Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1972/06-2
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O artigo 1421º do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 267/94 de 25/10, não se aplica às situações já definitivamente constituídas e reguladas, quando o mesmo entrou em vigor.
II – O terraço incrustado no primeiro andar do prédio, afecto ao uso exclusivo do proprietário daquele andar, e ao qual apenas este tem acesso, deve ser considerado como intermédio e não de cobertura, ainda que o mesmo dê, em parte, cobertura a uma das fracções do rés-do-chão.
III – Para os efeitos da alínea b) do artigo 1421º, do Código Civil, na redacção anterior ao citado Decreto-Lei n.º 267/94, os terraços intermédios não constituem partes comuns do prédio.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 1972/06-2
Apelação em proc. sumário.
Proc. n.º 1888/04.1TBFAF

I – A ... e B... instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra C. C., S.A., pedindo:
a) que se reconheça e declare o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no art.º 1º da p.i.; e
b) que se condene a ré a:
- reconhecer tal direito;
- demolir o muro que divide em duas área o terraço do prédio;
- retirar do terraço todos os aparelhos lá colocados, nomeadamente, aparelhos de ar condicionado, aparelhos de compressão de frigoríficos e tubos de ventilação;
- tapar a abertura feita no terraço para acesso do estabelecimento;
- retirar a cobertura em zinco colocada sobre aquela área do terraço;
- repor o terraço no estado anterior ao da feitura da obras.

Para tanto, e em síntese, alegam que são proprietários da fracção E do prédio urbano sito na Praça 25 de Abril, inscrita na matriz sob o art.º 3520-E, encontrando-se a sua aquisição inscrita a seu favor, na Conservatória de Registo Predial, pela inscrição G-1, sob o n.º 00789/200188.
No terraço deste prédio, a ré, arrendatária do estabelecimento comercial instalado sob o imóvel, construiu um muro de cimento e colocou diversos aparelhos de ar condicionado, de compressão de frigoríficos e tubos de ventilação. Para acesso ao terraço, rasgou uma abertura, que encimou com uma porta de vidro, cobrindo toda a área ocupada com uma chapa de zinco, o que viola o direito de propriedade dos autores.

Regular e pessoalmente citada, a ré contestou.
Confirma a realização das obras descritas, alegando que foram realizadas com o conhecimento e autorização dos autores.
Invoca a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal do imóvel onde se integra a fracção pertencente aos autores, na medida em que o terraço de cobertura que os autores dizem ser seu é uma parte comum do edifício, nos termos do disposto no art.º 1421º, n.º 1, b) do C.C..

Responderam os autores.
Contestam a legitimidade da ré para, enquanto arrendatária de uma fracção do imóvel, arguir a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, alegando ainda que o terraço não é nem podia ser um terraço de cobertura da fracção C.

Efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu:

a) julgar procedente a presente acção, e em consequência,
b) declarar que os autores são proprietários do prédio idf. no art.º 1º da p.i.;
c) declarar a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, na parte em que integra na fracção “E” o terraço voltado para o alçado posterior;
d) condenar a ré a:
- reconhecer o direito de propriedade dos autores;
- demolir o muro que divide em duas área o terraço do prédio;
- retirar do terraço todos os aparelhos lá colocados, nomeadamente, aparelhos de ar condicionado, aparelhos de compressão de frigoríficos e tubos de ventilação;
- tapar a abertura feita no terraço para acesso do estabelecimento;
- retirar a cobertura em zinco colocada sobre aquela área do terraço; e a
- repor o terraço no estado anterior ao da feitura da obras.


