Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
333/12.3TCGMR.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – O dano biológico sofrido pelo lesado, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, quer o mesmo seja enquadrado nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
II – A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo autor, traduzido em limitação funcional (6 pontos de IPG), deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida no nível salarial auferido, enquanto fonte atual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional presente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo assim um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
III - Como tem sido entendido de forma uniforme, o valor de uma indemnização por danos não patrimoniais, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
J… instaurou a presente acção, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros…, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 200.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.
Fundamenta este pedido, em síntese, na ocorrência de um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo pesado com a matrícula QD-43-21 (conhecido por camião do lixo grosso), propriedade do Município de…, na altura conduzido pelo funcionário J… e o autor, que foi atropelado por aquele identificado veículo, a cujo condutor atribui a culpa na eclosão do acidente, em consequência do qual lhe sobrevieram os danos que indica resumidamente no artigo 60º da petição inicial e de que se quer ver ressarcido, sendo responsável pelo pagamento a ré para quem o proprietário do identificado veículo havia transferido a responsabilidade civil emergente da sua circulação.
A ré contestou, contrapondo ter havido culpa do condutor do veículo e do autor na produção do acidente, tendo ambos os comportamentos contribuído de igual modo para a sua eclosão, impugnando a restante matéria alegada pelo autor, considerando ainda excessivos e desajustados os valores peticionados.
Houve réplica, concluindo o autor como na petição inicial, mais pedindo a condenação da ré como litigante de má fé.
A ré respondeu, concluindo pela improcedência do pedido de condenação da mesma como litigante de má fé.
Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto assente e organização da base instrutória, sem reclamação das partes.
Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, após o que foi proferida sentença[1] com o seguinte dispositivo:
«Termos em que se decide julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
a) condenar a ré Companhia de Seguros…, S.A. a pagar ao autor J…:
a. a quantia de € 20,000 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com o acidente de viação dos autos;
b. a quantia de € 14.305,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos com o acidente de viação dos autos;
c. juros de mora sobre as quantias acima referidas, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento;
b) absolver a Ré de tudo o mais que foi peticionado pelo Autor.»
Inconformada, a ré apelou do assim decidido, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«A - O objeto da presente apelação circunscreve-se ao quantum indemnizatório devido ao A. lesado e que, no entendimento da Recorrente, foi calculado pelo Tribunal a quo de forma excessiva para as circunstâncias apuradas do caso concreto.
B - Em face das circunstâncias do caso concreto, designadamente pela repercussão na capacidade de ganho do lesado e de obtenção de rendimento, o Tribunal a quo conclui que o dano biológico apurado deverá ser ressarcido enquanto dano patrimonial.
C - Por esta via, o cálculo do montante indemnizatório devido relativo aos danos patrimoniais sempre deverá considerar, entre outros factores, a idade provável de reforma do lesado, ou seja, um período de cerca de 30 anos desde a idade do lesado à data de consolidação médico legal das lesões e a idade provável da reforma.
D - Por outro lado, o rendimento mensal do lesado apurado nos autos, resultante da sua actividade para o Município de… (ao abrigo de uma medida governamental criada através o Instituto do Emprego e Formação Profissional denominada Emprego-Inserção, regulada pela Portaria n.º 128/2009, de 30 de Janeiro), era auferido 12 vezes por ano e não 14 vezes por anos como, erradamente, se considerou na douta sentença recorrida.
E - Como elemento essencial e que foi desconsiderado pelo Tribunal a quo, há ainda o défice funcional permanente de 6 pontos apurado.
F - Considerando todos estes elementos e tomando como guia os sistemas de orientação maioritariamente seguidos na jurisprudência dominante e que balizam os montantes indemnizatórios dos danos corporais decorrentes de acidentes de viação, a indemnização devida ao lesado pelos danos patrimoniais sofridos nunca deverá ultrapassar os €12.000,00.
G - Por outro lado, não se conforma ainda Recorrente com a indemnização a título de danos não patrimoniais arbitrada nestes autos, uma vez que a mesma é por demais exagerada quando integrada na prova produzida e danos apurados.
H - Considerando os factos apurados e a jurisprudência maioritária, a compensação a atribuir ao lesado pelos danos não patrimoniais decorrentes do acidente em causa dos autos não deverá alcançar um valor superior a € 10.000,00, quantia esta que se mostra adequada e proporcional.
