Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1497/11.9TBVVD.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª CÍVEL
Sumário: I- Na acção de reivindicação, recai sobre o autor o ónus de alegação e prova, em todas as suas cambiantes, de uma forma de aquisição originária da propriedade (como a ocupação - art.1318º do C.C., a usucapião – art.1287º do C.C., ou a acessão – art. 1325º do C.C) ou a presunção resultante do registo predial, sob pena de a sua pretensão ser desatendida
II- Não abrangendo a presunção registral as características do prédio inscrito, nomeadamente, as confrontações, a linha divisória entre este prédio e os que com ele confrontam, não estava o A. dispensado de fazer a prova da aquisição originária da referida parcela, juntamente com a prova dos factos em que se traduz a alegada ocupação abusiva, por parte dos RR..
III- E, tendo sido alegada a materialidade consubstanciadores dessa aquisição originária, sem que tenha sido considerada na materialidade controvertida e sujeita a actividade instrutória, deverá a Relação determinar a ampliação da matéria de facto, pois que, tal factualidade, desconsiderada, é susceptível de influenciar a decisão da causa.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA…
Recorridos: BB… e mulher, CC…

Tribunal Judicial de Vila Verde – Instância local – Secção Cível.

AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação destes a:
- Reconhecerem que o A. é dono e legítimo proprietário do prédio id. no artº 1º da p.i.;
- Reconhecerem que do mencionado prédio faz parte a parcela de terreno id. nos artºs 11º, 12º, 14º, 15º, 28º e 38º do referido articulado; a restituírem ao A. a mencionada parcela de terreno, demolindo os muros sobre a mesma construídos pelos RR., repondo o prédio do A. no seu status ante;
- Absterem-se de praticar qualquer acto que possa lesar o exercício pelo A. do direito de propriedade e da posse sobre o mencionado prédio; a pagarem ao A. indemnização por perdas e danos patrimoniais e não patrimoniais, as liquidar em execução de sentença.
Regularmente citados, os RR. apresentaram articulado de contestação, impugnando os factos alegados pelo A..
Em sede de saneamento dos autos, a instância foi considerada válida e regular.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do pertinente formalismo legal.
Realizado o julgamento, foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto controvertida, sendo proferida sentença que julgou parcialmente procedente a presenta acção.
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o Autor, das quais extraiu as seguintes conclusões:
“1. O Recorrente salvo o devido respeito, não se conforma com o teor da sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo, porquanto aquela assenta numa errónea avaliação dos factos, de toda a prova (documental, por confissão, testemunhal, gravada em audiência de discussão e de julgamento), e de Direito.
2. O Recorrente entende que todos formulados deveriam ter sido julgados procedentes, por serem totalmente provados.
3. Recorrente e Recorridos são proprietários e possuidores de prédios contíguos, cuja delimitação se definia pelos sinais e vestígios, nomeadamente por marcos, pedras, vegetação e uma mina, que existiam no local, e ainda pelo alinhado pela "esquina" da casa que se localiza a Nascente do prédio dos Recorridos, nomeadamente a casa do Sr. António ….
4. Após a construção do muro de vedação da moradia dos Requeridos, a Nascente do seu prédio que se prolongava no sentido Sul/Norte até alcançar o ponto da estrema com o prédio do Recorrente, os Recorridos iniciaram a construção do muro de vedação a Norte, no sentido Nascente/Poente, na estrema entre os referidos prédios, tendo procedido à abertura da necessária vala para as suas fundações e colocação dos taipais;
5. Acontece que após a construção de alguns metros do referido muro no sentido Nascente/Poente, os Recorridos interromperam a sua construção naquele local da estrema entre os dois prédios, tendo ordenado que se prolongasse o muro de vedação a Nascente do seu prédio, no sentido Sul/Norte, em mais de 7 metros, o que se traduziu nos pedidos provados e invasão e ocupação não consentida no prédio do aqui Recorrente.
6. Agora no ponto mais a Norte daquele muro prolongado, os Recorridos iniciaram a construção de um novo muro de vedação a Norte, que se prolonga no sentido Nascente/Sul até à sua intercepção com o muro de vedação que seria construído a Poente do seu prédio.
7. Interpelados para pararem de imediato com aquela construção, os Recorridos ignoraram por completo as interpelações do Recorrente, tendo ordenado a prossecução da obra.
8. Com tal acto, os Recorridos ocuparam e invadiram o prédio do Recorrente de forma abusiva e não consentida, dividindo o mencionado prédio e vedando o acesso pelo Recorrente a uma parcela do seu terreno, com a área de 260 m2, que lhe viu ser abusivamente retirada.
9. Acresce que, aquando do início da construção da referida moradia dos Réus, aqueles mandaram proceder à limpeza do terreno, tendo destruído e eliminado alguns dos referidos sinais e vestígios que, no local, indicavam a delimitação vegetação;
10. Acresce que, outros sinais da delimitação entre dos dois prédios, nomeadamente marcos e os dois referidos prédios do Recorrente e Recorridos foram removidos com auxílio de um tractor e máquina retroescavadora, bem como foram destruídos os vestígios das fundações do início da construção do muro que antes haviam os Recorridos edificado no exacto local da estrema entre os dois prédios.
11. A construção do referido muro na forma descrita impede e priva o Recorrente e os seus familiares de acederem, usarem, ocuparem e fruírem daquela parcela de terreno que lhes pertence e que foi abusivamente retirada e ocupada pelos Recorridos, com a área de 260 m2, ficando prejudicada por esse facto a normal rentabilidade económica daquele terreno, situação que causa no Recorrente um enorme desgosto, revolta, indignação e incómodo.
12. A Meritíssima Juiz a qua, na fundamentação da sua decisão, decidiu que produzida a prova resultou não provada a seguinte factualidade:
a) O prédio ido em 1. dos factos provados possui uma área total de 1120 m2, dos quais 260 m2 se encontram a ser ocupados pelos RR., sem o consentimento e contra a vontade do A., tendo sobre aquela parcela os mesmos erigido parte do muro de vedação mencionado em 5.;
b) Com vista à construção e ocupação descri tas em a), os RR. promoveram a destruição e/ou eliminação dos sinais e vestígios que, no local, indicavam a delimitação do prédio ido em 1. dos factos provados, na respectiva estrema sul;
c) A conduta levada a cabo pelos RR., em resultado da construção do referido muro, impede, perturba e priva o A. e seus familiares de cultivar, ocupar e fruir por inteiro o prédio ido em 1. dos factos provados, designadamente a parcela de terreno ido em a) ; d) Tudo o que vem causando desgosto ao A.
13. Salvo o devido respeito, esta factualidade dada como não provada foi incorrectamente julgada, pois conciliando a prova documental junta aos autos, nomeadamente a certidão da Conservatória do Registo Predial, a planta topográfica e as fotografias com os depoimentos da prova testemunhal obtidos em sede de audiência de discussão e julgamento e que se encontram gravados, impunha-se uma decisão diferente relativamente à matéria de facto dada como não provada, assim como quanto à improcedência dos pedidos formulados pelo Autor.