Inconformada a ré veio interpor recurso cujas alegações de fls. 156 a 174, terminam com as seguintes conclusões:

- Falta de pressupostos da causa de pedir complexa, uma vez que nas acções de indemnização por facto ilícito a causa de pedir é constituída pelo conjunto de factos exigidos pela lei para que surja o direito à indemnização.
- Ora, coligidos os factos alegados e dados como provados não se vislumbra a verificação de qual o interesse /direito dos demandantes que foi violado com a conduta da recorrente.
- E assim, a sentença está ferida da nulidade prevista no artigo 668º, alínea d) do Código de Processo Civil.
- É que atentas as regras do ónus probatório, compete ao lesado provar que a conduta do lesante é ilícita.
- Falta de causa de pedir, atento o pedido, uma vez que os recorridos alicerçam a acção com fundamento em obras realizadas à revelia da sua vontade.
- Ora, os recorridos teriam de alegar e provar que as inovações efectuadas pela recorrente no dito terraço prejudicam a utilização que dele podem ou vinham a fazer até então.
- Ora tal alegação é inexistente nos articulados.
- Assim, e uma vez decidido na sentença que o terraço não era propriedade dos demandantes, mas antes parte comum do prédio, a causa de pedir não podia ter obtido o efeito pretendido, por não haver conexão e conformidade entre a causa petendi e o pedido.
- Não provado o direito de propriedade que se arrogavam na acção, não pode, a nosso ver, o Tribunal substituir-se à parte, nomeadamente à falta de alegação de factos tendentes e essenciais à procedência da pretensão, o que se verifica manifestamente no caso dos presentes autos.
- A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 483º e segs.,341º e segs., 1421 e segs., todos do Código Civil, e 3º, 264º, 467º, n.º 1, d), 489º, n.º 1. 660º, n.º 2, 664º e 668º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil.


Os recorridos contra-alegaram conforme consta de fls. 199 e 200, dizendo que a recorrente aceita que efectuou as obras, e não provou que tinha autorização para a feitura dessas obras, pelo que deveria, como foi, ser condenado a repor o prédio ou parte do prédio onde construiu aquelas obras, no seu estado anterior.
A violação de um direito de propriedade é um acto ilícito porquanto impede o exercício dos direitos concedidos ao proprietário e contidos no artigo 1305º do Código Civil.
Concluem que a sentença deve ser mantida.

O Mmº Juiz pronunciou-se dizendo que não se verifica a nulidade alegada pelos recorrentes.

II – O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 660º, n.º 2 , 664º, 684º, n.º 3 e 4 e 690º , todos do Código de Processo Civil.

Assim as questões a decidir são as seguintes:
- falta da causa de pedir.
- Violação do disposto na alínea d) do artigo 668º do Código de Processo Civil
1. Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

a) Encontra-se inscrita a favor dos AA. a aquisição, por divisão de coisa comum, do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de Fafe sob o n.º 00789/200188-E, como “Urbano – Primeiro Andar Esquerdo – área 146 m2, composto de vestíbulo, 4 corredores, 3 gabinetes, sala para desenho, arquivo, 2 divisões para arrumos, quarto de banho, WC, varanda e terraço.”;
b) Por escritura pública de 27.11.1987, intitulada “Propriedade Horizontal e Divisão”, DD , EE, FF, e GG declararam ser comproprietários, em partes iguais, de um imóvel urbano, sito na Praça 25 de Abril, Fafe, de R/Chão, primeiro, segundo e terceiro andares, edificado no descrito na Conservatória de Registo Predial de Fafe sob o n.º 2755;
c) Mais declararam que, sendo o dito imóvel constituído por nove fracções independentes, distintas e isoladas entre si, com saída para a via pública ou para a parte comum, decidiam submetê-lo ao regime de propriedade horizontal;
d) Entre outras, foi constituída a fracção “E”, destinada a escritório, correspondente ao primeiro andar esquerdo, com a área de 146 m2, composta por vestíbulo, quatro corredores, três gabinetes, sala para desenho, arquivo, duas divisões para arrumos, quarto de banho, WC, uma varanda voltada para a Pr. 25 de Abril e um terraço para o alçado posterior;
e) Declararam ainda que, dividindo o citado imóvel, aos AA. seria adjudicada, entre outras, a fracção referida em D);
f) Em parte do terraço referido em D), a R. colocou vários aparelhos de ar condicionado, aparelhos de compressão de frigoríficos e tubos de ventilação;
g) A R. construiu um muro de cimento de 1,20 m de altura encimado por uma chapa de zinco de 0,90 m de altura a 5,30 m do topo nascente do terraço, no sentido norte/sul, assim dividindo o terraço em duas áreas distintas.
h) Na parte nascente, com a área de 42,93 m2, colocou quatro aparelhos de ar condicionado, cinco aparelhos de compressão de frigoríficos e dois tubos de ventilação;
i) Para acesso do estabelecimento comercial instalado sob o prédio referido em A) àquela parte do terraço, a R. rasgou uma abertura no mesmo terraço com 1,30 metros de comprimento e 1,10 m de largura, que encimou com uma porta de vidro fosco;
j) A R. cobriu toda a área agora ocupada com chapa de zinco;
k) Encontra-se inscrita a favor de H..., casado com M... no regime de comunhão geral, a aquisição, por divisão de coisa comum, do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de Fafe sob o n.º 00789/200188-C, como “Urbano – R/Chão Esquerdo – área 314 m2, destinado a estabelecimento comercial, composto de 1 divisão para café, outra para restaurante, outra para cozinha, uma despensa e 2 instalações sanitárias”;
l) Os autores tomaram conhecimento das obras acima referidas e para colocação dos aparelhos, pelo menos em 2003.