I - Ao decidir nos termos constantes da sentença em crise, o Tribunal a quo violou, pelo menos, o disposto nos artigos 494.º, 496.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.»
Termina pedindo que seja proferido acórdão que revogue a sentença em crise e reduza os montantes atribuídos a título indemnizatório em conformidade com o alegado.
A ré contra-alegou em defesa do julgado, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1ª - Ao abrigo do disposto no art. 566 nº 3 C. Civil, a quantia de 20.000,00€, fixada na douta sentença sob recurso, é assertiva, criteriosa, ponderada e justa.
2ª - O recurso a juízos de equidade, tendo em consideração, designadamente, a esperança de vida, o grau de incapacidade, o tipo de ocupação e o salário auferido, até aconselhariam a que no caso sub judice, se situasse a indemnização um pouco acima do montante de 14.305,00€, fixado na douta sentença sob recurso.»

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), consubstancia-se em saber se devem ser reduzidos os montantes indemnizatórios fixados na sentença a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
A 1ª instância, como resulta da sentença recorrida, fixou os seguintes factos provados e não provados:
Factos provados
1 - No dia 11 de novembro de 2009, pelas 14h15m, na Rua 1.º de Maio, em Prazins Santa Eufémia, Guimarães, ocorreu um acidente de viação, no qual intervieram:
- o veículo pesado, com a matrícula QD-43-21 (vulgarmente conhecido por camião do lixo grosso), propriedade do Município de…, na oportunidade conduzido pelo funcionário J…;
- o autor, como vítima de atropelamento [al. A) dos factos assentes].
2 - Na circunstância, o Autor descia da cabine do identificado veículo para proceder à recolha do lixo para o interior do camião [al. B) dos factos assentes].
3 - O Autor foi colhido pela roda da frente do lado direito do QD [al. C) dos factos assentes].
4 - Na sequência do acidente, o autor efetuou fisioterapia no Hospital de Guimarães durante dois meses [al. D) dos factos assentes).
5 - Foi observado pelos serviços clínicos da Ré no dia 15 de abril de 2010 [al. E) dos factos assentes].
6 - Fez novamente fisioterapia/reeducação nos dias 7, 9, 10, 13 a 17 e 20 a 23 de dezembro de 2010 [al. F) dos factos assentes].
7 - Foi internado no Hospital de Santa Maria do Porto, no dias 25 e 26 de dezembro de 2010, para efetuar cirurgia artroscópica do joelho [al. G) dos factos assentes].
8 - De seguida, fez fisioterapia/reeducação nos dias 27 a 30 de dezembro de 2010 e nos dias 3 a 6 de janeiro de 2011 [al. H) dos factos assentes].
9 - Em 06-01-2011, 422 dias depois do acidente, a Ré fixou a consolidação médico-legal das lesões do Autor [al. I) dos factos assentes].
10 - Em meados do ano de 2009, o Autor estava desempregado e solicitou junto do centro de emprego a realização de um contrato emprego-inserção com a Câmara Municipal de…, para as funções de cantoneiro de limpeza [al. J) dos factos assentes].
11 - Tal contrato emprego-inserção veio a ser assinado pelas partes em 10-08-2009, estando previsto o seu termo para 09-08-2010 (al. K) dos factos assentes].
12 - Ao abrigo daquele contrato emprego-inserção o Autor tinha o seu horário normal de trabalho das 06h00 às 12h00, de segunda a sexta-feira [al. L) dos factos assentes].
13 - Recebia, mensalmente, do Centro de Emprego, a quantia de € 403,80, a que acrescia um complemento de montante de 20% daquela prestação (€ 78,07), pago pelo Município de… [al. M) dos factos assentes].
14 - Porque ainda se encontrava a recuperar do acidente, o Autor não pôde executar o dito contrato [al. N) dos factos assentes].
15 - O Autor esteve internado no Hospital de Guimarães até 24-12-2009, tendo sido diagnosticado:
- fratura da bacia - ramo isquiopúbico direito;
- entorse do joelho esquerdo com lesão do menisco e ligamentos; e
- fratura do tornozelo direito bimaleolar [al. O) dos factos assentes].
16 - Posteriormente, foi seguido em consulta externa de ortopedia do mesmo hospital [al. P) dos factos assentes].
17 - A fratura do tornozelo foi tratada conservadoramente, com aparelho gessado, que usou durante 5 a 6 semanas [al. Q) dos factos assentes].
