Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2088/12.2TBFAF-B.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
EXCEPÇÕES
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE PAGAMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente entre o portador imediato e o subscritor e, como tal, os avalistas não podem opor excepções fundadas na relação subjacente, com excepção do pagamento.
II - O plano de recuperação contém um conjunto de medidas que se aplicam à sociedade a revitalizar. Esse plano vincula-a e vincula os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações (nº 6 do artº 17º F), mas só vincula os credores relativamente à sociedade requerente e não relativamente aos terceiros, como são os ora executados.
III - Não estava assim vedado à exequente instaurar a execução contra os avalistas e reclamar o crédito por estes avalizado no processo de revitalização (nº 2 do artº 17º D do CIRE), não sendo permitido aos avalistas opor a alteração do prazo de pagamento do crédito avalizado.
IV - O nº 1 do artº 519º do CC não impede que o credor reclame o seu crédito contra a sociedade subscritora e instaure execução contra os avalistas, pois verifica-se a existência de uma razão atendível para o efeito, que é a insolvência iminente da sociedade subscritora ou a dificuldade de obter a prestação por dificuldades económicas que conduziram à instauração de um processo de revitalização.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
Banco …, S.A. instaurou execução contra Armando …, Álvaro … e Maria … Mendes, apresentando como títulos executivos três livranças avalizadas pelos executados.
Os executados apresentaram requerimento onde alegaram que no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, correu termos um plano especial de revitalização com o nº 1500/12.5TBFAF, em que é requerente a subscritora das três livranças dadas à execução, a sociedade N…, S.A.(1). No plano especial de revitalização (PER), já homologado por sentença, o crédito da ora exequente foi qualificado como crédito garantido, por se tratar de crédito garantido por aval de terceiro, devendo o mesmo ser pago na íntegra no prazo de dez anos (em 120 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no primeiro mês após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação, ficando perdoados os juros vencidos).
Com a aprovação do PER e a sua homologação por sentença, foi alterado o prazo de pagamento da obrigação dos executados, pelo que o cumprimento da obrigação não é imediatamente exigível, tendo requerido a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
O Banco exequente opôs-se.
Por despacho de 21.05.2013 foi indeferido o requerido pelos executados.
Os executados não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, no qual formularam as seguintes conclusões:
.1.Os apelantes prestaram o seu aval numa livrança, subscrita pela sociedade N…, S.A., que constitui o título executivo nestes autos;
.2.Ora, sendo o aval o acto pelo qual um terceiro garante o pagamento de uma letra por parte dos seus subscritores, estipulando-se que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por si avalizada, os apelantes tornaram-se pessoalmente responsáveis pela dívida por si garantida;
.3.A subscritora da letra foi alvo de um Processo Especial de Revitalização, no âmbito do qual foi homologado um Plano de Revitalização;
.4.No Plano de Revitalização foi aprovado um plano de pagamento da dívida ao aqui apelado, como credor garantido e o seu pagamento no prazo de dez anos;
.5.A regra geral é a de que o credor que exigir judicialmente a prestação apenas a um dos devedores fica inibido de proceder judicialmente contra os demais;
.6.O exequente, ora apelado, poderia ter optado por não reclamar o crédito no processo especial de revitalização e promover uma execução contra os ora apelantes;
.7.Porém, optou por reclamar o seu crédito no processo especial de revitalização no qual o título que serve de base à execução se transmudou, passando a existir um novo título - o plano especial de revitalização homologado por sentença.
.8.E, concomitantemente, usou o título primitivo para demandar os avalistas e, assim, está a obter o ressarcimento do seu crédito por dois lados, o que não é aceitável e legítimo.
.9.Assim, com a aprovação do plano especial de revitalização e sua homologação por sentença, deixou de se verificar o pressuposto "dificuldade de obtenção da prestação", como a "insolvência" ou "risco de insolvência", do artigo 519º do CC;
.10.Tendo sido alterado o prazo de cumprimento da obrigação.
.11.A qual, não sendo imediatamente exigível, se repercute necessariamente na relação processual estabelecida entre o exequente e os avalistas, no processo executivo contra estes instaurado;
.12.Assim, alterando -se o prazo do cumprimento da obrigação, do que beneficia o avalista, torna -se inexigível a obrigação exequenda, por causa superveniente, devendo, em consequência, ser extinta a instância executiva.
.13.Pelo que, ao decidir como decidiu, fez o Mmo Juiz "a quo" errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 30º, 31 º, 32º e 77º da LULL, 512º, nº1 do CC e 287º, aI. e) do CPC.
Termos em que o despacho recorrido deverá ser revogado e ordenada a sua substituição por outro que declare a extinção da execução por inutilidade superveniente da lide, com as legais consequências.