2. A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido .
Como refere Alberto dos Reis, podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou facto , fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir” – Comentário ao Código de processo Civil, v. 2. pág. 37.

Vejamos se no caso se verifica alguma das situações referidas.

O pedido formulado pelos autores consiste fundamentalmente, para além do reconhecimento do direito de propriedade sobre a fracção “E”, em que a ré seja condenada a retirar do terraço as obras que aí efectuou, bem como a repô-lo no estado anterior às obras executadas;
Para tal alegaram como fundamento do seu direito, factos tendentes a demonstrar que são proprietários da referida fracção e que a ré efectuou obras no terraço, sem o seu conhecimento e sem a sua autorização – artigos 9º a 17º.
Como consta da petição inicial, os autores alegaram factos que fundamentam o pedido, pelo que não se verifica a omissão de actos ou factos, nem os factos são confusos, ambíguos ou ininteligíveis.
Se os factos são os bastantes ou os necessários para a procedência da acção, é uma questão que nada tem a ver com a nulidade que possa advir da falta da causa de pedir.

Alega a recorrente que sendo o terraço uma parte comum do edifício, tinham os autores que alegar e provar designadamente que as inovações efectuadas pelo recorrente no terraço prejudicam a utilização que deles podem fazer ou vinham fazendo até então.
A questão está em saber, e quanto ao mérito da causa, se o Mmº Juiz ,face à prova produzida, podia ter decidido como decidiu.

a) - Entendeu-se na sentença que o terraço descrito na escritura de constituição da propriedade horizontal, cuja cópia consta dos autos a fls. 5 e segs. , era comum até porque uma parte desse terraço constitui a cobertura da fracção C.
Em consequência declarou-se a nulidade (em parte) da escritura de constituição da propriedade horizontal, na parte em que integra o terraço na fracção propriedade dos autores.
A propriedade horizontal foi constituída em 28 de Novembro de 1987, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995.
O citado decreto-lei deu nova redacção às alíneas b) e d) do n.º 1 e à alínea d) do n.º 2 do artigo 1421º do Código Civil, assim como lhe introduziu o n.º 3 .
Com este decreto passou a ser admissível que os telhados ou os terraços de cobertura sejam destinados ao uso de qualquer fracção, e não apenas ao uso do último pavimento, assim como advieram alterações no que respeita às instalações de gás, e das comunicações, bem como no que respeita aos lugares de estacionamento.

