Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
225/12.6TBAMR.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ESTRANGEIRO
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Estando em apreciação um acidente de viação ocorrido em Espanha, em que é lesado um cidadão português, e porque ocorrido ele após 11/1/2009, impõe-se que a Lei aplicável em sede de responsabilidade extracontratual seja aferida à luz do REGULAMENTO (CE) nº 864/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 11 de Julho de 2007.
II - O referido em I revela-se decisivo em sede de aferição da Lei aplicável pois que, se o artº 45º,nº1, do CCivil , opta pela escolha, como regra geral e em sede de responsabilidade extracontratual, da lex loci delicti commissi , já o Artº 4º, nº1, do referido Regulamento (CE) nº 864/2007, sob a epígrafe de “Regra geral” e inserido no respectivo Capítulo II , elege ao invés a Lex damni como sendo a Lei aplicável, como regra geral .
III - Para efeitos de eleição da Lex damni referida em II, o que releva é o país onde ocorre o dano ( o dano patrimonial e/ou moral, que não o dano real ) , independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas do facto desencadeador da obrigação de indemnização.
IV - Em rigor, e no seguimento de alguma jurisprudência do TJUE no âmbito de interpretação do conceito de dano, dir-se-á que o lugar do dano é aquele onde “o prejuízo é materializado”, sendo “ o lugar de materialização do prejuízo o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos ( na esfera patrimonial e/ou moral ) danosos em relação à vítima .
V - Sendo aplicável a Lei Portuguesa e tendo a acção sido intentada quando faltavam ainda mais de 5 dias para decorrer o prazo de prescrição de 3 anos do artº 498º,nº1, do CCivil, e considerando o disposto no nº2, do artº 323º, do mesmo diploma legal, manifesto é que não se verifica a prescrição do direito pelo autor invocado.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
J…, intentou acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra H… International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A., com sede em Espanha, e I…, Lda, com sede em LISBOA, pedindo a condenação de ambas as RR a :
- pagarem-lhe a quantia de 5.110,52 EUROS, a título de indemnização pelos danos Patrimoniais sofridos e emergentes de acidente de viação.
Para tanto, alegou em síntese, que :
- No dia 13 de Maio de 2009, aproximadamente às 20 horas e 15 minutos, na localidade de VILLAGARCIA DE AROSA, na GALIZA, em ESPANHA, ocorreu um acidente de viação entre os veículos PC-… - propriedade do Autor e conduzido por M…– e PO…, propriedade de J…, e por ele conduzido, e do qual resultaram danos no primeiro;
- Sucede que, para a ocorrência do referido sinistro, contribuiu com culpa o condutor do PO…, pois que , ao entrar em rotunda , não abrandou, não parou e não se certificou que nela circulavam já outros veículos, designadamente o veículo do Autor, acabando por nele embater e sem que o seu condutor, dada a inopinada invasão da sua faixa de rodagem, conseguisse imobilizar o veículo a tempo de evitar que fosse embatido pelo veículo PO… ;
- Em razão do referido embate, sofreu o PC diversos danos, tendo a sua reparação importado em € 1.240,92 (com IVA incluído à taxa legal), a que acresce que ,tendo o veículo ficado impedido de circular, viu-se o Autor privado da sua utilização e das utilidades proporcionadas pelo mesmo desde a data do acidente (13.05.2009) e até à data da conclusão da reparação e entrega do veículo pela oficina (26.06.2009), o que o obrigou a recorrer a meio de transporte alternativo, e com o qual despendeu a quantia de €1.869,60, já com IVA incluído à taxa legal;
- Ademais, em consequência do acidente, o veículo do Autor sofreu uma perda de valor comercial ou de mercado, de pelo menos 2.000,00 euros.
1.1. - Após citação, contestaram ambas as Rés, por excepção - dilatória e peremptória - e impugnação, pugnando ambas no essencial pela absolvição da instância e/ou do pedido, invocando designadamente a respectiva ilegitimidade e a prescrição.
1.2.- Após resposta, e proferido que foi o competente despacho saneador, nele julgou o Exmº Juiz titular ambas as excepções invocadas como improcedentes, consideraram-se ambas as RR partes legitimas e não prescrito o direito do Autor [ Pelas Rés I…, Lda. e H… International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A., - tendo como objecto duas decisões do a quo proferidas a 12/10/2012, em sede de despacho saneador, foi interposto recurso de apelação ] , e , dispensada que foi a fixação da base instrutória da causa, procedeu-se depois à audiência de julgamento.
1.3.- No tocante às apelações indicadas em 1.2., proferiu o ora Relator , a 2/7/2013, o despacho a que alude a alínea A), do nº1, do Artº 700º, do CPC, impondo-se portanto a respectiva apreciação no âmbito da apelação interposta da sentença final [ já que o Exmº Juiz a quo, no âmbito do despacho a que alude o artº 685-C, do CPC, decidiu - ainda que mal , a que acresce que da referida decisão não foi interposto recurso, pois que, com a reforma recursória de 2007, deixou de constituir fundamento de reclamação o caso de retenção de recurso - que a apelação interposta do despacho saneador na parte em que Julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição suscitada pela referida ré, sendo admissível, subia a final, nos próprios autos e com efeito devolutivo ] , e , com referência às mesmas, concluíram cada uma das recorrentes da seguinte forma :
A - A Ré H… International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A. :
(…)
B - A Ré I…, Lda, :
(…)
1.4.- Por fim, após a respectiva discussão, foi a matéria de facto decidida sem quaisquer reclamações e, conclusos os autos para o efeito, proferiu - a 29/1/2013 - o tribunal a quo a sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
"5. - Decisão:
Pelos motivos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:
5.1.- condenar solidariamente as rés a pagar ao autor a quantia total de três mil cento e dez euros e cinquenta e dois cêntimos, quantia essa acrescida de juros desde a data de citação até integral pagamento
5.2.- Custas pelo A. e pelas RR. na proporção do decaimento.
