Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
99/09.4GBFLG.G1
Relator: MARIA AUGUSTA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA CUMPRIDA
PENA EXTINTA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- No cúmulo jurídico devem ser incluídas todas as penas de prisão, tenham ou não sido declaradas suspensas.
II- A extinção da pena suspensa prevista no art.º 57.º, n.º 1 do Código Penal, não resulta do cumprimento da pena de prisão subjacente à suspensão, mas de não ter ocorrido durante o respectivo período alguma das circunstâncias referidas no art.º 56.º daquele Código.

III- Em caso de conhecimento superveniente do concurso de penas, impende sobre o tribunal averiguar se elas estão ou não prescritas ou extintas. Tendo a decisão recorrida incluído na pena conjunta penas de prisão suspensas na sua execução, sem que previamente averiguasse se as mesmas foram declaradas extintas – caso em que não poderiam ter sido englobadas no cúmulo jurídico – ou se foi revogada a suspensão, cujos prazos já decorreram, omitiu pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o que determina a sua nulidade.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No Processo Comum Colectivo nº nº99/09.4GBFLG, das Varas de Competência Mista de Guimarães, foi designada audiência de julgamento para realização de cúmulo jurídico.
Proferido acórdão, foram cumuladas as penas em que o recorrente VITOR P... foi condenado neste processo com as dos processos nº15/10.0GALSD do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, nº618/09.6GALSD do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada e nº327/07.0GCAMT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, tendo sido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão e 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.

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Inconformado, recorreu o arguido, terminando a sua motivação com extensas conclusões (33) Nos termos do nº1 do artº412º as conclusões devem ser um resumo das razões do pedido. Por isso, devem ser concisas, precisas e claras a fim de que se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem. As conclusões do recorrente, salvo o devido respeito, são exactamente o contrário. Contudo, por uma questão de celeridade e eficácia e porque é possível determinar quais as questões a decidir e o sentido da sua pretensão, opta-se por não o convidar a reformulá-las das quais se retira serem apenas duas as questões a decidir:

1. Saber se pode efectuar-se o cúmulo jurídico de penas de prisão efectiva com penas de prisão suspensa na sua execução;
2. Saber se a pena de prisão suspensa na sua execução, aplicada no Processo nº618/09.6GALSD do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada se encontra extinta e, por conseguinte, não pode integrar o cúmulo;
3. Saber se a pena única deve ser suspensa na sua execução, embora subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta.

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Admitido o recurso a ele respondeu o MºPº, concluindo pela sua improcedência.

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Nesta instância, o Exmo Procurador–Geral Adjunto concluiu pela mesma forma.

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Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo os seguintes os factos tidos em conta na decisão recorrida (transcrição):

