Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
250/17.0T8FAF.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
CAUSA DE PEDIR
CADUCIDADE
INEPTIDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. A simples falta de invocação de todos os factos necessários para a procedência do pedido, não determina, per se, a ineptidão da petição inicial, reservada, como se viu, no que toca à causa de pedir, para os casos da sua falta, ininteligibilidade ou contradição interna ou com o pedido.

2. Nessa circunstância, se não for caso de convite ao aperfeiçoamento, a petição inicial conduz à improcedência do pedido.

3. Atribuir, nas ações de investigação de paternidade, ao investigado o ónus da prova dos factos integradores de todas as circunstâncias, positivas ou negativas, fundadoras da caducidade, terá a virtualidade de poder conduzir a uma uniformização da jurisprudência, por salvaguardar de modo mais vigoroso a proteção do direito de personalidade inerente à personalidade biológica, defendidas pelos opositores à constitucionalidade da previsão da caducidade neste campo, ao mesmo tempo que observa de forma curial e sem distorções os princípios do direito civil no que toca à distribuição do ónus da prova quanto aos factos que fundam a caducidade, esta defensora da segurança das situações jurídicas.

4. Na ação de investigação da paternidade, os factos relativos ao afastamento da exceção da caducidade do direito não integram a causa de pedir, pelo que não têm que ser alegados pelo investigante na petição inicial, podendo sê-lo na resposta à invocação dessa exceção pelo Réu: o Autor, nas ações de investigação da paternidade não está obrigado a responder à exceção da caducidade logo na petição inicial.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

A Autora pediu que seja reconhecido judicialmente que é filha biológica de António, de quem o Réu é único e universal herdeiro e que seja ordenado o averbamento de tal paternidade ao seu assento de nascimento.

Alegou, para tanto e em síntese, que o ora Réu intitulou-se seu pai, o que veio a saber ser erróneo com o resultado de um exame efetuado que negou tal relação biológica no âmbito do processo 7606/15.0T8GMR; apenas tomou conhecimento de que o investigante era seu pai na sequência das diligências que encetou após a prolação da sentença proferida.

O Réu contestou, por impugnação e excecionando a caducidade do direito da Autora.

Proferido despacho convidando a Autora para, querendo, em dez dias, se pronunciar quanto à exceção da caducidade, veio fazê-lo, alegando que a jurisprudência é maioritária no sentido da imprescritibilidade destas ações e que o prazo de dez anos previsto no nº 1 do artigo 1810º do Código Civil não é de caducidade, demarcando, sim, um período durante o qual não operam os verdadeiros prazos de caducidade previstos nos nºs 2 e 3 desse preceito; ocorreu facto superveniente que se enquadra na previsão da alínea c) do nº 3 do artigo 1817º do Código Civil.

Após a junção de documentos, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão (sem ter concedido ás partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a exceção dilatória oficiosamente apreciada): “Nestes termos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 186º, nº2, al. a), 576º, 577º, al. b), do Código de Processo Civil, julgo verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, na modalidade de falta de causa de pedir, e, em consequência, absolvo o Réu da instância.”

O presente recurso de apelação foi interposto pela Autora, formulando as seguintes conclusões:

1. Como se colhe da petição inicial da presente acção e mais concretamente do articulado inicial da acção nº 7607/15.0T8GMR, cuja junção aos autos foi ordenada, o Réu sempre tratou a A. como filha até ao mês de Maio de 2015.
2. Não obstante a cessação dessa posse de estado, apenas em Novembro de 2016, quando houve conhecimento do resultado negativo do exame efectuado no âmbito da acção referenciada, a Autora foi impelida a procurar outras respostas para tentar estabelecer a sua paternidade.
3. Nessa altura, nem a mãe, nem o Réu colaboraram na sua busca.
4. Foi através da indagação junto de antigos colegas de trabalho da sua mãe, na estação dos Correios de Celorico de Basto, e de vizinhos desta, à época, que a Autora logrou saber que o seu verdadeiro pai era o pai do Réu.
5. No entendimento da Autora, todos estes factos estão suficientemente alegados nos artigos 20º, 21º, 22º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 32º*, 37º, 38º, 39º, 41º, 42º e 55º da p.i.
6. Mesmo que assim não fosse – o que apenas se equaciona por questão de raciocínio –, a A. teria sempre de ser convidada ao aperfeiçoamento do seu articulado, com vista ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada,
7. já que tal convite constitui um poder-dever do Tribunal, devendo o respetivo despacho conter a finalidade e indicar a deficiência encontrada.
8. A sentença recorrida violou alínea a al. c) do art. 1817.º, n.º 3, do Cód. Civil e a al. a) do n.º 2 do art. 186.º, bem como os nos 3 e 4 do artigo 590º do Cód. Proc. Civil.
Não foi apresentada resposta.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, há que verificar se a petição inicial é inepta por falta de alegação de factos.