Era a seguinte a redacção do artigo 1421º do Código Civil, à data da constituição da propriedade horizontal: “são comuns as seguintes partes do edifício: (...) b) o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”.
No caso sub judice há que averiguar, face à lei em vigor (ao tempo da constituição da propriedade horizontal) qual a natureza do terraço da fracção “E” , se comum ou individual.
Como resulta da matéria de facto provada, o terraço em causa não é um terraço de cobertura, mas um terraço intermédio, embora uma parte desse terraço sirva de telhado a uma fracção (do rés-do-chão).
Na jurisprudência existem duas correntes sobre este tipo de terraços; uma que considera, que apenas são comuns os terraços de cobertura , mas não os terraços intermédios, e outra que considera também os intermédios como comuns.
Conforme resulta do artigo 1418º do Código Civil, (com a redacção do Decreto-Lei n.º 267/94), as partes comuns não têm que ser especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, sendo delimitadas por exclusão de partes, e valendo a regra de que tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum.
Tendo em conta o disposto na lei, as partes comuns não necessitam de ser especificadas no título constitutivo de propriedade horizontal, e conhecem-se por exclusão de partes.
Ou seja, a lei apenas obriga a especificar no título as partes dos edifícios correspondentes às várias fracções, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas.
No que respeita ao terraço em causa, no título de constituição da propriedade horizontal, o mesmo é descrito como parte integrante da fracção pertencente aos autores.
Há assim que decidir se esta menção viola ou não o disposto no artigo 1421º b) do Código Civil, vigente à data da constituição da propriedade horizontal - 1987 – como se decidiu na sentença, tendo-se aí concluído que a escritura de constituição de propriedade horizontal é nessa parte nula.
O citado artigo 1421º, b) , na redacção anterior ao citado Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, considera imperativamente comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento.
Esta destinação do uso do terraço ao último pavimento só tem sentido se se entender que esse terraço é o que serve tal como o telhado de cobertura ao prédio em si, visto na sua globalidade.
Se a lei visasse também os terraços intermédios, teria certamente ressalvado, do mesmo modo, a afectação do uso desses terraços aos pavimentos contíguos – neste sentido Ac. do STJ de 8/4/97, CJ Ano V, t. 2, pág. 35.
Também Pires de Lima e Antunes Varela referem que “são considerados comuns, por constituírem igualmente parte integrante da estrutura do prédio, o telhado, e os terraços de cobertura . “ Ainda que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos ( por estar situado no mesmo nível do último pavimento, porque o acesso se faça pelo interior desse pavimento), ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção (alínea b) do n.º 1)” – Cód. Civil, Anotado, v. 3º, 2ª ed., pág. 422.
No acórdão da Relação de Lisboa de 25/5/91, considerou-se que “o telhado e os terraços de cobertura de fracção de prédio submetido ao regime de propriedade horizontal só são partes comuns quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção “ – CJ ano XVI, t. 3, pág. 148
Já o acórdão da mesma Relação de 23/3/82, e de 27/4/89 considerou que os terraços mesmo ao nível do primeiro andar por servirem de cobertura a um estabelecimento são parte comum, mesmo que estejam afectos ao uso exclusivo de algum condómino (CJ, Anos, VII, t. 2 , pág. 173 e XIV t. 2, pág. 151).
Só que como se refere no citado Acórdão do STJ de 8/4/97, esta corrente não tomou em consideração, para além do mais, o argumento que se alicerçava na 2ª parte do preceito (na anterior redacção) quando refere “ainda que destinados ao uso do último pavimento”.
Ora, a redacção actual do artigo 1421º do Código Civil, dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica àquelas situações já definitivamente constituídas e reguladas, quando da sua entrada em vigor.
E assim, tendo em conta a data da constituição da propriedade horizontal – 1987 – entendemos que o terraço em causa, não tinha a natureza de parte comum do edifício.
O terraço não serve de cobertura ou protecção do imóvel visto na sua globalidade, e do teor do título constitutivo ressalta que o mesmo integra a fracção E.
Como resulta do título constitutivo a fracção dos autores é constituída por um terraço, que é intermédio e não de cobertura, e por isso não se presume, nem presumia à data da constituição da propriedade horizontal como comum, nem a escritura violou a imperatividade do citado artigo.
E a lei nova – nova redacção do artigo 1421º- não se aplica ao caso concreto.
E assim, tendo-se provado que a ré efectuou as obras descritas sem qualquer autorização ou conhecimento dos autores violou o direito de propriedade dos mesmos.
A responsabilidade por factos ilícitos, genericamente prevista no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil, traduz-se na obrigação que impende sobre aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para haver obrigação de indemnizar, o artigo 483º do Código Civil, exige a concorrência simultânea dos seguintes requisitos: o facto, a sua ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano e a relação de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, no caso verificam-se todos os pressupostos a que alude o citado artigo 483º , porque a ré efectuou obras que afectam o gozo do terraço por parte dos autores, sem a sua autorização, violando o direito de propriedade dos mesmos.