II - Fundamentação de facto
Com base na sentença de fls. 229 a 235, nas certidões de fls. 345 a 357, 366 a 397, 399 a 405, 407 a 421, nas informações de fls. 448, 449, 457 e 498, no certificado de registo criminal de fls. 472 a 484, no relatório social de fls. 485 a 482 e nas declarações prestadas pelo arguido na audiência, e com relevo para a decisão a proferir, é de considerar assente a seguinte matéria de facto:
1) O arguido foi julgado e condenado nos processos seguintes:
a) Processo e tribunal: presentes autos - PCS n.º 99/09.4GBFLG, do 2.º juízo do tribunal judicial da comarca de Felgueiras -;
Data dos factos: 8/03/2009;
Data da sentença: 20/05/2010;
Data do trânsito: 18/11/2009;
Pena e crime: 1 ano de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal.
O arguido encontra-se detido à ordem dos presentes autos desde 8 de Agosto de 2010, em cumprimento da referida pena de prisão.
b) Processo e tribunal: PS n.º 15/10.0GALSD, do 1.º juízo do tribunal judicial da comarca de Lousada:
Data dos factos: 6/01/2010;
Data da sentença: 5/03/2010;
Data do trânsito: 26/05/2010;
Penas e crimes: 8 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01, que ainda não cumpriu; 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, num total de € 540,00, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do Código Penal, que ainda não pagou.
c) Processo e tribunal: PCS n.º 618/09.6GALSD, do 1.º juízo do tribunal judicial da comarca de Lousada:
Data dos factos: 13/07/2009;
Data da sentença: 25/02/2010;
Data do trânsito: 26/05/2010;
Penas e crimes: 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01, que não foi declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57.º do Código Penal.
e) Processo e tribunal: PCC n.º 327/07.0GCAMT, do 1.º juízo do tribunal judicial da comarca de Amarante:
Data dos factos: 23/12/2007;
Data do acórdão: 2/03/2010;
Data do trânsito: 17/05/2010;
Penas e crimes: 2 anos e 10 meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, sob a forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 131.º, 22.º, 23.º, 73.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal; 1 ano de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., à data dos factos, pelos art.ºs 2.º, n.º 1, als. o) e r), n.º 4, als. a), f) e q), 3.º, n.º 5, al. c), e 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02; 6 meses de prisão, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do Código Penal; e 7 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova.
2) Quando cometeu os crimes aludidos em 1), o arguido já havia sofrido as seguintes condenações, transitadas em julgado:
a) No PCS n.º 685/01.0TALSD, do 1.º juízo do tribunal judicial de Lousada, por sentença de 4/11/2002, pela prática, em 24/07/2001, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, que foi declarada extinta pelo pagamento;
b) No PCS n.º 69/02.3GCAMT, do 2.º juízo do tribunal judicial de Amarante, por sentença de 20/01/2003, pela prática, em 11/05/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, que foi declarada extinta pelo pagamento;
c) No PCS n.º 176/02.3TALSD, do 1.º juízo do tribunal judicial de Lousada, por sentença de 5/02/2004, pela prática, em 11/05/2002, de um crime de desobediência, foi condenado na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, que foi declarada extinta pelo pagamento;
d) No PCS n.º 213/04.6TALSD, do 1.º juízo do tribunal judicial de Lousada, por sentença de 16/05/2005, pela prática, em 3/02/2004, de um crime de falsidade de testemunho, foi condenado na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 3,50, que foi declarada extinta pelo pagamento;
e) No PCS n.º 282/04.9TALSD, do 2.º juízo do tribunal judicial de Lousada, por sentença de 15/12/2005, pela prática, em 15/12/2005, de um crime de desobediência, foi condenado na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, que foi declarada extinta pelo pagamento;
f) No PS n.º 71/06.6GCAMT, do 1.º juízo do tribunal judicial de Amarante, por sentença de 23/03/2006, pela prática, em 27/02/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de 6 meses e 10 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, que foi declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57.º do Código Penal;
g) No PS n.º 35/08.5GALSD, do 1.º juízo do tribunal judicial de Lousada, por sentença de 9/07/2009, pela prática, em 13/01/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, que foi declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57.º do Código Penal.
3) O processo de socialização do arguido decorreu no seio da sua família de origem, de médios recursos, sendo um de três descendentes do casal. A principal fonte de rendimento da família provinha do trabalho do progenitor, activo como construtor civil. Este passava alguns períodos emigrado, pelo que o processo educativo do arguido esteve a cargo da progenitora, o qual foi conduzido de forma permissiva, com alguns défices ao nível da ascendência e supervisão parental.
Frequentou o sistema de ensino dos 6 aos 14 anos de idade, registando instabilidade e absentismo. Abandonou o percurso escolar, após a concluir do 6.º ano de escolaridade, por falta de motivação.
O percurso profissional foi desenvolvido no sector da construção civil, iniciado por volta dos 14 anos de idade, com o progenitor. No entanto, a actividade foi exercida de modo irregular e informal, sem vínculos contratuais, associado a grande mobilidade de empregadores e de localidades.
Regista consumo excessivo de bebidas alcoólicas em contextos recreativos, não tendo feito qualquer tratamento.
Aquando da sua reclusão, integrava o agregado de origem com o progenitor, em que a mãe havia falecido algumas semanas antes. O agregado reside numa habitação pertencente ao progenitor, cujas condições de habitabilidade se encontram prejudicadas pelo facto de se encontrar inacabada. Os irmãos vivem com os seus agregados constituídos em habitações contíguas. E trabalhava na empresa de construção civil Mini-Lego, Ld.ª, com sede em Felgueiras, auferindo o salário mensal de cerca de € 750,00.
Na área da sua residência, o arguido não é rejeitado, apesar de ser conhecida a sua situação jurídico-penal; porém, a comunidade reconhece que o mesmo, quando consumia bebidas alcoólicas em excesso, tornava-se um pouco violento.
Em contexto prisional, apresenta duas infracções disciplinares, uma por confronto com outro recluso, e outra por ter sido encontrado uma faca artesanal na sua cela, tendo sido repreendido formalmente. Procura envolver-se nas actividades pospostas pelo estabelecimento prisional e permanece ocupado na faxina.
Beneficia do apoio do progenitor e de um irmão, que o visitam regulamente no Estabelecimento prisional e manifestam disponibilidade para o acolher quando regressar a meio livre.

