Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA PROMITENTE-COMPRADOR ILEGITIMIDADE LITISCONSÓRCIO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/26/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | 1. .Tendo o contrato-promessa sido outorgado por quatro promitentes compradores e pretendendo-se com a acção a declaração de resolução por incumprimento definitivo da R., a intervenção conjunta de todos os promitentes compradores tem-se por indispensável para que a decisão da causa possa produzir o seu efeito útil normal. 2. .Verifica-se uma situação de litisconsórcio natural, imposto pela natureza da relação, porquanto sem a intervenção dos vários interessados, a decisão não regula definitivamente a situação das partes quanto ao pedido formulado, pois que, declarado resolvido contrato promessa celebrado, por incumprimento da Ré, podia a questão voltar a ser suscitada, a solicitação do outro contraente e, como hipótese possível, com solução contrária à proferida nesta causa. 3. . O promitente comprador que instaura a acção desacompanhado dos demais promitentes compradores é assim parte ilegítima. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório AA… intentou acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra BB, Unipessoal, Ldª. Em síntese, alegou que, como promitente-comprador, celebrou com a R., na qualidade de promitente-vendedora, um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel propriedade desta, tendo-lhe entregue a quantia de € 57.000,00 a título de sinal. Porque a R. incumpriu definitivamente o acordo, não tendo até hoje celebrado o contrato definitivo, pede que se declare resolvido o contrato-promessa e a R. condenada a restituir-lhe o dobro do sinal entregue, mais juros; subsidiariamente, pede que se declare resolvida o contrato-promessa e, bem assim, a condenação da R. a restituir-lhe o sinal entregue, mais juros. Contestou a R., impugnando os factos descritos na p.i. e afirmando que nem todos os promitentes-compradores lhe comunicaram o agendamento do dia, hora e local para a celebração do contrato definitivo, além de que a não outorga desse contrato definitivo foi acordada entre todos os contraentes em virtude do imóvel objecto da promessa ter sido entretanto expropriado. O A. replicou, mantendo a versão adiantada na p.i. Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência: a) declarou resolvido o contrato-promessa indicado no ponto 2 dos Factos desta decisão; b) condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 114.000,00 (cento e catorze mil euros (€ 57.000,00 x 2), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr). A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões: 1ª- A folhas 108, entre outros quesitos na base instrutória existe o quesito 3º, no qual se pergunta: Em 14 de Novembro de 2009, o Autor entregou ainda à sociedade Ré, em numerário, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros)? 2ª- É que, a Ré na sua contestação, alegou que esse dinheiro foi emprestado pelo A. a … Viana, a título individual, tendo-se por isso celebrado entre ele e o A. um comodato. 3ª- Para prova do facto descrito no quesito 3º da B.I., o A. não juntou documentos, oferendo apenas uma testemunha … Sousa, irmão do A., atendendo a que todas as outras nada sabiam acerca do facto. 4ª- O depoimento desta testemunha encontra-se gravado no sistema digital desde o Nº:00:00:01 ao 01:09:18, conforme consta a folhas 154. 5ª- No essencial, a propósito deste facto, tal testemunha declarou que tal importância foi entregue pelo A. seu irmão a título de sinal. 6ª- Ora este depoimento, só por si, e à falta de outras provas não se mostra suficiente para responder afirmativamente ao quesito 3º e negativamente ao quesito 19º. 7ª- Depois de feita a análise crítica deste único meio de prova, a resposta ao quesito 3º, devia ter sido a seguinte: “Não provado”. 8ª- Isto é, esses 35.000,00€ não fazem parte de qualquer sinal ou pagamento de preço constante da compra e venda descrita nos autos. 9ª- É que, segundo reza o contrato promessa, cada um dos quatro promitentes compradores, por conta do preço global, teria que pagar a proporção de 42.500,00€ (170.000,00€:4=42.500,00€). 10ª- Ora, pelas contas do A., com aqueles 35.000,00€ mais 22.000,00€ (20.000,00€+2.000,00€) já entregues, só os seus pagamentos ascenderiam a 57.000,00€. 11ª- Ou seja, o A. já tinha pago tudo o que lhe competia e ainda sobravam 14.500,00€ (57.000,00€-42.500,00€). 