinha, mas ainda não vivia lá) não recordava bem o rés-do-chão, tendo a ideia que estava a erguer paredes (mais adiante recordava-se de haver tábuas – o Réu mencionou nas declarações de parte que chegou a guardar madeira nesse espaço), no exterior estava rebocado mas não pintado; nos anos 90 deslocou-se a casa do Réu para comprar frangos, notando que havia uma cozinha no exterior que não existia quando da anterior deslocação; (…).
F. F., viveu no lugar de Mosteiro até casar (2001) e depois na Rua do …, estando a residir em Guimarães desde 2003, amigo do Réu dos tempos de escola, sendo este seu cliente (seguros); explicou que frequentava o local onde se situa a casa do Réu por ser caçador; situou a construção da casa do Réu no período entre 1981-1984, referindo que o mesmo ia casar no ano seguinte e que estava praticamente acabada por fora (faltava pintar) e em cima totalmente acabada (associou a sua deslocação, ao interesse que tinha no arrendamento de uma quinta pertencente à família … de quem o pai do Réu era feitor – os quais eram todos clientes da serração de madeira dos seus pais – e na intercessão do demandado, o que veio a concretizar anos mais tarde), tendo 3 quartos, sala, corredor, cozinha, casa de banho, pintados com cores variadas (recordava-se de azul e roxo) no piso de cima (já havia alguma mobília na cozinha, no quarto e eventualmente na sala, embora o Réu vivesse com os pais), em baixo um espaço amplo numa zona e duas divisões noutra parte, que estava em grosso (talvez areado), não recordando se o chão era em cimento ou tijoleira (…).
Extrai-se claramente do conjunto da prova produzida que a casa que integra o artigo .. da matriz urbana da Freguesia de …, inscrito a favor do Réu, foi edificada ainda era solteiro reunindo condições habitacionais no momento do casamento dos litigantes, que lhes permitiu fazer dela a sua residência.
No entanto, ao longo dos anos foram acrescentados anexos e realizados melhoramentos e acabamentos: assim, a cozinha de lavrador encontra-se no rés-do-chão de um novo edifício, que tem no piso superior o local onde o Réu coloca as peças que recupera da sucata ou que eventualmente lhe dão para o efeito; o exterior foi pintado e foram construídos muros; o rés-do-chão, que era amplo foi dividido e aproveitaram o espaço sob as escadas para criar uma casa de banho.
No que diz respeito à pintura do interior da moradia, embora os depoimentos sejam algo divergentes, afigura-se ser de dar maior credibilidade aos relatos dos familiares das partes, dado o maior contacto com a moradia – uma vez que as restantes testemunhas haviam tido deslocações fugazes – sendo também que, numa camada de população mais humilde, fazia sentido aprontar as divisões de maior uso, como a cozinha, o quarto, casa de banho e, mesmo a sala, deixando os dois restantes quartos para outra fase, designadamente, quando se aproximasse o nascimento dos filhos.
Assim, estamos perante obras realizadas na constância do casamento, com o produto do trabalho de ambos os cônjuges.

O Direito.

Da impugnação da matéria de facto

Defende o Recorrente que a sentença está ferida com a nulidade prevista no art. 615.º, n.º1, al. d), do CPC, pois, ao contrário do decidido pelo tribunal “a quo”, a apelada não alega um único facto que tenha qualquer tradução com o que, a final, veio a ser dado por provado pelo tribunal “a quo” sob o ponto 17 dos factos provados, sendo, nessa medida, a sentença apelada nula e, como tal, devendo ser revogada e substituída por outra que expurgue da sentença apelada a factualidade dada por provada sob o ponto 17, com as legais consequências.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
De acordo com a segunda parte da alínea d) do nº 1 deste preceito, a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Mesmo ao nível da decisão da matéria de facto, esta pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, sendo que algumas “poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento”. (Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 291).
Dando exemplos das aludidas patologias, refere o mencionado Autor que “o conteúdo da decisão pode revelar-se excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais para a integração da causa de pedir ou das excepções (art. 5º, nº 1) ou mesmo de factos complementares ou concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art. 5º, nº 2, al. b).”
Será o caso da decisão recorrida?