14. Acresce que na douta Sentença não é feita uma análise crítica dos documentos juntos pelos Recorrentes e Recorridos, nem tão pouco é feita referência relativamente às plantas j untas pelos Recorridos não corresponderem à realidade, donde decorre que a casa construída pelos Recorridos não se encontra implantada no local indicado na planta que juntaram aos autos, o que implica a indução em erro das testemunhas quando confrontadas com aquele documento.
15. Salvo melhor opinião, parece ser de considerar provado do confronto da planta topográfica com a certidão da Conservatória do Registo Predial referente ao prédio do Autor/Recorrente, que aquele tem a área de 1120m2.
16. A referida planta topográfica permite aferir e provar não só a área do prédio do Autor/Recorrente, como a configuração daquele, identificação dos seus limites, estremas, assim como da parcela ocupada, prova que é corroborada pelos depoimentos das testemunhas.
17. Os depoimentos das diversas testemunhas apresentadas pelo Recorrente, nomeadamente José …revelam-se cruciais para a prova dos factos erroneamente julgados como não provados na Sentença de que ora se recorre.
18. Do depoimento das diversas testemunhas, as quais foram confrontadas em sede de audiência de discussão e de julgamento com a referida planta topográfica junta aos autos pelo Autor e fotografias, resulta que:
a) O prédio do Recorrente, identificado em 1 dos factos provados, encontra-se ocupado pelos Recorridos, em cerca de 260 m2, sem o consentimento do Recorrente, tendo sido, naquela parcela ocupada, erigida parte do muro de vedação do prédio identificado no ponto 5 da matéria de facto provada da fundamentação da Sentença, incorporando dessa forma aquela parcela naquele prédio;
b) Tal ocupação resultou do prolongamento do muro de vedação do prédio dos Recorridos do lado Nascente, para além da estrema a Norte na confrontação do prédio do Recorrente, em cerca de mais 7 metros, e a imediata construção de novo muro de vedação desse ponto a Norte no sentido Nascente/Poente, até ao ponto a Norte do lado Poente, dando à parcela ocupada a forma triangular.
c) Os Recorridos na sua contestação confessam que inicialmente construíram um muro na estrema Norte do seu prédio, cujos vestígios das suas fundações se encontram documentados, e que foi interrompido para ser construído um muro, cuja construção se iniciou 7 metros a Norte daquele, prolongando o muro da vertente a Nascente nessa medida.
d) O ponto estrema a Norte do lado Nascente entre o prédio do Recorrente e dos Recorridos situa-se na esquina da entrada da casa do Sr. António …, coincidente com o muro que os Recorridos iniciaram a construção que foi posteriormente abandonada, identificada nas fotografias juntas aos autos - doc. 6 e 7 da P.I.;
e) Esses sinais foram eliminados com a limpeza do prédio dos Recorridos aquando do início da construção da moradia que erigiram no seu terreno, os quais indicavam a delimitação do prédio do Recorrente, na respectiva estrema sul;
f) Apesar de interpelados, os Recorridos não se abstiveram na sua conduta, a qual em resultado da construção do referido muro, impede, perturba e priva o A. e seus familiares de cultivar, ocupar e fruir por inteiro o prédio identificado em 1 dos factos provados, designadamente a referida parcela de terreno ocupada;
19. O Recorrente, com o devido respeito por melhor opinião, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que concerne à não condenação dos Recorridos no pedido integral em sede desta decisão, por entender que o Tribunal recorrido encontrou, no desenrolar dos autos, prova suficiente que lhe permitia concluir pela condenação dos Recorridos na totalidade dos pedidos
20. De toda a prova produzida e da sua análise, deveria resultar provada toda a matéria da fundamentação de facto não provada na decisão em crise.
21. Consequentemente impunha-se diferente decisão relativamente à matéria de facto dada como não provada na fundamentação da Sentença, que resultou na decisão pela quase total improcedência da acção.
22. Provado encontra-se, é certo, que o Recorrente é dono e legitimo possuidor do prédio rústico de que se arroga proprietário e, nesse sentido, só o poderá ser nos exactos termos, dimensões e confrontações apresentadas e demonstradas.
23. Todas as testemunhas afirmam, sem qualquer dúvida, como se comprova pelos depoimentos prestados em audiência de discussão e de julgamento, que o Recorrente é proprietário e possuidor daquele prédio rústico, tendo sempre agido e se comportado como tal, à vista de todos e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, agindo sempre com a consciência de exercer um direito próprio e a convicção de não prejudicar o direi to de outrem, como aliás foi dado como provado na Sentença ora colocada em crise.
24. Em face da prova produzida em audiência de discussão e de julgamento afigurasse-nos provado que o muro de vedação da moradia dos Recorridos foi construído no terreno do Recorrente, sem o seu consentimento, e que, graças a essa ocupação não consentida, o Recorrente se encontra hoje impedido de aceder a uma parcela do seu terreno.
25. Todas as testemunhas apresentadas pelo Recorrente afirmam, com certeza e com convicção, que o prédio rústico de que o Recorrente é proprietário e possuidor é-o nas dimensões por este apresentadas (na petição inicial, no registo predial ou mesmo na planta topográfica) e que se determinam também pela delimitação dos dois prédios que se consegue obter pelos sinais e vestígios existentes no local.
26. As mesmas testemunhas afirmam que o prédio rústico de que o Recorrente é proprietário e possuidor é maior e mais largo do que aquele que existe hoje, pelo que agora tem uma dimensão bastante inferior àquela que teve desde sempre, nomeadamente há mais de 40 anos, devendo-se tal facto exclusivamente à construção daquele muro pelos Recorridos na parcela de terreno que faz parte integrante do prédio rústico do Recorrente, o que só se consegue com uma intromissão e ocupação não consentida dos Recorridos.
27. O registo predial, assim como a planta topográfica, confirmam igualmente a dimensão da área do prédio rústico do Recorrente, de 1120 m2, dos quais 260 m2 se encontram abusivamente ocupados pelos Recorridos.
28. O registo predial, enquanto documento autêntico, ou seja, enquanto documento exarado, com as devidas formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência, nos termos do disposto no nº 2, do art.º 363.º, do Código Civil, é um documento provido de fé pública e goza, nesse sentido, de uma garantia de verdade e de autenticidade, pelo que deve considerar-se que os elementos nele constante corresponderão à verdade.
29. Afirmam ainda aquelas testemunhas que a delimitação dos dois prédios se faz, como aliás sempre se fez, pela esquina da casa do Sr. António …, localizada a Nascente do prédio dos Recorridos, local onde inclusive se encontra um pilar e por onde o muro de vedação da moradia dos Recorridos na vertente Norte foi inicialmente construído.
30. Confrontadas com a planta topográfica e com as fotografias juntas aos autos, aquelas testemunhas não têm dúvidas de que a delimitação é feita pela esquina da casa do Sr. António.
31. Confirmado ficou também no depoimento das testemunhas e mesmo nas fotografias juntas aos autos com a petição inicial que o muro de vedação da moradia dos Recorridos a Norte do seu prédio, foi inicialmente construído pela delimitação referida e que é tida, pelas mesmas testemunhas, como a correcta, ou seja, pela esquina da casa localizada a Nascente do prédio dos Recorridos.
32. É bastante perceptível que a construção do muro se faz inicialmente na estrema entre os referidos prédios, tendo sido construído a Norte do prédio dos Recorridos, no sentido Nascente/Poente no ponto de intercepção e que viria a unir ao muro a Nascente no seu estremo a Norte, prova de que se seguia a delimitação por todos conhecida e tida como correcta já aquando da construção do primeiro muro.