II- Fundamentação de Facto
A análise da questão centra-se apenas no teor dos articulados, que se mostra despiciendo aqui repetir.

III. Fundamentação de Direito

O presente recurso vem interposto da decisão que julgou a petição inicial inepta, por falta de invocação de todos os factos necessários para a procedência do pedido.

a) elementos da petição inicial; ineptidão

Nos termos do artigo 552º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, no que toca à invocação de factos, impõe-se que o Autor, na petição inicial, exponha os factos essenciais que constituem a causa de pedir.

Por seu turno, por força do disposto no º 2 do artigo 186º do Código de Processo Civil, “Quando falte ou seja ininteligível a indicação da causa de pedir, quando esta estiver em contradição com o pedido ou quando se cumulem causas de pedir substancialmente incompatíveis a petição inicial é inepta. No entanto, desde que se conclua que o Réu interpretou convenientemente a petição inicial, apesar de faltar ou ser ininteligível a indicação da causa de pedir, não procederá a arguição da ineptidão da petição inicial (nº 3 deste preceito).

Do teor desta última norma logo ressalva a vontade do legislador em, havendo alguma viabilidade numa petição inicial, não lhe retirar eficácia.

Há que salvaguardar deste vício de ineptidão todas aquelas petições iniciais em o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, mas deu a conhecer suficientemente o objeto da ação.
A causa de pedir é constituída por um facto ou o facto jurídico concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido; é o facto (ou conjunto de factos) que desencadeia as consequências jurídicas objeto do pedido, segundo o direito.
“A causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e significado duma conclusão: a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão" (Prof. Alberto dos Reis Comentário ao Código de Processo Civil, 3º vol., p. 381).

No que aqui nos interessa, porque não está em causa o pedido, importa não permitir que avance um processo em que a petição inicial não relata os atos ou os factos – essenciais - de que o pedido procede ou os explana de forma tal que não é possível apreender com segurança a causa de pedir.
Assim, exige-se que o demandante invoque os pressupostos fáticos essenciais (ainda que com o seu contorno jurídico) do pedido do formula.

Na senda do que vem sendo exposto, desde já se vislumbra que se o fizer de forma menos clara ou menos completa, se possível, ainda se deve aproveitar o praticado, o que pode ocorrer, conforme a gravidade dessa falha, quer através do entendimento hábil do teor do articulado, desde que a parte contrária não fique prejudicada, por o ter compreendido, quer através de um convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 590º nº 4 do Código de Processo Civil.

Enfim, há que distinguir uma petição inicial inepta de uma deficiente: a primeira conduz á absolvição da instância, se conhecida depois da citação, a segunda a um simples despacho de aperfeiçoamento. Importa, de qualquer forma, realçar que este despacho apenas pode ter por objeto o suprimento de omissões de alegação de alguns factos em causas de pedir mais complexas, de factos de menor relevo ou simples imprecisões na concretização dos factos, não podendo ser utilizado para a construção de uma petição inicial de estrutura diversa, porquanto há vícios insanáveis, como a contradição do pedido com a causa de pedir ou a completa ininteligibilidade da mesma, que o convite não permite resolver sem atacar a definição que já foi dada aos processo por quem o intentou e logo sem pôr em causa os princípios do dispositivo e da responsabilidade das partes.

Por fim, como corolário do exposto e de particular relevo nestes autos, importa ainda salientar que “a mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspeto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes”, como se sumariou no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 26/3/2015, no processo 6500/07.4TBBRG.G2,S2, disponível em www.dgsi.pt).

Com efeito, a petição inicial pode padecer de outras falhas que não conduzem à ineptidão, como aquelas que conduzem à improcedência do pedido.