12ª- Não vem provado nos autos, salvo melhor opinião, e com todo o respeito, porque razão o A. tinha que entregar a mais 14.500,00€. 13- Feita a análise crítica de tudo quanto resulta nos autos, salvo o devido respeito, ao responder ao quesito 3º da B.I., a resposta deveria ter sido: “Não Provado”. 14ª- Os factos vertidos nos quesitos 3º e 19º são os concretos factos que a recorrente considera incorrectamente julgados, por falta de outros meios probatórios além da testemunha. 15ª- O A. vem alegar que entregou a título de sinais à Ré, a quantia de 57.000,00€, e porque a Ré não cumpriu o contrato promessa, pede a sua resolução e restituição do dobro do sinal e juros. 16ª- Ora, verifica-se dos autos que a Ré como promitente vendedora e mais quatro compradores, onde se inclui o A., celebraram o contrato promessa dos autos, relativo ao artigo … rústico de Vila Nova de Anha, pelo preço global de 170.000,00€, a pagar da forma nele estipulada. 17ª- Mais se estipulou nesse contrato que a escritura pública de compra e venda, seria celebrada, salvo caso de força maior, dentro dos próximos 90 dias a contar da data do contrato, a designar pelos segundos outorgantes, neste caso os quatro promitentes compradores. 18ª- Ora, ao contrário do exarado na douta sentença recorrida, o comportamento da Ré não configura um verdadeiro incumprimento definitivo. 19ª- No nosso entender, e a propósito do que se alegou quanto à matéria de facto, só poderá estar assente que a Ré recebeu do A. a título e sinal 22.000,00€. 20ª- Acontece que, só cerca de três anos depois, é que, apenas dois compradores solicitaram a marcação dessa escritura para 25 de Fevereiro de 2010. 21ª- Tal facto denota que, os compradores consideravam esse negócio já falido, tendo-se desinteressado do mesmo. 22ª- A marcação e solicitação dessa escritura, apenas pelo A. e outro comprador, desacompanhada dos outros dois, é ilegítima e de nenhum efeito jurídico. 23ª- A Ré, não era obrigada a comparecer no Cartório Notarial na data designada apenas por esses dois compradores, pois assim estava impossibilitada de poder cumprir plenamente o contrato prometido. 24ª- Por isso, não podia nem devia comparecer, nem enviar quaisquer documentos para essa escritura. 25ª- A venda a José Neiva apenas se concretizou numa parte desse imóvel dado que a outra parte foi declarada para utilidade pública e por isso objecto de um processo de expropriação há muito tempo anunciado, conforme resulta abundantemente dos documentos juntos a estes autos e à providência cautelar. 26ª- Também por esta séria e grave razão, a Ré nunca poderia cumprir com o A. e com os restantes compradores. 27ª- Essa expropriação surge muito tempo depois do contrato promessa, e colocou a Ré na impossibilidade de cumprir. 28ª- Essa escritura teria de ser agendada pelo conjunto dos quatro compradores, conforme resulta do contrato. 29ª- Salvo o devido respeito, o A. e seu irmão, agiram dessa forma, sozinhos, com a nítida intenção de colocar a Ré em mora e incumprimento do contrato, o que não se aceita. 30ª- Os promitentes compradores, incluindo o A., se tivessem interesse real na compra desse imóvel, tinham marcado em conjunto essa escritura dentro do prazo limite absoluto de 90 dias. 31ª- Como nunca o fizeram, foram eles que deram mostras expressas de não terem interesse na compra do imóvel. 32ª- Daí que, dada factualidade apurada, nunca o A. poderia reclamar o dobro do sinal. 33ª- Por isso, tem todo o relevo a escritura não ter sido marcada nesses 90 dias. 34ª- Não é legítimo dois compradores três anos depois surpreenderem a Ré com essa marcação. 35ª- Tal marcação é abusiva atentando contra todos os princípios, os bons costumes, e o que é de senso comum. 36ª- Aquele prazo de 90 dias, tinha natureza de prazo limite absoluto. 37ª- Assume enorme relevo o facto de a escritura não ter sido marcada pelo conjunto dos quatro compradores. 38ª- Pois é essa a previsão do contrato. 39ª- Do mesmo modo a expropriação sempre inviabilizou o cumprimento do contrato na sua íntegra. 40ª- Por isso, a Ré não se colocou, por culpa sua em situação de mora ou incumprimento definitivo. 41ª- Todos os compradores, incluindo o A., viraram as costas à Ré, demonstrando ostensivamente não terem cumprido o contrato no prazo estipulado. 42ª- Por tudo o exposto, a Ré não entrou em mora ou em incumprimento definitivo culposo, pelo que não pode ser condenada a entregar o sinal em dobro. 