Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2413.10.0TBGMR-A.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Tendo o credor optado pela resolução do contrato, e inexistindo qualquer cláusula contratual que o afaste, terá o direito de indemnização a que a que se reporta o artº 801º nº 2 do Código Civil, pelo interesse contratual negativo.
II – O interesse contratual negativo comporta os danos emergentes, e os lucros cessantes, e visa a integral reposição da situação em que o credor/lesado se encontraria se o contrato não tivesse sido, sequer, celebrado, abrangendo, assim, todas as obras realizadas no local arrendado, pelo locatário, para o adequado exercício da actividade a que o pretendia destinar.
Decisão Texto Integral: 31

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES


Apelação nº 2413.10.0TBGMR-A.G1.

Relator: Jorge Teixeira.

Adjuntos: Manuel António Bargado.

Helena Gomes de Melo.


Largo João Franco, 248 - 4810-269 Guimarães – Telefone: 253 439 900 – Fax: 253 439 999

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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:





I - RELATÓRIO.





Recorrente: S… , Ldª;


Recorrido: F… e J… .


Vara de Competência Mista de Guimarães – 2ª Vara.





S… , Ldª, com sede na Agrela, freguesia de Briteiros S. Salvador, Guimarães, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo sumária, contra F… e J… , pedindo:


A- Seja declarado resolvido o contrato de arrendamento entre ambos celebrado;


Sejam os RR. condenados,


B- A pagarem à A. uma indemnização pelos prejuízos por esta sofridos em consequência das obras edificadas nos prédios, em quantia a liquidar em execução de sentença;


C- A reconhecerem à A. o direito de retenção sobre os prédios até efectivo e integral pagamento da indemnização que àquela caberá nos termos da alínea anterior.


Alega, em síntese, que a 1 de Abril de 2006, e através de escrito particular, celebrou com os RR. um contrato, que denominaram de “contrato de arrendamento comercial de duração ilimitada”, nos termos do qual estes últimos deram de arrendamento à A., para o exercício da sua actividade, designadamente, para armazém de máquinas industriais destinadas ao comércio, o prédio urbano, com duas divisões no rés-do-chão e duas no primeiro andar, sito na Rua de S. Martinho, nº 2829, da freguesia de Sande S. Martinho, em Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 167, e na C.R.P. de Guimarães sob o artigo 00232, e o prédio urbano, com duas divisões no rés-do-chão e logradouro, sito na Rua de S. Martinho, nº 2829, da freguesia de Sande S. Martinho, em Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 169, e na C.R.P. de Guimarães, sob o artigo 0232.


Tal contrato foi celebrado pelo prazo de 20 anos, com início a 1 de Abril de 2006 e termo a 1 de Abril de 2026, mediante o pagamento da renda anual de € 12.000,00, durante os primeiros 11 anos, passando a partir de 1 de Abril de 2017 para a renda de € 24.000,00, a pagar em prestação mensais de € 1.000,00 e € 2.000,00, respectivamente.


Mais alega que, aquando da celebração do referido contrato, os RR. convenceram a A. de que os prédios dados de arrendamento constituíam uma unidade industrial de têxteis e posteriormente um armazém e comércio de aços e fábrica de cutelaria, sendo que a sua construção ocorrera há mais de 70 anos e, consequentemente, estando ambos os prédios isentos da licença de construção e de ocupação.


E, dada a importância de tais factos, que assumiram relevância decisiva para que a A. celebrasse tal contrato, por ter ficado convencida da isenção das referidas licenças, foram os mesmos incluídos no contrato.


Sucede que, após a ocupação de tais prédio, a A. procedeu à realização de obras nos imóveis, as quais, contudo, foram embargadas, tendo sido elaborado auto de notícia pela Câmara Municipal de Guimarães, a 16 de Novembro de 2009, por a A. ocupar os prédios dados de arrendamento, com armazenagem de máquinas diversas destinadas à construção civil e exposição de máquinas destinadas à venda, sem autorização administrativa de utilização.


Assim, é em razão de se ter visto privada do gozo dos prédios dados de arrendamento, por inexistência de licença de utilização dos mesmos, que no mencionado contrato os RR. afirmaram, e dele fizeram constar, estarem isentos de licença de construção e de ocupação, que a A. pretende ver resolvido o contrato de arrendamento.