18 - Nos serviços clínicos da Ré realizou RMN do joelho esquerdo, que mostrou lesão do menisco interno e ecografia da região plantar do pé esquerdo, que mostrou fibromatose plantar (não traumática) [al. R) dos factos assentes].
19 - Realizou, também, RX da bacia que mostrou imagem compatível com fratura do ramo ílio-púbico direito, consolidada, e RX do tornozelo direito, que mostrou alterações compatíveis com fratura do maléolo peronial, consolidada [al. S) dos factos assentes].
20 - Foi efetuada meniscectomia parcial interna [al. T) dos factos assentes].
21 - Efetuou fisioterapia, com boa evolução [al. U) dos factos assentes].
22 - O Autor retomou o trabalho em 10-01-2011 [al. V) dos factos assentes].
23 - Após alta médica, durante 3 semanas, o Autor não tinha qualquer autonomia, sendo ajudado pela sua esposa [al. W) dos factos assentes].
24 - O Autor ficou durante 46 dias com ITGT (incapacidade temporária geral total) – 46 dias [al. X) dos factos assentes].
25 - Os serviços clínicos da Ré elaboraram, na sequência da assistência prestada ao Autor, um relatório de avaliação do dano corporal do Autor, que a Ré aceita, que conclui pelo seguinte:
- consolidação médico-legal das lesões fixável em 10-01-2011;
- incapacidade temporária geral total fixável em 44 dias;
- incapacidade temporária geral parcial fixável em 380 dias;
- incapacidade temporária profissional total – 45 dias;
- quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente;
- dano estético fixável em grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente;
- prejuízo de afirmação pessoal e sexual – inexistente;
- incapacidade permanente geral (dor no joelho esquerdo e tornozelo direito) – 2,98 pontos;
- rebate profissional – inexistente [al. Y) dos factos assentes].
26 - Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 671417, o Município de… transferiu para a Ré, que a assumiu, a responsabilidade civil emergente da circulação do QD [al. Z) dos factos assentes].
27 - A Ré enviou ao ilustre mandatário do Autor o email que se encontra junto a fls. 71, onde refere:
Deste modo, com base na documentação apresentada e após respetiva análise, informamos que concluímos a existência de responsabilidade do nosso segurado no presente sinistro.
A nossa posição fundamenta-se no facto de o nosso segurado ter dado causa ao acidente” [al. AA) dos factos assentes].
28 - Depois de descer da cabine do QD o Autor, já no solo, e em circunstâncias não concretamente apuradas, caiu [resposta ao quesito 1.º].
29 - Não se apercebendo disso, o condutor do QD iniciou a marcha do veículo, passando com este por cima da parte inferior das pernas do Autor [resposta ao quesito 2.º].
30 - Quer o Autor, quer o condutor do QD, faziam diariamente o serviço de recolha do lixo [resposta ao quesito 4.º].
31 - No Hospital de Guimarães, além das lesões descritas em 15, foi diagnosticado ao Autor fratura do maléolo (tornozelo) interno à esquerda [resposta ao quesito 6.º].
32 - Após a alta médica do Hospital, ficou em casa, em “repouso no leito e imobilizado”, por 3 semanas [resposta ao quesito 7.º].
33 - O Autor sentiu-se desesperado, o que nunca mais vai esquecer [resposta ao quesito 10.º].
34 - Perspetivou e sentiu-se aterrorizado pela iminência da morte [resposta ao quesito 11.º].
35 - O Autor era uma pessoa saudável, ativa e cheia de vida [resposta ao quesito 12.º].
36 - Suportou dor e sofrimento na altura do acidente, bem como ao longo do período - de, pelo menos, 422 dias -, em que foi submetido a tratamento hospitalar, fisioterapia, consultas médicas e intervenção cirúrgica [resposta ao quesito 13.º].
37 - Sentiu-se triste pela sua incapacidade de efetuar uma vida normal [resposta ao quesito 14.º].
38 - Nos períodos de internamento e naqueles que imediatamente se lhes seguiram ficou dependente de outras pessoas para se poder movimentar e deslocar [resposta ao quesito 15.º].
39 - Tal facto provocou-lhe sofrimento psicológico e deixou-o marcado para toda a vida [resposta ao quesito 16.º].
40 - Antes da ocorrência do acidente, o Autor ajudava a abrir sepulturas no cemitério [resposta ao quesito 17.º].