43ª- Ao decidir em contrário, e salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo, violou por erro de interpretação e aplicação, as disposições contidas nos artigos 410º, 442º, 808º, 799º, 804º, 805º, e 441º do Código Civil. Termos em que, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra, que condene apenas a Ré a pagar o dito sinal em singelo, com o que se fará inteira JUSTIÇA. A parte contrária contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões: I – Questão prévia: Do efeito do recurso 1. A Recorrente “BB, Lda.” interpôs o presente recurso, atribuindo-lhe, erroneamente, efeito suspensivo, quando, tal como decorre do disposto no artigo 647.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a apelação tem efeito meramente devolutivo, excepto nos casos previstos no seu n.º 2, os quais não se verificam no âmbito dos presentes autos e a Recorrente não requereu que a apelação tenha efeito suspensivo, designadamente invocando nos autos qualquer prejuízo e não se ofereceu para prestar caução (n.º 4 do citado artigo), sendo certo que apenas podia e devia fazê-lo em sede e momento próprio, ou seja, ao interpor o recurso, e não o fez, pelo que ao presente recurso não lhe poderá ser fixado outro efeito senão o meramente devolutivo – cfr. artigo 647.º, n.º 4 do Código Processo Civil. II – Das contra-alegações 2. O presente recurso de apelação foi interposto da douta sentença proferida pelo Mm.º Juiz “a quo”, a fls..dos autos, que julgou totalmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, declarou resolvido o contrato de promessa celebrado em 26/03/2007 (identificado no ponto 2 da douta decisão em análise) e condenou a Recorrente a pagar ao Autor, aqui Recorrido, a quantia de €114.000,00 (cento e catorze mil euros = €57.000,00 x 2), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% (portaria 291/03, de 08 de Abril), sendo certo que ao decidir como decidiu, o Mm.º Juiz “a quo” fez uma correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito. A) – Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto A.1) Da inadmissibilidade legal desta parte do recurso por preterição do disposto no artº 640º, nº 2 alínea a), do Código de Processo Civil 3. Nesta parte do recurso, vem o Recorrente insurgir-se quanto à resposta dada pelo Mm.º Juiz “a quo” relativamente ao quesito 3.º da base instrutória (em 14 de Novembro de 2009, o Autor entregou ainda à sociedade Ré, em numerário, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a fls. 208 dos autos, como “provado, com excepção de “e princípio de pagamento” e à resposta negativa ao quesito 19.º, dado como “não provado”, alegando que o depoimento da testemunha … Sousa não é suficiente para que o Mm.º Juiz “a quo” tenha decidido a matéria de facto como decidiu, limitando-se a invocar nos autos que “o depoimento desta testemunha encontra-se gravado no sistema digital desde o n.º 00:00:01 ao 01:09:18, conforme consta a folhas 154”. 4. O Recorrido considera que a Recorrente não deu cumprimento ao ónus que sobre si impendia nos termos do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pois que a Recorrente limitou-se, de uma forma genérica, a indicar os minutos da totalidade da gravação do depoimento da testemunha em referência, sendo certo que a mesma foi inquirida quanto a toda a matéria da base instrutória e não apenas ao quesito 3.º cuja resposta é colocada em crise pela Recorrente, e não concretizou, como assim lhe competia, as exactas passagens da gravação do depoimento daquela testemunha quanto e apenas e tão só à matéria de facto que é impugnada pelo presente recurso. 5. Consequentemente, e à “falta” de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não poderá a Recorrente, salvo o devido respeito e melhor entendimento, beneficiar do disposto no artigo 638.º, n.ºs 1 e 7 do Código de Processo Civil, que alarga o prazo para interposição do presente recurso para 40 dias (30 + 10 dias), mas apenas do prazo geral de 30 dias, que findou no dia 28 de Maio de 2014. 6. A Recorrente interpôs em juízo o seu recurso no dia 30 de Maio de 2014, através do requerimento com a Ref.ª “CITIUS” n.º 16985468, ou seja, no segundo dia útil após o termo do prazo, tendo-se limitado a liquidar o valor da taxa devida pela sua interposição, pelo que, no modesto entendimento do Recorrido, deve a Recorrente ser convidada a observar o disposto no artigo 139.º do Código de Processo Civil, nomeadamente para proceder ao pagamento da multa devida pela prática do acto, sob pena de, não o fazendo, não ser apreciado o recurso interposto quanto à sentença recorrida. Para o caso de se entender que a Recorrente não preteriu o disposto no artigo 640.º, n.º2, alínea a) do Código de Processo Civil, sempre se dirá o seguinte: 7. Não houve uma incorrecta valoração do depoimento da testemunha Arlindo António Martins de Sousa, pois que esta testemunha esclareceu cabalmente nos autos que a quantia de €35.000,00 foi pedida a si e ao seu irmão, aqui Autor, pelo legal representante da sociedade Ré, na promessa que a escritura pública definitiva correspondente ao contrato de promessa em referência nos autos se realizaria no prazo de 15 dias; mais esclareceu que não dispunha de possibilidades económicas para pagar tal valor, pelo que foi o seu irmão, aqui Autor, que entregou a quantia de €35.000,00 ao legal representante da Ré; e que foi ela quem presenciou e assistiu, em Novembro de 2009, na casa do legal representante da Ré – que curiosamente é também a sua sede legal - à entrega por parte do seu irmão, aqui Autor, em numerário, da quantia de €35.000,00 que aquele contou na presença de todos os presentes, acreditando que a escritura pública definitiva se faria em 15 dias. 8. Confrontada quanto ao invocado nos autos pela Ré, designadamente que a entrega de tal quantia alegadamente teria sido feita a título de empréstimo pessoal, a testemunha … Sousa não hesitou em afirmar peremptoriamente que tal era mentira, esclarecendo o Tribunal que o seu irmão, aqui Autor, não tinha qualquer afinidade com o legal representante da Ré, com quem pouco contactavam a não ser por causa do negócio em referência nos autos. 9. Pelo que, e atento o depoimento da testemunha … Sousa, objectivo, isento, ocular e relevador de um profundo conhecimento quanto aos factos sobre os quais foi inquirido, não poderia o Mm.º Juiz “a quo” deixar de dar como provado o quesito 3.º e como não provado o quesito 19.º, como efectivamente o fez a fls. 209 dos autos, até porque a sociedade Ré não produziu qualquer prova, seja testemunhal ou documental, quanto à matéria vertida no quesito 19.º. 10. Dispõe o artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, que o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto - vigora o princípio da livre convicção do julgador. 11. Ora, tal como resulta da fundamentação da resposta positiva ao quesito 3.º da base instrutória, a fls. 209 dos autos, o Mm.º Juiz “a quo” considerou, e bem, que “a testemunha … Sousa (irmão do Autor e interveniente no contrato-promessa em apreciação) explicou as circunstâncias em que o Autor entregou o valor a que se alude no quesito 3.º, confirmando que se tratou de um reforço do sinal anteriormente recebido pelo legal representante da Ré”. 12. E, da fundamentação da resposta negativa ao quesito 19.º da base instrutória, a fls. 209 dos autos, o Mm.º Juiz “ a quo” considerou que não foi feita prova bastante, com o esclarecimento de que a resposta negativa a um quesito apenas significa não se ter provado o facto quesitado e não que se tenha provado o contrário. 13. É, assim, inequívoco e até evidente que a apreciação das provas pelo Mm.º Juiz “a quo” resultou da elaboração de raciocínios e juízos no espírito do julgador e segundo as máximas de experiências e as regras da lógica, que o conduziram a uma certeza jurídica corporizada nas respostas ao quesitos e respectiva fundamentação. 14. Razão pela qual, salvo o devido respeito, é destituído de qualquer fundamento e até inócuo o alegado nos autos pela Recorrente no sentido de que o depoimento da testemunha … Sousa não se mostra suficiente para responder afirmativamente ao quesito 3.º quando, do cotejo do respectivo depoimento, resulta extactamente o contrário. 15. No que diz respeito ao alegado pela Recorrente nos autos quanto ao facto de o Autor ter “pago mais do que devia”, há que dizer que tal como resulta do depoimento da testemunha …. Sousa, acima reproduzido, e que a Recorrente nem se deu ao trabalho de transcrever, a entrega da quantia de €35.000,00 foi pedida pelo legal representante da Ré ao Autor e a esta testemunha sob a promessa de que a escritura pública definitiva correspondente ao contrato de promessa em referência nos presentes autos se realizaria em 15 dias, pelo que, independentemente das contas aritméticas feitas pela Recorrente nas suas alegações, não deixa de ser verdade que o Autor entregou ao legal representante da Ré a quantia de €35.000,00 – valor esse confessado pela Ré nos autos na sua contestação. 