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1ª Questão:

Saber se pode efectuar-se o cúmulo jurídico de penas de prisão efectiva com penas de prisão suspensa na sua execução:
Em causa está a realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso, aceitando o recorrente que as penas nessa situação são as deste processo nº99/09.4GBFLG e dos processos nº15/10.0GALSD do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, nº618/09.6GALSD do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada e nº327/07.0GCAMT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante.
Entende, contrariamente ao Tribunal a quo, que as penas aplicadas nos processos nº618/09.6GALSD e nº327/07.0GCAMT não podem ser cumuladas com a deste processo nº99/09.4GBFLG por serem de natureza diferente, ou seja, por as penas dos dois primeiros serem de prisão suspensa na sua execução e a deste último ser pena de prisão efectiva.

É sabido, como bem refere o MºPº na sua resposta, que relativamente à questão do concurso superveniente de crimes existem duas correntes – uma segundo a qual não podem ser integradas no cúmulo penas de natureza diferente e, por isso, não podem ser cumuladas penas de prisão efectiva com penas de prisão suspensa na sua execução Cfr. neste sentido Acórdãos do STJ de 20/06/04 e 20/04/2005 - http://www.dgsi.pt/jstj e Nuno Brandão – Conhecimento superveniente do concurso e revogação de penas de substituição – Revista Portuguesa de Ciência Criminal – Ano 15 – nº1, pág.117/153.; outra, seguida maioritariamente no STJ cfr., entre muitos, Acs. do S.T.J. de 26/02/1986, B.M.J. 354/.345; de 19/11/1986, B.M.J. 361/ 278; de 14/11/1996, B.M.J. 461/186; de 24/03/1999, Col. Jur.-Acs do S.T.J. - Tomo 1, pág. 255; de 21/12/2006 - http://www.dgsi.pt/jstj. e, mais recentemente, de 14/01/2009, de 22/01/2009 e de 11/05/2011 (bem como toda a jurisprudência nele citada), todos em http://www.dgsi.pt/jstj. e Paulo Dá Mesquita - O Concurso de Penas - Coimbra Editora - 1997, págs. 95/98. e cremos que também nos Tribunais da Relação, segundo a qual no cúmulo jurídico devem ser incluídas todas as penas de prisão, tenham ou não sido declaradas suspensas.

Os principais argumentos dos defensores da primeira corrente são os de que a integração no cúmulo de penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensa viola o caso julgado e, além disso, pode ter efeitos contraproducentes sobre o processo de ressocialização do agente.
Em defesas da segunda tese escreve-se no Acórdão do STJ, de 21/12/2006 http://www.dgsi.pt/jstj., que não há razões legais nem teleológicas que se oponham, antes o reclamam, a que em caso de conhecimento superveniente do concurso, a pena única englobe penas parcelares suspensas, e que, no julgamento conjunto, se conclua pela necessidade de uma pena não substitutiva, explicando da seguinte forma, tal conclusão:

Por seu turno, o «artigo anterior» – art.° 77.º do mesmo Código Penal – para o que ora importa – define o concurso de crimes (1) e desenha a respectiva moldura da pena (2).