Nos termos da aludida alínea b) do nº 2 do art. 5º, além dos factos articulados pelas partes e dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa - nº 2, a) -, são ainda considerados pelo juiz “os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
Para a aplicação deste preceito urge, portanto, distinguir entre factos essenciais, por um lado, e factos instrumentais, por outro, e, ainda, entre factos essenciais “tout court” e factos essenciais complementares ou concretizadores, que também se situam em planos distintos.
A primeira das distinções não suscita dúvidas, o mesmo não se podendo, porém, dizer da segunda.
Vejamos.
Os factos essenciais, propriamente ditos, apelidados de “nucleares”, “constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da exceção, desempenhando uma função individualizadora ou identificadora, a ponto de a respetiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da exceção. Já os “complementares” e os “concretizadores”, embora também integrem a causa de pedir ou a exceção, não têm já uma função individualizadora. Assim, os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma exceção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma exceção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por sua vez, os factos concretizadores têm por função pormenorizar a questão fáctica exposta sendo, exatamente, essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da ação (ou da exceção) (Paulo Pimenta, in Cadernos do CEJ - “O Novo Processo Civil”, “Os temas da prova”, pág. 245)
A título de exemplos de uns e outros, refere o citado autor: “Numa excepção peremptória visando a anulação de negócio com fundamento em “erro sobre os motivos”, é facto “essencial nuclear” o relativo ao erro invocado, sendo “essencial complementar” o facto relativo à essencialidade do motivo, reconhecida por acordo”; “numa acção de impugnação pauliana, alegou-se que o crédito é anterior ao negócio impugnado, mas sem explicitação da data. Será “essencial concretizador” o facto relativo à indicação da data do negócio.”
Os factos essenciais complementares ou concretizadores são, portanto, factos que se encontram já (potencialmente) contidos na alegação inicial dos “factos essenciais”, propriamente ditos (José Vieira e Cunha, in Cadernos do CEJ - “O Novo Processo Civil”, “A audiência prévia no Código Revisto”, pág. 211).
Tendo presentes estas considerações, confrontemos, então, a factualidade considerada provada no ponto 17 da sentença em crise com a matéria anteriormente alegada pela Autora.
Como se viu, a Autora na petição inicial aperfeiçoada alegou que:

Quando Autora e réu celebraram o seu matrimónio, a construção erigida pelo Réu ascendia a cerca de cinco milhões de escudos, e que atualmente ascende a € 24.939,89; (art. 12º)
Autora e Réu, em comunhão de fundos e esforços, mantiveram e concluíram a construção da casa de morada de família a erigir naquele prédio rustico, composta de r/c e 1.º andar destinado a uma habitação, composto por duas divisões no r/c, 4 divisões, cozinha e casa de banho no 1.º Andar e dependência destinada a garagem, inscrito na respetiva matriz sob artigo n.º ..; (art. 13º)
(…) desde que a Autora e Réu casaram que ambos trabalhavam, auferindo como sinalagma de tal labuta o competente salário (art. 17º)
Tendo sido com o dinheiro ganho através da sua labuta que, Autora e Réu suportavam as respectivas despesas do casal e do respectivo agregado familiar e, bem assim, adquirindo todos os bens supra e infra sobreditos. (art. 18º)
Por seu turno, a decisão recorrida considerou provado que:

17. No período compreendido entre as datas referidas em 1) (data da celebração do casamento) e 2) (data da sentença que declarou dissolvido o casamento), em conjugação de esforços e com o produto do seu trabalho, Autora e Réu:
- ampliaram a moradia, construindo um anexo de rés-do-chão e sótão onde instalaram uma cozinha a lenha e um espaço para guardar peças antigas que o segundo restaura;
- pintaram o exterior da moradia, assim como dois quartos situados no primeiro andar;
- dividiram o rés-do-chão que anteriormente era amplo;
- edificaram uma casa de banho sob as escadas;
- construíram muros.
São estes factos concretizadores da alegação efetuada?
Sem dúvida.
Com efeito, as obras descritas no ponto 17 correspondem à densificação do anteriormente alegado pela Autora no sentido de que, embora o Réu já tivesse erigido uma construção no prédio rústico por ele adquirido em solteiro (art. 12º da p.i. aperfeiçoada), o ex-casal formado por ambos é que concluiu a construção da casa em questão, alegação esta imprecisa e insuficiente mas não omissa quanto ao núcleo essencial individualizador da causa de pedir, correspondente à realização de benfeitorias pelo ex-casal, em que assenta o pedido subsidiário.
