Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1199/15.7T8GMR.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A decisão interlocutória proferida no decurso da lide, sobre a legitimidade de uma parte para intervir na lide em substituição da parte originária é uma decisão que recai apenas sobre a relação processual, e como tal apenas faz caso julgado formal. Não impede, pois, que o facto que esteve na base da alegada transmissão do direito litigioso tenha de ser novamente apreciado a final, na sentença, desta vez enquanto facto constitutivo do direito que se discute na causa.

2. É o que sucede também nos casos em que a transmissão da posição jurídica litigiosa ocorre por efeito das deliberações do Banco de Portugal, ao abrigo dos seus poderes de regulador
Decisão Texto Integral:
I- Relatório

Na Instância Central de Guimarães -2ª Secção Cível- Juíz 4, da Comarca de Braga, em acção declarativa comum intentada por José e cônjuge, Maria contra “Banco A, S.A.”, entretanto substituído na lide por “Banco B, S.A.” (vd. fls. 233 ss.), foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência condenou o réu a cumprir o contrato de arrendamento que celebrou com os autores, que se mantém em vigor, cabendo-lhe proceder ao pagamento das rendas que se venceram, sendo as não pagas até Abril de 2017 acrescidas de 50% e as demais no valor acordado, sem prejuízo do acréscimo desse percentual em caso de mora.

Na referida acção os autores tinham alegado ter celebrado com o réu um contrato de arrendamento de bem imóvel para fins não habitacionais pelo prazo expressamente acordado de 30 anos, tendo o réu, contudo, procedido à resolução antecipada do mesmo, em termos que consideram ilícitos. E o réu, após ser citado, tinha vindo pugnar pela improcedência da acção, invocando que a resolução foi lícita, posto que teve na sua origem a alteração das circunstâncias que fundaram o contrato.

Inconformado com esta decisão, o réu veio dela interpor recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo (arts. 629º,1; 644º,1,a; 638º; 645º,1,a e 647º,1 CPC).

Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

1. Deve ser dado como provado que: “Em 2007 o grupo BANCO A apresentou lucros na ordem dos 100 milhões de euros” (alínea b) dos factos não provados), de resto, confirmado no relatório de contas consolidado do Grupo Banco A do ano 2007, pag. 98 do relatório e contas do Banco A , SA de 2007, publicado no site da CMVM e acessível através do link http://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/PC17372.pdf.
2. Deve ser dado como provado que: “Os critérios definidos/impostos para o encerramento das agências assentaram essencialmente na rentabilidade e na localização geográfica” (alínea d) dos factos não provados).
3. Deve ser dado como provado que: “A localização da agência de Cabeceiras de Basto ficava numa das zonas geográficas do interior do País em que o Banco A foi obrigado a reduzir a sua presença por ser zona não rentável ou que apresentava menores índices de rentabilidade” (alínea e) dos factos não provados).
4. A alteração das respostas dadas, nos termos anteriores, funda-se no depoimento prestado pela testemunha Manuel, que era diretor da Assessoria Jurídica do Banco A, à data da aplicação do Plano de Capitalização e de Reestruturação ao Banco A, no dia 03.04.2017, 12:12:32 a 13.28:07, passagens: 4m14s a 5m09s, 38m30s a 39m15s, 39m40s a 40m46s, cuja transcrição se mostra efetuada nas páginas 2 e 3 do presente recurso.
5. Deve ser corrigido o facto provado 6 de molde a ficar com a seguinte redação: “Mais acordaram que as rendas se vencem conforme os pontos 3, 4, 5 e 6 da cláusula 5ª; a partir do início do décimo primeiro ano de vigência do contrato, sendo que qualquer um dos outorgantes pode tomar a iniciativa de proceder a uma correção extraordinária da renda para o valor locativo do rés-do-chão nessa data, tendo em conta todas as circunstâncias objectivas que nela possam influir, nelas se incluindo o montante inicial da renda”.

RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS

6. Face aos factos provados nos artigos 13 a 22, 32 e 33 e à alteração para provados dos factos vertidos nas alíneas d) e e) dos não provados, o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e o Banco A deve ter-se por validamente resolvido, atenta a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, que afetou o equilíbrio contratual, mostrando-se contrário à boa fé manter o banco vinculado ao cumprimento das obrigações do contrato.
7. O pressuposto de aplicação deste instituto consiste no facto de as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar – circunstâncias de expansão económica, de crescimento e estabilidade e prosperidade do Banco A e da economia em geral – ter sofrido uma alteração ou modificação.
8. O primeiro requisito de aplicação exige que as circunstâncias fundamentais tenham sofrido uma alteração anormal, isto é, uma alteração extraordinária, de vulto, muito grave e significativa.
9. As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal, consubstanciada na grave crise económica e financeira mundial e nacional e na necessidade do Banco A recorrer ao Plano de Recapitalização que o obrigou a reduzir o número de agências e de funcionários.
10. O segundo requisito implica que a estabilidade do contrato de arrendamento envolva lesão para uma das partes: neste caso, para o banco.
11. Atenta a necessidade de encerramento da agência de Cabeceiras de Basto, por força das medidas impostas pelas instâncias comunitárias, manter o banco obrigado ao pagamento das rendas durante mais 22 anos e 5 meses, sem nenhuma contrapartida, implica um prejuízo para o banco de € 296.655,89, considerando a renda de € 1.102,81 (facto provado 9), sendo certo que o seu valor podia ser atualizado).
12. Esta obrigação atenta gravemente contra os princípios da boa fé, que consiste no terceiro requisito de aplicação do instituto.
13. Quanto ao quarto requisito, a exigência da obrigação de pagamento de € 296.655,89 de rendas até ao termo do prazo do contrato (mais 22 anos e 5 meses), sem qualquer contrapartida de gozo e fruição da fração, como resultado da grave crise económica e financeira mundial e da necessidade do Banco A recorrer ao Plano de Recapitalização que o obrigou a reduzir o número de agências e de funcionários, não está coberta pelos riscos próprios do contrato de arrendamento celebrado.
14. Por fim, verifica-se também o quinto requisito, porquanto à data em que foi aprovado o Plano de Recapitalização que obrigou o Banco A a encerrar um grande número de agências (janeiro de 2013), e à data em que a agência foi encerrada (31.01.2015), o banco encontrava-se em perfeito cumprimento junto dos Autores (facto provado 9).
15. Verificados os pressupostos de aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, deve o contrato de arrendamento considerar-se validamente resolvido com efeitos a 31.01.2015, devendo o banco ser absolvido dos pedidos formulados.

O INDEFERIMENTO LIMINAR DO ARTICULADO SUPERVENIENTE. A EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA

16. Como resulta do Anexo 3 da deliberação do BdP de 20.12.2015, os direitos e ativos que foram transferidos para o Banco B mostravam-se registados na contabilidade do Banco A.
17. Ora, a agência de Cabeceiras de Basto do Banco A não se mostrava registada na sua contabilidade à data da transmissão dos ativos e passivos para o Banco B.
18. As agências bancárias integraram a “área de negócio” transferida do Banco A para o Banco B, com exceção daquelas que não compunham a sua “área de negócio”, como foi o caso da agência de Cabeceiras de Basto – conforme doc. 1 do articulado superveniente, em que o BdP certifica que a agência de Cabeceiras de Basto estava encerrada em momento anterior à adoção da medida de resolução.
19. Assim, a agência de Cabeceiras de Basto não estava registada na contabilidade do Banco A, como um “ativo” ou “direito”, à data da aplicação da medida de resolução, pelo que não transitou na “área de negócio” do Banco A para o Banco B.
20. Além disso, a alegada responsabilidade do Banco A perante os Autores – emergente do alegado incumprimento do contrato de arrendamento – não estava registada na contabilidade daquele, e configura uma responsabilidade contingente e litigiosa à data da medida de resolução, pelo que constitui um passivo excluído da transmissão para o Banco B, por força do ponto 1, alínea b), subalíneas (vii) e (xii) da medida de resolução.
21. Deste modo, os autos padecem de um vazio de objeto, na medida em que se pede que o Banco B cumpra um contrato em que não é parte, por não lhe ter sido transmitido da esfera jurídica do Banco A para a sua esfera jurídica.
22. Em conclusão, a não transmissão do arrendamento para o Banco B e a consequente impossibilidade de o cumprir, no caso de procedência da ação, constitui um facto impeditivo do direito que os Autores pretendem exercer contra o Banco B.
23. Acresce que a deliberação tomada pelo BdP ao determinar a irresponsabilização do
Banco B, seja a que título for, por atos praticados pelo Banco A antes da aplicação da medida de resolução, desconhecidos e não registados na contabilidade – onde se inserem os factos que fundamentam a pretensão dos Autores nos presentes autos – configura uma causa que determina a ilegitimidade substantiva do Banco B.
24. A legitimidade substantiva passa por determinar quem é o efetivo titular do direito em questão, relacionando-se com o mérito da ação, diferentemente do que sucede com a legitimidade ad causam, pressuposto processual que não se prende com o mérito do pedido.
25. A legitimação ou legitimidade substantiva é o poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor do facto jurídico.
26. Ora, face à deliberação do BdP, enquanto verdadeiro ato normativo, inexiste qualquer responsabilidade que possa ser assacada ao Banco B no âmbito da presente ação.
27. A ausência de legitimidade substantiva do BANCO B constitui uma exceção peremptória inominada que conduz à absolvição dos pedidos nos termos do artigo 576º, nº 1 e 3 do CPC.
28. Pelo que, independentemente da substituição processual operada nos autos entre o Banco A e o Banco B (legitimidade processual), deve ser julgada procedente a excepção perentória de ilegitimidade substantiva do Banco B, devendo este ser absolvido dos pedidos formulados de cumprimento do contrato e de indemnização.
29. Salvo melhor opinião, quanto à matéria invocada no articulado superveniente não existe caso julgado formal, pelo que o articulado superveniente não podia ter sido liminarmente indeferido.
30. O Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da norma do artigo 437º do CCivil e violou as normas dos artigos 588º, nº 4 e 576º, nº 1 e 2 do CPC.