Assim, se não se der a ininteligibilidade da causa de pedir ou incompatibilidades entre causas de pedir cumuladas, nem, tão pouco, contradição ou incompatibilidade lógica entre o pedido e a causa de pedir ou a omissão na sua alegação, mas os factos invocados na petição inicial não tiverem a virtualidade de sustentar o pedido, nem o seu vício seja compatível com um despacho de aperfeiçoamento, conclui-se que a petição inicial conduz à improcedência da ação, não à ineptidão.

Como tão bem se sintetizou no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 04/24/2012, no processo2281/11.5TBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt: “1 - A petição inicial é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir. 2 - Não há contradição entre a causa de pedir e o pedido quando exista nexo lógico entre ambos, podendo apenas ocorrer uma situação de improcedência, por a causa de pedir não ser bastante para alicerçar o pedido.”

De todo o exposto, conclui-se que a simples falta de invocação de todos os factos necessários para a procedência do pedido, não determina, per se, a ineptidão da petição inicial, sendo necessário para que esta ocorresse que tal omissão se traduzisse na sua inexistência, ininteligibilidade ou contradição interna.

Vejamos agora se a petição inicial efetivamente padece de falta invocação de factos essenciais que integram a causa de pedir.

b) causa de pedir na ação de investigação da paternidade e caducidade

Dispõe o artigo 1817º do Código Civil, aqui aplicável ex vi artigo 1873º do mesmo diploma, no seu nº 1: “A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.”

Mas logo no seu nº 3 este preceito fixa restrição temporal com outro critério, nos seguintes termos: “A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.”

E quanto ao ónus da prova, estabelece o nº 4 que no caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação.
Também no seu nº 2 se estabelece que se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º do Código Civil, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.
É hoje pacífico que numa ação de investigação de paternidade a causa de pedir é a paternidade biológica ou natural, a qual pode, não obstante, ser demonstrada por diversas vias, nomeadamente por recurso a factos que fazem presumir tal relação.

Centra-se a questão ora em análise no ónus de invocação de factos relativos à caducidade do direito de propor a ação, matéria que tem sofrido ampla dissidência na jurisprudência e doutrina. A primeira clivagem passa pela discussão da constitucionalidade da aposição de um prazo de caducidade para o direito ao estabelecimento da paternidade.

Depois, para os que defendem que é possível estabelecer prazos de caducidade para a dedução da ação, e que o prazo atualmente fixado no Código Civil é razoável, encontram-se ainda múltiplas posições quanto à distribuição, entre Autor e Réu, dos ónus de alegação e prova dos factos previstos no artigo 1817º do Código Civil relativos à caducidade.

Poupando-nos ao longo historial de razões que têm sido debatidas e se encontram superiormente defendidas na jurisprudência para qualquer uma das posições sobre a matéria, firma-se desde já que se entende que é constitucional a aposição, em abstrato, de prazos de caducidade ao direito ao estabelecimento da paternidade, porquanto o princípio da segurança o impõe: o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade pode ser comprimido face à necessidade de defender a estabilidade das relações familiares e jurídicas já criadas, desde que o prazo seja o suficientemente alargado para não trazer uma limitação intolerável do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental ao aprofundamento da identidade pessoal. Com efeito, a segurança jurídica é, também, uma pedra basilar do nosso Direito, a qual permite que a vida das pessoas decorra com pacificidade e organização.

O prazo regra previsto no nº 1 do artigo 817º nº 1 do Código Civil, na sua última redação, dada pela Lei n.º 14/2009, de 01/04, é alargado, concedendo ao investigante tempo para amadurecer como pessoa antes de se esgotar a possibilidade de averiguar dessa matéria (em regra dez anos após a sua maioridade). Os demais prazos previstos nos artigos 2 e 3, de forma mais completa, com a fixação do termo inicial em factos subjetivos, defendem as situações concretas em que os dez anos previstos no nº 1 não se mostram suficientes para uma completa defesa do direito em causa. As alíneas do nº 3 deste artigo são suficientemente amplas para salvar da caducidade as situações em que não é imputável ao investigante a demora no exercício do direito.

“A existência de um prazo limite para a instauração duma ação de reconhecimento judicial da paternidade não é, só por si, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspeto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas.” cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº247/2012, de 22.5.2012.

São múltiplas as posições quanto ao ónus da alegação e prova nesta matéria da caducidade nas ações de investigação da paternidade.