A lei afasta, assim, expressamente, qualquer limite emergente de caso julgado, de que tenham sido objecto as penas parcelares, com vista à efectivação do cúmulo e fixação autónoma ex novo da pena única conjunta.
Daí que, numa primeira aproximação, se não veja que essa circunstância obste a que as penas suspensas sejam incluídas no cúmulo emergente.
Poderá dizer-se mesmo que, se tal operação é efectuada em consequência de «conhecimento superveniente», tem de aceitar-se, em consequência, que, aquando do julgamento parcelar, existia falta de conhecimento desse elemento de facto, pelo que, sendo tal julgamento hoc sensu incompleto por deficiência de elementos de facto, não repugna tê-lo como julgamento condicional, rebus sic stantibus, sempre ultrapassável, na hipótese de surgirem os novos elementos de facto então faltosos, «o conhecimento superveniente» a que se reporta o artigo 78.º citado, que, justamente por isso, suplanta o normal regime de intangibilidade do caso julgado, se é que de caso julgado puro se pode falar nestas singulares circunstâncias, em que os julgamentos parcelares foram avante sem o inteiro domínio do facto pelos respectivos tribunais, e, assim, com uma realidade fáctica truncada e insuficiente. E o caso julgado tout court pressupõe a estabilidade das circunstâncias do julgamento, nomeadamente do quadro de facto que lhe subjaz.

Para além disso, importa ter em conta que «a teleologia que justifica a pena única continua, nestas hipóteses, por inteiro presente; quer porque, de um ponto de vista político-criminal, tal solução é infinitamente preferível à solução alternativa (que seria a de condenar o agente em duas penas que ele teria de cumprir sucessivamente); quer, por último, porque uma tal solução se apresenta como mais favorável para o agente»
Ainda segundo a melhor doutrina (4) «Nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para o efeito de determinação da pena conjunta. Também aqui […] valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída, e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva», sendo certo que «quanto às penas parcelares, a pena de prisão não deve, em princípio, ser substituída por uma pena não detentiva. Mas ainda que o seja, torna-se evidente que para o efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída. De todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva».

É que se é certo que, em princípio nada se oporia a que o tribunal considerasse que qualquer das penas parcelares de prisão deveria ser substituída, se legalmente possível, por uma pena não detentiva, «não pode, no entanto, recusar-se neste momento [julgamento do cúmulo] a valoração pelo tribunal, da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial. Por outro lado, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido a questão da substituição.».

No caso, importa ter em conta ainda a finalidade político-criminal da pena suspensa.
O que lei visa com o instituto é, segundo Figueiredo Dias, (7) «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes». «Decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência».
Ora, ninguém ousará afirmar, que, acaso o recorrente houvesse sido objecto de um julgamento único para todos os crimes que cometeu, em vez dos vários julgamentos parcelares a que foi sujeito, a visão de conjunto dos factos, mormente a reiteração impressionante de actos criminosos – não falando já no eventual obstáculo formal logo resultante da medida da pena cumulada – teria deixado pouca margem para a formulação do necessário juízo de prognose favorável ao arguido com vista ao seu favorecimento com pena substitutiva da de prisão, mormente pena suspensa quanto à pena conjunta.

Esta panorâmica global sobre os factos só agora – supervenientemente – é possível.