33. Pelo depoimento das testemunhas e pela análise das fotografias que se encontram juntas aos autos prova-se assim que aquele muro foi de facto construído inicialmente pela delimitação da estrema alinhado pela "esquina" da casa do Sr. António, uma vez que a vala aberta para a colocação daquele muro ainda lá se encontrou durante um longo período, sendo perceptível para todas as pessoas que lá passavam, inclusive as aqui testemunhas, e ainda tendo ficado registado nas fotografias referidas - doc 6 e7 da P.I., onde é bastante notória a abertura de uma vala alinhada pelo pilar da entrada da casa do Sr. António.
34. Os próprios Recorridos nunca colocam em causa, aliás, em momento algum, nem na contestação oferecida, a construção desse muro pela delimitação da esquina da casa do Sr. António, afirmando nos artigos 9. e 10. daquele articulado que: " ( ... ) os RR. iniciaram a construção dos muros de vedação do seu prédio em Fevereiro/Março de 2011;" "É certo que, conforme referido no art. o 24. o da p. i. , mandaram prolongar o muro de vedação a nascente do seu prédio no sentido sul/norte ( ... ) "
35. Os próprios Recorridos iniciam a construção do muro de vedação da sua moradia na estrema dos dois prédios, como se demonstra ter ficado provado nos autos.
36. Como podem os Recorridos reivindicar a propriedade e a posse da referida parcela de terreno de 260 m2 ocupada de forma abusiva e que faz parte integrante do prédio rústico do Recorrente, quando não actuam nem exercem os poderes correspondentes ao direi to sobre a mencionada parcela de terreno de que se arrogam proprietários?!
37. Como podem os Recorridos, ao ser negado o direito peticionado ao Recorrente, ver dessa forma "reconhecida" a propriedade sobre a parcela de terreno onde se encontra construído o muro de vedação da sua moradia quando não actuam como titulares do direito que apenas agora se arrogam?!
38. Nunca que os Recorridos podem ter a posse sobre a mencionada parcela de terreno abusivamente ocupada ao Recorrente, uma vez que nunca actuaram como proprietários dessa mesma parcela ou mesmo com a convicção de que ela lhes pertence.
39. Os Recorridos nunca praticaram, nem demonstraram ter praticado, como lhes competia, qualquer acto que correspondesse ao exercício do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão.
40. Os Recorridos não podem alegar a posse sobre a referida parcela quando não actuam de forma correspondente ao direito que alegam!
41. Neste sentido, e com o devido respeito por opinião diversa, face à matéria de facto provada e não provada na Sentença ora colocada em crise e os elementos probatórios juntos aos autos ou a sua ausência nos mesmos, impõe-se uma decisão diversa daquela de que ora se recorre.
42. De toda a prova junta aos autos fica assim demonstrado que a posse do referido prédio rústico do Recorrente, em toda a sua dimensão, pertence a este e não aos Recorridos.
43. Demonstrou provada igualmente a existência de marcos, pedras e vegetação na estrema sul do prédio do Recorrente, que serviam para delimitar os prédios do Recorrente e dos Recorridos.
44. Prova-se assim que na delimitação entre os referidos prédios existiam marcos, pedras e vegetação e que todos estes sinais foram destruídos quando os Recorridos iniciaram a construção da sua moradia e do muro de vedação.
45. Combinando-se assim a prova junta aos autos e a produzida em sede de audiência de discussão e de julgamento verifica-se uma manifesta contradição entre esta e a matéria de facto dada como não provada na Sentença ora colocada em crise.
46. Os pontos da matéria de facto não provada encontram-se em profunda contradição com a prova produzida, pelo que aqueles deveriam ter sido julgados como provados face ao explanado supra.
47. Os factos aqui devida e claramente evidenciados encontram-se assim em enorme contradição com os pontos da matéria de facto dados como não provados na Sentença de que ora se recorre, o que a coloca, com o devido respeito, em franco e flagrante erro de julgamento.
48. Há assim elementos probatórios suficientes para condenar os Recorridos nos restantes pedidos formulados pelo A., considerados como factualidade não provada na Sentença de que ora se recorre.
49. Neste sentido, e com o devido respeito, face à matéria provada e não provada na Sentença e os elementos probatórios juntos aos autos ou mesmo a sua ausência, impõe-se uma decisão diversa.
50. Estamos, sem dúvida, perante um erro de apreciação da prova, tendo esse erro inquinado definitivamente a pretensão do aqui Recorrente, pelo que deve ser necessariamente reparado.
51. Assim, os factos constantes das alíneas a), b) c) e d) da fundamentação de facto não provada da Sentença ora em crise, estão, salvo o devido respeito, erroneamente julgados, pois, deviam ter sido julgados provados, tal como resulta não só do teor da prova documental junta aos autos, como da apreciação da prova testemunhal, cujos depoimentos prestados, gravados em sede de audiência de discussão e de julgamento impunham decisão diversa sobre aquela matéria de facto dada como não provada.
52. Como consequência da conciliação da prova testemunhal e documental, que se complementam, impunha-se que fosse julgada provada toda a matéria de facto constante das referidas alíneas a) a d} da Factualidade não provada da Fundamentação da douta Sentença.
53. A prova produzida impunha, com o devido respeito, diferente análise crítica daquela que foi realizada na douta Sentença de que se recorre.
54. Há assim elementos probatórios suficientes para condenar os Recorridos nos precisos termos peticionados pelo Recorrente na Petição Inicial.
DO DIREITO
55. Como sofregamente foi demonstrado resulta por demais evidente, da prova testemunhal e documental carreada para os autos, que sobre a parcela de terreno em contenda foram praticados, desde há mais de 40 anos, factos determinantes da aquisição originária sobre a mencionada parcela, por usucapião.
56. No nosso particular entendimento, mas que não foi o entendimento da Meritíssima Juiz a quo, o Recorrente ofereceu prova da propriedade daquela parcela de terreno que se encontrava perfeitamente demarcada, assim como logrou fazer prova que os Recorridos, confrontantes, não tinham o domínio, o corpus, nem a intencionalidade, o animus, da posse sobre a parcela de terreno em contenda.
57. Salvo o devido respeito por opinião diversa, a prova carreada para estes autos foi negligenciada e, nesse sentido, conduziu a uma decisão contrária à verdade material e à lei.
58. Incorreu o Tribunal recorrido num erro na apreciação da prova, que deve ser fustigado com a inversão da factual idade dada como não provada a favor do Recorrente e consequentemente, daria total procedência à acção.
59. A posse, como é consabido, é o poder que se manifesta quando alguém actua sobre uma coisa por forma correspondente ao exercício de determinado direito real (corpus) e o faz com a intenção de agir como titular desse direito (animus).
60. Segundo a doutrina tradicional a posse é constituída por corpus - ou poder de facto, o exercício, a prática ou a possibilidade de prática de actas materiais externos, virados para o exterior, visíveis a toda a gente e pelo animus, elemento psicológico, vontade, intencional de agir como titular do direito real correspondente ao actas praticados.
61. Os actos correspondentes ao direito de propriedade, ao usufruto, à servidão, dão direito à usucapião desse direito possuído - art. o 1251º e 1287º do C.C. - tantum praescritptuim quantum possessum -, mas só se alcança se o possuidor possui como proprietário, como usufrutuário, se actua por forma correspondente ao direi to de propriedade, como usufrutuário, se actua de acordo com o animus.