5.3.- Registe.
5.4.- Notifique"
1.5. - Inconformadas com tal sentença, da mesma apelaram então ambas as RR H… International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A., e I…, Lda, apresentando as recorrentes na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
(…)
1.6.- Tendo o A apresentado contra-alegações, nestas veio sustentar que deve ser mantido o julgamento da matéria de facto nos seus precisos termos, assim como a decisão final proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as necessárias consequências legais.
Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º , nºs 2 e 3 , e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - Com referência às apelações dirigidas pelas RR para as decisões interlocutórias ( rectius, decisões que não puseram termo ao processo ) proferidas em sede de Despacho saneador .
A) - Se no âmbito da apelação interposta pela Ré I…, Lda, se impõe a revogação das decisões interlocutórias proferidas no Despacho saneador e que julgou improcedentes ambas as excepções - da ilegitimidade e da prescrição - que deduziu na sua contestação ;
B) - Se no âmbito da apelação interposta pela Ré H… International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A, se impõe a revogação da decisão interlocutória proferida no Despacho saneador e que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição que deduziu na sua contestação.
II - Com referência às apelações dirigidas pelas RR para a decisão/sentença que pôs termo ao processo;
A) Aferir da pertinência da QUESTÃO PRÉVIA suscitada pelo apelado e direccionada para a impetrada rejeição do recurso interposto por ambas as RR ;
B) Aferir se in casu, e no âmbito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, se impõe a alteração das respostas dadas pelo a quo a concretos pontos de facto controvertidos;
C) Aferir se, em razão da modificação da decisão de facto do a quo, deve a sentença da primeira instância ser revogada, pois que o direito do A há muito se extinguiu em consequência da excepção peremptória da prescrição ;
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2.Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
2.1.- No dia 13 de Maio de 2009, aproximadamente às 20 horas e 15 minutos, na localidade de VILLAGARCIA DE AROSA, na GALIZA, em ESPANHA, mais concretamente na rotunda que se situa em frente ao edifício FEXDEGA, onde confluem as estradas provindas de LAXE, PONTEVEDRA e CAMBADOS, ocorreu um acidente de viação.
2.2.- Foram intervenientes nesse acidente o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula PC-…, propriedade do Autor e conduzido por M…, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula PO…, propriedade de J…, e por ele conduzido.
2.3.- No local onde ocorreu o acidente, a estrada configura uma rotunda.
2.4.- O veículo de matrícula PC-…, provindo da localidade de LAXE, circulava pela sua mão de trânsito no interior da acima referida rotunda.
2.5.- O condutor do veículo de matrícula PO…, provindo da localidade de PONTEVEDERA, pretendia entrar na acima referida rotunda.
2.6.- Sucede que, quando o veículo de matrícula PC-… já se encontrava a circular em frente ao entroncamento da via que provém de Pontevedra, apareceu-lhe, vindo da referida via, o veículo de matrícula PO….
2.7.- O condutor do veículo PO… não abrandou, nem parou o veículo por si conduzido antes de entrar na referida rotunda e não cedeu a passagem ao veículo de matrícula PC-… que circulava na referida rotunda.
2.8.- Ao invés, de repente, o condutor do veículo de matrícula PO…, de forma brusca, inesperada e imprevista, penetrou na referida rotunda, invadindo a faixa de rodagem por onde circulava o veículo de matrícula PC-…, tendo ocupado o espaço de passagem e circulação do veículo do Autor.
2.9.- O Autor, quando se apercebeu de tal invasão e do obstáculo à sua passagem, travou.
2.10.- Porém, dada a proximidade, não conseguiu imobilizar o veículo a tempo de evitar que o veículo por si conduzido fosse embatido pelo veículo PO….
2.11.- Em consequência, o veículo de matrícula PO… embateu com a sua frente e lateral esquerda na parte direita lateral frente do PC-….
2.12.- O condutor do ligeiro PO… não adoptou as precauções necessárias para evitar a produção do acima descrito acidente.
2.13.- Designadamente, não abrandou, nem parou o veículo antes de entrar na referida rotunda, invadindo a faixa de rodagem por onde transitava o veículo do Autor e impedindo a circulação e passagem deste.
2.14.- Acresce que, o condutor do PO… não se certificou se na referida rotunda onde pretendia entrar, via com prioridade, circulavam outros veículos, designadamente, o veículo do Autor.
2.15.- Como consequência directa e necessária do embate do PO… no PC-…, ficou este veículo com danos no guarda lamas frente direito, na aba frente direita, na frente, no avental chapa, no farol direito, na grelha com faróis, no friso grelha, no pisca direito, no jogo de spoilers, no resguardo roda, no alinhamento direcção, em três lâmpadas, e no pneu direito (185/60 R14).
2.16.- Na reparação desses danos, o autor despendeu da quantia de €1.240,92 (com IVA incluído à taxa legal).
2.17.- Os danos supra identificados afectaram os principais elementos de funcionamento e segurança do veículo.
2.18.- Em resultado do referido acidente, o veículo ficou impedido de circular.
2.19.- O veículo foi rebocado para oficina reparadora, onde ficou a aguardar peritagem e reparação, tendo aí permanecido até ao dia 26.06.2009, data da conclusão da reparação e entrega do veículo ao Autor.
2.20.- O referido veículo era utilizado pelo Autor como meio de transporte de e para o trabalho, assegurando-lhe as deslocações inerentes ao exercício da sua profissão e as respeitantes ao seu modo de viver, nomeadamente nos períodos de lazer.
2.21.- O Autor viu-se privado da utilização e das utilidades proporcionadas pelo seu veículo desde a data do acidente (13.05.2009) e até à data da conclusão da reparação e entrega do veículo pela oficina (26.06.2009).
2.22.- Para poder continuar a exercer a sua profissão e a fazer os seus actos da vida corrente, não dispondo de meio de transporte alternativo, o Autor procedeu ao aluguer de um veículo de substituição à sociedade de aluguer de veículos automóveis, C…, L.da, com sede na Rua…, Braga, entre o dia 16.05.2009 e o dia 26.06.2009.