Os recorridos contra-alegaram, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição):

1) Os pontos 14, 17 e 18 dos temas de prova devem manter-se como não provados.
2) Face á prova produzida e se usando a faculdade que a lei lhe confere esse Venerando Tribunal, assim o entender, poderá considerar como provados os factos seguintes:
2.a) O Banco A, na escolha que fez das agências a encerrar, tomou como critério fundamental o facto de elas se situarem em locais arrendados.
2.b) Nos arrendamentos que facultam a denúncia, o Banco A optou por essa forma de extinção do contrato, sujeitando-se aos prazos legais ou contratuais estabelecidos e pagando as rendas devidas até final.
2.c) No caso em apreço, a opção pela invocação da resolução por alteração das circunstâncias ficou a dever-se ao facto de o contrato de arrendamento excluir a denúncia como causa de extinção do contrato.
3) É inteiramente falso que “As partes quando decidiram celebrar o arrendamento pelo prazo de 30 anos fundaram a sua vontade na ideia de crescimento e estabilidade futura do negócio bancário do Banco A”: os autores jamais aceitariam fundar a sua vontade contratual numa circunstância que estava totalmente fora do seu alcance. E uma eventual aceitação não poderia deixar de constar do texto do contrato.
4) Não ficou demonstrado que a agência de Cabeceiras de Basto fosse pouco ou não rentável e muito menos que foi essa a razão pela qual ela se incluiu no âmbito do encerramento obrigatório de agências.
5) Não implica qualquer ofensa – e muito menos grave – aos princípios de boa-fé, o pagamento da renda pelo período de duração de um contrato que foi livremente celebrado pelas partes.
6) Os riscos próprios de um contrato de longa duração – 30 anos – incluem necessariamente situações de crise, mais ou menos profunda. E, no setor bancário, a crise implica normalmente o encerramento de agências – tal como a prosperidade leva ao ampliamento da rede de balcões.
7) O erro sobre os motivos determinantes da vontade (com exclusão da pessoa do destinatário ou ao objeto do negócio) só é causa de anulabilidade se as partes reconhecerem por acordo a essencialidade do motivo - artº 252º do CC.
8) Por maioria de razão, não pode aceitar-se que possa ser invocada a alteração das circunstâncias perante situações que não podem servir de base à anulação do contrato por erro.
9) Quando, em Dezembro de 2015, foi decretada a resolução do Banco A e foi celebrado o acordo entre o Banco de Portugal e o Banco B a agência de Cabeceiras de Basto do Banco A já se encontrava encerrada;
10) No seu requerimento de 24/02/2016, os autores alegaram nos arts. 10 a 14 que a posição contratual do Banco A como arrendatário, é um direito no qual o Banco B sucedeu;
11) O douto despacho de 31/05/2016 é claríssimo ao qualificar a posição contratual do Banco A como um ativo transmitido ao Banco B, quando refere que “ … é de concluir que estamos na presença de um activo que foi transferido para o Banco B o que como tal afasta a exceção do ponto xii do anexo 2 à Deliberação de 20.12.2015.”
12) A decisão foi, pois, no sentido de ter sido transferido para o Banco B o ativo que constitui a posição de inquilino no contrato de arrendamento em causa.
13) O douto acórdão desta Relação de 24/11/2016 confirmou o despacho recorrido “aderindo aos seus fundamentos” referindo o que estava em causa era decidir se o Banco B “deve ingressar na posição processual do R. admitindo como possível aquela subsistência.”
14) E referiu que ser inegável “ … não só a legitimidade processual do R., como, subsequentemente, do Apelante, em substituição daquele. Até porque o direito ao arrendamento em causa, a existir, como sufraga aquela tese, constitui inegavelmente um ativo patrimonial para o respetivo titular.”
15) Não resta, pois, qualquer dúvida – face a todo o decurso processual e, em especial, no que se refere aos doutos despachos de 31/05/2016 e acórdão desta Relação de 24/11/2016 – que o Banco B assumiu não só a posição processual do Banco A mas, também, a posição contratual deste no arrendamento.
16) Dito de outra maneira: a transmissão da posição processual do Banco A só se justifica se o Banco B ingressar na posição processual de R. admitindo como possível a subsistência do contrato de arrendamento.
17) Aliás: se assim não fosse, o Banco B, por manifesta falta de interesse, não teria legitimidade para litigar, defendendo – como o fez – a validade e eficácia da declaração resolutiva.
18) De salientar ainda que aqueles doutos despacho e acórdão não decidiram sobre a transmissão da agência ou balcão de Cabeceiras de Basto mas sobre a transmissão da posição de inquilino num contrato de arrendamento.
19) E fizeram-no tendo como pressuposto que o balcão já estava encerrado..
20) Bem andou, pois, a M. Juiz a quo ao considerar que o Tribunal da Relação de Guimarães já proferido “ … decisão no âmbito deste processo, nos termos da qual se refere que o contrato de arrendamento em causa nestes autos constitui um ativo transferido para o Banco B S.A.” acrescentando que “caso o Tribunal da Relação de Guimarães tivesse entendido que os pedidos em causa não poderiam ser dirigidos contra o Banco B não poderia ter deixado de o referir”.
21) Deve, pois, ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Banco B e confirmadas as doutas decisões recorridas: despacho proferido na audiência de julgamento de 03/04/2017 e sentença.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

a) alteração da matéria de facto, dando-se como provados os factos que constam actualmente das alíneas b), d) e e) dos factos não provados, e correcção da redacção do facto provado nº 6.