62. Descendo ao caso concreto, se fosse dada resposta diferente à factual idade dada como não provada e que ora o Recorrente coloca em crise, ficaria provado, como se deseja, que indubitavelmente, os antecessores proprietários da predita parcela de terreno, ocupada, que o Recorrente reivindica a sua propriedade, encontra-se na sua posse há mais de 40 anos, limpando aquela, procedendo à sua limpeza, como demonstrou provar que tal parcela é parte integrante do seu prédio que lhe pertence e de que sobre ele, em modo exclusivo, exercem direito de propriedade.
63. Por outro lado, logrou-se demonstrar que os Recorridos nunca possuíram a parcela de terreno em questão, não limparam aquela, recorriam a terceiros, vizinhos ou familiares para indicar a confrontação do seu prédio com o do Recorrente; assim acontecia quando limpavam o seu prédio, como quando iniciaram a construção da sua moradia no seu prédio, em que uma das testemunhas indicou ao arquitecto, responsável da construção os limites do prédio.
64. Em consonância, os Recorridos iniciaram a construção do muro na vertente Norte do seu prédio, no sentido Nascente/Poente, no local onde existia a demarcação daqueles terrenos, limite da sua posse, e apenas mais tarde interromperam a construção daqueles muros cujos alicerces já haviam sido construídos, para iniciar a construção doutro muro 7 metros a norte daquele.
65. Com esta factual idade trazida aos autos recorridos, merecia a acção total procedência, condenando os Recorridos nos precisos termos, a reconhecer, sumariamente, a propriedade da parcela controvertida, o que não aconteceu, violando a douta Sentença revidenda os arts. o 1251°, 1252° nº 2 e 1305° do C. Civil.
66. O Recorrente registou a propriedade daquela parcela de terreno, a seu favor, por via de doação, e assim, de harmonia com a regra vertida no art. ° 7 ° do Código do Registo Predial, beneficia ele de uma presunção de que o direito de propriedade existe na sua titularidade, nos exactos termos que o registo os define, facto que o Tribunal a quo ignorou, olvidando as presunções advinda dos normativos que expressamente se invocam.
67. Na Sentença de que ora se recorre entendeu, ainda, a Meritíssima Juiz a quo que "No que tange aos restantes pedidos formulados, não logrou o A. demonstrar, tal como lhe competia, em conformidade com as regras de repartição do ónus de prova [art. ° 342.º, n.º 1 do Cód. Civil) ( ... ) " os factos constantes desses pedidos, especificamente aqueles que compõe a matéria de facto dada como não provada na referida Sentença.
68. Salvo o devido respeito, a Sentença sub iudice fez uma errada aplicação e interpretação daquele dispositivo legal, na medida em que o ónus da prova não se encontra totalmente a cargo do Recorrente, mas antes a cargo dos Recorridos.
69. A douta Sentença violou assim o disposto naquela disposição normativa, pelo que o julgamento dado à matéria de Direito deve também ele ser alterado.
70. Há nos autos, conforme resulta aliás da douta Sentença, duas presunções legais do direito de propriedade, concretamente a presunção fundada no registo predial e a presunção fundada na posse, verificando-se preenchidos os pressupostos de cada uma delas.
71. Consequentemente deveria aplicar-se o disposto no nº 1, do art. ° 344. 0, do Código Civil e, neste sentido, serem todos os pedidos formulados pelo aqui Recorrente na Petição Inicial declarados provados e procedentes e igualmente declarada provada a matéria de facto dada como não provada face à prova junta aos autos.
72. Neste sentido, deve a Sentença ser substituída, igualmente, no que se refere ao Direito aplicado, por se encontrar em violação do disposto no n.o 1, do art.º 342.°, do Código Civil.
73. Por tudo o que antecede, deve a douta Sentença ser alterada e, em conformidade, condenar-se os Recorridos tal como peticionado na Petição Inicial e assim o julgamento dado à matéria de Direito deve, tal como o julgamento dado à matéria de facto, por isso, ser alterado”.
*
Os Apelados apresentaram contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:
- Apreciar da decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada;
- Apreciar se, caso haja que alterar a decisão sobre a matéria de facto, a decisão proferida deve também ser alterada.
III- FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto.
A- Factualidade provada.
1. O prédio rústico denominado Leira de Mato da Veiga, sito no Lugar da Veiga, freguesia de …, concelho de Vila Verde, a confrontar do Norte com Carminda …, do Nascente com António …, do Sul com herdeiros de José …, e do Poente com caminho da Veiga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, encontra-se inscrito a favor dos A., por doação.---
2. Desde há mais de 20 e 30 anos, que o A., por si e antepossuidores, detém e frui o referido prédio, colhendo os seus frutos, ocupando-o, zelando-o, procedendo as obras conservação e limpeza, mantendo-o cuidado e suportando os respectivos encargos fiscais.---
3. O descrito em 2. tem vindo a ser feito pelo A., de forma contínua e ininterrupta, à vista e com o conhecimento de todos, sem a oposição ou turbação de ninguém, na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertence.---
4. O prédio urbano sito no Lugar da Veiga, freguesia de …, concelho de Vila Verde, a confrontar do Norte e Poente com António …, do Sul com Abel … e de Nascente com Constantino …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o artigo …, encontra-se inscrito a favor dos RR., por doação.---
5. Desde há mais de 20 e 30 anos, que os RR., por si e antepossuidores, detêm e fruem o referido prédio, ocupando-o, zelando-o, procedendo as obras conservação e limpeza, mantendo-o cuidado e suportando os respectivos encargos fiscais, recentemente ali habitando na respectiva moradia pelos mesmos erigida.---
6. O descrito em 5. tem vindo a ser feito pelo A., de forma contínua e ininterrupta, à vista e com o conhecimento de todos, sem a oposição ou turbação de ninguém, na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertence.
7. No prédio id. em 4., iniciaram os RR., durante o ano de 2010, a construção de uma moradia, tendo entre finais daquele ano e inícios de 2011, promovido que fossem erigidos os respectivos muros de vedação.
B- Factualidade não provada.
a) O prédio id. em 1. dos factos provados possui uma área total de 1120 m2, dos quais 260 m2 se encontram a ser ocupados pelos RR., sem o consentimento e contra a vontade do A., tendo sobre aquela parcela os mesmos erigido parte do muro de vedação mencionado em 5..
b) Com vista à construção e ocupação descritas em a), os RR. promoveram a destruição e/ou eliminação dos sinais e vestígios que, no local, indicavam a delimitação do prédio id. em 1. dos factos provados, na respectiva extrema sul.
c) A conduta levada a cabo pelos RR., em resultado da construção do referido muro, impede, perturba e priva o A. e seus familiares de cultivar, ocupar e fruir por inteiro o prédio id. em 1. dos factos provados, designadamente a parcela de terreno id. em a).
d) Tudo o que vem causando desgosto ao A..
Fundamentação de direito.
Apreciaremos em primeiro lugar a impugnação da matéria de facto pretendida pelo apelante, AA, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como é consabido, o despacho sobre a base instrutória constitui simples projecto parcelar de julgamento e de selecção de matéria de facto, alterável até decisão final da causa, e isto, quer sobre ele tenha ou não incidido reclamação.