Entende a recorrente que a sentença cometeu a nulidade da alínea d) do artigo 668º do Código de Processo Civil, porque apesar de te considerado nulo o título de constituição da propriedade horizontal, condenou a ré a repor o terraço na situação em que se encontrava anteriormente.
Alega ainda a recorrente que não existiam factos que permitissem decidir como decidiu o Mmº Juiz.
O Mmº Juiz entendeu que sendo o terraço parte comum do edifício, a ré violou o disposto no artigo 1425º do Código Civil, porque as obras que constituem inovação dependem da aprovação da maioria dos condóminos.
Considerou que as obras prejudicam pelo menos um condómino (os autores), e que a ré não provou que a maioria dos condóminos as tivesse aprovado.
Diz a recorrente que não existem factos alegados ou provados que permitam ao Mmº Juiz decidir deste modo, e por isso violou o disposto na alínea d) do artigo 668º do Código de Processo Civil.
Entendemos que não tem razão.
Refere o citado artigo 668º, d) que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade prevista neste artigo consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, ou quando se conheça de questões não invocadas, ou condene em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.
Ora, a sentença não condenou a ré em objecto diverso do pedido, nem apreciou questões que não podia apreciar; apenas decidiu com base em fundamentos diversos dos alegados, com razões e argumentos diversos.
É que mesmo a considerar-se (como entendeu o Mmº Juiz) que é nula a escritura na parte em que considera o terraço parte integrante da fracção, sempre se poderia conceder à fracção o uso exclusivo do terraço, uma vez que se devia reduzir o negócio até à parte que é legal , de acordo com o disposto no artigo 292º do Código Civil.
No caso, tratar-se-ia de uma redução e não de uma conversão porque o direito de usar a coisa está incluído no direito de propriedade.
Temos assim, que para quem subscreva a tese de que nessa parte o negócio é nulo (como entendeu o Mmº Juiz), dado o disposto no citado artigo 292º, sempre os autores teriam o direito ao uso exclusivo do terraço (redução do negócio jurídico).
E a considerar-se que o terraço era comum, e apenas afecto ao uso exclusivo daquela fracção a atitude da ré violava o direito de uso e de gozo dos autores sobre o terraço (verificando-se os pressupostos a que alude o artigo 483º do Código Civil, já citado).
O direito de gozo e uso de determinada parte comum traduz-se num poder de agir directa e autonomamente sobre uma coisa, implicando o aproveitamento naturalístico pelo respectivo titular – direito pessoal de gozo – neste sentido, Ac. do STJ de 14/10/97, CJ ano V, t. 3, pág. 80.
E sem dúvida que a matéria de facto apurada permite concluir que as obras realizadas pela ré, são ilícitas à luz do disposto no artigo 1425º, n.º 2 do Código Civil ( está provado que a ré rasgou uma abertura no terraço para acesso da fracção que ocupa, cobriu toda a área ocupada com chapa de zinco, construiu um muro de cimento, dividindo o terraço em duas áreas distintas – alíneas g), h) , i) e j) dos factos assentes).
A conduta da ré afecta o uso normal a que o terraço se destina.
E também, a considerar-se o terraço como comum qualquer condómino teria legitimidade para pleitear em juízo, para defender o seu direito sobre essa parte comum.

No entanto, e como já referimos, tendo a propriedade horizontal sido constituída por título definitivo e regulada, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, não se aplica o artigo 1421º do Código Civil, na redacção deste decreto.
Por outro lado, tendo o terraço sido descrito no título constitutivo de propriedade horizontal, como privativo da fracção “E”, não pode ser considerado parte comum, pertença do condomínio, se não é terraço de cobertura, não obstante funcionar como cobertura parcial de uma fracção.
Pelo que, embora com outra fundamentação, é de manter a sentença recorrida.
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Termos em que acordam os juízes desta secção, em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 14/12/06