2.23.- Com o aluguer de veículo de substituição o Autor despendeu a quantia de €1.869,60, já com IVA incluído à taxa legal.
2.24.- A 1ª Ré, por intermédio da 2ª Ré, foi interpelada para ressarcir o Autor de todos os danos emergentes do acima referido acidente, nomeadamente os aqui reclamados.
2.25. Foram feitas inúmeras diligências e contactos entre o agente de seguros do Autor e a representante da 1ª Ré em Portugal, a aqui 2ª Ré.
2.26.- No âmbito dessas diligências e contactos, a 1ª e 2ª Rés assumiram e reconheceram a responsabilidade exclusiva do seu segurado (condutor do veículo de matrícula PO…) na produção do acima referido acidente.
2.27.- A 2ª Ré propôs ao Autor o pagamento de indemnização correspondente ao valor da reparação e ao valor correspondente a cinco dias de aluguer de veículo de substituição.
2.28.- Sucede que, o Autor exigiu também o pagamento da totalidade dos custos de aluguer do veículo de substituição, bem como o prejuízo decorrente da desvalorização, proposta esta que não mereceu aceitação por parte das Rés.
2.29.- Na data do acidente, a responsabilidade civil extracontratual derivada da circulação do veículo de matrícula PO…, encontrava-se validamente transferida para a 1.ª R., através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 3000 460289.
2.30.- A 2ª Ré é representante da 1ª Ré em Portugal e assumiu e interveio na gestão e resolução extrajudicial do acidente aqui em causa.
2.31.- A 1ª Ré, directamente e por intermédio da 2ª Ré, foi interpelada extrajudicialmente para ressarcir o Autor de todos os danos emergentes do acima referido acidente, nomeadamente os aqui reclamados, o que aconteceu, inicialmente, em 02.06.2009, 04.06.2009, 09.06.2012 16.06.2009, 18.06.2009, 07.07.2009 e 14.08.2009, e, mais tarde, por diversas vezes ao longo dos anos de 2010 e 2011, maxime nos meses de Janeiro e Maio, dos anos de 2010 e 2011.
2.32.- Foram feitas inúmeras diligências e contactos entre o agente de seguros do Autor e a representante da 1ª Ré em Portugal, a aqui 2ª Ré.
2.33.- No âmbito dessas diligências e contactos, a 1ª e 2ª Rés assumiram e reconheceram a responsabilidade exclusiva do seu segurado (condutor do veículo de matrícula PO…) na produção do acima referido acidente.
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3.- Das apelações dirigidas pelas RR para as decisões interlocutórias ( rectius, decisões que não puseram termo ao processo ) proferidas em sede de Despacho saneador .
3.1.- Da apelação interposta pela Ré I.., Lda, e tendo por objecto a decisão interlocutória proferida no Despacho saneador e que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade.
Veio a Ré I.., Lda, notificada que foi do despacho saneador, interpor apelação - a 19/11/2012 - da decisão nele proferida que, com referência à excepção dilatória que deduziu na sua contestação, julgou a mesma improcedente - ao abrigo do disposto nos arts. 26.º, 288.º, n.º 1, al. d), 493.º, n.º 2, 494.º, n.º 1, al. e) e 510.º, n.º 1, al. a), todos do C.P.Civil.
Como referiu o ora relator, em sede de despacho proferido nos autos a 2/7/2013, não consubstanciando uma decisão judicial que julga improcedente uma excepção de ilegitimidade , uma decisão que, sem por termo ao processo, decide do mérito da causa, não pode a mesma caber na previsão da alínea h), do nº2, do artº 691º, do CPC, e , não cabendo outrossim numa qualquer outra alínea do nº 2, do artº 691º, do CPC , forçoso é integrar tal decisão - proferida pelo tribunal a quo e que decidiu pela improcedência da excepção de ilegitimidade suscitada pela R. “I.., LDA” - no âmbito das “restantes decisões” a que alude o artigo 691.º, nº3, do CPC, não sendo portanto ela passível de recurso autónomo, ou seja, de interposição de apelação.
Em consequência, a decisão referida, porque não impugnável imediatamente através da interposição de apelação, é apenas impugnável em momento ulterior ( cfr. artigo 691.º,nº3, do CPC ), ou seja, com o recurso que vier a ser interposto da decisão final ou do despacho previsto na alínea l) do n.º 2 do artigo 691.º .
Isto dito, e como de resto referiu já o ora relator, em sede de despacho proferido nos autos a 2/7/2013, porque até à decisão final, as decisões interlocutórias subsumíveis ao disposto no artigo 691.º, nº 3, do CPC, não são impugnáveis, nada justificando que o tribunal relegue a decisão sobre a sua admissibilidade para final, tudo aponta para que “obrigado” esteja o julgador a rejeitar o recurso que das referidas decisões interlocutórias tenha sido interposto (1), mas sem prejuízo de, a questão que do mesmo é objecto, poder ser apreciada se em sede de recurso de apelação da decisão/sentença final vier o recorrente a manifestar o competente propósito impugnativo .
Para o efeito referido ( abarcar o recurso de apelação da decisão/sentença final a apreciação da decisão interlocutória não impugnável imediatamente através da interposição de apelação ), carece portanto o apelante de - em sede de alegações e conclusões inerentes ao recurso interposto da decisão/sentença final -, além de manifestar o propósito impugnativo , indicar outrossim os respectivos fundamentos – claros, precisos e separados – e concluir de forma sintética e autonomizada nas pertinentes conclusões, sem o que, irremediavelmente comprometida fica a possibilidade da respectiva apreciação.(2)
Ora, não obstante tudo o acabado de expor, temos que, in casu, apelou de imediato a Ré I.., Lda, da decisão do a quo de improcedência da excepção de ilegitimidade que suscitou, apelação que a primeira instância admitiu, mas que de decisão se trata que não vincula o tribunal superior ( cfr. artº 685º-C, nº5, do CPC).