Assim, e não obstante não ser esse o caso dos autos, porque foi dispensada, mesmo quando se procede à elaboração de base instrutória, a matéria de facto aí seleccionada, não conduzindo à formação de caso julgado formal, pode ser alterada por diversas razões ou motivos, designadamente, por via de apresentação de reclamação, dedução de articulado superveniente, por ampliação da base instrutória no decurso do julgamento, no julgamento da apelação, ou, até mesmo, no recurso de revista (arts. 596, nº 2, 588, nº6, 662, nº 2, al. c), 682, nº2, do C.P.C.) –, estando subjacente a essa permitida modificação da matéria de facto o desiderato de proceder a uma melhor adequação da verdade processual com a verdade real ou material.

A fase do saneamento e condensação do processo, que tem lugar findos os articulados, destina-se à fixação dos termos essenciais da causa, ou seja, a expurgar do processo todas as questões inúteis à decisão da causa, e a decidir das questões úteis que possam desde logo ser apreciadas e julgadas, com eliminação indirecta das questões inúteis pela sua não inclusão nas peças que irão servir de base à instrução e julgamento da causa.

Isto demonstra a importância do despacho sobre a base instrutória na boa decisão do litígio e, por contraponto, permite constatar que a selecção da matéria de facto controvertida pode comprometer o resultado da acção.

Com o objectivo de evitar que, por razões de ordem puramente formal, seja prejudicada a justiça material, a lei atribui à Relação o poder-dever de determinar a ampliação da matéria de facto, em ordem a assegurar enquadramentos jurídicos diversos dos supostos pelo Tribunal a quo, sendo uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando tão-somente que a Relação se confronte com uma objectiva falta de selecção de materialidade fáctica relevante.

Isso não significa, como é óbvio, que o recorrente não possa impugnar a selecção da matéria de facto feita no tribunal a quo, na apelação que interponha da decisão final, precisamente com fundamento na desconsideração de matéria alegada com relevo para a apreciação e decisão da causa.

Esta possibilidade de a Relação determinar a ampliação da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para casos em que se revele indispensável, não bastando, para o efeito, que os factos tenham conexão com alguma das “soluções plausíveis da questão de direito”, nos termos que decorriam do art. 511º, nº 1 do C.P.C. – vigente à data do proferimento do despacho que dispensou a fixação da base instrutória -, para a elaboração da base instrutória.

Na verdade, atenta a fase processual em que é legalmente prevista tal possibilidade, mais do que atentar no leque de possibilidades com que, em abstracto, numa fase recuada do processo, se confronta o juiz de 1ª instância, a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico, em face do objecto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender, contando também com o que possa esperar-se de uma eventual intervenção do S.T.J. ao abrigo do disposto no art. 682, nº 2, do C.P.C..

Destarte, e em conclusão, poderá mesmo dizer-se que a ampliação da matéria de facto se imporá sempre e quando a matéria desconsiderada – e isto, tenha ou não sido elaborada base instrutória - seja susceptível de determinar decisão diversa da recorrida, ou, dito de outro modo, e convirá mais uma vez realçar, apenas em tais casos a ampliação se justifica e é possível, não havendo já lugar a ela relativamente a factos que, apesar de serem relevantes se reportados a uma fase anterior do processo (designadamente à fase da organização do despacho sobre a base instrutória), se mostrem entretanto, considerando a demais matéria já apurada, o enquadramento jurídico resultante da sentença recorrida e o objecto do recurso, indiferentes à decisão da causa.

Incontornável resulta, assim, que a ampliação da matéria de facto só pode ter lugar quando o despacho seja omisso com relação a matéria de facto relevante para a decisão da causa, nos moldes acabados de descrever.

E, incontroverso resulta também hoje, à luz do Assento 14/94, que, como aí se refere, “a especificação – Matéria de Fato Assente, no Código de Processo Civil vigente à data da dispensa da elaboração da base instrutória -, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesma na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”.

Ora, nas situações como a presente, em que se dispensou a fixação da Matéria de Facto Assente e a Base Instrutória, todo este raciocínio acabado de expender, terá, como é óbvio, de ser aferido com relação ao despacho em que sejam fixados os Factos Provados e os Factos não Provados, ou seja, na presente situação, à própria decisão recorrida, pois também apenas nesse momento se poderá aferir se foi ou não seleccionada toda a materialidade com efectiva relevância para uma adequada e justa decisão da causa, ou se, pelo contrário, terá sido omitida alguma dela.

Isto esclarecido, apreciemos então agora se, efectivamente, a materialidade invocada como substrato factual da pretensão do A./Apelante, foi ou não desconsiderada no despacho que fixou a Matéria de Facto Assente e a Matéria de Facto Não Provada, ou seja, na própria decisão recorrida - uma vez que foi dispensada selecção da matéria de facto assente e da base instrutória -, ou, dito de outro modo, se incidiu sobre toda a matéria de factos controvertida e relevante para a decisão da causa, ou se, pelo contrário, realmente foi omitida nesse mesmo despacho alguma dela, que se revele de basilar relevo para a apreciação de mérito, pois que, como se verá ao correr da presente exposição, as essenciais questões levantadas por este Recorrente ligam-se e estão dependente na sua resolução, da análise deste aspecto.

Ora, a contender directa ou indirectamente com a matéria de facto alegada e com o modo co se procedeu à fixação da matéria de facto demonstrada e indemonstrada, na decisão recorrida, alega o Recorrente, Francisco Barros, que alguma daquela que foi tida como não provada, resultou demonstrada, e ainda alguma outra omitida nesse mesmo despacho, com relevância para a decisão da causa, logrou também adesão de prova, razão pela qual entende que, com fundamento na prova produzida nos autos, deveriam ter sido dados como demonstrados os seguintes factos:
a) O prédio do Recorrente, identificado em 1 dos factos provados, encontra-se ocupado pelos Recorridos, em cerca de 260 m2, sem o consentimento do Recorrente, tendo sido, naquela parcela ocupada, erigida parte do muro de vedação do prédio identificado no ponto 5 da matéria de facto provada da fundamentação da Sentença, incorporando dessa forma aquela parcela naquele prédio;
b) Tal ocupação resultou do prolongamento do muro de vedação do prédio dos Recorridos do lado Nascente, para além da estrema a Norte na confrontação do prédio do Recorrente, em cerca de mais 7 metros, e a imediata construção de novo muro de vedação desse ponto a Norte no sentido Nascente/Poente, até ao ponto a Norte do lado Poente, dando à parcela ocupada a forma triangular.
c) Os Recorridos na sua contestação confessam que inicialmente construíram um muro na estrema Norte do seu prédio, cujos vestígios das suas fundações se encontram documentados, e que foi interrompido para ser construído um muro, cuja construção se iniciou 7 metros a Norte daquele, prolongando o muro da vertente a Nascente nessa medida.
d) O ponto estrema a Norte do lado Nascente entre o prédio do Recorrente e dos Recorridos situa-se na esquina da entrada da casa do Sr. António …, coincidente com o muro que os Recorridos iniciaram a construção que foi posteriormente abandonada, identificada nas fotografias juntas aos autos - doc. 6 e 7 da P.I.;
e) Esses sinais foram eliminados com a limpeza do prédio dos Recorridos aquando do início da construção da moradia que erigiram no seu terreno, os quais indicavam a delimitação do prédio do Recorrente, na respectiva estrema sul;
f) Apesar de interpelados, os Recorridos não se abstiveram na sua conduta, a qual em resultado da construção do referido muro, impede, perturba e priva o A. e seus familiares de cultivar, ocupar e fruir por inteiro o prédio identificado em 1 dos factos provados, designadamente a referida parcela de terreno ocupada;

Ora, como resulta do confronto destes factos com os alegados e com os posteriormente tidos como demonstrados na decisão, se todos foram alegados, só o primeiro foi tido como indemonstrado (parcialmente), sendo que com relação aos demais está em causa uma incontroversa ampliação da matéria de facto que se entende por relevante à boa decisão da causa mas que a decisão recorrida desconsiderou.