b) resolução do contrato por alteração das circunstâncias

c) o indeferimento liminar do articulado superveniente: a excepção peremptória de “ilegitimidade substantiva

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Por escrito particular denominado “contrato de arrendamento comercial” datado de 15.06.2007, os autores declararam ceder ao Banco A, S.A.” o gozo da loja no rés-do-chão existente no prédio urbano sito na Praça …, freguesia de …, concelho de Cabeceiras de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo 25, da referida freguesia, com o alvará de licença de utilização número …/2000, emitido pela Câmara Municipal a 04.10.2000.
2. No escrito particular referido em 1) o réu declarou aceitar aquela cedência do gozo, declarando comprometer-se a pagar, como contrapartida, a quantia mensal de € 1.000,00, anualmente actualizável nos termos consignados pelos contraentes, o que foi aceite pelos autores.
3. O fim estipulado foi o exercício do comércio bancário, sendo permitido o subarrendamento entre empresas do Grupo Banco A.
4. Foi acordado um prazo de vigência daquele acordo de vontades por 30 anos, com início na data da sua outorga (11.06.2007), com a possibilidade de prorrogação por períodos sucessivos de dez anos”.
5. Ficou também expressamente estipulado que o contrato “(…) não pode ser denunciado por qualquer das partes mas qualquer delas pode opor-se à sua renovação com a antecedência mínima de 180 dias por meio de carta registada com aviso de recepção”.
6. Mais acordaram que as rendas se vencem a partir do início do décimo primeiro ano de vigência do contrato, sendo que qualquer um dos outorgantes pode tomar a iniciativa de proceder a uma correcção extraordinária da renda para o valor locativo do rés-do-chão nessa data, tendo em conta todas as circunstâncias objectivas que nela possam influir, nelas se incluindo o montante inicial da renda.
7. Acordaram também que o novo valor da renda seria atribuído por um perito nomeado por ambas as partes ou, na falta de acordo, por três peritos nomeados, um por cada parte, sendo que estes cooptarão um terceiro.
8. (…) e que a nova renda seria devida no mês seguinte àquele em que ocorreu a avaliação mediante comunicação do senhorio, podendo a revisão do montante da renda ser repetida decorridos que fossem 10 anos sobre a última correcção extraordinária.
9. A última renda paga ao autor foi em 02.01.2015, no valor mensal de € 1.102,81.
10. Por carta datada de 29.12.2014 mas recebida apenas em 05.01.2015, o réu comunicou ao autor marido que: o contrato “(…) foi celebrado num contexto de expansão económica e de crescimento do próprio Banco A, no qual se estipulou o arrendamento do imóvel pelo prazo de 30 anos sem possibilidade de denúncia antecipada”. “(…) passados 7 anos, as circunstâncias existentes à data da celebração do contrato alteraram-se de forma muito significativa e anormal, nomeadamente as circunstâncias de crescimento económico em que o nosso país se encontrava alteraram-se para um contexto de evidente e reconhecida recessão económica e, por consequência, também a política de investimento, expansão e abertura de agências adoptada pelo Banco A, que na altura pelas circunstâncias descritas encontrava plena justificação deixou de fazer qualquer sentido”. “(…) não só as circunstâncias que fundaram a vontade de celebração do referido contrato de arrendamento se alteraram anormalmente, como, actualmente, o Banco A está obrigado, por força do seu Plano de Recapitalização, a encerrar um número muito significativo de agências até ao final do presente anos de 2014, entre as quais a agência instalada no imóvel de qual V. Exª é senhorio”. “(…) a manutenção de um contrato de arrendamento por mais 23 anos, sem que, pelas razões expostas, o Banco A possa exercer naquela localidade a actividade para a qual arrendou o imóvel e, por consequência, fazer qualquer utilização do mesmo, consubstancia uma imposição demasiado onerosa e gravosa para o Banco A com os princípios da boa fé”.
11. Os autores responderam por carta de 09.01.2015, na qual comunicaram a não aceitação da resolução do contrato e a não aceitação da entrega das chaves.
12. O réu suportou o pagamento de indemnização no valor de € 65.000,00 ao anterior inquilino para disponibilizar o imóvel e, em obras de adaptação do imóvel necessárias à instalação de uma agência bancária gastou € 100.259,91.
13. O Banco A apresentou um resultado líquido negativo de 161,6 milhões de euros no ano de 2011, de 576,4 milhões de euros em 2012 e de 470,3 milhões de euros em 2013.
14. O Banco A recorreu a processo de recapitalização previsto na Lei 63/2008, de 24 de Novembro, tendo sido injectado no mesmo a quantia aproximada de 1.100 milhões de euros em 2013 e estabelecida a necessidade de fusão, tendo sido constituído o Banco A, SA no início de 2015.
15. O Banco A ficou sujeito a um plano de recapitalização que compreendia: (i) a descrição das medidas adequadas a serem adoptadas pelo Banco A com o objectivo de assegurar a sua viabilidade a médio prazo; (ii) o calendário de implementação das medidas de viabilidade, e (iii) a demonstração da sua consistência operacional / solidez (cfr. art.º 9.º, n.º 1 da Lei n.º 63/2008, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 4/2012, de 11 de Janeiro).
16. O referido Plano de Recapitalização foi aprovado em reunião da Assembleia Geral do Banco A de 16 de Janeiro de 2013, após ter merecido o parecer favorável do Banco de Portugal.
17. A recapitalização foi aprovada pelo Despacho n.º 1527-B/2013, de 23 de Janeiro de 2013 pelo Ministro de Estado e das Finanças.
18. O Banco A ficou obrigado a reformular o seu modelo de negócio, a implementar profundas medidas reestruturação e a reduzir o seu número de agências e a limitar o seu âmbito de actuação geográfica.
19. A implementação destas medidas está a ser acompanhada e fiscalizada pelo Banco de Portugal, pelo Ministério das Finanças e pela Direcção-Geral para Concorrência da Comissão Europeia.
20. O Plano de Reestruturação prevê uma significativa redução do número de agências bancárias do Banco A, especialmente em Portugal Continental e no interior do país, em linha com as indicações da Comissão Europeia.
21. As medidas de desinvestimento incidiram essencialmente sobre venda de imobiliário e participações sociais detidas sobre empresas no estrangeiro.
22. Os cortes de custos assentaram designadamente na redução do quadro de funcionários e no fecho de agências.
23. O anterior inquilino do locado era a agência CB que aí exerceu a sua actividade desde Março de 2001 até Maio de 2007.
24. A última renda paga foi de 807,26 € mensais.
25. Havia um excelente relacionamento entre Joaquim – sócio e gerente da CB - e os ora autores, então senhorios, relacionamento esse que se estendia também ao nível profissional, já que as actividades dos autores (advocacia) e da inquilina (contabilidade) eram em muitas situações, complementares.
26. Estabeleceu-se, assim, uma profícua colaboração com benefícios para todos.
27. Chegou a perspectivar-se a constituição de uma sociedade entre os autores e Joaquim para exploração de um franchising na área de aconselhamento em decisões na área financeira (Decisões e soluções, compra e venda, arrendamento, leasings, créditos, entre outros).
28. Essa sociedade funcionaria no locado e teria o apoio técnico dos autores (na parte jurídica e formal).
29. Em princípio de Março de 2007, o autor marido foi contactado por Joaquim, gerente da CB, no sentido de saber se estaria disposto a arrendar o locado ao Banco A, admitindo que, por si, estaria disposto a revogar o contrato de arrendamento com a CB, posto ter negociado já com o Banco A as condições em que assumiria tal disponibilidade.
30. O Banco A pagou a Joaquim o valor de € 65.000,00 para o mesmo deixar o locado, acedendo na revogação do contrato que tinha celebrado com os autores.
31. O termo daquela relação de senhorio / arrendatário ditou o fim do projecto de constituição da sociedade, uma vez que na perspectiva das partes ele só faria sentido se funcionasse no locado. 32) A autorização temporária conferida pela Direcção Geral da Concorrência comunitária para o sector financeiro nacional à recapitalização do Banco A dependia do cumprimento das medidas impostas.
32. A crise financeira internacional que sobreveio a partir de 2009 aumentou os custos de financiamento da Banca em Portugal.