E, assim sendo, também por aqui faz sentido a formação de um juízo autónomo que suplante os parcelares, necessariamente truncados ante a visão de conjunto dos factos e da personalidade do arguido. Tão truncados que, como se vê, as sucessivas condenações em pena suspensa – no desconhecimento das demais – ostensivamente desrespeitaram o objectivo primário daquela pena substitutiva: «prevenção da reincidência».
Mais recentemente, ainda em defesa desta corrente, o Acórdão do STJ, de 04/12/2008, considera que (…) a intangibilidade do caso julgado cede perante o concurso de infracções, pois é a própria lei que o determina. Na verdade, o nosso sistema penal, ao não optar pelo simples somatório de penas em concurso e ao ficcionar uma conduta global para a punir com uma pena única, quis uma efectiva reavaliação da questão da sanção penal, de resto numa nova audiência, em que pode ser produzida prova actual sobre a situação do condenado. Assim, perante o concurso superveniente de crimes, o juiz do cúmulo não fica tolhido com os diversos casos julgados que se formaram no momento da aplicação das penas parcelares e pode escolher a pena única adequada, dentro dos limites abstractos indicados no art.º 77.º, n.º 1, do C. Penal.
O caso julgado não é, portanto, um obstáculo à modificação da medida das penas aplicadas, as quais, na formulação do cúmulo jurídico, se comprimem até formarem uma pena única, pelo que se pode dizer que no concurso superveniente de crimes fica em aberto a questão da sanção. E esta abrange, necessariamente, a medida da pena e, porque não, a sua espécie.

Na formação do cúmulo jurídico, o caso julgado só torna as decisões imutáveis quanto à culpabilidade e à qualificação jurídica, sob pena de se violarem os princípios basilares do processo penal (acusatório, contraditório, das garantias de defesa, etc.).
Por outro lado, o arguido não pode ficar surpreendido com a modificação que a pena suspensa sofre se ficar englobada numa pena única de prisão efectiva, pois, por definição, na altura em que transitou em julgado a sentença que lhe aplicou a pena suspensa já o mesmo cometera um ou mais crimes que ele sabe que irão (ou deverão) ser punidos conjuntamente com aquele, ou então, quando foi condenado em pena suspensa omitiu ao tribunal (ou este ignorou) a informação de que anteriormente já fora condenado, por sentença não transitada, em pena efectiva de prisão, por outro crime. Considerar que a pena suspensa não pode ceder perante um concurso superveniente de crimes, será beneficiar o infractor, pois que cometeu outros crimes não considerados na decisão da suspensão, o que é injusto comparativamente com o que for julgado simultaneamente por todas as infracções.

Não parece, assim, que se possa opor o caso julgado e a segurança jurídica das decisões transitadas como argumento válido contra a formulação de uma pena única, entre penas suspensas e penas efectivas. Na realidade, a lei manda formular uma pena única entre as diversas penas parcelares respeitantes a crimes que estão em concurso, sem excluir as penas de substituição e sem mesmo excluir, como vimos, as penas de natureza diferente.
Por último, ninguém negará, estamos seguros, que perante crimes em concurso, uns punidos com pena suspensa outros com pena efectiva, a pena única possa ser a de prisão suspensa na sua execução, pois essa é uma situação possível e favorável ao arguido. O que por si só parece justificar que o caso julgado deva ceder perante a formação da pena única, quer quanto à medida, quer quanto à espécie de pena.

De resto, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão no Acórdão nº03/06, de 03/01/2006 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ , concluindo que são inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações.
A nossa posição, analisados os argumentos das duas correntes, vai no sentido de que no cúmulo jurídico devem ser incluídas todas as penas de prisão, tenham ou não sido declaradas suspensas, tal como decidiu o Tribunal a quo.
Assim, nesta parte, improcede o recurso.


2ª Questão:

Saber se a pena de prisão suspensa na sua execução, aplicada no Processo nº618/09.6GALSD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada se encontra extinta e, por conseguinte, não pode integrar o cúmulo:
Defende o arguido que a referida pena «deveria ser declarada extinta na medida em que, tendo a respectiva sentença transitado em julgado em 26/05/2010, o período de suspensão de 1 ano completou-se em 26/05/2011, muito antes, portanto, do trânsito em julgado do acórdão que a englobou no referido cúmulo».