Cumpre então indagar se ao Recorrente assiste ou não razão neste seu pedido de ampliação da matéria de facto controvertida a considerar e, designadamente, se, existindo alguma desconsideração de matéria de facto relevante para a decisão da causa, será mesmo desta, apenas desta ou haverá ainda outra igualmente de relevo para esse efeito a que o tribunal recorrido não terá dado o devido e imprescindível relevo.

E, para a resolução destas questões concretas, afigura-se-nos pertinente tecer algumas considerações sobre as acções de reivindicação em geral, e sobre o modo como, em concreto, a presente foi interposta.

A questão essencial em litígio nos autos prende-se com o reconhecimento do alegado direito de propriedade do A. sobre o prédio rústico supra identificado e cuja ocupação por parte dos RR. considera abusiva, por lhe ter sido esbulhada a respectiva posse e estes não possuem qualquer título que a legitime.

Da análise dos pedidos assim formulados de forma complexa, resultante da cumulação das diversas pretensões formuladas pela A., conclui-se inequivocamente, que esta instaurou contra os RR. uma acção de reivindicação.

Ora, como é sabido a acção de reivindicação constitui um meio de defesa do domínio.

A acção de reivindicação compreende, assim, dois pedidos concomitantes: o pedido de reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio); o pedido de entrega da coisa objecto desse direito (condemnatio), e visa, primordialmente, a defesa do direito de propriedade, constituindo um instrumento processual através do qual se manifesta uma das características congénitas daquele direito - a sequela.

“Porque engloba igualmente o estado de coisas desconforme”, na expressão de Oliveira Ascensão, na acção de reivindicação a causa de pedir é necessariamente complexa, impendendo sobre o autor o ónus de alegar e provar factos comprovativos da ocupação abusiva além do acto ou facto jurídico de que deriva o seu direito de propriedade; para o triunfo da acção, deve o autor convencer de que é o proprietário do prédio com base em factos alegados e de que o mesmo se acha abusivamente ocupado pelo réu, em conformidade com a solução adoptada no art. 498.º, n.º 4 do C.P.C., o qual veio consagrar a teoria da substanciação em detrimento da teoria da individualização, ao dispor que, nas acções reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real.

Na senda de Cunha Gonçalves, refere também A. dos Reis que, para quem “nas acções reais a causa de pedir não é só o facto jurídico de que deriva a propriedade, é também a violação do direito ou a ameaça de violação por parte do réu”. Ainda na vigência do art. 502.º, § 3.º do C.P.C. de 1939, estipulava-se que “se a acção é de reivindicação, há-de (o autor) alegar e provar que o réu está na detenção da coisa reivindicada.”

Optando o autor por invocar uma das formas de aquisição derivada, não bastará fazer a prova do título da aquisição, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada, já que, nem a compra e venda nem a doação, se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito, por força do princípio “nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet”. É preciso provar, também, que o direito já existia no transmitente (“dominus auctoris”), prova que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir, e exige, para que seja reconhecida a propriedade do prédio, que os autores aleguem e provem, não só o título de aquisição, mas também que o direito já existia no transmitente.

De tudo resulta que constitui hoje entendimento dominante, quer ao nível doutrinal, quer ao nível jurisprudencial, que na acção de reivindicação, recai sobre o autor o ónus de alegação e prova, em todas as suas cambiantes, de uma forma de aquisição originária da propriedade (como a ocupação - art.1318º do C.C., a usucapião – art.1287º do C.C., ou a acessão – art. 1325º do C.C) ou a presunção resultante do registo predial, sob pena de a sua pretensão ser desatendida.

Mas, e uma vez que a prova da aquisição originária (como a usucapião), é muitas vezes difícil de conseguir - prova diabólica, na expressão de Acúrcio -, a lei estabelece presunções legais do direito de propriedade e, entre estas, a presunção constante do art. 7.º, do C.R.P, o qual determina que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

Ora, assim sendo, a alegação e prova do direito de propriedade pertence aos peticionantes, a fazer conforme invoquem uma forma de aquisição originária de propriedade - a usucapião (onde apenas precisarão de provar os factos de que emerge o seu direito) ou uma forma de aquisição derivada.

Por seu turno, o réu possuidor, conforme refere Menezes Cordeiro, face a uma acção de reivindicação, e caso o autor, por qualquer dessas vias, demonstre o seu direito, só pode evitar a restituição da coisa se conseguir provar uma de três situações:
- que a coisa lhe pertence por qualquer dos títulos admitidos em direito;
- que tem sobre a coisa direito real que justifique a sua posse ou detenção, v.g., usufruto, arrendamento, retenção;
- que detém a coisa por virtude de direito pessoal bastante.
É esta, aliás, a solução que naturalmente decorre do art. 342º do C.C., nos termos do qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova do direito alegado (n.º1), incumbindo àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos desse direito (n.º 2).

De tudo o exposto flui que o reivindicante só tem de alegar e provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do demandado, recaindo sobre este o ónus de alegar e provar que é titular de um direito, real ou de crédito, que legitima a sua detenção - Cfr. neste sentido, Henrique Mesquita, o qual refere que a solução não podia ser outra, pois, nos termos do art. 342.º, do C.C., “àquele que invoca um direito cabe fazer a prova do direito alegado (n.º1) incumbindo àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (n.º2)”.

Reportando-nos agora à análise da situação vertente, temos que o A., embora o não tenha feito de um modo linear, cabal e esclarecido, invoca a alicerçar o direito a que se arroga a aquisição derivada e a aquisição originária da mencionada parcela de terreno em referência.

E assim sendo, inexistindo qualquer outra prova directa de onde inequivocamente resultasse demonstrada a delimitação ou a definição concreta do aludido prédio, e, por consequência, a incorporação nele da parcela de terreno objecto de litígio, e não abrangendo a presunção registral as características do prédio inscrito a seu favor, nomeadamente, as confrontações, a linha divisória entre este prédio e os que com ele confrontam, não estava o A. dispensado de fazer a prova da aquisição originária da referida parcela, juntamente com a prova dos factos em que se traduz a alegada ocupação abusiva, por parte dos RR..

Com efeito, “A base da nossa ordem jurídica está na usucapião e não no registo; por isso, a prova da aquisição originária sobrepõe-se à compra e venda e, em consequência, ao registo da aquisição derivada”.

E, efectivamente, o A. alegando ser dono e legítimo proprietário do prédio identificado no artigo 1º, da petição inicial, no qual pretende se inclui a parcela alegadamente ocupada pelos RR., e cujo respectivo direito se encontra inscrito no registo predial em seu nome, invoca ainda todos os factos conducentes a permitir concluir pela aquisição originária, por sua parte, desse mesmo direito sobre a totalidade do prédio, ou seja nele incluindo tal parcela de terreno.

Mas, embora se nos evidencie como incontroversa esta intenção do A., e se nos afigure que alegou uma materialidade suficiente, passível de permitir a selecção de materialidade controvertida pertinente para se conhecer do objecto da acção, cumprirá analisar se a forma como foi elaborada a Matéria de Facto Assente e a Matéria de Facto Não Provada, ou seja, se a factualidade que foi considerada relevante e provada por documento ou por outos meios probatórios, da controvertida, permitia cumprir, com eficácia e validade processual, esse desiderato.

Na verdade, a A. alegou que a parcela de terreno fazia parte do supra mencionado terreno, e, porque assim o considera, peticiona que seja reconhecido que essa mesma parcela faz parte integrante de tal terreno – Cfr. artigos 1, 3 e 10 a 12, da petição inicial.
E ao fazer essa alegação, parece-nos poder conclui-se, que pretendeu que esse seu direito lhe fosse reconhecido com fundamento da presunção registral.