41 - Ajudava um coveiro, que tinha a seu cargo os cemitérios de sete freguesias [resposta ao quesito 18.º].
42 - No exercício dessa atividade abria, por mês, um número médio de, pelo menos, oito sepulturas, sendo que, até ao início de funções no âmbito do acordo referido em 11 e 12, auferia, por cada uma das sepulturas abertas, a quantia de € 40,00; após o início dessas funções, passou a auferir, por cada uma das sepulturas, a quantia de € 20,00 [resposta ao quesito 19.º].
43 - O Autor agricultava uma horta, nela produzindo batatas, cebolas e legumes, além de criar galinhas, abastecendo o lar com o produto dessa atividade [resposta ao quesito 20.º].
44 - Em resultado do acidente de que foi vítima, o Autor poderá efetuar os trabalhos referidos em 40 a 43, mas com dificuldade acentuada, padecendo, relativamente a eles, da mesma incapacidade a que se alude em 52 [resposta ao quesito 22.º].
45 - Depois de assinado o contrato referido em J a L, o Autor tinha a expectativa de vir a ser contratado a título definitivo pela Câmara Municipal de… para o exercício das funções de cantoneiro de limpeza [resposta ao quesito 23.º].
46 - Pelo facto de tal não ter ocorrido, sofreu desgosto e abatimento [resposta ao quesito 24.º].
47 - Na sequência do acidente o Autor passou a apresentar rigidez dos tornozelos e do joelho [resposta ao quesito 25.º].
48 - O Autor sofreu um défice funcional temporário parcial entre 25-12-2009 e 24-10-2010 e entre 27-10-2010 e 10-01-2011 [resposta ao quesito 26.º].
49 - E um défice funcional temporário total entre 11-11-2009 e 24-12-2009 e 25-10-2010 e 26-10-2010 [resposta ao quesito 27.º].
50 - As dores que sofreu são quantificáveis no grau 4 numa escala crescente de 1 a 7 [resposta ao quesito 28.º].
51 - O dano estético é quantificável no grau 1 numa escala crescente de 1 a 7 [resposta ao quesito 29.º].
52 - Apresenta, ainda, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos [resposta ao quesito 30º].
53 - O Autor mantém dores nos tornozelos e no joelho esquerdo [resposta ao quesito 31.º].
54 - Tem dificuldades na marcha prolongada e em permanecer muito tempo de pé e correr [resposta ao quesito 32.º].
55 - O A., após o termo do contrato de trabalho referido em J) a L), continuou a receber subsídio de desemprego [resposta ao quesito 33.º].
56 - O Autor nasceu em 16 de maio de 1972 [documento de fls. 108].

Factos não provados
a) Que o Autor, na sequência do referido em 29, tenha ficado preso pela roupa à parte debaixo do camião e que tenha sido por este arrastado durante cerca de 3 metros [resposta ao quesito 3º].
b) Que o Autor tenha saído do QD quando o veículo ainda não se encontrava completamente imobilizado [resposta ao quesito 5º].
c) Que, além do referido em 31, tenha sido diagnosticado ao Autor, também, fratura nos pés [resposta ao quesito 6.º].
d) Que, com a atividade a que se alude em 43.º, o Autor retirasse um rendimento mensal de € 150,00 [resposta ao quesito 21.º].
e) Que, ao défice funcional permanente a que se alude em 52, acresça, ainda, 2 pontos de dano futuro [resposta ao quesito 30.º].

B) O DIREITO
Dos danos patrimoniais futuros.
A recorrente/ré questiona o cálculo de € 14.305,00 feito na sentença, para ressarcir o dano patrimonial decorrente da sua perda da capacidade de ganho devido às lesões que o acidente dos autos lhe causou, entendendo que o valor correcto seria o de € 12.000,00.
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do Código Civil, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização.
Nos casos em que os lesados ficam com sequelas permanentes, como é o caso dos autos, veio-se sedimentando a jurisprudência nos seguintes pontos:
- em primeiro lugar lançava-se mão da Tabela Nacional de Incapacidades e fixava-se um grau percentual de “incapacidade para o trabalho”;
- depois, tendo em conta tal grau, atentava-se nos proventos auferidos pelo sinistrado e calculava-se o que, desse rendimento, era atingido pela incapacidade. Este atingimento podia não ter lugar efectivamente (e, na maior parte dos casos, não tinha), mas relevava-se praticamente como se tivesse;
- por fim, procurava-se encontrar um capital que, de rendimento – normalmente juros – proporcionasse o que, efectiva ou teoricamente, deixou de se auferir e se extinguisse no fim presumível de vida activa da pessoa visada.