Como se sublinha no Acórdão do STJ de 07.04.2016 (Relator Lopes do Rego), “desde que o A. tenha alegado na petição o núcleo essencial, caracterizador da causa de pedir, é perfeitamente possível que sejam ainda processualmente adquiridos, durante o processo, factos complementares ou concretizadores daquele núcleo essencial – e que poderão servir legitimamente de suporte a uma decisão de procedência da acção; ou seja: o que é decisivo para o juízo de procedência ou improcedência não é apenas – como o era na referida e há muito ultrapassada visão desproporcionadamente formalística e preclusiva do ónus de alegação da parte – o elenco de factos descritos inicialmente na petição, mas o conjunto de factos processualmente adquiridos até ao termo do processo, após realização das diligências de produção de prova.”
A questão que a seguir se coloca é a de saber se aquisição processual de factos concretizadores daquele núcleo factual essencial colide com o direito de defesa da parte contrária.
Da mera leitura da motivação da decisão relativa à matéria de facto decorre que a matéria de facto considerada provada a respeito das obras realizadas pelo ex-casal foi objeto de ampla discussão, sobre ela se tendo produzido prova minuciosa: para tal se comprovar, basta verificar o detalhe da indagação a esse propósito efetuada na audiência de julgamento, tal como plasmado na aludida motivação, no que toca às declarações de parte da Autora e do Réu e dos depoimentos prestados pelas diversas testemunhas arroladas (por um e por outro).
Podemos, pois, no presente caso, concluir como naqueloutro aresto no sentido de que o direito de defesa do Réu/Recorrente se mostra plenamente garantido pela estrutura contraditória da audiência final.
É que, se de acordo com o supra aludido normativo, “deve ser evidenciada pelo Tribunal a relevância dos factos complementares ou concretizadores que resultam da instrução da causa a fim de viabilizar o exercício do contraditório”, importa também ponderar que “essa relevância pode ser evidenciada de forma efetiva ainda que exercida de modo implícito, o que pressupõe um juízo de facto incidente sobre o modo como se desenrolou a instrução da causa” (Salazar Casanova, in “Poderes de cognição do juiz em matéria de facto”, Revista do CEJ nº 1 - 2014), sendo manifesto que, no caso, embora as partes não tenham sido expressamente notificadas para se pronunciarem sobre os mencionados factos resultantes da instrução da causa, a relevância destes foi evidenciada de forma real, incontestável, ao longo da audiência de julgamento: o mesmo é dizer que as partes sobre eles tiveram efetiva oportunidade de se pronunciarem.
Em conclusão, a resposta à primeira questão suscitada pela Recorrente é negativa, não padecendo, pois, a sentença recorrida da apontada nulidade, pelo que se deverá manter a matéria de facto constante do ponto 17 e impugnada pelo Recorrente.
Apenas uma precisão factual, correspondente a um pormenor referido na motivação mas não consequentemente incluído nos factos provados, importa efetuar, na medida em que a própria lei impõe, em tais circunstâncias, que a Relação ajuste a decisão proferida sobre a matéria de facto à prova produzida (art. 662º, nº 1, do CPC).
Na verdade, num dos subpontos do ponto 17, pode ler-se que “pintaram o exterior da moradia, assim como dois quartos situados no primeiro andar”, sem ali se precisar que, tal como se mostra explicitado na motivação e efetivamente resulta da prova produzida lida à luz das regras da experiência e da normalidade, essa pintura foi, então, efetuada pela primeira vez, precisão que, de novo em concretização da alegação inicial da conclusão, pelo ex-casal, das obras iniciadas pelo Réu/Recorrente, este Tribunal decide incluir no referido subponto.

Da subsunção dos factos ao direito

Importa, agora, subsumir a factualidade assente - com a precisão acabada de efetuar -, ao particular regime das benfeitorias no âmbito do património do ex-casal a fim de aferir se a mesma é ou não suficiente para fundamentar a decisão proferida.