Por despacho de fls 110 destes autos em separado (fls 146 do processo principal) foi decidido que o requerimento apresentado pelos executados, configurava uma oposição à execução.
A parte contrária contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A) O Apelado é portador de 3 livranças subscritas pela Sociedade N…, S.A. e avalizadas pelos ora apelantes.
B) A sociedade avalizada encontra-se em processo de Revitalização, no âmbito do processo 1500/12.5T8FAF, que corre termos no 1° Juízo do Tribunal da Comarca de Fafe.
C) O ora Apelado, reclamou os créditos que detinha sobre a sociedade avalizada, no referido processo de revitalização, onde se incluem as livranças referidas em A).
D) O plano de revitalização da sociedade avalizada foi homologado em 09/01/2013.
E) De acordo com o artigo 217°, nº4 do CIRE," As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os contradevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos".
F) Nesse sentido o ora Apelado, com vista ao accionamento dos avalistas, remeteu aos mesmos, cartas de interpelação, cfr docs. 3, 4,5,7,8,9, 11, 12, 13 já juntos à acção executiva e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
G) As livranças referidas em A) não foram pagas, nem nessa altura nem posteriormente.
H) A obrigação dos avalistas é autónoma da relação cambiária, que se estabelece entre o credor e o devedor, por via do negócio jurídico praticado.
I) Conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2012: "O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado, mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente".
J) A jurisprudência é clara ao referir que as alterações que possam ocorrer na relação subjacente, não afectam a relação cambiária, cfr. Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/05/2013 “ a relação cambiária constituída, permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade de obrigação causal".
K) O facto de ter sido homologado plano de revitalização da empresa avalizada e de ter sido definido que os créditos do ora Apelado, seriam pagos em 120 prestações mensais não impede que o ora Apelado accione os respectivos avalistas, que não se encontram insolventes.
L) Conforme já referido anteriormente, não só o nº 4 do artigo 2170 do CIRE é perfeitamente claro quanto a esta questão, como, por outro lado, a jurisprudência tem vindo a clarificar a situação dos presentes autos.
M) A título de exemplo, poderá referir-se o Douto Acordão do STJ de 26.02.2013, “Na verdade, o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade insolvente. (. . .) não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram. "
N) No entanto e ainda que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese académica se coloca, sempre se refere que o artigo 517º do Código Civil dispõe que a "solidariedade não impede que os devedores solidários demandem conjuntamente o credor ou sejam conjuntamente demandados."
O) Verifica-se assim que os fundamentos apresentados pelos Apelantes não têm base legal, não devendo por esse motivo prosseguir.
P) Pelo que deverá a decisão do Mmo Juiz a quo, ser considerada válida e em consequência ser ordenada a prossecução da instância, sem mais delongas.

II – Objecto do recurso:
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
a questão a decidir consiste apenas em saber se o Banco exequente pode exigir aos avalistas o pagamento imediato da livrança dada à execução, atento o acordado no plano de revitalização da subscritora da livrança, onde ficou estabelecido um prazo de reembolso dos créditos a dez anos, extinguindo-se em consequência a instância executiva.
II – Fundamentação
A situação factual é a supra exposta.

Conforme referimos a questão a decidir é se o acordado no plano de revitalização da sociedade subscritora da livrança, nos termos do qual é alterado o prazo de pagamento da dívida perante o exequente, credor reclamante no processo de revitalização, se reflecte na obrigação do avalista, tornando-a inexigível.
O aval, nos termos do artº 30º da LULL, aplicável às livranças, por força do disposto no artº 77º da LUL, é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra, garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores.
O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador imediato e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado. O aval está, como as demais obrigações cambiárias, subordinado aos princípios de incorporação, literalidade, autonomia e abstracção, revestindo as obrigações dos avalistas um carácter totalmente autónomo relativo à obrigação subjacente estabelecida entre o credor e o devedor por força de determinado negócio jurídico. Embora a extensão e o conteúdo da obrigação do avalista se afira pela do avalizado(2), esta obrigação vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado(3), mantendo-se, mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma (art. 32º da LULL).
A obrigação do avalista é pois uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente entre o portador e o subscritor e, como tal, os avalistas não podem ôpor excepções fundadas nessa relação, com excepção do pagamento. Neste sentido se decidiu no Ac. do STJ de 26.02.2013(4), onde se cita um extracto retirado do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 11-12-2012(5), num caso em que a dilação do prazo de pagamento resultou da aprovação de um plano de insolvência e não de um processo de revitalização, mas que tem aqui, em nosso entender, plena aplicação, atento o carácter de autonomia do aval. O processo de revitalização não consagra norma idêntica ao nº 4 do artº 217º do CIRE, mas tal não significa, quanto a nós, que o legislador tenha pretendido consagrar solução diferente da que adoptou para o processo de insolvência, pois não o disse, não desconhecendo o disposto no nº 4. Aliás, apenas esta solução é possível, atento o princípio de autonomia da obrigação cambiária e a falta de eficácia do plano de revitalização aprovado relativamente aos garantes porque não o votaram, nem são credores do requerente da revitalização (artºs 17-F/6 do CIRE).