Factos não provados

Com pertinência para o mérito da causa não se provaram os demais factos alegados, designadamente que:

a) Em 2007 o Banco A tinha 228 agências; em 2008, 279; em 2009, 351; em 2010, 360; em 2011, 343; em 2012, 312; em 2013, 276; em 2014, 204 e em Abril de 2015, 178.
b) Em 2007 o grupo Banco A apresentou lucros na ordem dos 101,1 milhões de euros.
c) O número de funcionários do Banco A, SA variou de 1.996, no ano de 2007, para 2.162, em 2008, 2.656 em 2009, 2.669 em 2010, 2.638 em 2011, 2.409 em 2012, 2.328 em 2013, 1.935 em 2014 e 1.839 em 2015.
d) Os critérios definidos/impostos para o encerramento das agências assentaram essencialmente na rentabilidade e na localização geográfica.
e) A localização da agência de Cabeceiras de Basto ficava numa das zonas geográficas em que o Banco A foi obrigado a reduzir a sua presença por ser zona não rentável.

IV
Conhecendo do recurso.
Olhando para as 3 questões que foram trazidas à decisão deste Tribunal da Relação, ressalta à vista que a que consta da alínea “c” (o indeferimento liminar do articulado superveniente / excepção peremptória de ilegitimidade substantiva) deve ser conhecida em primeiro lugar, pois a procedência do recurso nessa parte, implicará a anulação dos actos posteriores à decisão de não admissão, e a reabertura da discussão para conhecer dos factos que o réu pretende serem supervenientes.

Vamos então conhecer de imediato de tal questão.