Citados que foram, os RR. apresentaram contestação, alegando, em síntese, que estavam e continuam convencidos de que, atenta a data da sua construção – anterior a 1951 -, os imóveis objecto do contrato em referência nos autos estão isentos de licença de ocupação de prédios.


Mais alegam que a razão do embargos das obras levadas a efeito no local arrendado pela A. se deveu ao facto de esta última ter excedido o âmbito das obras que estava autorizado a realizar pela autoridade administrativa.


Assim, e após a realização do embargo, os RR. procederam ao licenciamento dessas mesmas obras, que comtemplou a emissão de uma licença de utilização, tendo a A. tido conhecimento desse processo de licenciamento.


E foi pelo facto de a A. não ter disponibilizado o acesso ao prédio para realização de uma vistoria com vista à legalização definitiva dos prédios, que a licença de utilização não veio a ser emitida.


Deduziram ainda pedido reconvencional, pedindo a condenação da R. e, alegando como fundamento que a A. não procedeu ao pagamento das rendas referentes aos meses de Maio a Agosto de 2010, inclusive, concluem pedindo que, uma vez declarado resolvido o mencionado contrato de arrendamento, lhes sejam entregues os prédios locados livres de pessoas e bens e condenada a A. a pagar-lhes o valor das rendas vencidas desde Maio de 2010 e as vincendas até efectiva entrega dos prédios.


Replicou a A., e, pronunciando-se no sentido da improcedência da reconvenção, concluiu no demais como no inicial petitório.


Os RR./Reconvintes apresentaram tréplica, concluindo como no pedido reconvencional.


Foi proferido despacho saneador, que, designadamente, julgou improcedente o pedido formulado pela A. de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização, em quantia a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos por ela sofridos em consequência das obras realizadas nos prédios, tendo, posteriormente, sido seleccionados os factos assentes e os controvertidos.


Inconformada com a improcedência de tal pedido, interpôs a A. o presente recurso de apelação (com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo), cuja motivação culminou com as seguintes conclusões:


“1. Entendeu o Tribunal recorrido que, face à cláusula quinta do contrato de arrendamento - “Fica o inquilino com a obrigação de realizar todas as obras e benfeitorias que achar conveniente, tais como, estruturas e coberturas nos dois prédios, melhorar as instalações sanitárias e eléctricas, rede de água e saneamento, sem alterar a raiz dos prédios, ficando estipulado que as que fizer, ficam a pertencer ao Senhorio, não havendo, por isso, direito a indemnização ou retenção, seja a que título for" - fica excluído qualquer direito a indemnização por parte da Autora decorrente da realização de eventuais obras.


2. A Autora entende que não assiste qualquer razão ao Tribunal recorrido, e nem o mesmo tinha condições para decidir sobre tal questão por existirem factos controvertidos cuja prova condiciona a decisão a proferir.


3. É que o contrato foi celebrado pelo prazo de 20 anos, para o exercício de armazém de máquinas industriais destinadas a comércio, tendo sido declarada a não necessidade de licença de construção ou de ocupação face à data da construção dos prédios dados de arrendamento.


4. O artigo 9º, do RAU, em vigor à data da outorga do contrato de arrendamento dos autos, bem como o actual artigo 1070º, do Código Civil, estatui que o senhorio só pode outorgar o contrato de arrendamento urbano se detiver uma licença de utilização para o fim pretendido com o arrendamento, com base em vistoria realizada há menos de oito anos.


5. Também no artigo 5º, do DL nº 160/2006, de 08/08, se impõe que apenas podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios, construídos depois de 1951, ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização.


6. A licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica, designadamente armazém de máquinas industriais destinadas ao comércio é obrigação do senhorio.


7. Os Réus declararam no contrato a não necessidade da exigência da licença de utilização dos prédios, convencendo a Autora a celebrar o contrato e a realizar as obras;


8. Após a intervenção da Autoridade Administrativa, os Réus promoveram a obtenção da licença de utilização, aceitando a obrigatoriedade dos prédios em deterem tal licença.


9. As partes legitimamente acordaram o teor da cláusula quinta do contrato de arrendamento, de acordo aliás com o princípio da liberdade contratual, previsto no artigo 405º do Código Civil.