Este modo de proceder suscitou fortes críticas, que «assentavam, fundamentalmente, na incongruência que significava o direito civil recorrer a tabelas que foram gizadas apenas para os casos de acidentes de trabalho e, bem assim, nas discrepâncias que resultavam do recurso sistemático aos proventos auferidos pelo sinistrado, quando, na esmagadora maioria dos casos, inexistia prejuízo concretizado a estes relativo. Em termos práticos, sem qualquer prejuízo concretizado, quem ganhava bem, era inusitadamente beneficiado em detrimento de quem ganhava mal ou nada ganhava. Nem uns nem outros tinham prejuízos efetivos, mas aqueles viam-se perante uma parcela indemnizatória abissalmente diferente da destes.»[2]
Desta incongruência se deu conta o legislador do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10., afirmando no preâmbulo:
“O que se torna hoje de todo inaceitável é que seja a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI)… utilizada não apenas no contexto das situações especificamente referidas à avaliação de incapacidade laboral, para a qual foi efectivamente perspectivada, mas também por vezes, e incorrectamente, como tabela de referência noutros domínios do direito em que avaliação de incapacidades se pode suscitar, para colmatar a ausência de regulamentação específica que lhes seja directamente aplicável. Trata-se de situação que urge corrigir pelos erros periciais que implica…potencialmente geradora de significativas injustiças.”
Nessa conformidade, fixou duas tabelas:
Uma que denominou “Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” e outra que apelidou “Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”.
Na primeira estabeleceu graus de incapacidade em percentagens que traduzem “a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção…” (n.º3 do Anexo I) e, na segunda, ainda que continue a referir-se a “incapacidade” desligou-se completamente da ideia de actividade laboral (efectiva ou possível) do lesado. Não fixou percentagens, mas antes “pontos” para cuja fixação, dentro dos parâmetros relativos a cada sequela, o perito deve “ter em conta a sua intensidade e gravidade, do ponto de vista físico e bio-funcional, bem como o sexo e idade, sempre que estas duas variáveis não estiverem contempladas em eventual tabela indemnizatória” (n.º1 do Anexo II).
Porém, como se observa no citado acórdão do STJ de 18.12.2013:
«A este avanço do legislador no campo médico-legal, não correspondeu avanço no sentido de fixar o valor indemnizatório relativo a cada ponto.
Aparecem-nos valores no Anexo IV da Portaria n.º377/2008, de 26 de Maio.
Esta Portaria, como nela mesma se reconhece, não visa mais do que possibilitar a elaboração da “proposta razoável” imposta pelo Decreto-lei n.º 377/2008, de 26.6 e acolhe a figura dos “pontos” com referência ao dano biológico, cuja autonomização em ordem a constituir uma parcela indemnizatória própria, não tem tido acolhimento nos tribunais (…).
Não releva, pois, para aqui.
Ficou, assim, o juiz civil mais debilitado. Por um lado, a distinção das Tabelas, bem fundamentada na parte transcrita do preâmbulo do Decreto-Lei n.º352/2007, de 23.10, afastou-o do, já de si incongruente, recurso à “incapacidade para o trabalho”; por outro, deixou-o “com os pontos na mão”, em aturada ponderação sobre o que lhes fazer.
(…).
O legislador tinha conhecimento da maneira como vinham a ser calculadas as indemnizações em direito civil.
Em matéria tão importante, não seria pela via da estatuição médico-legal, que levaria a cabo uma – ainda que intensamente justificada – alteração do modo de cálculo das indemnizações por danos patrimoniais futuros.
(…).
Não cremos, por isso e sem prejuízo da atenção aos inconvenientes do modo de cálculo que vinha sendo seguido com base na Tabela Nacional de Incapacidades, supra salientados, que haja, para já, razões profundas de alteração.»
Deste modo, chegamos ao velho cálculo em que a indemnização a arbitrar por danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida[3] (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma)[4].
Na verdade, as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
No entanto, para evitar um total subjectivismo, o qual, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade, o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado[5].