Como resulta de fls. 290 e seguintes, 304 e 305, no dia 3/4/2017, no decurso da audiência de julgamento o réu Banco B veio apresentar articulado superveniente, no qual alega, em síntese, que em data posterior ao término dos articulados e à audiência prévia que fixou o objecto do litígio e os temas da prova, por deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 19 e 20 de Dezembro de 2015, foi iniciado o processo de alienação parcial do Banco A, visando obstar à sua insolvência, que veio a terminar na venda de parte dos seus activos ao Banco B, conforme deliberações já juntas aos autos e que podem ser consultadas no site do Banco de Portugal. Pela deliberação de 20/12/2015, às 23:30, foi decidida a alienação ao Banco B de direitos e obrigações que constituem activos, passivos e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco A, constantes do anexo 3 da deliberação, nos termos do art. 145º-M do RGICSF (Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras). E no ponto 1 do Anexo 3 da aludida deliberação, o Banco de Portugal definiu quais os activos e passivos transferidos do Banco A para o Banco B e quais os activos e passivos excluídos. São transferidos “todos os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco A, registados na contabilidade, que sem prejuízo dos parágrafos 3 e 4, são objecto de transferência para o adquirente…”.
Entre os passivos excluídos constam: “(xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades com excepção das que hajam sido constituídas pelo Banco A no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banco A ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, activos, direito ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação)”.

Ora, a agência de Cabeceiras de Basto do Banco A não se mostrava registada na sua contabilidade à data da transmissão dos activos e passivos para o Banco B.

E, alega o recorrente, este facto novo (a deliberação do BdP de 19 e 20/12/2015) constitui um facto impeditivo do direito que os autores pretendem exercer nesta acção.

O Tribunal respondeu a este requerimento, indeferindo ao requerido, da seguinte forma: “tendo em atenção o preceituado no art. 130º CPCiv, nos termos do qual é proibido praticar no processo actos inúteis; tendo em conta, por outro lado, a circunstância do Tribunal da Relação de Guimarães ter já proferido uma decisão no âmbito deste processo, nos termos do qual se refere que o contrato de arrendamento em causa nestes autos constitui um activo transferido para o Banco B, SA, tomo como precludida a possibilidade de voltar a discutir no processo a possibilidade de dirigir contra o Banco B os pedidos formulados na PI. Efectivamente, caso o Tribunal da Relação de Guimarães tivesse entendido que os pedidos em causa não poderiam ser dirigidos contra o Banco B não poderia ter deixado de o referir, donde, independentemente da verificação dos pressupostos formais dos arts. 588º e ss. do CPCiv, por força da verificação do caso julgado formal no processo quanto à questão de saber, se sim ou não, os autores poderiam prosseguir com a acção nos exactos termos em que a propuseram contra esta nova entidade, indefiro liminarmente o requerido”.
Vamos começar por verificar que os factos que o réu vem alegar são de facto supervenientes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 588º,2,3 CPC. E com efeito a audiência prévia teve lugar a 16/6/2015 (cfr. fls. 119), os articulados são por definição anteriores, e os factos impeditivos que o réu veio pretender trazer ao litígio datam de 20 de Dezembro de 2015.
E o articulado superveniente foi oferecido atempadamente, no início da audiência de julgamento, em obediência ao disposto no art. 588º,3,c CPC.

Assim, parece não haver fundamento formal para o mesmo não ter sido recebido. A argumentação que o Tribunal usou para indeferir ao seu recebimento foi a invocação que existia um caso julgado formal no processo quanto à questão de saber, se sim ou não, os autores poderiam prosseguir com a acção nos exactos termos em que a propuseram contra esta nova entidade”.
Só que, salvo melhor opinião, por definição, estando em causa a alegação de factos impeditivos ou extintivos do direito que se discute na acção, não faz sentido invocar contra isso um caso julgado formal. O caso julgado formal, tal como resulta do art. 620º CPC, é apanágio das sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, e traduz-se em estas terem força obrigatória dentro do processo.
Nada como ir buscar auxílio aos clássicos. Ensinava Alberto dos Reis, in CPC anotado, anotação ao art. 672º, que “com o trânsito da sentença em julgado, facto processual definido no § único do art. 677º, produz-se este fenómeno: a formação do caso julgado. O art. 671º propõe-se determinar a autoridade e o valor desta formação. E determina-os assim: a decisão proferida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele. Se confrontarmos este ditame com o que se lê no art. 672º, ficamos logo advertidos de que a decisão transitada em julgado sem sempre tem o mesmo valor ou a mesma eficácia: ao passo que o art. 671º fala de força obrigatória dentro do processo e fora dele, o art. 672º só atribui à decisão força obrigatória dentro do processo.
Estamos pois em presença de duas figuras diferentes, de duas realidades perfeitamente distintas. À que o art. 671º considera dá-se o nome de caso julgado material ou substancial: à que o art. 672º desenha cabe a designação de caso julgado formal ou processual. Quando é que o caso julgado reveste a primeira ou a segunda modalidade ? A aproximação dos dois artigos habilita a dar a resposta. Se a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, temos o caso julgado formal. Se recai sobre o mérito da causa, e portanto sobre a relação jurídica substancial, temos o caso julgado material”.
Mais recentemente, como escreve Lebre de Freitas em anotação ao artigo 620º (Código de Processo Civil anotado, 3ª edição), “quer a sentença de absolvição da instância, seja qual for o momento processual em que é proferida, quer o despacho de indeferimento liminar, por fundamento de mérito ou outro (ver o nº 3 da anotação ao art. 590º), quer a sentença que decida um incidente com a estrutura de uma causa, quer os despachos interlocutórios proferidos ao longo do processo (despacho saneador que julgue verificado um pressuposto, despacho proferido sobre uma arguição de nulidade, despacho que rejeite um meio de prova, despacho que não admita certa pergunta feita a uma testemunha, despacho que admita segunda perícia, etc) limitam, uma vez transitados em julgado (art. 628º) a sua força obrigatória ao processo, sendo nele inadmissível, e por isso ineficaz (art. 625º-2), decisão posterior sobre a mesma questão que deles tenha sido objecto”.
Cabe então perguntar: o acórdão proferido por este Tribunal da Relação, no processo apenso, decidiu o quê ?
A resposta é incontroversa. Como se pode ler no próprio acórdão em causa, “o objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes restringe-se à questão de saber se o Apelante deve, ou não, ser admitido a intervir nos autos principais em substituição do Banco A”.