Por outra banda, já no âmbito da instância recursória atinente à apelação interposta da decisão/sentença final, não dirige a Ré I.. o respectivo objecto para a apreciação da decisão interlocutória de improcedência da excepção de ilegitimidade, não constando - e em coerência - das respectivas alegações e conclusões qualquer matéria com tal decisão relacionada.
No seguimento de tudo o exposto, inevitável se mostra, portanto :
- a rejeição da apelação interposta pela Ré I.., Lda, da decisão – proferida em sede de saneador - do a quo de improcedência da excepção de ilegitimidade que suscitou;
- o não conhecimento no âmbito da instância recursória atinente à apelação interposta pela Ré I.., Lda , e da decisão/sentença final , do acerto da decisão interlocutória do a quo no tocante à decidida improcedência da excepção de ilegitimidade pela mesma ré suscitada.
3.2.- Da apelação interposta pelas Rés I.., Lda. e H.. International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A, e tendo por objecto a decisão interlocutória proferida no Despacho saneador e que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição que deduziram nas respectivas contestações.
Com referência às excepções peremptórias da prescrição deduzidas por cada uma das RR referidas nas respectivas contestações ( com fundamento no facto de, sendo in casu aplicável a lei espanhola, o direito do Autor já se encontra prescrito, pois que, sendo o prazo de prescrição o de apenas um ano a contar da ocorrência do sinistro, o certo é que qualquer das RR foi citada para a presente demanda já depois de ter ele decorrido, a que acresce que não receberam as Rés qualquer notificação do Autor no sentido de interromper o prazo de prescrição ), decidiu o tribunal a quo ( logo em sede de Despacho saneador ) pela respectiva improcedência .
Para tanto, aduziu o Exmº Juiz a quo, em parte, as seguintes e breves considerações :
“ Nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 1, do C.C., a responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo e, em caso de responsabilidade por omissão, pela lei do lugar onde o responsável devia ter agido.
Por sua vez, acrescenta o n.º 3, do mesmo preceito legal, que se o agente e o lesado terem a mesma nacionalidade ou a mesma residência habitual, encontrando-se ocasionalmente em pais estrangeiro, a lei aplicável é, não a da prática do acto ou omissão, mas a da nacionalidade ou residência.
Ora, no caso em apreço, considerando como pacífico entre as partes que o acidente de viação em discussão nos autos ocorreu em Espanha, que o seu condutor e ora autor tem nacionalidade portuguesa, que o autor e condutor do veículo reside em Portugal, e que o veículo conduzido pelo autor tem matrícula portuguesa, a lei a aplicar ao caso será necessariamente a lei portuguesa, com excepção das normas que disciplinam o trânsito, caso em que se aplicará a lei espanhola (cfr. nesse sentido o Ac. STJ processo n.º 258/04.6TBNRA.E1.S1, 2.ª secção, relator Mm.º Sr. Dr. Juiz Conselheiro Oliveira Rocha).
Concluindo-se, assim, que a legislação aplicável ao caso e à excepção em apreço é a legislação portuguesa, importa agora determinar se à luz desta o direito do autor está efectivamente prescrito, como alegam as RR.
Ora, dispõe o art. 498º, nº 1 do Cód. Civil que o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
Por outro lado, nos termos do art. 323.º, do C.C., a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (n.º 1).
Com efeito, a interrupção da prescrição apenas se opera pela citação ou notificação judicial de qualquer acto mediante o qual se exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito (cfr. n.º 1, do art. 323.º do CC), já que o instituto da prescrição visa evitar que as relações jurídicas permaneçam durante longos períodos numa situação de indefinição, envolvendo também uma sanção para o credor negligente que não curou, em tempo oportuno de exercer os seus direitos.
Não obstante isso, a prescrição tem-se por interrompida decorridos cinco dias após a entrada da petição, na Secretaria do Tribunal, se a citação se não fizer no decurso desse prazo, por motivos não imputáveis ao Autor (cfr. artigo 323.º, n.º 2, do C.C. E Acs. RL. de 22.07.1980, CJ, T4, pág. 102; de 19.05.1981, CJ, T. 3, pág. 44 e STJ de 30.11.1972 in BMJ n.º 221 pág. 222). - cfr. n.º 2 do art. 323º do Código Civil.
No caso vertente, considerando que o acidente ocorreu em 13 de Maio de 2009 e que a petição inicial deu entrada neste Tribunal no dia 24 de Abril de 2012, é forçoso concluir que a prescrição tem-se por interrompida em 30.04.2012. E neste contexto, por força do regime jurídico acabado de expor, é ponto assente que o direito do autor não está prescrito.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgo improcedente a excepção peremptória de prescrição suscitada pelas RR..”
Ora Bem.
É consabido que o regime recursório português adopta o modelo de recurso de reponderação (3), que não o do reexame, sendo assim o objecto do recurso a decisão recorrida, ou seja, ao tribunal ad quem incumbe tão só aferir/controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, foi tal decisão a correcta/acertada.
Daí que, em rigor, mais não visam os recursos ordinários que não seja a reapreciação da decisão proferida, o que tudo deve ser efectuado e tendo como pressuposto exactamente os mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento da respectiva prolação.
Isto dito, e para aferir da correcção da decisão apelada, importa pois in casu considerar como únicos factos não controvertidos/assentes ( cfr. artº 490º,nºs 1 e 2, do CC), aquando da prolação do despacho saneador, apenas os seguintes , ou seja, que :
- No dia 13 de Maio de 2009, na localidade de VILLAGARCIA DE AROSA, na GALIZA, em ESPANHA, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula PC-.., propriedade do Autor e conduzido por M.., e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula PO.., propriedade de J.., e por ele conduzido;
- Como consequência directa e necessária do embate do PO .. no PC-.., ficou este veículo danificado;
- A Ré I.., Lda , foi citada para a presente demanda em Abril de 2012, e, a Ré H.. , em Maio de 2012;
- O Autor tem residência em Amares, Portugal.