Recorde-se que nos presentes autos, na sequência do pedido subsidiário formulado pela Autora/Recorrida, a final, a sentença recorrida reconheceu e declarou, no que para agora interessa, que as obras especificadas no ponto 17) da fundamentação de facto correspondiam a “despesas suportadas pelo património comum do dissolvido casal e realizadas em bem próprio do Réu, ascendendo a valor a liquidar em incidente próprio”, reconhecendo, implicitamente, atento o teor da respetiva fundamentação e como infra melhor se verá, estarmos perante benfeitorias úteis.
Haverá falha de factos para o efeito?
Começando por definir benfeitoria, tem-se por certo que esta corresponde a um facto material, uma despesa, a que a lei associa direitos desde que o respetivo autor se encontre em determinadas posições jurídicas, relativamente à coisa beneficiada, tais como as consubstanciadas na posse em nome próprio - art. 1273º e seguintes -, na locação - art. 1046º -, no comodato - art. 1138º - ou no usufruto - art. 1450º, todos do Cód. Civil (Quirino Soares, in CJ/STJ 1996, tomo 1, pág. 14).
Mas, como se sublinha no Acórdão da Relação de Coimbra de 23.10.2012, “essas situações ou relações jurídicas não esgotam as relações jurídicas possíveis previstas na lei, ao abrigo das quais as despesas ou melhoramentos da coisa são qualificáveis ou qualificadas como benfeitorias (vejam-se os artigos 2115º e 2177º no âmbito da relação jurídica sucessória, o artigo 1411º no âmbito da compropriedade e os artigos 1723º c) e 1733º/2 no âmbito da relação jurídica matrimonial)”.
E, se, regra geral, “havendo benfeitoria feita numa coisa de outrem, nos termos dos artigos 1273º a 1275º o benfeitorizante terá o direito à indemnização pelo valor daquela, ou o direito ao seu levantamento (jus tollendi), ou perdê-la-á sem qualquer direito, conforme os casos”, não está, todavia, afastada “a hipótese de serem aplicáveis outros preceitos, com diferentes soluções jurídicas” (Acórdão da Relação de Coimbra de 26.04.2010).
Na hipótese em apreço, já não está em causa a acessão - instituto cuja aplicação foi excluída pela sentença recorrida, ali se julgando improcedente, por essa razão, o pedido formulado a título principal -, mas é indubitável estarmos perante despesas feitas pelo ex-casal, num bem próprio de um deles, com recurso ao produto do trabalho de ambos, impondo-se, portanto, encontrar o particular regime das benfeitorias que releva para efeito da comunhão patrimonial resultante do casamento.
Aqui chegados, importa, desde logo, acentuar que, “se bem observamos, não podemos deixar de reconhecer que toda a obra, sementeira ou plantação que, nos termos do art. 1340.º, n.º 1, do CC, dá lugar a acessão, constitui uma benfeitoria útil; embora com carácter inovatório” (último dos citados acórdãos da Relação de Coimbra), pelo que, como é bom de ver, quem invoca a acessão tem, necessariamente, que invocar a realização de despesas correspondentes a benfeitorias úteis, não havendo, pois, ao contrário do que defende o Recorrente, qualquer efeito-surpresa no eventual reconhecimento destas não obstante o insucesso da acessão por outros motivos.
Retomando a explanação quanto ao particular regime das benfeitorias em apreço: como se sabe, o artigo 1733º do CC - preceito que embora inserido sistematicamente no regime da comunhão geral de bens, é consensualmente considerado aplicável à comunhão de adquiridos -, depois de no nº 1 enumerar os bens que são (imperativamente) excetuados da comunhão, preceitua no nº 2 que “a incomunicabilidade dos bens não abrange os respetivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis”, querendo significar este preceito que do património comum fazem ainda parte os frutos de bens próprios ou de bens comuns e o valor das benfeitorias úteis feitas nesses bens.
Isso mesmo se defende no Acórdão da Relação de Coimbra de 23.10.2012, que cita, em seu apoio Adriano M. R. de Paiva, in A Comunhão de Adquiridos, Coimbra Editora, 2008, pág. 225, e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito de Família, I, 2003, pág. 590/591, obra onde, segundo o mesmo acórdão, os últimos autores referidos “acrescentam que o preceito não refere as benfeitorias necessárias porque, incorporadas na coisa e pertencentes ao titular do bem próprio, são indispensáveis à frutificação normal, pelo que o seu valor acaba por se reproduzir nos frutos (bem comum)” e “as voluptuárias irrelevam, por não valorizarem a coisa”.