Foi, pois, uma decisão que apenas recaiu sobre a relação processual, e que se pronunciou sobre a legitimidade do Banco B para intervir nestes autos em substituição do Banco A.
Tão só.
E a força de caso julgado dessa decisão impõe-se dentro destes autos, através da certeza de que não mais se voltará a discutir se o Banco A tem ou não legitimidade para substituir, do lado passivo da lide, o Banco A.

O acórdão proferido por esta Relação que decidiu, definitivamente essa questão da legitimidade do transmitente, não decidiu, nem podia decidir, sobre a substância do presente litígio. Decidiu, isso sim, repete-se, uma questão de legitimidade processual; pode aí ler-se: “efectivamente, do que se trata de decidir, nesta fase, não é se o contrato de arrendamento invocado pelos AA ainda subsiste em termos jurídicos, com o que se estaria já a decidir, pelo menos em parte, o mérito da causa, mas antes se o apelante deve ingressar na posição processual(1) do R, admitindo como possível aquela subsistência. Foi esta, de resto, sempre a motivação para a demanda do R, pelos AA: ou seja, a razão pela qual lhe foi reconhecida legitimidade processual para esta acção. E, tal como resulta do disposto no artigo 30º, nº 3 do Código de Processo Civil, essa legitimidade afere-se, na falta de disposição legal em contrário, pela tese do autor. (…). De modo que, atendendo à tese dos AA, é inegável não só a legitimidade processual do R, como subsequentemente, do Apelante, em substituição daquele”.

Assim, a força de caso julgado formal daquele Acórdão impede que se volte a discutir no âmbito deste mesmo processo a legitimidade processual do réu Banco B, SA. Está definitivamente assente que este réu é parte legítima nesta acção.
Mas é só até aqui que se estende a força de caso julgado (formal) do Acórdão desta Relação proferido no apenso A.
A questão que o réu BANCO B veio pretender trazer aos autos através do articulado superveniente, salvo melhor entendimento, não é a da sua legitimidade processual para estar nesta lide. Essa está definitivamente decidida.
A questão trazida então aos autos, é, antes, uma questão sobre o fundo da causa: a de saber se os autores têm sobre o réu BANCO B o direito que se arrogam. E assenta nas Deliberações do Banco de Portugal de 19 e 20/12/2015, juntas aos autos a fls. 200 e seguintes.
Estas Deliberações, apesar de já constarem dos autos, e de a elas ter sido feita referência expressa no referido Acórdão desta Relação proferido em sede de recurso no âmbito do processo apenso A, não foram de todo consideradas na sentença recorrida.
Claro que teremos também de dizer que não desconhecemos que quer a questão da legitimidade processual, já definitivamente decidida pelo acórdão desta Relação proferido no apenso A, quer a substância da causa (2) (esta pelo menos em parte), passam ambas pela apreciação da mesma realidade: as decisões do Banco de Portugal supra elencadas. Mas são julgamentos técnica, formal e cronologicamente separados. A apreciação da substância da causa, fora os casos de conhecimento antecipado, ocorre na sentença final.
Por ser assim, consideramos que o Tribunal recorrido andou menos bem quando não admitiu o referido articulado superveniente, invocando para tal o caso julgado formal.
As Deliberações do Banco de Portugal datadas de 19 e 20 de Dezembro de 2015, que aplicaram ao BANCO A a medida de resolução e fixaram os respectivos efeitos não são mencionadas na sentença recorrida.

A única referência que é feita a essas Deliberações ocorre no despacho que, imediatamente antes da sentença, decidiu admitir a ampliação do pedido. E, curiosamente, o que aí se escreve é o seguinte: “questão diversa é a de saber se tal pretensão indemnizatória poderá ser dirigida ao ora réu Banco B. Efectivamente, por um lado, quanto a este pedido ampliado, manifestamente não ocorre qualquer preclusão por força da decisão já proferida no apenso A, por outro lado, considerando os pressupostos em que foi admitida a substituição processual aquando da respectiva decisão, é bastante duvidoso que um pedido indemnizatório desta natureza possa ser oposto ao Banco B, atenta a Deliberação do BdP de 20.12.2015 (3). Contudo, tendo em conta que foi já há muito ultrapassada a fase de saneamento, será aquando da decisão de mérito que, se necessário for, se passará ao conhecimento desta questão”.