Aqui chegados, e tendo presente a factualidade acabada de apontar/indicar, é tempo, de seguida, de aferir se permite ela, como o considerou implicitamente o tribunal a quo, decidir desde logo e em sede de despacho saneador do mérito da excepção peremptória da prescrição, maxime pela respectiva improcedência ( cfr. artº 510º, nº1, alínea b), do CPC).
Ora, sendo incontroverso que in casu, em razão da causa petendi delineada pelo autor/apelado na respectiva petição inicial ( a ocorrência de um acidente rodoviário em território Espanhol e do qual veio o veículo do autor, residente em Portugal, a sofrer danos), está em causa uma acção cujo pedido assenta em “ilícito” enquadrado em instituto civil da responsabilidade extracontratual, podendo o respectivo regime substantivo aplicável ser aquele que resulta do ordenamento jurídico de Espanha , ou , por outra banda, do ordenamento jurídico de Portugal ( verificando-se em rigor, uma situação que envolve um conflito de leis), importa de imediato decidir qual dos dois é aquele que deve regular o thema decidendum, se a lei espanhola, como o sustentam as apelantes , se a lei portuguesa, como o decidiu o a quo e cuja decisão merece a concordância do apelado.
Para o efeito, e começando pela análise do dispositivo legal do CC ( norma de conflitos do artº 45º, do CC ) invocada pelo Exm Juiz a quo no âmbito da decisão apelada, diz-nos o artº 45º do CC que :
“ 1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo;em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.
2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.
3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas”.
Comentando a acabada de transcrever disposição legal, dizem-nos Pires de Lima e Antunes Varela (4) que, qual regra geral, estabelece o seu nº1 que a matéria de responsabilidade civil – tudo o que como tal é qualificado nos artºs 483º e segs. do CC - está sujeita à lei do lugar onde se exerceu a actividade do agente ou, no caso de omissão, onde ela devia ter sido exercida ( lex loci delicti ), consagrando por sua vez já os restantes nºs 2 e 3, duas excepções à mesma regra.
Já a primeira excepção [ a do nº 2 e ainda segundo Pires de Lima e Antunes Varela (5) ], prevê a possibilidade de “não havendo lugar a responsabilidade segundo a lei competente para a fixar, o agente dever, todavia, prever a lesão e ela se ter verificado em país que o considera responsável “ ( fixa-se portanto como a competente a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo ).
Dito de uma outra forma (6), “para efeitos do art. 45.º, n.º 2, do CC, serão o lugar e o momento da lesão – do interesse ou bem jurídico tutelado – que estabelecem o direito aplicável e não o lugar do dano, posto que o efeito lesivo pode registar-se num Estado diverso daquele em que decorreu a actividade causadora do efeito.
Explicitando qual o alcance da norma de conflitos contida nos nº s 1 e 2 do art. 45.º, e socorrendo-nos ( data vénia ) da citação contida no Ac. do STJ de 11/4/2013 ( supra indicado ), diz-nos Luís de Lima Pinheiro (7) que representa ela “ uma conjugação do critério do lugar do delito, que é a tradicional nesta matéria, com o critério do lugar dos efeitos. Esta conjugação é feita segundo a ideia de alternatividade, de aplicação da lei mais favorável ao lesado. Mas não é uma pura conexão alternativa. Em princípio aplica-se a lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo. Só se esta não considerar o agente responsável é que caberá examinar se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo dá solução diferente. O lugar onde se produz o efeito lesivo é aquele em é lesado o bem jurídico protegido e não aquele em que se produz o dano”.
Por fim, a segunda excepção à regra geral da aplicação da lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo, a prevista no nº 3, alude à eventualidade de o agente e o lesado terem a mesma nacionalidade ou a mesma residência habitual , e encontrarem-se ocasionalmente em país estrangeiro, caso em que, já não se aplicará a lei local referida no nº1, mas a lei da nacionalidade ou da residência ( lex communis ). (8)
Postas estas breves considerações, todas elas relacionadas com a norma de conflitos do artº 45º do CC, e tendo presente a factualidade assente aquando da prolação do despacho saneador - a acima indicada - , importa desde logo considerar afastada a primeira das excepções à regra geral do respectivo nº1, pois que, também o Código Civil Espanhol, no respectivo artº 1902.º, e ao dispor que “ El que por acción u omisión causa daño a otro, interviniendo culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado”, considera o agente como responsável pelos danos causados . (9)
De igual forma, a segunda das excepções supra indicadas ( a do nº3, do artº 45º), é também de afastar já que, não permite de todo – antes pelo contrário – a factualidade alegada e assente concluir estar-se na presença de agente e lesado com a mesma nacionalidade, ou na falta dela, com a mesma residência habitual, e encontrarem-se ambos ocasionalmente em país estrangeiro.
Ora, impondo-se portanto o afastamento das duas excepções plasmadas nos nºs 2 e 3 do art 45º, resta a aplicação in casu da regra geral do nº1, ou seja, a que “obriga” a que o facto desencadeadora de responsabilidade extracontratual seja regulado pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo, que é o mesmo que dizer o local do facto jurídico - acidente de viação - que dá origem aos danos .
Em suma, por força e à luz do nº1, do artº 45º, do CC, inquestionável é que, in casu, a lei aplicável ao litígio é a lei civil espanhola, que não a lei portuguesa e tal como o veio a concluir (com base em pressupostos não claramente explanados e apreensíveis, pois que invoca em apoio do decidido o Ac. do STJ de 12/11/2009, processo n.º 258/04.6TBNRA.E1.S1, aresto este que, porém, alude a fattispecie subsumível à previsão do nº 3, do artº 45º, do CC, ou seja, a situação em que o agente e o lesado têm a mesma nacionalidade ou a mesma residência habitual e encontram-se, ocasionalmente, em país estrangeiro ) o tribunal a quo .