Não estava assim vedado à exequente instaurar a execução contra os avalistas e reclamar o crédito por estes avalizado no processo de revitalização (nº 2 do artº 17º D do CIRE), não sendo permitido aos avalistas opôr a alteração do prazo de pagamento do crédito avalizado. Adaptando ao processo de revitalização, o que é referido no Ac. do STJ de 26.02.2013, há que referir o seguinte:
O plano de recuperação contém um conjunto de medidas que se aplicam à sociedade a revitalizar. Esse plano vincula-a e vincula os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações (nº 6 do artº 17º F), mas só vincula os credores relativamente à sociedade requerente e não relativamente aos terceiros, como são os ora executados.
Os credores votam o plano que é aprovado, atendendo à particular situação da sociedade que se encontra numa situação de económica difícil ou em situação de insolvência iminente (nº 1 do artº 17º-A do CIRE), estando os garantes fora do âmbito da revitalização e do que nesta se delibera.
O nº 1 do artº 519º do CC não impede que o credor reclame o seu crédito contra a sociedade subscritora e instaure execução contra os avalistas, pois verifica-se a existência de uma razão atendível para o efeito, que é a insolvência iminente da sociedade subscritora ou a dificuldade de obter a prestação por dificuldades económicas que conduziram à instauração de um processo de revitalização. Defendem os apelantes que aprovado o plano de revitalização, a subscritora deixa de se encontrar em dificuldades económicas. Ora, nada pode garantir que o plano de revitalização aprovado vá ser cumprido e de modo integral, sem embargo de, e como é evidente, não poder o credor receber da subscritora e do ou dos avalistas a totalidade do crédito garantido por aval.
Mantém-se assim a decisão.
Sumário:
.A obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente entre o portador imediato e o subscritor e, como tal, os avalistas não podem ôpor excepções fundadas na relação subjacente, com excepção do pagamento.
.O plano de recuperação contém um conjunto de medidas que se aplicam à sociedade a revitalizar. Esse plano vincula-a e vincula os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações (nº 6 do artº 17º F), mas só vincula os credores relativamente à sociedade requerente e não relativamente aos terceiros, como são os ora executados.
.Não estava assim vedado à exequente instaurar a execução contra os avalistas e reclamar o crédito por estes avalizado no processo de revitalização (nº 2 do artº 17º D do CIRE), não sendo permitido aos avalistas opor a alteração do prazo de pagamento do crédito avalizado.
.O nº 1 do artº 519º do CC não impede que o credor reclame o seu crédito contra a sociedade subscritora e instaure execução contra os avalistas, pois verifica-se a existência de uma razão atendível para o efeito, que é a insolvência iminente da sociedade subscritora ou a dificuldade de obter a prestação por dificuldades económicas que conduziram à instauração de um processo de revitalização. Ainda que o plano seja aprovado, nada pode garantir que o mesmo vá ser cumprido e de modo integral, sem embargo de, e como é evidente, não poder o credor receber da subscritora e do ou dos avalistas a totalidade do crédito garantida por aval.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.
Guimarães, 5 de Dezembro de 2013
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
_________________________
(1) Da qual o 1º e 2º executados são administradores.
(2) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1975, III, pág. 207 a 215.
(3) Pedro Paes de Vasconcelos, Direito Comercial (Títulos de Crédito), ed. da AAFDL, 1988/89, pg. 75 e Ac. do STJ de 28.02.2013, proferido no proc. 981/09, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados os acórdãos que venham a ser citados, sem indicação da fonte.
(4) Proferido no proc. 597/11. No mesmo sentido, Acs. do TRG de 11.09.2012 e 04.12.2008, proferidos, respectivamente, nos procs. 1642/10 e 2523/08-1. Não se desconhece, em sentido contrário, o acórdão citado pelo recorrente proferido pelo TRG de 24.04.2012, proferido no proc.1248/10. No entanto, este acórdão foi proferido antes do Ac.de uniformização de jurisprudência de 11.12.2012, onde se salientou o carácter de autonomia do aval.
(5) Proferido na revista nº 5903/09.4TVLSB.L1.S1 que fixou jurisprudência no sentido de que “tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada não é possível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”.