Mas a A. invocou também, embora como supra já se deixou dito, em moldes factualmente senão deficiente, pelo menos pouco claros e esclarecidos, e não o poderia deixar de fazer, sob pena de comprometer decisivamente a possibilidade de êxito da acção, factos suficientes para integrarem a aquisição da propriedade de tal parcela por usucapião - Cfr. artigos 1, 2 e 4 a 9, da petição inicial.

Com efeito, como mais adiante se demonstrará, se a A. se tivesse limitado a invocar que a parcela de terreno fazia parte de um terreno que se encontrava registado a seu favor, e a formular o consequente pedido, a presente acção não deveria sequer ter passado da fase de saneamento.

Assim, embora considerando que a parcela de terreno em litígio integra um terreno cujo direito de propriedade se encontra registado a seu favor, o que a A. pretende é o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno, invocando como fundamento, quer a presunção registral, quer a usucapião.

Logo, se não conseguiu demonstrar que tal parcela se integra no terreno registado, a única consequência não pode ser, senão, a de se lhe não reconhecer o aludido direito com base nesse fundamento.

Mas, evidentemente, subsiste o outro fundamento da acção, que são os factos integrantes da aquisição originária também invocada.

E foi exactamente essa, a materialidade que se pretendeu discutir em audiência - os factos integrantes dessa causa de aquisição do direito de propriedade -, que não tem necessariamente que levar à conclusão de que a parcela se insere num terreno registado, sem que daí resulte posto em causa o reconhecimento do eventual direito de propriedade, pois que, a indemonstração de que a parcela de terreno se insira num prédio que se encontra registado, não obsta a que se demonstrem os factos integrantes da usucapião, nem gera nenhuma espécie de preclusão da extracção dos inerentes efeitos jurídicos resultantes da sua demonstração, que, e bem pelo contrário, se impõe seja efectuada.

A parte decai num dos fundamentos alegados, mas demonstra outro dos que foi invocado, e que tem como consequência o reconhecimento do direito objecto da pretensão de tutela jurídica deduzida, que é o direito de propriedade sobre a parcela, embora não como parte integrante de um terreno registado, e como decorrência da presunção registral, ou, dito de outro modo, não como estando abrangida por um título translativo da propriedade que foi objecto de registo, mas sim pelo facto de sobre ela se ter demonstrado a prática de actos materiais integrantes da usucapião.

O objecto e o direito reconhecido nesta situação são, assim, exactamente os mesmos, e encontra-se contido no pedido formulado na acção.

Outrossim, como supra se referiu, o pedido de reconhecimento de que a parcela faz parte de um terreno registado, sem invocação de materialidade integrante da usucapião, levaria à ineptidão da petição inicial ou, pelo menos, à incontroversa improcedência da acção, por falta de alegação de factos necessários à procedência do pedido.

Se isso assim tivesse sucedido, poderia ser entendido de uma, de duas maneiras:
- Ou o prédio identificado no artigo 1), da petição, inclui a referida faixa de terreno e, então, ao A. caberia, na petição, alegar factos concretos que o demonstrassem;
- Ou o prédio identificado no artigo 1), da petição, não inclui tal faixa de terreno e, então, em relação a essa faixa, não existiria causa de pedir, nem tão pouco teria sido deduzido qualquer pedido.

Se se tivesse limitando a dizer que a faixa de terreno é parte integrante do prédio, formularia uma conclusão, não apresentando factos susceptíveis de serem levados à base instrutória, ou, tão somente, demonstrados, não podendo dizer-se que, numa situação destas, bastaria a indicação das confrontações do prédio para se poder concluir pela extensão ou delimitação do mesmo, pois que, a propósito de uma questão semelhante, diz, e em nosso entender, correctamente, a Relação do Porto que “ (...) as confrontações dos prédios em que os AA. se fundam para concluir no sentido de que a mesma faixa ali está integrada (...) também não bastam para resolver o problema. Essas confrontações podem não estar certas nem corresponder à realidade actual, como tantas vezes acontece (...) “.

Mas não foi isto que sucedeu, e, tendo o A. formulado o pedido de reconhecimento de que a aludida faixa de terreno integrava o mencionado prédio, tornava-se necessário que alicerçasse a sua pretensão em factos concretos, o que efectivamente, o como se deixou dito, assim, fez.

De tudo quanto antecede, flui assim a conclusão de que, da Matéria de Facto Assente e da Matéria de Facto Não Provada – isto porque se não procedeu a elaboração de Base Instrutória - teria de ter sido levada materialidade que permitisse conhecer, positiva ou negativamente, dos pedidos formulados pelo A..

E, desde já diremos que se nos afigura evidente que isso assim não sucedeu.
Senão vejamos!
Na Facto 1), da Matéria de Facto Assente, da decisão recorrida, deu-se como demonstrada a existência do prédio, a sua localização, confrontações, e a sua inscrição matricial e registral a favor do A., por doação, e na alínea a), do Factos Não Provados, considerou-se indemonstrada a área desse prédio e, designadamente, que dela fizesse parte os 260 m2 que se encontram a ser ocupados pelos RR..
Por outro lado, no facto 2 e 3, dos provados, considerou-se demonstrada a prática, por parte do A., de actos matérias de posse, pelo período de tempo aí referido e com “animus” de proprietário, apenas reportados ao prédio mencionado no facto 1).

Contudo, e como supra se referiu, alegou também o Autor que do aludido prédio faz também faz parte a parcela de terreno em litígio, com a área de 260 m2, e que esses actos materiais de posse por si praticados incidiram sobre todo esse terreno e logo e, inclusivamente, também sobre essa parcela.

Ora, assente o exposto, temos que, reportando-se os actos de posse e seu caracteres ao terreno aludido no facto 1, dos provados, inequívoco resulta que nele se não inseriu a parcela em litígio, sendo que, e outro lado, tendo o Autor alegado a prática desses actos materiais de posse com relação a todo o terreno que alega sua propriedade, e no qual alegou inserir-se a parcela em litígio, o certo é que também se não deu como indemonstrado que tais actos se não tenham estendido a essa parcela de terreno.

E daqui incontroversamente resulta que, a matéria factual controvertida que poderia levar à procedência ou à improcedência da presente acção com fundamento na aquisição originária do direito de propriedade por parte do A. não obteve qualquer resposta expressa, positiva ou negativa, na decisão recorrida, já que nada foi demonstrado ou indemonstrado com relação à alegada extensão da prática dos invocados actos matérias de posse alegados pelo Autor sobre a mencionada parcela.

Foram alegados, são controvertidos entre as partes, mas não obtiveram qualquer resposta, positiva ou negativa, com relação à sua demonstração e revestem-se de um caracter absolutamente decisivo para a sorte das pretensões formuladas pelo Autor, que de modo algum podem obter uma resposta cabal, adequada e justa sem que o tribunal se pronuncie sobre uma tal factualidade.

Tendente a, de um modo mais directo, esclarecer o direito de propriedade sobre a parcela de terreno em litígio foi tida como demonstrada e indemonstrada, e logo, considerada como relevante, a seguinte materialidade:
Factualidade provada:
1. O prédio rústico denominado Leira de Mato da Veiga, sito no Lugar da Veiga, freguesia de …, concelho de Vila Verde, a confrontar do Norte com Carminda …, do Nascente com António …, do Sul com herdeiros de José …, e do Poente com caminho da Veiga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, encontra-se inscrito a favor dos A., por doação.---
2. Desde há mais de 20 e 30 anos, que o A., por si e antepossuidores, detém e frui o referido prédio, colhendo os seus frutos, ocupando-o, zelando-o, procedendo as obras conservação e limpeza, mantendo-o cuidado e suportando os respectivos encargos fiscais.---
3. O descrito em 2. tem vindo a ser feito pelo A., de forma contínua e ininterrupta, à vista e com o conhecimento de todos, sem a oposição ou turbação de ninguém, na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertence.---
Factualidade não provada.
a) O prédio id. em 1. dos factos provados possui uma área total de 1120 m2, dos quais 260 m2 se encontram a ser ocupados pelos RR., sem o consentimento e contra a vontade do A., tendo sobre aquela parcela os mesmos erigido parte do muro de vedação mencionado em 5..
b) Com vista à construção e ocupação descritas em a), os RR. promoveram a destruição e/ou eliminação dos sinais e vestígios que, no local, indicavam a delimitação do prédio id. em 1. dos factos provados, na respectiva extrema sul.
c) A conduta levada a cabo pelos RR., em resultado da construção do referido muro, impede, perturba e priva o A. e seus familiares de cultivar, ocupar e fruir por inteiro o prédio id. em 1. dos factos provados, designadamente a parcela de terreno id. em a).

Além destes, não foram considerados quaisquer outros directamente relacionado com qualquer forma de aquisição da propriedade, e, designadamente, com a eventual aquisição originária por parte da Autora.

E, parece-nos incontroverso que os factos controvertido atinentes à eventual aquisição originária, consistentes na prática, por parte do A., dos alegados actos matérias de posse sobre a parcela de terreno tinham obrigatoriamente de ter sido respondidos.

Sendo certo que o A. considerou que a aludida parcela de tereno faz parte do terreno cuja propriedade se encontra inscrita em seu nome, o certo é que ele considerou, exactamente, como assente, aquilo que se pretende demonstrar na acção.

Na verdade, de duas uma:
- Ou a prova que se fez no julgamento incidiu sobre a parte do terreno que inquestionavelmente pertence à A., e que os RR., não impugnaram, que é a que poderia constar dos factos assentes, e que é todo o demais terreno além da parcela supra aludida, que alega pertencer-lhe, e então redundou num acto absolutamente inútil;
- Ou então essa mesma prova incidiu sobre a propriedade da parcela de terreno objecto do litígio e, a assim ter sucedido, incidiu sobre materialidade que não veio sequer a ser considerada na matéria controvertida que obteve resposta na decisão recorrida, provados ou não provados, não obstante constituírem factualidade integrante do verdadeiro objecto do litígio dos autos.

De tudo resulta que, no caso concreto, não foi considerada na decisão recorrida materialidade factual que, sendo controvertida, se revelava essencial para o conhecimento do pedido formulado, e que, integrando factos essenciais conducentes à eventual aquisição por usucapião, da parcela do imóvel em litígio, por parte do A., constituem o verdadeiro thema decidendum da acção, e, por consequência, deveriam ter sido objecto de instrução probatória e considerados positiva ou negativamente na decisão recorrida, o que, contudo, assim não sucedeu, desconhecendo-se, mas sendo crível que sobre eles não tenha sido aduzida a produção probatória disponível, e que se impunha e justificava que sobre eles tivesse sido efectuada.

Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 662, nº 2, al. c), do C.P.C., procede-se à anulação da sentença recorrida, e, determinando-se se proceda à ampliação da materialidade controvertida nos termos a seguir referidos:
- No prédio identificado em 1. da petição inicial insere-se uma parcela de terreno com a área de 260 m2, identificada no documento de fls. 21?
- E desde há mais de 20 e 30 anos, que o A., por si e antepossuidores, detém e frui o referido prédio, incluindo tal parcela, colhendo os seus frutos?
- Ocupando-o, zelando-o, procedendo as obras conservação e limpeza?
- Mantendo-o cuidado e suportando os respectivos encargos fiscais?
- O que tem vindo a ser feito pelo A., de forma contínua e ininterrupta?
- À à vista e com o conhecimento de todos?
- Sem a oposição ou turbação de ninguém?
- E com a intenção e convicção de que o mesmo lhes pertence?
- O prédio do Recorrente, identificado em 1 dos factos provados, encontra-se ocupado pelos Recorridos, em cerca de 260 m2, sem o consentimento do Recorrente, tendo sido, naquela parcela ocupada, erigida parte do muro de vedação do prédio identificado no ponto 5 da matéria de facto provada da fundamentação da Sentença, incorporando dessa forma aquela parcela naquele prédio?
- Tal ocupação resultou do prolongamento do muro de vedação do prédio dos Recorridos do lado Nascente, para além da estrema a Norte na confrontação do prédio do Recorrente, em cerca de mais 7 metros, e a imediata construção de novo muro de vedação desse ponto a Norte no sentido Nascente/Poente, até ao ponto a Norte do lado Poente, dando à parcela ocupada a forma triangular?

Destarte, em face da inconsideração dos aludidos factos na decisão recorrida, que os omitiu por completo, pese embora a sua relevância para a decisão da causa, e da insanável dúvida que se gera sobre uma tal factualidade terão ou não sido produzidos todos os meios probatórios na disponibilidade das partes, revela-se, por decorrência, de absoluta inutilidade proceder à análise de todos os meios probatórios produzidos nos autos em ordem a indagar pelo acerto ou não da convicção do tribunal, com relação apenas aos factos objecto de impugnação, com relação aos quais se admire isso tenha acontecido, já que nenhuma das partes o põe em causa, restando-nos, pois, por força do estatuído no artigo 662º, nº 2, al c), do C.P.C., anular a decisão proferida em primeira instância, para que aí, em novo julgamento, se proceda à ampliação da matéria de facto controvertida, de molde a abrangerem os factos supra aludidos, proferindo-se subsequentemente nova sentença.

Em face do acabado de decidir, prejudicado fica o conhecimento das demais questões suscitadas na apelação interposta - art. 660, nº2, do C.P.C.

Sumário - art. 663º, nº 7 do C.P.C..
I- Na acção de reivindicação, recai sobre o autor o ónus de alegação e prova, em todas as suas cambiantes, de uma forma de aquisição originária da propriedade (como a ocupação - art.1318º do C.C., a usucapião – art.1287º do C.C., ou a acessão – art. 1325º do C.C) ou a presunção resultante do registo predial, sob pena de a sua pretensão ser desatendida
II- Não abrangendo a presunção registral as características do prédio inscrito, nomeadamente, as confrontações, a linha divisória entre este prédio e os que com ele confrontam, não estava o A. dispensado de fazer a prova da aquisição originária da referida parcela, juntamente com a prova dos factos em que se traduz a alegada ocupação abusiva, por parte dos RR..
III- E, tendo sido alegada a materialidade consubstanciadores dessa aquisição originária, sem que tenha sido considerada na materialidade controvertida e sujeita a actividade instrutória, deverá a Relação determinar a ampliação da matéria de facto, pois que, tal factualidade, desconsiderada, é susceptível de influenciar a decisão da causa.

IV- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, proceder à anulação do julgamento, determinando a ampliação da matéria de facto controvertida, nos termos supra referidos, para que também ela venha ser apreciada pelo tribunal.
Considera-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na apelação.

Custas pelos Recorridos.

Guimarães, 26/ 02/ 2015.
Jorge Teixeira
Manuel Bargado
Helena Melo