Sucede que, importa não olvidar, incide o objecto do processo sobre facto danoso desencadeador de obrigação extracontratual e que ocorreu em 13/3/2009, mostrando-se portanto o mesmo sob a alçada do REGULAMENTO (CE) n.º 864/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 11 de Julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), pois que, dispondo o respectivo Artigo 31º que “ O presente regulamento é aplicável a factos danosos que ocorram após a sua entrada em vigor“, logo o artº seguinte preceitua que “ O presente regulamento é aplicável a partir de 11 de Janeiro de 2009, com excepção do artigo 29º , que é aplicável a partir de 11 de Julho de 2008”. (10)
Sendo o referido regulamento obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia [ de acordo com o artº 249º do TCE, depois de aprovado o regulamento vigora directamente no território dos Estados – entram em vigor no território comunitário e ficam de pleno direito, automaticamente, incorporados no ordenamento jurídico interno – e sem necessidade de um qualquer acto de recepção ], e porque as regras de direito comunitário primam sobre o direito interno - princípio este que foi desenvolvido em jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal de Primeira Instância - , resta de seguida aferir se , em resultado da sua aplicação ao caso sub judice, se impõe antes a aplicação da Lei do ordenamento jurídico português , que não a Lei Espanhola (o Código Civil Espanõl).
Ora, com interesse para a referida matéria, reza o Artº 4º, nº1, do referido Regulamento (CE) nº 864/2007, sob a epígrafe de “Regra geral” e inserido no respectivo Capítulo II ( que trata da RESPONSABILIDADE FUNDADA EM ACTO LÍCITO, ILÍCITO OU NO RISCO ), que “ Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em acto lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas desse facto “.
Por sua vez, dispõe o nº2, da mesma disposição do Regulamento (CE), que “ Todavia, sempre que a pessoa cuja responsabilidade é invocada e o lesado tenham a sua residência habitual no mesmo país no momento em que ocorre o dano, é aplicável a lei desse país”.
Já em sede de “Considerandos” [ (15) a (17) ] - , diz-nos o mesmo Regulamento que “ Embora o princípio lex loci delicti commissi constitua a solução de base em matéria de obrigações extracontratuais na quase totalidade dos Estados-Membros, (…) “ , porque “ A conexão com o país do lugar onde o dano directo ocorreu ( lex loci damni ) estabelece um justo equilíbrio entre os interesses da pessoa alegadamente responsável e do lesado e reflecte a concepção moderna da responsabilidade civil, assim como a evolução dos sistemas de responsabilidade objectiva”, “A lei aplicável deverá ser determinada com base no local onde ocorreu o dano, independentemente do país ou países onde possam ocorrer as consequências indirectas do mesmo. Assim sendo, em caso de danos não patrimoniais ou patrimoniais, o país onde os danos ocorrem deverá ser o país em que o dano tenha sido infligido, respectivamente, à pessoa ou ao património “.
Finalmente, ainda em sede de considerandos, refere o Regulamento em análise que “A regra geral consagrada no presente regulamento deverá ser a lex loci damni, prevista no n.º 1 do artigo 4.º. O nº 2 do artigo 4º deverá ser visto como uma excepção a este princípio geral, criando uma conexão especial caso as partes tenham a sua residência habitual no mesmo país. O n.º 3 do artigo 4º deverá ser entendido como uma «cláusula de salvaguarda» relativamente aos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, se resultar claramente do conjunto das circunstâncias do caso que a responsabilidade fundada em acto lícito, ilícito ou no risco apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com outro país.”
No seguimento do acabado de expor, manifesto é que, ao invés do que se verifica no âmbito do Código Civil Português, que no respectivo artº 45º,nº1, perfilha/adopta a clássica regra do direito internacional privado positivo que estabelece a lei do lugar onde o acidente ocorreu, ou seja, a norma vigente no lugar em que o acto danoso é cometido ( loci delicti commissi ), como a aplicável, vem por sua vez a ordem jurídica comunitária a adoptar como regra geral aplicável em sede de responsabilidade fundada em acto ilícito ou no risco, a Lex damni, ou seja, a lei do lugar onde o dano é sofrido.
Dito de uma outra forma, ao invés da lex loci delicti commissi ( lei do lugar onde ocorre o facto gerador do dano), adopta o Regulamento (CE) nº 864/2007 e como regra geral aplicável em matéria de obrigações extracontratuais , a lex loci damni , a lei do lugar onde ocorreu o dano, preferindo-se a lei do país em que ocorreu o dano à Lei do país em que o facto gerador do dano se verificou, sendo que, na maioria dos casos, vem ela a corresponder à lei do país de residência da pessoa lesada ( sendo fácil de entender o porquê, pois que, por regra, é no país da respectiva residência que o lesado tem localizado o centro das suas relações sociais e intervém no tráfico jurídico, sendo portando nele que suporta o dano patrimonial). (11)
Por outro lado, ainda em razão do disposto no artº 4º, nº1, do Regulamento (CE) nº 864/2007, importa precisar que, para efeitos de escolha/aplicação da Lex damni, o que deve relevar é o lugar onde ocorre o dano directo, o qual não se confunde com o local da lesão, e isto pese embora, frequentemente, coincidam. (12)
Ora, a propósito do conceito de dano, e começando por destrinçar o de dano real do de dano patrimonial ( sendo o primeiro o prejuízo in natura que o lesado sofreu, ou a lesão causada no interesse juridicamente tutelado e que reveste as mais das vezes a forma de destruição ou deterioração de certa coisa, como os estragos causados no veículo e, o segundo, o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado), diz-nos Antunes Varela (13) que, justificando-se outrossim destrinçar os danos directos dos indirectos, os primeiros, "são os efeitos imediatos do facto ilícito ou a perda causada nos bens ou valores juridicamente tutelados", e que os segundos, "são as consequências mediatas ou remotas do dano directo".