Umas atribuem ao Autor os ónus da alegação e prova de todas as circunstâncias e factos alegados nos nºs 2 e 3 do Artigo 1817º do Código Civil, com exceção da prova da circunstância prevista no seu nº 4, outras atribuem-lhe o ónus da alegação, mas não da prova, outras atribuem ao Réu, à semelhança dos demais casos de caducidade do direito de propor a ação, como facto extintivo do direito, o ónus de alegação e prova dessas ocorrência (“Apesar de ser sustentável que o não decurso do prazo de caducidade seja configurado como facto constitutivo do direito do autor, parece ter sido determinante para a opção do legislador a questão da extrema dificuldade da prova de factos negativos. Para o autor seria extremamente difícil demonstrar que não teve conhecimento de certo facto em momento algum antes de determinada data enquanto para o réu será mais fácil demonstrar que num determinado momento concreto o autor já tinha conhecimento do facto - Rita Lynce Faria, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 815").

Numa das teses que tem sido a mais seguida, considera-se que o nº 1 do artigo 1817º do Código Civil prevê o prazo regra da caducidade e no nº 3 se estipulam contra exceções à caducidade (cf Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 03/09/2017, no processo 759/14.8TBSTB.E1.S1, o qual se pronuncia também sobre a questão que aqui nos interessa, “II. - Incumbe ao A., em resposta à dedução da exceção de caducidade pelo R., alegar, como matéria de contra exceção, a verificação das circunstâncias que prorrogam a possibilidade de propor ainda a ação, invocando, nomeadamente, factos ou circunstâncias que tornem justificável e admissível a propositura tardia da ação -demonstrando que, sem o respetivo conhecimento, não lhe seria possível ou exigível avançar para a proposição da ação de investigação da paternidade.”, sublinhando nós o momento em que deve o investigante trazer tais factos à liça. (No mesmo sentido, Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça de 05/28/2015, no processo 2615/11.2TBBCL.G2.S1, de 02/02/2017, no processo 200/11.8TBFVN.C2.S1.)

Assim, mesmo nesta posição, mais restritiva dos direitos do investigante, por impor ao mesmo o ónus de provar os factos que preenchem os pressupostos da “contra exceção à caducidade” previstos nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 1817º do Código Civil, a correspondente alegação não precisa de ser efetuada na petição inicial, mas como resposta à exceção de caducidade invocada na contestação.

Não são elementos que componham a causa de pedir; neste sentido, entende-se que o Autor não está obrigado a alegar logo na petição inicial, que o seu direito não caducou.

É certo que a caducidade é, neste caso de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 333º nº 1 do Código Civil, mas para o seu apuramento é mister que estejam nos autos todos os elementos necessários para o efeito e que seja dado a possibilidade ao Autor de se pronunciar sobre esta matéria, nos termos do artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil.

Assim, a matéria em causa não integra a causa de pedir (1).

Por fim, outra posição entende que a caducidade nas ações de investigação da paternidade deve seguir, em toda a linha, o regime geral da caducidade estabelecido como regra no Código Civil, fixando-se essencialmente na estrutura do regime jurídico fixado no artigo 1817º deste diploma e não na forma como está redigida esta norma, fruto das alterações que esta sofreu, na sequência da evolução sociológica nesta matéria da paternidade não presumida.

Nos termos do artigo 342º do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado; por seu turno, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. Determina o artigo 343º nº 2 do Código Civil que nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.

O decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate (a caducidade visa a proteção do valor da certeza e segurança dos direitos e não tanto do sujeito passivo).

Na petição inicial, o Autor deve invocar os factos essenciais constitutivos do seu direito “Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação; (artigo 552º nº 2 alínea d) do Código de Processo Civil).

O Réu na contestação deve “Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação” – artigo 572º alínea c) do Código de Processo Civil.

Sendo a caducidade uma exceção perentória, compete ao Réu invocar os seus pressupostos (na contestação), podendo o Autor a esta responder, se não lhe for concedida tal faculdade anteriormente e não tiver ocorrido a dedução de reconvenção, na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.- artigo 4º nº 3 do Código de Processo Civil.