Face ao exposto, no caso, importa, então, no essencial, distinguir as benfeitorias úteis das restantes benfeitorias.
Nos termos do art. 216º, nº 3, do Cód. Civil, são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
Quando as despesas realizadas na coisa a melhorem, aumentam-lhe o valor (cfr. último dos citados acórdãos).
Depois deste enquadramento, urge, então, responder à questão de saber qual a alegação de factos necessária para a caracterização das benfeitorias como úteis, com vista à aplicação deste particular regime.
Considerou a decisão recorrida que as obras especificadas no ponto 17 da fundamentação de facto - onde, nomeadamente, se integram a construção dos muros, do anexo que acolheu a cozinha de lenha e o espaço destinado a guardar os objetos restaurados pelo Réu e a casa de banho edificada sob as escadas -, têm de ser classificadas de benfeitorias úteis porquanto se trata de despesas que não se relacionam com a conservação, decorrendo da experiência comum que se traduzem em melhoramentos que aumentam o respetivo valor pelo acréscimo de cómodos e de possibilidades de fruição do imóvel do ponto de vista habitacional e de privacidade no caso dos muros.
Defende o Réu que cumpre a quem invocar o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de umas e outas, nomeadamente, quanto às úteis, que as obras valorizaram a coisa, que o seu levantamento as deterioraria e quais os respetivos custos e o atual valor, pelo que, no caso em apreço, o julgador se encontrava impedido de suprir a falta de alegação e dispensar a prova de tais factos, tal como, segundo o mesmo, nos termos acima referidos, fez o Tribunal a quo, socorrendo-se de presunções judiciais.
Quid iuris?
Nos termos do art. 412º, nº 1, do CPC, não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
Sendo um facto notório pode, portanto, o juiz socorrer-se dele ainda que as partes não o tenham invocado.
Como decidido no Ac. STJ, 25.10.2005, proc. 05A3054, dgsi.pt, para tal "é indispensável um conhecimento de tal modo extenso e difundido que o facto apareça como evidente, revestido de um carácter de certeza".
Ou, melhor ainda, nas palavras do Acórdão da Relação de Coimbra de 22.06.2010, “um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos”.
Um facto notório vale de per si, não requerendo a formulação do nexo lógico inerente à presunção (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, acessível em https://books.google.pt).
Com base nestes pressupostos, tem a jurisprudência entendido que “é facto notório que o credor de alimentos e o obrigado à sua prestação realizam despesas com a sua própria alimentação” - acórdão do STJ de 15.02.2007 -, “os danos não patrimoniais, mesmo que não provados em audiência, devem ser tomados em conta se forem considerados factos notórios” - citado acórdão da Relação de Coimbra -, sendo também facto notório a desvalorização de um veículo pelo mero decurso do tempo.
No que para o caso releva, de igual modo se tem entendido, reiteradamente, na jurisprudência que uma moradia construída no terreno de um dos elementos do ex-casal, na pendência do casamento, com dinheiro ou empréstimo contraído por ambos os cônjuges, integra, sem mais, uma benfeitoria útil, o que pressupõe a aceitação de que é um facto notório que a construção integrada no terreno não sendo indispensável para a sua conservação, lhe aumenta, todavia, o valor. Neste sentido, confirmar o acórdão da Relação do Porto de 11.7.2012, o acórdão da Relação de Coimbra de 20.04.2016, o já citado acórdão da Relação de Coimbra de 23.10.2012 - onde se pode ler: “Tendo os cônjuges, enquanto casados sob o regime de comunhão de adquiridos, construído uma moradia num terreno pertencente ao património próprio de um deles, essa construção constitui uma benfeitoria útil (…). O valor das despesas materiais feitas pelo casal com a dita construção da moradia é um bem comum do casal, nos termos dos artigos 1724º al. b) e 1733º/2 do Código Civil. Esse valor deve ser relacionado como crédito do património comum do casal” - e, ainda, o acórdão da mesma Relação de 13.5.2014 - processo 1068/08.7TBTMR-B.C1.