10. Tal cláusula é efectivamente válida.


11. Porém, a validade de tal cláusula não se sobrepõe aos efeitos da resolução do contrato previstas no 433º e 289º do Código Civil.


12. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 406º do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, sendo certo que, à semelhança do que se passa nos contratos em geral, entre o senhorio e o arrendatário existe um dever de correcção e lealdade de comportamento expresso pela ideia de boa-fé, cujo princípio geral tem assento no artigo 762º do Código Civil.


13. Ora, é manifesto que os Réus não pautaram o seu comportamento pelos ditames da boa-fé, designadamente ao convencerem a Autora da não necessidade da existência da licença de utilização dos prédios arrendados, facto que a levou quer a outorgar o contrato, pelo prazo de 20 anos, quer a realizar obras nos mesmos prédios.


14. Verificada a necessidade da licença de utilização do arrendado, a falsidade da declaração constante do contrato de arrendamento e a existência de autos de notícia por parte das entidades administrativas, a Autora optou pela resolução do contrato, direito que inegavelmente lhe assiste.


15. Porém, a Autora, por não lhe ser possível proceder ao levantamento das obras realizadas nos prédios ficou com o prejuízo decorrente da sua realização.


16. E se é certo que tais obras não seriam indemnizáveis por força da cláusula quinta do contrato, é igualmente certo que a resolução do contrato deveu-se exclusivamente à conduta dos Réus, conforme já se aludiu.


17. Ou seja, foi o descrito comportamento por parte dos Réus, a obrigatoriedade da existência da licença de utilização dos prédios, ao contrário do que foi assegurado por aqueles, que levou a Autora a resolver o contrato.


18. Verifica-se, além do mais, uma desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelos Réus, resultante da acordada cláusula quinta do contrato – o direito a não indemnizarem a Autora - e o sacrifício imposto à Autora, resultante da realização das obras em consequência da celebração do contrato pelo prazo de 20 anos, por estarem convencidos da veracidade da declaração dos Réus constante do mesmo contrato, tudo isto agravado pela resolução do contrato ter ocorrido por culpa dos Réus.


19. Verifica-se no caso dos autos manifesto abuso de direito, na variante de “venire contra factum proprium”. Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa posição contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente de violação dos deveres lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa-fé.


20. A decisão recorrida viola, pois, o disposto nos artigos 406º, 762º, 433º, 289º e 334º, todos do Código Civil”.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – Delimitação do objecto do recurso e questões a apreciar.


Sendo certo que o objecto do recurso, em conformidade com o disposto nos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do C.P.C., é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões suscitadas pela recorrente identificam-se nos termos seguintes:


- Apurar se o contra os pedidos formulados nas alíneas b) e c), da petição inicial, procede a objecção de que tais obras, nos termos contratuais, ficariam a pertencer ao senhorio sem ser por elas devida qualquer indemnização.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – FUNDAMENTAÇÃO.


Fundamentação de facto.


A matéria de facto a considerar, já dada como assente na sentença recorrida, é a seguinte:


1. A Autora exerce a actividade de importação, exportação, reparação, vendas, aluguer e montagem de máquinas, comércio de granitos e construção civil e obras públicas.


2. Para o exercício dessa actividade, designadamente para o armazém de máquinas industriais destinadas ao comércio, Autora e Réus celebraram, em 1 de Abril de 2006, um contrato escrito, que denominaram de contrato de arrendamento comercial de duração limitada, mediante o qual os Réus deram de arrendamento à Autora, para armazém de máquinas industriais destinadas ao comércio, o prédio urbano, com duas divisões no rés-do-chão e duas no primeiro andar, sito na Rua de São Martinho, nº 2829, da freguesia de Sande São Martinho, desta comarca, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 167 e na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00232, e o prédio urbano, com duas divisões no rés-do-chão e logradouro, sito na Rua de São Martinho, nº 2829, da freguesia de Sande São Martinho, desta comarca, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 169 e na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00232, pelo prazo de vinte anos, com inicio em 1 de Abril de 2006 e termo em 1 de Abril de 2026, mediante a renda anual de 12.000,00 €, durante os primeiros onze anos, passando a partir de 1 de Abril de 2017 para a renda anual de 24.000,00 €, a pagar em prestações mensais de 1.000,00 € e 2.000,00 €, respectivamente.