Isto dito, e tendo presente que em sede de concretização do conceito de dano , no respectivo considerando 17 do regulamento Roma II, diz-se que a lei aplicável deverá ser determinada com base no local onde ocorreu o dano, independentemente do país ou países onde possam ocorrer as consequências indirectas do mesmo, sendo que, em caso de danos não patrimoniais ou patrimoniais, o país onde os danos ocorrem deverá ser o país em que o dano tenha sido infligido, respectivamente, à pessoa ou ao património, temos para nós que para efeitos de aplicação da Lex damni o que deve relevar é o local/País onde ocorre o dano patrimonial directo, que não o dano real ( in casu o local da lesão ou dos estragos causados no veiculo do autor/apelado).
Em suma, e servindo-nos de alguma jurisprudência do TJUE no âmbito de interpretação do conceito de dano, dir-se-á que o lugar do dano é aquele onde “o prejuízo foi materializado”, sendo “ o lugar de materialização do prejuízo o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos danosos em relação à vítima “. (14)
Aqui chegados e apetrechados das considerações acabadas tecer, é nossa convicção que dispõe-se já dos elementos necessários para se poder concluir, em face do REGULAMENTO (CE) n.º 864/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 11 de Julho de 2007, qual a Lei in casu aplicável , importando tão só recordar que, na respectiva petição inicial, alegou o apelado que :
- Como consequência directa e necessária do embate do PO.. no PC-.., ficou este veículo danificado, sendo que, tendo solicitou à oficina “AUTO..”, de J.., Amares, a reparação integral dos mesmos, despendeu a quantia de € 1.240,92;
- Os danos afectaram os principais elementos de funcionamento e segurança do Veículo, tendo ficado impedido de circular e, tendo sido rebocado para oficina reparadora, onde ficou a aguardar peritagem e reparação, nela permaneceu até ao dia 26.06.2009, data da conclusão da reparação e entrega do veículo;
- tendo ficado privado da utilização e das utilidades proporcionadas pelo seu veículo desde a data do acidente (13.05.2009) e até à data da conclusão da reparação e entrega do veículo pela oficina (26.06.2009), procedeu ao aluguer de um veículo de substituição à sociedade de aluguer de veículos automóveis, C..,Lda, tendo despendido a quantia de €1.869,60, já com IVA incluído à taxa legal;
- Porque o embate afectou os principais elementos de funcionamento e segurança do veículo, designadamente: a blindagem inferior e a zona da roda da frente do lado direito e, apesar da reparação, deixou ele de ter o valor comercial que tinha antes do acidente, sofreu uma perda de valor comercial ou de mercado, de pelo menos 2.000,00 euros.
Ora, porque todos [ não está em causa, sequer, uma situação de plurilocalização de danos , caso em que poder-se-ia equacionar a possibilidade de aplicação da lei do lugar onde se verificassem os efeitos principais da actuação, i.e., o lugar onde os bens jurídicos do interessado fossem mais fortemente prejudicados ] os danos patrimoniais indicados e peticionados pelo lesado - quer os directos, que o indirecto, neste último apenas se integrando o decorrente do aluguer do veículo de substituição -, que não o dano real, foram pelo apelado sofridos/suportados no Estado da respectiva residência ( também o decorrente da alegada desvalorizarão do veículo só pode ser equacionado/aferido desde que com referência ao País da respectiva matricula ), o de Portugal, forçoso é concluir-se que, por força do disposto no artº 4º, nº1, do referido Regulamento (CE) nº 864/2007, a Lei aplicável só pode/deve ser o Código Civil aprovado pelo DL nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966. (15)
E, sendo assim sendo, prescrevendo o direito de indemnização no prazo de três anos, prazo que começa a correr quando o direito puder ser exercido, e , interrompendo-se a prescrição pela citação, quando efectuada ou logo que decorra o prazo de cinco dias depois de requerida ( cfr. artºs 306º, 323º, nºs 1 e 2, e 498º,nº1, todos do CCivil ) manifesto é que, in casu, tendo a acção sito intentada a 24/4/2012 e o acidente ocorrido a 13 de Maio de 2009, nada justifica a revogação da decisão interlocutória proferida no Despacho saneador e que julgou improcedente a excepção da prescrição .
É que, tendo a petição inicial dado entrada no Tribunal a quo no dia 24 de Abril de 2012, forçoso é concluir que a prescrição tem-se por interrompida em 29-04-2012, ou seja, muito antes ainda do decurso do supra referido prazo de 3 anos .
Destarte, ainda que com base em fundamentos diversos dos invocados pelo a quo, impõe-se a improcedência das apelações interpostas pelas Rés. *
4. Das apelações dirigidas pelas RR H.. International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A, e I.., Lda para a decisão/sentença que pôs termo ao processo.
Decorre à saciedade das respectivas conclusões, que , a impugnação dirigida [ em sede das apelações interpostas pelas RR , e tendo por objecto a decisão/sentença que pôs termo ao processo ] pelas apelantes à decisão proferida pelo a quo relativa à matéria de facto, teve por desiderato alterar/modificar , apenas, as respostas conferidas a pontos de facto controvertidos e susceptíveis de alicerçar e justificar a modificação do “julgamento” efectuado pelo a quo no tocante à questão da excepção peremptória da prescrição.
Ou seja, e em rigor, não visa a instância recursória das apelações interpostas por ambas as RR a imediata alteração/revogação ( cfr. nº1, do artº 685º-A, do CPC ) da sentença proferida pelo a quo a 29/1/2013 ( indicada no item 1.4. do presente acórdão ), por alegadamente padecer a mesma de um qualquer error in judicando, de facto e/ou de direito, antes almejam as apelantes, como que acautelando/antecipando uma decisão favorável do Tribunal “ad quem” (no âmbito dos recursos de apelação interpostos ) direccionada para a decisão interlocutória que julgou improcedente - em sede de saneador - a excepção peremptória da prescrição, modificar concretos pontos de facto que para o julgamento ex novo da referida questão seriam no respectivo entendimento pertinentes.