16. É evidente que do facto de “ter pago mais do que devia” não decorre automaticamente que a entrega da quantia de €35.000,00 pelo Autor ao legal representante da Ré foi feita a título de empréstimo individual, sendo certo que a este respeito nenhuma prova foi feita nos autos, pelo que resultou como não provada (vide resposta à matéria de facto, a fls. 209 dos autos). 17. Ademais, a testemunha … Sousa esclareceu o Tribunal o motivo pelo qual o seu irmão, aqui Autor, entregou tal quantia de €35.000,00 ao legal representante da Ré – porque foi pedida a ambos, porque a testemunha não tinha esse dinheiro, porque o irmão acabou por entregar sozinho essa quantia de €35.000,00, e porque acreditaram na promessa do legal representante da Ré que a escritura definitiva se faria em 15 dias. 18. Pelo que, não há dúvidas que subjacente à entrega da quantia de €35.000,00 pelo Autor ao legal representante da Ré esteve a promessa deste último que a escritura pública definitiva correspondente ao contrato prometido se faria em 15 dias. 19. Ademais, e tal como decorre do disposto no artigo 441.º do Código Civil, “no contrato de promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou principio de pagamento do preço” – presunção legal que a sociedade Ré não logrou ilidir nos autos, tanto assim é verdade que foi dada como não provada a matéria vertida nos quesitos 19.º e 20.º da base instrutória. 20. Não há, assim, em face de toda a prova produzida nos autos, qualquer fundamento para alterar a resposta à matéria de facto nos termos em que foi decidido na douta sentença recorrida. ) Da Douta sentença recorrida 21. Quanto à data de celebração da escritura pública definitiva correspondente ao contrato prometido, a testemunha … Sousa, interveniente no contrato na qualidade de promitente-comprador, esclareceu o Tribunal que, não obstante aquilo que ficou escrito, logo e ainda no mesmo dia da assinatura do contrato-promessa ficou combinado e definido que a mesma seria realizada após a aprovação da viabilidade na Câmara e que seria o legal representante da Ré a comunicar quando se faria a escritura pública definitiva, pois que ficou ele responsável por diligenciar pela obtenção do parecer favorável da Câmara quanto à viabilidade do loteamento a erigir no prédio prometido vender, ou seja, ao contrário do defendido nos autos pela Recorrente, ficou desde logo esclarecido nos autos, designadamente pelo depoimento da referida testemunha, que aquele prazo de 90 dias não tinha qualquer natureza de “prazo limite absoluto”. 22. Vem a Recorrente afirmar nos autos que o Autor e o seu irmão … Sousa só três anos após a outorga do contrato-promessa em referência nos autos é que procederam à marcação da escritura pública de compra e venda, o que alegadamente denota que “os compradores consideravam esse negócio já falido”, quando, salvo o devido respeito, a conclusão que se deverá extrair da marcação da escritura pública definitiva pelos promitentes-compradores é precisamente contrária. 23. Se os promitentes-compradores (ainda que alguns) procederam, como foi também o caso do aqui Autor, à marcação da escritura pública de compra e venda tal demonstra inequivocamente que os mesmos mantinham interesse na concretização do negócio, pois se assim não fosse, permaneciam inertes e nada faziam ou impulsionavam em prol da sua realização – o que não foi manifestamente o caso do Autor. 24. Por outro lado, não é despiciendo precisar que, tal como foi dado como provado, em Novembro de 2009, o Autor entregou ao legal representante da Ré, a título de sinal, a quantia de €35.000,00 sob a promessa que a escritura pública definitiva se faria em 15 dias, o que não sucedeu, pelo que, se o Autor não mantivesse interesse no negócio, jamais teria entregue, como efectivamente entregou, a título de sinal, aquela quantia de €35.000,00. 25. E porque o legal representante da Ré após ter recebido tal quantia falhou à sua promessa, ou seja, não procedeu à marcação da escritura pública definitiva como prometeu que o faria e, aliás, depois disso não mais mandou mensagens ou sequer atendeu o telefone, fizeram-no o próprio Autor e o seu irmão Arlindo Sousa, igualmente promitente-comprador, tendo agendado a referida escritura para o dia 04/02/2010. 26. Foi dado como provado nos autos que a Ré, não obstante ter recebido a comunicação postal através da qual o Autor e o seu irmão … Sousa, igualmente promitente-comprador, comunicaram a data, hora e local para a celebração da escritura pública definitiva, e contrariamente ao expressamente ali solicitado, aquela sociedade não enviou os seus documentos de identificação ao Autor ou ao promitentes-comprador … Sousa, necessários para a formalização do negócio e não compareceu no dia, hora e local mencionados a fim de celebrar o contrato prometido. 