Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
53/13.1GTVCT.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
AUSÊNCIA
ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Em processo sumário a sentença deve ser notificada por contacto pessoal ao arguido que não este presente na audiência e na altura em que a sentença foi proferida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No Tribunal Judicial de Melgaço, em processo sumário (Proc.nº 53/13.1GTVCT), foi proferida sentença que condenou o arguido César A... como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artº. 292º/1, do Código Penal, em:

A) 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a multa de € 560,00 (quinhentos e sessenta euros).
B) na sanção acessória de proibição da faculdade de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.

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O arguido César A... interpôs recurso desta sentença, suscitando as seguintes questões:

- o arguido não foi regularmente notificado da sentença;

- o arguido não foi regularmente notificado da realização do julgamento. As assinaturas que constam dos autos de notificação não foram apostas por si. Não foi informado de que iria ser submetido a julgamento e quais as consequências da sua ausência. Ocorre, por isso, a nulidade insanável prevista no art. 119 al. c) do CPP;

- não tendo sido notificado nos termos do art. 385 nº 2 do CPP, não podia ter sido efetuado julgamento em processo sumário, pelo que ocorre igualmente a nulidade insanável do art. 119 al. f) do CPP; e

- subsidiariamente a sanção acessória deve ser reduzida para o mínimo legal.


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Respondendo, a magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

Nesta instância, a sra. procurador-geral adjunta emitiu parecer no sentido de ser ordenada a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO
A falta de notificação da sentença ao arguido
O arguido não esteve presente no julgamento e, após este, foi notificado da sentença por aviso postal simples – fls. 22 e 23.
Porém, a notificação da sentença a arguido julgado na sua ausência tem de ser feita por contacto pessoal.
Seguir-se-á a fundamentação do acórdão desta Relação de Guimarães de 31-10-2005, proferido no recurso 1727/2005-1, com o mesmo relator deste.
Diz o art. 113 nº 10 do CPP:
“As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação para o dia de julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado (…).
Daqui não decorre, porém, que as notificações na pessoa do arguido tenham de ser feitas por “contacto pessoal”.
Quando o arguido presta TIR, a regra das notificações feitas na sua pessoa é, atualmente, o uso da via postal simples, de acordo com o art. 196 nºs 2 e 3 al. c) do CPP. A norma acima transcrita do nº 9 do art. 113 do CPP apenas indica que, nos casos nela referidos, a notificação tem também de ser feita diretamente na pessoa do notificado, por um dos meios admitidos, não bastando a notificação ao advogado ou defensor.
Mas, efetivamente, existe uma exceção àquela regra, no caso da notificação da sentença ao arguido que não esteve no julgamento.
Dispõe o art. 333 nº 5 do CPP:
No caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença”.
Se o arguido só é notificado da sentença quando for detido ou se apresentar voluntariamente, a notificação que se tem em vista só pode ser aquela que exige a sua presença, ou seja, a que é feita através de contacto pessoal, estando fora de hipótese a notificação pela via postal, que podia logo ser feita, em nada dependendo da presença do arguido. Isto foi também já afirmado pelo TC no ac. 274/03 de 28-5-03, publicado no DR II série de 5-7-03, a propósito da norma idêntica contida no art. 334 nº 6 do CPP.
Deixa-se só mais duas notas:
1 – O regime indicado, embora inserido nas normas que regulamentam o julgamento em processo comum, é aplicável ao processo sumário, pois o art. 386 nº 1 do CPP, dispõe que “o julgamento em processo sumário regula-se pelas disposições deste Código relativas ao julgamento por tribunal singular, com as modificações constantes deste título”.
É certo que, de acordo com o preceituado no art. 385 nº 2 al. a) do CPP, o arguido foi notificado de que se faltasse ao julgamento a audiência se realizaria, mesmo que não comparecesse, sendo representado por defensor. Porém, o defensor tem sempre a função de “representar” o arguido. Quer no processo comum, quer no processo sumário, o arguido que não está presente no julgamento é “representado” pelo defensor. Não decorre daquela norma do art. 385 nº 2 al. a) do CPP a criação de um regime especial para a notificação da sentença ao arguido julgado na sua ausência em processo sumário.
Neste sentido v. o acórdão desta Relação de Guimarães, de 08-10-2012, relator Paulo Silva, proferido no recurso 441/10.5PABCL.G1: “o arguido deve ser pessoalmente notificado da sentença quando tenha estado ausente em qualquer das sessões do julgamento realizado no âmbito do processo sumário, assim como ausente na leitura da sentença aí proferida, à qual assistiu o seu defensor, sendo que em tal caso o prazo de interposição inicia-se com a notificação pessoal da sentença pelo arguido”.
2 – Consta da ata do julgamento que após a prolação da sentença os sujeitos processuais declararam prescindir da entrega de cópia (em CD) da sentença.
Em processo sumário, o prazo para a interposição do recurso da sentença conta-se a partir da entrega da cópia da gravação da sentença, salvo se o respetivo sujeito processual tiver prescindido da entrega da cópia – arts. 391 nº 2 e 389-A do CPP.
Porém, a entrega da gravação não dispensa nem substitui a notificação da sentença. Na economia das normas referidas, a entrega da gravação é o ato processual que se segue à notificação da sentença ao arguido. Por regra, a notificação ocorre no momento em que ele, estando presente, assiste à prolação oral da sentença. A entrega da gravação corresponde e tem o mesmo alcance do “depósito na secretaria” da sentença escrita (art. 411 nº 1 al. b) do CPP). Fixa o momento a partir do qual a sentença está disponível para os interessados a poderem analisar, começando, só então, a correr o prazo de interposição do recurso. Substancialmente, não há diferenças entre a sentença escrita e a sentença oral, quando o arguido está presente. Com a leitura da sentença escrita ou com a prolação da sentença oral, o arguido fica notificado dela, mas o prazo para o recurso só começa a correr com o ato posterior do depósito da sentença ou da entrega da cópia da gravação.
Também é similar o regime no caso de julgamentos feitos na ausência do arguido. Após a publicação da sentença pode ser feito o depósito ou entregue cópia da gravação ao defensor, mas tal não dispensa a notificação ao arguido.
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Se a lei exige que o arguido julgado na sua ausência seja notificado da sentença pela forma mais formal prevista, então é porque pretende garantir que ele tem efetivo conhecimento dela, para poder, se não instruir, pelo menos discutir com o seu advogado os termos do eventual recurso a interpor. Embora a decisão de interposição do recurso seja uma decisão jurídica e, pois, uma resolução sobretudo do defensor, o arguido deve estar ciente da iminência da reação penal e ter a oportunidade de se pronunciar quanto a ela por via de recurso.
Isto é, o recurso não podia ter sido admitido, sem que se mostrasse já se iniciara o prazo para o efeito.
Deverá, assim, o tribunal recorrido observar os procedimentos necessários à notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, nos termos indicados.
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso, pois após a notificação da sentença, correrá prazo para a interposição de novo recurso.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães ordenam que o tribunal recorrido providencie pela notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal nos termos indicados.
Sem custas.

Voto de vencido: uma vez que o arguido foi notificado de que a audiência de julgamento em processo sumário se realizaria, mesmo que não comparecesse, sendo representado por defensor (vd. artigo 385º, nº 2 al. a) do CPP), entendo, com o devido respeito pela posição perfilhada no acórdão, que o arguido se considera notificado da sentença depois de esta ter sido proferida oralmente perante o seu defensor.
Consequentemente, julgaria improcedente esta questão e avançaria para o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso. Nazaré Saraiva.