O despacho a declarar extinta a pena, nos termos do artº57º do C.P.P., tem que ser proferido no próprio processo.
Conforme resulta dos autos, o arguido foi condenado no processo nº618/09.6GALSD, do 1º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Lousada, por sentença de 25/02/2010, transitada em julgado em 26/05/2010, por factos ocorridos em 13/07/2009, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01.

Do CRC, emitido em 20/06/2011, não consta que a pena tenha sido declarada extinta nos termos do artº57º do C.P.. Também não consta que tenha sido revogada.

Da certidão de fls.399 a 415 nada consta nem teria que constar uma vez que foi emitida antes de decorrido o termo do prazo da suspensão.
Porém, a pena, a mostrar-se extinta, de acordo com a actual redacção do artº78º, nº1 do C.P., não pode integrar o cúmulo, pois de outra forma, interviria como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essa pena, pelo decurso do tempo, foi “apagada” Acórdão do STJ, de 20/01/2010, citando o Acórdão do mesmo Tribunal, de 08/10/2007 - http://www.dgsi.pt/jstj..
No mesmo sentido, escreve-se Acórdão do STJ, de 29/04/2010 http://www.dgsi.pt/jstj.: Esta norma, como se vê, não manda integrar no concurso superveniente as penas já extintas, mas as penas já cumpridas, o que não pode gerar confusão, pois há outras causas de extinção das penas que não o cumprimento e não faria sentido que entrassem na pena única, por exemplo, penas parcelares amnistiadas ou prescritas.
Ora, a extinção da pena suspensa prevista no art.º 57.º, n.º 1, não resulta do cumprimento da pena de prisão subjacente à suspensão, mas de não ter ocorrido durante o respectivo período alguma das circunstâncias referidas no art.º 56.º, (…).
Competia, por isso, ao Tribunal a quo averiguar se no referido processo foi proferido despacho a declarar extinta a pena, solicitando informação actualizada ao respectivo tribunal, antes de proceder ao cúmulo, pois no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final Acórdão do STJ, de 29/04/2010
e, como se disse, a certidão da sentença não poderia ter essa informação já que foi emitida antes de decorrido o prazo da suspensão e o CRC, embora seja posterior ao termo do prazo da suspensão, uma eventual decisão sobre a extinção da pena poderia ainda não ter sido transmitida e/ou averbada.
De acordo com aquele Acórdão de 20/01/2010, Aquando do conhecimento superveniente do concurso de penas, impende sobre o tribunal averiguar se elas estão ou não prescritas ou extintas. Tendo a decisão recorrida incluído na pena conjunta penas de prisão suspensas na sua execução, sem que previamente averiguasse se as mesmas foram declaradas extintas – caso em que não poderiam ter sido englobadas no cúmulo jurídico – ou se foi revogada a suspensão, cujos prazos já decorreram, omitiu pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o que determina a sua nulidade.
Assim, deverá o Tribunal a quo, após averiguar junto do 1º Juízo do Tribunal de Lousada se no processo nº618/09.6GALSD foi proferido despacho a declarar extinta a pena, a revogar a sua suspensão ou, eventualmente, a prorrogar o prazo, proferir novo acórdão, integrando ou não, conforme o resultado, aquela pena no novo cúmulo, assim suprindo a omissão apontada.

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da última questão.


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DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes deste Tribunal, em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, anular o acórdão na parte em que englobou no cúmulo a pena parcelar do processo nº618/09.6GALSD, do 1ª Juízo do Tribunal de Lousada sem apurar previamente se no referido processo foi proferido despacho a declarar extinta a pena, a revogar a sua suspensão ou, eventualmente, a prorrogar o prazo, findo o que deverá proferir novo acórdão, integrando ou não, conforme o resultado, aquela pena no novo cúmulo, assim suprindo a omissão apontada.
Fixa-se em 3 Ucs a taxa de justiça a suportar pelo Recorrente.


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