27. Alega a Recorrente nos autos que “a referida escritura teria que ser agendada pelo conjunto dos quatro compradores, tal como decorre do contrato”, e que a sua marcação “apenas por dois dos promitentes-compradores é ilegítima e de nenhum efeito”. 28. Um dos promitentes-compradores (… Viana) é nada mais, nada menos, do que o legal representante da promitente-vendedora, pelo que, a ser assim – e não é – estariam sempre os demais promitentes-compradores impedidos de proceder à marcação da escritura pública definitiva enquanto a vontade daquele assim o ditasse – o que é manifestamente abusivo e ilegítimo e, por outro lado, uma carta de igual teor foi igualmente remetida ao outro promitente-comprador Manuel … que, em sede de depoimento, confirmou a sua recepção – ou seja, todas as partes (seja promitentes-compradores como promitente-vendedora) foram avisados da marcação e respectiva data, hora e local para a celebração da escritura. 29. Por outro lado, do teor do contrato de promessa em referência, designadamente da sua cláusula quinta, decorre que a escritura seria celebrada em data, hora e local a designar pelos segundos outorgantes mediante comunicação por carta registada com aviso de recepção dirigida à primeira outorgante, ou seja, apenas coloca a cargo da parte promitente-compradora a marcação do contrato definitivo, mas não impõe que tal marcação fosse realizada em conjunto por todos os promitentes-compradores. 30. Ora, tal como decorre do disposto no artigo 799.º do Código Civil, “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede por culpa sua”, e a sociedade Ré não logrou provar nos autos que a falta de incumprimento não procedeu por culpa sua, muito pelo contrário. 31. Vem a Recorrente alegar nos autos que “não era obrigada a comparecer no Cartório Notarial na data designada” pois assim “estava impossibilitada de poder cumprir plenamente o contrato prometido”, mas sempre a sociedade Ré podia e devia ter comparecido no dia, hora e local designado para a celebração da escritura pública definitiva e comunicar tal impedimento aos promitentes-compradores presentes – o que também não o fez. 32. Em sua defesa, alega a Recorrente que parte do prédio prometido vender foi objecto de um processo de expropriação e que, por isso, a Ré nunca poderia cumprir com o contrato-promessa em referência nos autos, pois que assim ficou colocada em situação de impossibilidade de incumprimento - mas também aqui não assiste qualquer razão à Recorrente. 33. Por um lado, a expropriação que atingiu o imóvel prometido vender, objectivamente considerada, não inviabilizava, pelo menos de forma integral, o cumprimento do contrato-promessa por parte da Ré, tanto assim é verdade que já depois da publicação em Diário da República do despacho que declarou a utilidade pública da parcela n.º 20 (de 15 de Julho de 2010), correspondente a uma parte do prédio prometido vender (conforme documentos de fls. 135-140), a Ré celebrou com José …, em 27 de Julho de 2010, o contrato de promessa de compra e venda que teve por objecto a parte não expropriada do mesmo prédio prometido vender ao Autor e demais outorgantes. 34. A Ré não concretizou o negócio com o Autor e demais promitentes-compradores e prometeu vender a um terceiro o mesmo prédio que já havia prometido vender a estes últimos, pelo que não corresponde manifestamente à verdade que a Ré estivesse impossibilitada de cumprir o contrato-promessa em análise nos autos, pelo menos de forma integral. 35. Por outro lado, e tal como resulta dos factos provados, desde Março de 2009 que a sociedade Ré tinha conhecimento no interesse da expropriação mas nunca informou o Autor dessa intenção, existência ou decurso do processo de expropriação, da mesma forma que nunca, em momento algum, o Autor foi informado pela Ré da celebração ou mera existência do contrato de promessa outorgado em 27/07/2010 através do qual aquela sociedade prometeu vender a José … o mesmo prédio prometido vender ao aqui Autor no contrato-promessa em referência nos autos. 36. De tudo quanto acima ficou exposto, resulta inequivocamente que ao comportamento da Ré promitente-vendedora ultrapassa o estado do atraso no cumprimento (mora) e configura um verdadeiro incumprimento definitivo. 37. A Ré incorreu em mora, pois apesar de ter recebido a comunicação com indicação do dia, hora e local da celebração da escritura de compra e venda, não enviou os documentos necessários à formalização do negócio e nem sequer compareceu ou justificou a ausência: cfr. artigos 804.º, n.º 2 e 805.º, n.º 2 alínea a) do Código Civil. 38. Não obstante isso, Autor e Ré mantiveram interesse na prestação, já que depois do prazo de 90 dias estabelecido no contrato-promessa aquele entregou a esta, e a seu pedido, as quantias de €2.000,00 e €35.000,00. 39. Daqui decorre que o prazo fixado no contrato-promessa para a celebração da escritura não tinha natureza de prazo-limite absoluto, mas sim prazo-fixo relativo. 40. E pese embora o comportamento omissivo da Ré integrar uma mera situação de mora, a verdade é que, tal como resulta dos factos provados nos autos, esta sociedade celebrou posteriormente com José Maciel Meira um contrato-promessa de compra e venda cujo objecto era precisamente (ao menos em parte) o mesmo que era objecto da promessa celebrada com o Autor. 41. Pelo que, perante o comportamento reiteradamente faltoso da Ré, é legítima a invocação de perda objectiva de interesse por parte do Autor na celebração da escritura, nos termos em que o Autor o faz no âmbito dos presentes autos. 42. Dispõe o artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil que “se o credor, em consequência de mora, perder o interesse que tinha na prestação (…) considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”, pelo que a falta temporária da Ré (mora) se converteu num incumprimento definitivo. 43. Aliás, o próprio comportamento da Ré, designadamente ao celebrar o contrato-promessa com terceiro com o mesmo objecto da promessa em referência nos autos, exprime claramente a vontade de não querer cumprir a sua parte no contrato, o que se reconduz a uma recusa ou falta definitiva de cumprimento. 44. Pelo que, e tal como dispõe o artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil, tem o Autor a faculdade de exigir o dobro do que prestou, nos termos em que o fez no âmbito dos presentes autos, ou seja, tem o Autor direito a exigir a quantia de €114.000,00 correspondente ao dobro daquilo que prestou: artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil. 45. Assim sendo, a douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, fez uma justa aplicação do direito e uma correcta interpretação dos factos, pelo que, V. Exas., após ponderada análise da questão sub judice, não deixarão de manter a decisão recorrida. Por se entender que, em conferência, poderia ser suscitada a questão da ilegitimidade do A. para estar por si só em juízo, desacompanhado dos demais promitentes compradores, foi dado cumprimento ao disposto no artº 2º/3 do CPC. Na sequência do ordenado, veio o A. pugnar pela sua legitimidade para estar por si só na presente acção, arguindo a inconstitucionalidade, por violação do disposto no artº 20º da CRP, da interpretação do artº 28º do CPC que entenda que a instauração, por parte de um promitente-comprador, de acção judicial destinada a declarar a resolução de contrato promessa de compra e venda desacompanhado dos demais promitentes-compradores, determina a verificação da excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário. II – Objecto do recurso Considerando que: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir colocadas pelas partes são as seguintes: . se deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto por não cumprimento pela apelante do disposto no artº 640 do CPC; . em caso negativo, se deve ser alterada a matéria de facto (alteração das respostas aos artigos 3º e 19º da base instrutória); e, . se deve ser considerado que ocorreu incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado entre as partes por perda do interesse do A. e se deve ser devolvida a quantia entregue a título de sinal em dobro. Oficiosamente e, uma vez que, o contrato em que o A. se fundamenta está subscrito por mais três promitentes compradores, deve ainda ser decidido se o A. tem legitimidade para, desacompanhado dos demais promitentes compradores, instaurar acção por incumprimento contratual definitivo contra a R. (questão que procede necessariamente a apreciação das questões suscitadas pelas partes). III – Fundamentação Na 1ª instância foram julgados provados os seguintes factos: 1. A R. é dona e legítima proprietária de um prédio rústico, composto de pinhal com mato, sito em …, freguesia de Vila Nova de Anha, em Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número …/Vila Nova de Anha e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, com o valor tributável de € 9,43 (A); |