Ora, em razão do decidido por este Tribunal no tocante às apelações dirigidas para a decisão interlocutória que julgou improcedente - em sede de saneador - a excepção peremptória da prescrição, temos assim que, inquestionavelmente, o conhecimento do objecto das apelações direccionadas para a sentença que pôs termo ao processo se mostra prejudicado pela solução dada às apelações referidas em primeiro lugar ( cfr. artº 660º,nº2, ex vi do 713º,nº2, ambos do CPC).
Destarte, e porque o mérito da sentença apelada não é minimamente posto em causa nas apelações de ambas as RR, deve assim a referida sentença manter-se.
*
5.- Sumariando :
I - Estando em apreciação um acidente de viação ocorrido em Espanha, em que é lesado um cidadão português, e porque ocorrido ele após 11/1/2009, impõe-se que a Lei aplicável em sede de responsabilidade extracontratual seja aferida à luz do REGULAMENTO (CE) nº 864/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 11 de Julho de 2007.
II - O referido em I revela-se decisivo em sede de aferição da Lei aplicável pois que, se o artº 45º,nº1, do CCivil , opta pela escolha, como regra geral e em sede de responsabilidade extracontratual, da lex loci delicti commissi , já o Artº 4º, nº1, do referido Regulamento (CE) nº 864/2007, sob a epígrafe de “Regra geral” e inserido no respectivo Capítulo II , elege ao invés a Lex damni como sendo a Lei aplicável, como regra geral .
III - Para efeitos de eleição da Lex damni referida em II, o que releva é o país onde ocorre o dano ( o dano patrimonial e/ou moral, que não o dano real ) , independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas do facto desencadeador da obrigação de indemnização.
IV - Em rigor, e no seguimento de alguma jurisprudência do TJUE no âmbito de interpretação do conceito de dano, dir-se-á que o lugar do dano é aquele onde “o prejuízo é materializado”, sendo “ o lugar de materialização do prejuízo o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos ( na esfera patrimonial e/ou moral ) danosos em relação à vítima .
V - Sendo aplicável a Lei Portuguesa e tendo a acção sido intentada quando faltavam ainda mais de 5 dias para decorrer o prazo de prescrição de 3 anos do artº 498º,nº1, do CCivil, e considerando o disposto no nº2, do artº 323º, do mesmo diploma legal, manifesto é que não se verifica a prescrição do direito pelo autor invocado.
*
6. - Decisão.
Termos em que, acordam os Juízes na 2 dª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em :
6.1.- Rejeitar a apelação interposta pela Ré I.., Lda, da decisão interlocutória proferida pelo a quo no Despacho saneador e que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade invocada pela mesma Ré ;
6.2.- Julgar improcedente as apelações interposta pelas Rés I.., Lda, e H.. International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A., da decisão interlocutória proferida pelo a quo no Despacho saneador e que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição por ambas deduzida ;
6.3.- Não conhecer do objecto das apelações interpostas pelas Rés I.., Lda, e H.. International (España) Cia de Seguros Y Reaseguros, S.A., da sentença que pôs termo ao processo , por se revelar tal conhecimento prejudicado, devendo assim a referida sentença manter-se.
Custas pelas apelantes.
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(1) Cfr. Salazar Casanova e Nuno Salazar Casanova , Apontamentos sobre a reforma dos recursos (decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto ), in Revista da Ordem dos Advogados , Ano 2008 , Ano 68 - Vol. I - Jan. 2008, pág. 84.
(2) Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 84/86.
(3) Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra, 2009, págs. 50 e 51.
(4) In CC anotado, Vol. I , 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 68/69.
(5) Ibidem.
(6) Cfr. Ac. do STJ de 11/4/2013, proc. nº 186/10.6TBCBT.S2 e disponível in www.dgsi.pt.
(7) In Direito Internacional Privado - Parte Especial (Direito de Conflitos - Parte Especial), Volume II, 3.ª edição refundida, 2009, pág. 413, e em Estudos de Direito Internacional Privado – Direito de Conflitos, Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, 2006, pág. 215.
(8) Cfr. P de Lima e A.Varela, ibidem , pág. 69.
(9) O Código Civil Espanõl encontra-se disponível v.g. no site da Universidad Complutense de Madrid, podendo ao mesmo aceder-se através de http://www.ucm.es/info/civil/jgstorch/leyes/ccivil.htm.
(10) O Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção), no Ac. de 17/11/11, processo C-412/10), concluiu que: “Os artigos 31° e 32° do Regulamento (CE) n° 864/2007, lidos em conjugação com o artigo 297° TFUE, devem ser interpretados no sentido de que um órgão jurisdicional nacional deve aplicar o regulamento unicamente aos factos, geradores de danos, ocorridos a partir de 11 de Janeiro de 2009 e que a data de propositura da acção de indemnização ou a data da determinação da lei aplicável pelo órgão jurisdicional competente não são relevantes para efeitos da definição do âmbito de aplicação no tempo deste regulamento”, cfr. Ac. do STJ de 1/3/2012, Proc. nº 186/10.6TBCBT.S1, in www.dgsi.pt.
(11) Cfr P. Wüllrich, Das Persönlichkeitsrecht des Einzelnen im Internet, JWV, 2006, citado por Elsa Dias Oliveira , infra , pág. 158.
(12) Cfr. Elsa Dias Oliveira, Professora auxiliar da Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, in ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE PERSONALIDADE EM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, pág.150, Cuadernos de Derecho Transnacional (Marzo 2013), Vol. 5, Nº 1, pp. 139-162 ISSN 1989-4570 - www.uc3m.es/cdt.
(13) In das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª edição, pág. 493.
(14) Cfr. ponto 28 do acórdão Shevill, Acórdão do TJCE de 7 de março de 1995, Proc. C-68/93, citado por Elsa Dias Oliveira , ibidem.
(15) No sentido defendido no presente Ac., decidiu já o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 31/1/2011, Proc. 545/10.4TJPRT.P1, in www.dgsi.pt.
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Guimarães, 29/9/2013
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte