Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
91/12.1GTBRG.G1
Relator: JOÃO LEE
Descritores: CASO JULGADO
SANAÇÃO DA NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: A decisão judicial com trânsito em julgado sobrepõe-se ao conhecimento da nulidade dos actos processuais que a antecederam.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. O arguido Júlio M. interpôs recurso do despacho proferido pelo Exm.º Juiz da Instância Local de Amares em 23.04.2015 A fls. 277., invocando nas conclusões que,

“A comunicação dos actos processuais destina-se a transmitir o conteúdo destes, assim sendo a decisão proferida em 6/02/2009 ainda não foi pessoalmente notificada ao arguido, como se pode comprovar a fls. 284.

As garantias do processo criminal consagradas na Constituição da República Portuguesa impõem que a decisão que revoga a substituição da pena de prisão por multa e ordena o cumprimento da pena de prisão também fique sujeita ao regime previsto na segunda parte do n.º 9 do art 113.º do Código de Processo Penal, ou seja, deve ser notificada pessoalmente ao arguido.

Só a notificação pessoal dessa decisão ao arguido tem a virtualidade de assegurar a cognoscibilidade do acto notificando, sobretudo quando o mesmo tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando.

Sendo certo que a mesma situação que fez julgar injustificados os pedidos feitos pelo arguido, concomitantemente mostram que não será “inviável a cobrança coerciva” da multa que esteve em execução...

Pelo que não só não se mostra transitada a decisão que ordenou o cumprimento da pena de prisão, como a mesma parece carecida de fundamento legal, por não se verificarem todos os requisitos legais que a fundamentariam

Assim, no caso sub judice, o Mm° Juiz a quo, não assegurou a possibilidade de o arguido exercer o contraditório antes de decidir a conversão da pena de multa em prisão subsidiária nem o mesmo foi notificado da decisão do Tribunal de Relação de Guimarães.

Falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colimar com direitos fundamentais de defesa, constitui nulidade insuprível, passível, de ser suscitada em fase de recurso - n°3 do art. 410.º do Código de Processo Penal.

Daí que, se verifique a nulidade prevista no artigo 120°, n° 2, alínea d) do Código de Processo Penal.

Assim foram violados o disposto nos 47°, n°5, 49° do Código Penal e artigos 61.º alínea a), 491 O, ambos do Código de Processo Penal bem como o disposto nos artigos 32°, n°5 da Constituição da República Portuguesa.”

O Ministério Público, por intermédio do Exm.º Procurador Adjunto na Instância Local de Amares, formulou resposta, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente.

2. Neste Tribunal da Relação de Guimarães, onde o processo deu entrada em 27-05-2015, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer sufragando a posição expressa pelo magistrado na primeira instância e concluindo que o recurso deveria ser rejeitado por manifesta improcedência.

Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e da juíza adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

3. Como tem sido entendimento unânime, os limites e o objecto do recurso definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

4. Mostram os autos que o arguido recorrente foi condenado por sentença de 29 de Setembro de 2012 na pena de cinco meses de prisão, substituída por cento e cinquenta dias multa.

O arguido não procedeu ao pagamento da multa de substituição e, no despacho proferido a fls. 127 no dia 26 de Novembro de 2013, o tribunal determinou que o arguido cumprisse os cinco meses de prisão em que foi condenado.

Este despacho judicial foi notificado ao Ministério Público, ao então defensor oficioso e, pessoalmente, ao arguido (cfr. fls. 132).

Não houve arguição de nulidade ou interposição de recurso, pelo que esse despacho judicial adquiriu a força obrigatória decorrente do trânsito em julgado (artigos 671.º, 672.º e 677.º todos do então vigente Código de Processo Civil e artigo 4.º do Código do Processo Penal) .

Independentemente de se saber se houve ou não preterição de uma formalidade essencial, ou seja, se houve uma nulidade de procedimento antes de ter sido proferido aquele despacho de Novembro de 2013, não pudemos deixar de ter presente que a decisão judicial com trânsito em julgado se sobrepõe ao conhecimento da nulidade dos actos processuais que a antecederam. Como escreveu João Conde Correia, “[o] termo de certos prazos, incluindo a formação de caso julgado – reflexo de um processo penal constituído por etapas sucessivas –, traduz uma importante e diversificada barreira à propagação da invalidade e serve como travão ao seu carácter demolidor. Se o interessado não reagir atempadamente, o acto fica consolidado.”, e a formação do caso julgado torna insindicáveis todos os vícios susceptíveis de constituir causa de nulidade – seja qual for a sua natureza – permitindo a sua conservação” (in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1999, p. 195 e p. 169, respectivamente, vide ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19-03-97, Pereira Madeira, Colectânea Jurisprudência, Tomo II, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2008, processo n.º 1156/08-2, Cruz Bucho, in www.dgsi.pt).

O recorrente dispôs de plena oportunidade para exercitar todas as garantias de defesa. Se pretendia ver discutida a questão de nulidade processual por lhe ter sido postergado o direito de ser ouvido antes da decisão, poderia ter suscitado esse problema perante o próprio tribunal de Amares ou em recurso, a interpor no prazo fixado na lei. Neste momento, já não lhe é permitido inverter a decisão que adquiriu força de caso julgado e a arguição da nulidade em questão não pode ser apreciada.

Esta solução, assente na interpretação do artigo 119.º do Código de Processo Penal no sentido de que todas as nulidades ficam sanadas logo que se forme caso julgado, em nada colide com o princípio constitucional das garantias de defesa, como se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/01, acessível em D.R., II, de 22 de Maio de 2001 e em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010146.html.

5. A decisão que revoga a substituição por multa e ordena o cumprimento da pena de prisão contem-se no despacho judicial de 26 de Novembro de 2013, de que houve notificação pessoal do arguido, pelo que toda a argumentação do recorrente sobre a imperiosa necessidade de notificação pessoal da decisão de 9/12/2014 só se pode ter ficado a dever a manifesto equívoco.

Com efeito, a decisão de 9/12/2014 foi tomada pelo Tribunal da Relação de Guimarães sobre recurso interposto pelo arguido do despacho proferido em 5 de Maio de 2014 e incidiu sobre a questão de saber da relevância do pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento da pena de prisão.

Como já salientado nos autos, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido uniformemente que o n.º 10 (correspondente ao anterior n.º 9) do art. 113.º do CPP, não tem aplicação nos tribunais superiores e, por isso, em caso de uma decisão de um Tribunal da Relação não é exigida a notificação na pessoa do arguido e é suficiente a notificação do defensor.

A notificação da decisão sumária deste Tribunal da Relação ocorreu por carta registada expedida em 9-12-2014, com a referência 2874049 para o endereço de escritório do mandatário do arguido (cfr. fls. 211 e “print” do “Citius” apresentado pelo Exm.º advogado a fls. 236).

Não se vislumbra qualquer invalidade processual e improcede na íntegra o recurso do arguido.

6. O arguido decaiu no recurso que interpôs e deve ser responsabilizado pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que deu causa (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro), sem prejuízo do apoio judiciário. De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC. Tendo em conta a mediana complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC.

7. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso e em manter a decisão recorrida.

Condena-se o arguido nas custas do recurso, com 4 UC de taxa de justiça.

Guimarães, 22 de Junho de 2015.