Mais ainda, assim se tem também entendido no que toca a determinado tipo de obras, que, pela sua natureza, se evidenciam - sem necessidade de recurso a quaisquer presunções -, como melhoramentos da coisa, aumentando-lhe, nessa medida, o valor.
Nesse sentido, veja-se, por exemplo o Acórdão da Relação de Coimbra de 31.05.2005, onde, de forma similar ao decidido na decisão objeto do presente recurso, se entendeu:
“Face (…) nomeadamente aos conceitos legais definidos no citado artº 216, nº 3, afigura-se-nos não existirem grandes dúvidas de que as obras relacionadas com a instalação eléctrica, com a construção do quarto de banho e com a plantação das árvores devem ser consideradas como benfeitorias úteis, já que é patente que as mesmas visaram tão só aumentar as potencialidades do gozo do locado - nomeadamente em termos de aumento de comodidades, do seu conforto, do seu valor, e ainda, no que diz respeito às plantações, de produtividade ou fecundidade – e já não evitar também a perda, deterioração ou destruição do prédio locado, não sendo, pois, indispensáveis à sua conservação. Qualquer outra qualificação seria, a nosso ver, ao arrepio da lei, e sem qualquer correspondência na sua letra (cfr. artº 9, nº 2).”
Em conclusão, sendo indubitavelmente correto o entendimento de que, como se decidiu no acórdão de 20 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 642/04.5TBSXL-B.L1.S1 (que, diga-se de passagem, teve por objeto tema totalmente diverso das benfeitorias), “não é admissível por presunção judicial considerar-se provado um facto concreto, essencial à sorte do litígio, que carece de ser alegado para poder ser tomado em consideração pelo Tribunal (artigos 349.º, 351º do Código Civil, artigos 264.º, 514.º, 515.º, 665.º todos do Código de Processo de Civil)”, não deixa também de ser correto que se um facto for notório nenhum impedimento existe em considerá-lo para efeito da decisão a tomar, ainda que o mesmo não tenha sido alegado, emergindo no caso como uma evidência a caraterização das obras de ampliação - mediante a construção de um anexo de rés-do-chão e sótão onde o ex-casal, nomeadamente, instalou uma cozinha a lenha, a divisão do rés-do-chão que anteriormente era amplo, a edificação de uma casa de banho e a construção de muros (todos os erguidos no prédio do Réu/Recorrente, certo que se a decisão recorrida não distingue muros e não há impugnação deste ponto de facto no sentido da circunscrição do mesmo, não há muros a distinguir) - como melhoramentos da moradia da família, com exclusão da sua categorização nas obras de conservação, sem necessidade do recurso, para o efeito, a quaisquer operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos, tudo com a consequente integração de tais obras na categoria de benfeitorias úteis.
E o mesmo se diga relativamente à pintura do exterior da moradia e dos dois quartos situados no primeiro andar, porquanto essas pinturas foram, então, efetuadas pela primeira vez, não correspondendo, pois, a obras destinadas à manutenção da coisa, mas sim ao seu acabamento.
Desnecessário sendo, para o efeito, nomeadamente, saber quais os materiais aplicados ou a dimensão de cada uma das obras, factualidade essa que apenas poderá relevar para efeito da determinação das despesas em que o casal incorreu para realizar essas obras, determinação essa que a Sr. ª Juíza a quo entendeu não ter sido possível efetuar no âmbito da sentença, relegando, por isso, a sua quantificação para incidente de liquidação.
Acresce que, no caso concreto, a alegação da valorização do prédio do Réu/Recorrido por força das obras realizadas pelo ex-casal se tem por verificada, mediante a conjugação dos artigos 11º e 12º da petição aperfeiçoada, sucedendo apenas, como resulta da decisão recorrida, não ter sido possível a quantificação dos valores em causa, o que não impede a afirmação do aludido facto notório, que prescinde de tal apuramento, obrigando, tão só, a impossibilidade de determinação das despesas em que o casal incorreu, a relegar a decisão sobre o respetivo montante para incidente de liquidação.
Por último, não se diga que os acórdãos citados pelo Recorrente impõem distinta conclusão (na medida em que ali se exige a alegação de outros factos para a procedência de ações relativas a benfeitorias).
Na verdade, em todos os citados acórdãos em causa estavam indemnizações por alegadas benfeitorias úteis decorrentes de supostas posições jurídicas do autor relativamente à coisa beneficiada (assim, p. ex. nos acórdãos do STJ de 06.02.2007 e 06.05.2008 - alegados possuidores a quem foi pedida restituição da coisa -, de 06.07.2004, de 22.01.2008 - locatários), o que, desde logo distingue as situações ali tratadas da ora em apreço, porquanto, para além do mais, para a obtenção das ditas indemnizações, necessário se tornava, naqueles casos, demonstrar não ser possível haver lugar ao levantamento das benfeitorias (ou que o levantamento das correspondentes benfeitorias levaria ao detrimento da coisa), bem como o mais necessário para se proceder ao cálculo da indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa, o que, obviamente, obriga a alegação de todo um outro conjunto de factos, como ressalta de variadíssimos acórdãos.
Assim, no sentido de que, “sendo a indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis no prédio arrendado (...) calculada segundo o regime do enriquecimento sem causa, segue-se que não basta para esse cálculo considerar o respectivo custo”, antes “é necessário que se determine qual a valorização que as ditas obras trouxeram ao prédio, pois só ela é que dá a medida do enriquecimento do senhorio, dono do prédio, gerando na mesma medida a obrigação de indemnização”, veja-se o Ac. da Rel. de Coimbra de 4/11/1997 (sumariado in BMJ n.º 471, pág. 464); igualmente no sentido de que a medida do enriquecimento do senhorio à custa do arrendatário, que a lei quer suprimir ou eliminar ao obrigar o senhorio a indemnizar o arrendatário pelas benfeitorias por este efetuadas no prédio locado, “não tem de corresponder ao custo das obras que os autores fizeram e com que beneficiaram os prédios, o que só poderia verificar-se se se provasse que os réus efectivamente enriqueceram nessa medida; tão pouco se pode, sem mais, fazer corresponder a medida do empobrecimento dos autores ao custo despendido com e nas obras”, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/4/1998 proferido no Proc. n.º 98A371.
Não estando em causa, como não está, no caso em apreço, a fixação de uma indemnização mas sim o linear reconhecimento da existência de despesas suportadas pelo património comum do ex-casal com a realização de benfeitorias úteis em bem próprio de um dos seus elementos, fácil é de perceber a diferença entre os casos apreciados nos arestos indicador pelo Recorrente e o presente: neste, à procedência da ação basta a verificação da existência de despesas feitas pelo ex-casal, em bem próprio de um deles, na realização de obras que melhoraram esse bem.
Improcede, pois, a apelação.

Sumário:

I - Numa ação em que o núcleo essencial da causa de pedir corresponde à realização de benfeitorias úteis no âmbito da relação jurídica matrimonial, estando alegados o prosseguimento e conclusão, pelo ex-casal, da construção de uma casa em prédio de um dos elementos daquele, a pormenorização das obras realizadas na dita casa deve ser qualificada como factualidade concretizadora, sendo, por isso, suscetível de, nos termos do disposto no art. 5º, nº2, b), do CPC, suportar e legitimar uma decisão de procedência da ação de reconhecimento dessas mesmas benfeitorias;
II - Por força do aludido preceito, para garantir o direito de defesa da contraparte necessário se torna que o Tribunal evidencie a relevância dos factos concretizadores, mas essa relevância pode ser eficazmente evidenciada de modo implícito, tal sucedendo quando as partes, embora não expressamente notificadas para se pronunciarem, virem o seu direito plenamente garantido pela estrutura contraditória da audiência final;
III - Não estando em causa a fixação de uma indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa por benfeitorias úteis mas sim o linear reconhecimento da existência de despesas suportadas pelo património comum do ex-casal com a realização desse tipo de benfeitorias em bem próprio de um dos seus elementos, à procedência da ação basta a verificação da ocorrência de tais despesas com obras que melhoraram e, nessa medida valorizaram, esse bem;
IV - A melhoria de um bem através de obras que, pela sua natureza, em si mesmas, evidenciam tal melhoria é um facto notório que pode e deve ser tido em consideração pelo Tribunal.
*
IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 09.11.2017


Relator
1º Adjunto
2º Adjunto