3. Da cláusula quinta do referido contrato consta que : “Fica o inquilino com a obrigação de realizar todas as obras e benfeitorias que achar conveniente, tais como, estruturas e coberturas nos dois prédios, melhorar as instalações sanitárias e eléctricas, rede de água e saneamento, sem alterar a raiz dos prédios, ficando estipulado que as que fizer, ficam a pertencer ao Senhorio, não havendo, por isso, direito a indemnização ou retenção, seja a que título for".


Fundamentação de direito.


Como resulta do já supra exposto, a questão fulcral a solucionar e em que assenta o presente recurso, reconduz-se ou subsume-se à de saber se o processo reunia todos, ou não, os elementos necessários para que o tribunal pudesse conhecer, no despacho saneador, dos pedidos formulados nas alíneas b) e c), da petição inicial, ou, mais concretamente, se independentemente do desfecho que a presente acção pudesse vir a ter - relativamente ao pedido de resolução do contrato -, as obras ou benfeitorias realizadas pela A. no prédio urbano objecto do arrendamento, nos termos contratualmente acordados, sempre, e em qualquer situação, tanto de cumprimento, como de ruptura contratual, ficariam a pertencer aos RR., tendo-se por excluído qualquer direito de indemnização ou de retenção, por parte da A., pelo respectivo valor.


O despacho recorrido alicerçou a sua decisão no facto de, no exercício da sua liberdade contratual, as partes terem feito constar do contrato de arrendamento celebrado que as obras realizadas pelo inquilino ficariam a pertencer ao senhorio, com exclusão do direito de indemnização ou retenção, seja a que título for.


No entendimento perfilhado em tal despacho, ao estipularem esta última clausula, as partes terão pretendido afastar a possibilidade de levantamento das benfeitorias e obras feitas, bem como qualquer indemnização eventualmente devida ao senhorio que comtemplasse o custo das referidas obras.


Mas será que foi mesmo este o sentido que as partes pretenderam atribuir a tal cláusula?


Refere-se na cláusula quinta do contrato ora em apreço que “fica o inquilino com a obrigação de realizar todas as obras e benfeitorias que achar conveniente, tais como, estruturas e coberturas nos dois prédios, melhorar as instalações sanitárias e eléctricas, rede de água e saneamento, sem alterar a raíz dos prédios, ficando estipulado que as que fizer, ficam a pertencer ao senhorio, não havendo, por isso, direito a indemnização ou retenção, seja a que título for.”


Ora, salvo o muito e devido respeito, desde já diremos que se nos não afigura que esta mesma clausula contratual comporte tal interpretação, ou, dito de outro modo, que, ao consagrá-la, as partes tenham tido a intenção de excluir o direito a indemnização ou retenção em toda e qualquer situação, e, designadamente, na situação de vir a ser declarada a resolução do contrato, por causa imputável ao senhorio, que é a que, alegadamente, se verifica nos presentes autos.


Parece-nos, pois, de todo evidente, que o sentido desta cláusula, outro não pode ser que não seja o de o direito a indemnização ficar excluído na situação de o contrato vir a ser integralmente cumprido, ou, assim não sucedendo, apenas, e sempre que o incumprimento se alicerce em qualquer causa imputável ao inquilino - titular do eventual direito de indemnização.


Na verdade, não faria qualquer sentido que naquelas situações em que o inquilino não possa usufruir do prédio arrendado para o prosseguimento da actividade a que o destinava, por causa imputável ao senhorio, o primeiro veja precludido o seu eventual direito indemnizatório por benfeitorias realizadas no prédio locado.


E tudo quanto se acaba de afirmar facilmente se conclui por via interpretativa.


Como referem Pires de Lima e A. Varela, ao procederem à definição da declaração negocial, a lei não toma posição sobre se ela consiste fundamentalmente numa intenção, numa declaração de vontade, ou se num “mero comportamento exterior, de carácter objectivo” capaz de criar uma aparência declarativa, problema cuja solução foi deixado à doutrina. Cfr P. de Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, vol. I, 4ª ed, pg. 209.


Ainda, e em conformidade com o que defendem estes Autores, não se devem pôr de parte, como formas possíveis de manifestação tácita da vontade “os casos susceptíveis de duas interpretações”. O que deve – acrescentam – “é verificar-se aquele grau de probabilidade que basta pôr em prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões, como exprimia Andrade, prevalecendo aqui um critério prático, social e não rigorosamente lógico ou formal”. Cfr. P. de Lima e A. Varela, ob. cit., pg 209.


Ora, a interpretação – hermenêutica – é a actividade destinada a apurar do sentido e alcance das declarações negociais, estando as suas regras estabelecidas nos artigos 236º e seguintes do Código Civil.


A este propósito estabelece o art. 236º, nº 1, do Código Civil, como regra de hermenêutica negocial, a doutrina da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Releva assim como sentido da declaração o que seria considerado por uma pessoa normalmente sagaz, diligente e experiente em face dos termos da declaração e face a todas as circunstâncias conhecidas por ela (ou que devia conhecer).


Nessa busca do sentido e alcance decisivo da declaração deve atender-se a todos os coeficientes ou elementos que um declaratário normalmente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário, teria tomado em conta, devendo ainda ser considerados os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, os hábitos dos declarantes, sendo mesmo de considerar também os modos de conduta por que durante ou posteriormente se prestou observância e deu execução ao declarado. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, pags. 448 e 449, citando Manuel de Andrade e Rui de Alarcão.


Deve ainda atender-se ao quadro objectivo em que as partes produziram as declarações negociais, o que permitirá ao intérprete apurar quais os interesses que os declarantes tinham em vista, que almejavam alcançar e que pretendiam ver satisfeitos.


Destarte, e em conclusão, poderá mesmo afirmar-se que a interpretação negocial parte das declarações produzidas pelas partes, situadas no contexto histórico e temporal em que foram produzidas, considerada a normal sagacidade e inteligência dos declarantes, devendo ainda atender-se aos interesses em causa e ao quadro objectivo existente ao tempo da declaração, bem como à actuação posterior das partes na execução do declarado, tudo isto, como é óbvio, temperado pelas regras do proceder honesto, correcto e leal, ou da legítima expectação de conduta em que se traduz a boa-fé.


Revertendo agora à análise da situação em apreço, e atentando nos aludidos instrumentos de interpretação, importa considerar e realçar, da factualidade supra descrita, a seguinte matéria fáctica:


- A A. celebrou o mencionado com contrato como o objectivo de os destinar, “exclusivamente, ao armazém de máquinas industriais, destinadas ao comércio”;


- Celebrou tal contrato pelo prazo de vinte anos;


- Tendo ficado com a “obrigação”, ou, melhor dizendo, devidamente autorizado, a realizar todas as obras e benfeitorias por si consideradas convenientes;


- Ficando, contudo, tais obras a pertencer ao senhorio;


- Com exclusão do direito a indemnização ou retenção pelo respectivo valor, por parte do senhorio, seja a que título for.


Considerada toda esta materialidade, temos que a A. ficou autorizada a realizar todas as obras e benfeitorias que entendesse por convenientes – necessárias ou não - para um adequado exercício da sua actividade de comercialização de máquinas industriais.


E, como “contrapartida” dessa “legitimação” ou concessão de autorização ficou contratualmente estipulado que essas obras ficariam a pertencer ao senhorio – os RR. -, que rigorosamente nada teriam que pagar a título dos respectivos custos, ficando também excluído qualquer eventual direito de indemnização da A., pelo respectivo valor dessas obras ou benfeitorias.


Parece-nos, assim, incontroverso que a estipulação de que as obras ou benfeitorias ficariam a pertencer aos RR., sem o pagamento de qualquer contrapartida e com exclusão de qualquer direito indemnizatório conferido à A., assenta na pré-estabelecida condição de que do exercício dessa liberdade concedida ao A. de efectuar quaisquer obras no arrendado, não resulte para os RR. qualquer responsabilidade ou encargo pelos respectivos custos, pois que, além de não terem nenhuma intervenção na decisão de as realizar, nem sequer têm de ser ouvidos sobre a sua necessidade, pertinência, amplitude e custos de quaisquer dessas obras.


Faz assim todo o sentido que seja a A. a arcar, em exclusivo, com os custos dessas mesmas obras ou benfeitorias, que é quem, segundo o seu próprio citério, decide da sua realização e do tipo de obras a efectuar, e é também quem, mais uma vez, em exclusivo, beneficiará da rentabilidade que as mesmas, eventualmente, venham a proporcionar, para o exercício da sua actividade.


O que, obviamente, não faria qualquer sentido, é que, se por razões imputáveis aos RR., a A. deixasse de poder usufruir das instalações arrendadas, e, por virtude dessa situação, entendesse pedir a resolução do contrato, não pudesse também peticionar esse eventual direito indemnizatório pelo valor das obras e benfeitorias realizadas.


Que razões ou argumentos poderiam tornar justificável e coerente esta posição, do ponto de vista da defesa dos interesses contratuais em causa?


Se esses alegados actos culposamente praticados pelos RR. se vierem a revestir de idoneidade e relevância do ponto de vista jurídico, em termos de determinarem a resolução do contrato, à luz de que fundamentos se pode considerar ser de excluir eventual direito indemnizatório da A., enquanto inquilina?


Afinal, a verificar-se uma tal situação, quem acaba por precipitar o terminus do contrato e dar causa a todos os prejuízos daí decorrentes, é o próprio senhorio, que, por factos que lhe são subjectivamente imputáveis, torna impossível a sua subsistência!


Eximir de responsabilidade, nestas situações, a parte a quem o incumprimento é imputável – o senhorio -, e sobre a qual impende a eventual obrigação de proceder ao pagamento da indemnização, redundaria na concessão de um benefício de todo injustificado, alicerçado, ainda que de modo indirecto, numa conduta sua, culposa e comprometedora do integral cumprimento do contrato, que, não temos quaisquer dúvidas, não esteve no espirito das partes, quando plasmaram no contrato a supra mencionada cláusula quinta.


Assim, e em decorrência de tudo quanto se acaba de expender, temos por incontroverso que o sentido e âmbito de aplicação da cláusula ora em apreço, foi o de excluir o direito de indemnização da A. na situação de integral cumprimento do contrato, e não também na situação de a ser declarada a resolução desse mesmo contrato, por causa imputável ao RR., senhorios.


Ora, não podendo extrair-se desta cláusula contratual a exclusão do direito a indemnização ou retenção, na situação de a resolução do contrato se ficar a dever a conduta culposa do senhorio, cumprirá esclarecer se à A. assiste, e a que título, o direito a indemnização ou retenção pelo valor das obras e benfeitorias realizadas.


Nos termos dispostos pelo art. 433º do Código Civil, os efeitos da resolução dos contratos, na falta de disposição especial, são equiparados aos da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, sendo que, quanto a estes, estabelece o art. 289º daquele Código que “têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado”.


Contudo, nos contratos de execução continuada ou periódica, em que as prestações se renovam, em prestações singulares sucessivas, ao fim de períodos consecutivos (v.g., as do pagamento da renda pelo locatário), nos termos prescritos pelo art. 434º, nº 2 daquele Código, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, ou seja, opera ex nunc.


A obrigação de indemnizar emergente da ocorrência de responsabilidade contratual em sentido estricto, é uma responsabilidade pelo dano da confiança ou interesse contratual negati­vo, consistindo a obrigação no dever de repristinação da situação anterior ao negócio e na cobertura dos danos que o lesado (o deceptus) sofreu por ter confiado no negócio.


Como se refere no Ac. S.T.J., de 27/03/07 Cfr. Ac. do S.T.J., de 27/03/07, in www.dgsi.pt, descritor “interesse contratual negativo”., “a resolução coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, já que, em princípio, produz os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (artigo 433º CC)”, sendo que, “os desvios a este regime são apenas a retroactividade contrariar a vontade das partes (artigo 434º nº1 CC); o abranger somente o já prestado (nº 2) e não prejudicar, em princípio, direitos de terceiros – artigo 435, nº1, do C.C..”


A colocação dos contraentes da situação anterior ao contrato gera a obrigação de restituir o prestado, sem prejuízo de indemnizar os danos que a parte culpada causou.


A classificação tradicional – “damnum emergens” e “lucrum cessans”, sendo este a frustração de um ganho e aquele a diminuição efectiva do património – depois completada por outras duas formas – gastos extraordinários e desaproveitamento das despesas Cfr Vaz Serra, in “Obrigação de indemnização”, BMJ, 84-12, Prof. Gomes da Silva, “Conceito e Estrutura da Obrigação”, 1943, I, 117 ss e Prof. Pereira Coelho, in “O problema da causa virtual na responsabilidade civil”, 1955, 91 e 240 – é, mas apenas para a responsabilidade contratual, dicotomizada entre prejuízos positivos (ou interesse contratual positivo) e prejuízos negativos (ou interesse contratual negativo).


Ali (dano “in contractu”) há que colocar o lesado na situação que teria se o contrato tivesse sido cumprido; no interesse contratual negativo (dano “in contraendo”) busca-se a situação que o lesado teria se o contrato não tivesse sido, sequer, celebrado Cfr. Prof. Pessoa Jorge – “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, 1972, 380 e Prof. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6ª ed., 501)..


O dano de confiança – interesse contratual negativo – pode, não obstante, incluir lucros cessantes e danos emergentes, uma vez feita a demonstração de que, por causa da realização do contrato deixaram de outorgar outro, ou imobilizaram capital que deixaram de aplicar noutra sede, daí resultando perdas de lucros ou vantagens Nesta linha, Cfr. o Prof. A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 3ª ed, 60; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed; Romano Martinez, Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, 350/351; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 3ª ed, 259 e Acórdãos do STJ de 22/06/2005 – 05B1993 – e de 16/03/99 – 99B136, in www.dgsi.pt..


É que, e como refere o Prof. Almeida Costa Cfr. Almeida e Costa, “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato”, 1994, 74., ao estudar a responsabilidade pré contratual, no interesse contratual negativo pondera-se “o prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que, durante as negociações, o responsável cumpriria os específicos deveres a ela inerentes e derivados do imperativo da boa-fé, maxime, convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico tal como esperava, que tinha entrado correcta e validamente.”


Todo o dano patrimonial compreende, em si, o dano emergente (“dannum emergens”) ou perda e o lucro cessante (“lucrum cessans”) ou frustração de ganho. Aquele inclui o prejuízo causado nos bens, ou direitos existentes aquando da lesão, podendo consistir na diminuição do activo ou num aumento de passivo, enquanto o lucro cessante engloba a perda de benefícios que a lesão impediu de auferir e que ainda não tinham existência à data do evento.


Na protecção positiva são ressarcidas todas as frustrações de expectativa do credor quanto ao cumprimento, o qual deve ser indemnizado em tudo o que se situa entre a situação criada e a situação hipotética correspondente à “captura de bem-estar”.


A protecção negativa permite apenas que o credor recupere os custos por ter adoptado uma conduta que só faria sentido se o devedor cumprisse, visando nuclearmente reconstituir o “status quo” anterior ao contrato.


Aqui recai sobre o inadimplente o dever de cobrir as despesas que o credor suportou, e que, provavelmente, não teriam ocorrido, não fora a confiança depositada no cumprimento do contrato.


A “confiança é uma espécie de efeito dinâmico induzido pelo contrato, correspondendo a uma modificação da posição do credor que faz aumentar, para esse credor, o valor do cumprimento – visto que desencadeia nele uma reacção que o faz colaborar na produção dos efeitos do cumprimento, propiciando meios para amplificar esses efeitos (…) é nesse sentido que pode dizer-se que procedeu a um investimento de confiança.” Cfr. Fernando Araújo “Da tutela Negativa da Confiança ao paradoxo da Indemnização”, in “Estudos em Memória do Prof. Doutor Marques dos Santos”, 2005, II, 483.


Mas, como acima se disse, também os lucros cessantes podem ser incluídos na tutela do interesse negativo.


A esta conclusão se chega através de uma aproximação cautelosa para que não se confunda as tutelas dos interesses negativo e positivo Cfr em sentido oposto, Fernando Araújo, ob. cit. 565, a defender a exclusão dos lucros cessantes do interesse contratual negativo..


Os Profs. Pires de Lima e A. Varela referem, expressamente, que “a indemnização a que o credor tem direito quando opte pela resolução do contrato, refere-se obviamente ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, nomeadamente ao lucro que o credor teria tido, se não fora a resolução do contrato resolvido.” Cfr Código Civil Anotado”, II, 3ª ed., 60 e ainda Romano Martinez, ob. pág. cit., que refere nada impedir que sejam reclamados lucros cessantes, ou sejam, “os benefícios que o credor deixou de obter pelo facto de ter celebrado aquele negócio”.


Todavia, como também esclarecem este mesmos Juristas, “O lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o acto lesivo.” Cfr Código Civil Anotado”, II, 3ª ed., pg. 549.


Resulta pois com óbvio que estes lucros cessantes se não reportam ao lucro que o lesado deixou de obter, directamente derivado do não cumprimento do contrato resolvido, o que, evidentemente, a assim se entender, implicaria uma plena equiparação do interesse contratual negativo ao interesse contratual positivo, bem como, a atribuição, nestas situações, de uma indemnização equivalente ao cumprimento do contrato.


Integram assim estes danos – lucros cessantes no interesse contratual negativo - todos aqueles que o lesado sofreu e que derivem de um modo directo do facto de ele ter celebrado o contrato incumprido, e não do próprio incumprimento deste, integrando estes danos, nomeadamente, os que resultem do facto de o lesado, por ter celebrado o contrato se ter visto privado de ter celebrado um outro idêntico, com o mesmo, ou aproximado, valor.


À luz de tudo quanto se acaba de expender facilmente se entenderá que à A. assiste o direito de pedir uma indemnização pelo valor das obras e benfeitorias, o qual, na situação de a materialidade alicerçante da causa de pedir vir a lograr adesão de prova, obterá pleno provimento, um vez que se integra e encontra o seu fundamento no interesse contratual negativo, que é o que determina e define, na presente situação, a natureza e amplitude do montante indemnizatório a atribuir.


Destarte, encontrando-se, na concreta situação destes autos - em que os fundamentos do pedido de resolução do contrato assentam em alegada conduta culposa dos RR -, o direito de indemnização e de retenção na esfera jurídica da A., pelo valor das obras e benfeitoria que realizou no prédio, não se poderia dele ter conhecido no despacho saneador, por se não encontrarem reunidos todos os elementos para o efeito.


Na verdade, estando o reconhecimento ou a procedência deste direito da A. directamente dependente da demonstração dos factos alicerçantes do pedido de resolução do contrato, que, como resulta do próprio despacho saneador proferido nos autos, por integrarem matéria que é controvertida, foram levados à base instrutória, igualmente deveria ter sido levada à Matéria de Facto Assente e à Base Instrutória toda a factualidade alegada e atinente ao aludido pedido indemnizatório formulado pela A..


E, assim sendo, o presente recurso haverá de ser julgado procedente, e, por consequência, revogado o despacho recorrido, determinando-se se proceda às alterações da Matéria de Facto Assente e da Base Instrutória, que se revelarem necessárias e pertinentes, fazendo dela constar toda a factualidade relativa ao pedido de indemnização pelo valor das benfeitorias, e ao reconhecimento do direito de retenção do prédio por esse mesmo valor.





Sumário - art. 713º, nº 7 do C.P.C..


I- Tendo o credor optado pela resolução do contrato, e inexistindo qualquer cláusula contratual que o afaste, terá o direito de indemnização a que a que se reporta o artº 801º nº 2 do Código Civil, pelo interesse contratual negativo.


II – O interesse contratual negativo comporta os danos emergentes, e os lucros cessantes, e visa a integral reposição da situação em que o credor/lesado se encontraria se o contrato não tivesse sido, sequer, celebrado, abrangendo, assim, todas as obras realizadas no local arrendado, pelo locatário, para o adequado exercício da actividade a que o pretendia destinar.





IV- DECISÃO.


Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se se proceda às alterações da Matéria de Facto Assente e/ou da Base Instrutória, que se revelarem necessárias e pertinentes, fazendo delas constar toda a factualidade relativa ao pedido de indemnização pelo valor das obras efectuadas, e ao reconhecimento do direito de retenção do prédio por esse mesmo valor.


Custas pelo Apelado.


Guimarães, 17/11/2011


Jorge Teixeira


Manuel Bargado


Helena Melo