Olhando tal regime, conclui-se que se pode considerar que apenas se preveem casos de caducidade nos nºs 2 e 3 do Artigo 1817º do Código Civil, funcionando o nº 1 como a fixação de um prazo durante o qual não opera a caducidade. Neste sentido, também o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011 de 20.9.2011 (Diário da República n.º 211/2011, Série II de 2011-11-03), seguido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 17/10/2017 no processo 850/14.0TBCBR.C1. (2) E assim, é ao Réu que cumpre invocar a caducidade do direito do Autor, por a ação ter sido proposta depois de terem decorrido os três anos sobre aquelas circunstâncias.

Entende-se que esta última posição, onerando o investigado com o ónus da prova dos factos integradores de todas as circunstâncias, positivas ou negativas, fundadoras da caducidade, terá a virtualidade de poder conduzir a uma uniformização da jurisprudência, por salvaguardar de modo mais vigoroso a proteção do direito de personalidade inerente à personalidade biológica, defendidas pelos opositores à constitucionalidade da previsão da caducidade neste campo, ao mesmo tempo que observa de forma curial e sem distorções os princípios do direito civil no que toca à distribuição do ónus da prova quanto aos factos que fundam a caducidade, esta defensora da segurança das situações jurídicas.

Certo é que, em todas estas, não se obriga o Autor a responder à exceção da caducidade logo na petição inicial: sendo verdade que esta exceção é de conhecimento oficioso no âmbito desta matéria (artigo 333º nº 1 do Código Civil), mesmo que não invocada na contestação, não poderia o tribunal sobre ela decidir sem dar a possibilidade ao Autor de se pronunciar, nos termos do artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil.

Por fim, diga-se que na petição inicial a Autora balizou de forma clara os factos integradores da alínea c) do artigo 1817º do Código Civil: referiu que apenas tomou conhecimento dos factos que fundam a investigação em relação ao pai do Réu quando percebeu que este assumiu por aquele a responsabilidade da sua paternidade, o que apenas descobriu após a prolação da sentença absolutória do Réu que intentou contra ele para que fosse reconhecida a paternidade. no processo 7607/15.0T8GMR (junta ao autos por determinação do tribunal, proferida cerca de 18 meses antes da propositura da presente ação) e na sequência diligências que encetou junto de colegas e amigos da mãe da Autora.

De resto, a concretização quanto à pessoa ou pessoas que a informaram ou que lhe deram o conjunto de indícios suficientes para obter tal conclusão, o lugar e o dia ou período, dentro desses 18 meses, poderia, quando muito, ser objeto de despacho de aperfeiçoamento, nunca logrando determinar a ineptidão da petição inicial, reservado, como se viu, no que toca à causa de pedir, para os casos da sua falta, ininteligibilidade ou contradição interna ou com o pedido.
A ação deve prosseguir no ponto em que se encontrava antes da prolação da decisão que ora se revoga.

IV. Decisão:

Por todo o exposto julga-se a apelação procedente e em consequência, revoga-se o saneador sentença proferido, determinando que os autos prossigam os seus termos.
Custas pela parte vencida a final.

Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade


1. Uma outra posição, aligeira o ónus da prova neste caso, mantendo o ónus da alegação, mas sem o elevar a natureza de elemento da causa de pedir: os prazos fixados no nº 3 do artigo 1817º são prazos especiais, dependentes de certos pressupostos próprios, autónomos do prazo geral previsto no nº 1 (cf Amorim Pereira[ A preclusão do direito de acionar nas ações de investigação de paternidade – ROA 1988, 143 e seguintes e acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 10/03/2017, no processo 737/13.4TBMDL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Aqui impõe-se-lhe apenas o ónus da alegação e da prova da situação especial que desencadeia o aplicar destas exceções, afastando-se lhe o custo de demonstrar que não se verifica a caducidade.
2. Sobre este ónus da prova, aplicando o regime previsto no nº 2 do artigo 343º do Código Civil cf. os Ac STJ de 17-5-2012, proc.200/11.8TBFVN.C2. S1, Ac STJ de 07/10/2014, proc 1057/10.1TBEPS.G1, Ac TRP, de 28/01/2014, no processo 779/10.1T2ETR.P1. C1, o Ac TRP, de 10/09/2014, proc 956/10.5TBSTS-D.P1. Em todas se considera que «em face do direito vigente, não pode haver outra solução senão aquela que onera a ré com a prova do decurso do prazo de caducidade.