Ora, repetindo-nos, se é certo que essas Deliberações do BdP foram ponderadas aquando da decisão da questão da substituição processual do Banco A pelo Banco B, não é menos certo que agora, em sede de conhecimento da substância dos pedidos, tais decisões têm de ser apreciadas e ponderadas, porque as mesmas, se eram relevantes para decidir da questão processual referida, são ainda mais relevantes para conhecer da substância do que vem pedido. Pode argumentar-se dizendo que é a mesma questão. E de uma certa forma isso é verdade. Mas é uma questão que não só era relevante para a decisão da legitimidade processual, como é relevante para a decisão sobre o fundo da causa. Correndo o risco de parecer repetitivo, o que foi decidido no recurso tramitado por apenso foi que o réu Banco B tinha legitimidade para intervir na acção, do lado passivo, em substituição do Banco A, no pressuposto que a relação jurídica alegada pelos autores existia e tinha aquela configuração. Ou seja, aceitando como pressuposto que o direito alegado pelos autores existia, o réu Banco B tinha legitimidade para litigar do lado passivo. Agora estamos a discutir se esse direito existe. Melhor ainda, estamos a discutir se os autores têm sobre o réu Banco B o direito de que se jactam.

E porquê ser importante a Deliberação de Resolução do Banco de Portugal ?
Porque é pacífico que para efeitos do que se discute nestes autos, os autores não celebraram nenhum contrato de arrendamento com o réu Banco B.

Donde, a demanda do réu Banco B sai fora da relação contratual clássica, e apenas se pode compreender pela ocorrência de um evento imprevisto, e de força maior, que tenha alterado o enquadramento da relação inicial. No caso concreto, verifica-se que esse evento de força maior foi a intervenção do Regulador do sector bancário, o Banco de Portugal, que veio alterar profundamente a situação original, determinando a resolução do contraente inicial Banco A, e provendo pela sucessão / transmissão dos respectivos direitos e obrigações (activos e passivos).

Assim, em traços largos, o destino a dar à pretensão dos autores, que nenhum contrato celebraram com o réu Banco B, depende, em primeiro lugar, da apreciação e análise da intervenção do Banco de Portugal, ao abrigo dos latos poderes que emergem do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), instituído pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro. Latos poderes esses que decorrem, v.g., do artigo 145º-A, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, especificamente quanto à medida de resolução: “O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades: a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes”.
E sob a epígrafe «Aplicação de medidas de resolução», passou a textuar o artigo 145º-C do RGICSF o seguinte: “1 - Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A: a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição. (…).

Por seu turno, sob a epígrafe «Transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição», passou a dispor o artigo 145º-G do RGICSF, e na parte que agora releva, nos seguintes termos:

“1 - O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa.
2 - O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior (…)”.

Daqui resulta com meridiana evidência que a Deliberação do Banco de Portugal, que o réu Banco B tentou trazer aos autos mediante o referido articulado superveniente, não releva apenas para atribuir legitimidade a este réu para ocupar na lide o lugar que era originalmente ocupado pelo Banco A, antes da resolução. Também serve para isso, obviamente, como o acórdão desta Relação de 24/11/2016 decidiu. Mas, muito mais importante do que isso, serve para aferir da existência ou não do direito alegado pelos autores e negado pelo réu.

E nenhuma referência é feita a esse facto na sentença, pois o mesmo não constava de nenhum dos articulados, por lhes ser superveniente. Esse facto constante do articulado superveniente é central para a decisão sobre o mérito da causa, e do presente recurso. E tem de ser discutido nestes autos, já não como pressuposto processual (pois aí já existe caso julgado formal), mas sim como questão de mérito, da qual depende o sucesso ou insucesso das pretensões das partes.
Supomos ser por isso evidente a relevância do articulado superveniente, para poder aferir da existência ou não do direito alegado pelos autores.
E por isso consideramos que o despacho que indeferiu o requerimento de apresentação do articulado superveniente violou o disposto no art. 588º,1,2,3,c CPC, e não se pode manter, tendo de ser substituído por outro que admita o articulado superveniente, e determine o prosseguimento da acção, nomeadamente decidindo sobre o requerimento probatório apresentado no mesmo momento pelo réu Banco B. Claro que isto significa que a sentença recorrida terá de ser anulada, e que fica prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas no recurso. Caberá ao prudente julgamento do Tribunal recorrido a decisão sobre a actividade probatória a realizar, nomeadamente decidindo sobre a que vem requerida no articulado superveniente, e sobre a necessidade de repetir ou não alguma das inquirições já efectuadas, as quais não resultam automaticamente anuladas com esta decisão.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente Banco B SA, nos termos supra explicados, e em consequência:

a) Revoga o despacho proferido na audiência de julgamento em 3/4/2017, a fls. 304v, admitindo assim o articulado superveniente apresentado pelo réu.
b) Anula a sentença recorrida;
c) Determina o prosseguimento da audiência de julgamento, nos termos supra enunciados.

Custas pelos recorridos (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 25/1/2018

Relator­ (Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Luís Espinheira Baltar)


1. Destaque nosso
2. Não usamos a expressão “legitimidade substantiva” por nos parecer que a mesma não é útil, já que parece converter a substância em mera forma, reduzindo tudo a um conceito processual. Salvo melhor opinião, à legitimidade processual opõe-se não a legitimidade substantiva, mas sim o mérito, a substância. O processo é apenas um instrumento para chegar à substância, não é outra forma de substância. Pelo menos, não deve ser.
3. Destaque nosso.