Todavia, «e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).»[6]:
Aplicando estas considerações - que subscrevemos na íntegra - ao caso dos autos, verifica-se que:
- o lesado tinha 37 anos à data do acidente, tendo, pois, uma esperança média de vida de cerca de 40 anos;
- foi-lhe atribuída um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos;
- auferia um rendimento mensal à data do acidente de € 481,87, como trabalhador da recolha do lixo, e de € 160,00 como coveiro;
- a actividade agrícola que o autor realizava permitia-lhe poupar, segundo o raciocínio feito na sentença e que não nos merece qualquer reparo, a quantia de € 50,00 mensalmente.
Valorando adequadamente esta factualidade, considera-se que nenhuma censura merece o decidido na sentença. Aliás, no que respeita à estrita e prudencial aplicação das tabelas financeiras correntes, baseadas apenas na remuneração auferida à data do acidente e no grau de incapacidade funcional fixado ao autor, temperada com o apelo aos indispensáveis juízos de equidade, chegaríamos a um valor de cerca de € 13.000,00 resultante do seguinte cálculo:
- 9.266,18 (remuneração anual líquida) X 23,11477 (factor)[7] X 6% = 12.851,13;
- a este montante haverá que subtrair 1/3, percentagem dos rendimentos que o lesado gastaria consigo próprio: 12.851,13 – 1/3 = 8.567.42.
Na sentença recorrida, a propósito deste desconto, ponderou-se o seguinte:
«Chegados aqui haveria que ponderar o desconto daquilo que o Autor despenderia consigo, mesmo que não tivesse ocorrido o acidente de viação dos autos. É entendimento do tribunal, contudo, o de que, no caso, esse desconto não deve ser feito.
Na verdade, o rendimento médio global do Autor de que se partiu para a fixação do quantum indemnizatório ronda valores que se situam na casa da retribuição mínima, que é comummente apontada como sendo o nível de rendimento mínimo necessário para a assegurar um nível de existência condigna. O valor em causa é, por isso, um valor que se esgotará na aquisição de meios básicos de subsistência para o Autor e para o seu agregado familiar, não proporcionando folgas especiais que permitam a aquisição de outros bens que não esses por parte do Autor.
Acresce que o défice funcional de que ficou a padecer, ainda que quantificável em termos médico-legais em 6 pontos, diz respeito a lesões nos membros inferiores direitos que, dada a sua natureza, são fortemente limitativos do exercício de atividades como aquelas que o Autor executava. Deste modo, ainda que a quantificação médico-legal do dano se cinja a 6 pontos percentuais, o relevo social do dano adquire, no caso, maior propensão limitativa.
Considerar-se, por isso, a possibilidade de redução do valor acima apurado (nomeadamente, a ¼, como vem sendo defendido pela jurisprudência) seria penalizar fortemente o Autor.
Deste modo, e porque o critério último que deve nortear a fixação da indemnização é o da equidade, afigura-se-nos que a equidade exige, no caso, que a indemnização a atribuir ao Autor não seja reduzida e permaneça nos termos supra fixados.
Ou seja, o Autor tem direito a uma indemnização pelo dano biológico no valor de € 14.305,00.»
Independentemente de se concordar ou não com este raciocínio, importa salientar, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui uma integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pela lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas psíquicas, deverá compensá-lo - para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
Isso porque «a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais»[8].
Nesta perspectiva, deve ser aditado ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado (6 pontos), uma quantia que constitua justa compensação do mencionado dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, arredadas definitivamente pela capitis deminutio de que passou a padecer o recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal do lesado, considerando-se, em termos de equidade, que representa compensação adequada desse dano biológico o valor de € 6.000,00 que acrescido aos referidos € 8.567,42, perfaz o valor de € 14.567.42, ou seja, mais € 262.42 do que a quantia arbitrada na sentença, que, por isso, não merece qualquer censura.

Dos danos não patrimoniais.
Sustenta ainda a ré/recorrente que, no que respeita à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, o montante indemnizatório se mostra excessivo, mostrando-se adequada a atribuição a esse título de uma indemnização não superior a € 10.000,0 actualizada à data da sentença.
A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496º, nº 1, do Código Civil[9] que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No caso vertente é pacífico que, pela sua gravidade, os danos sofridos pelo autor, merecem ser indemnizados. Está apenas em causa o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.
Estabelece o art. 496º, nº 3, que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, «o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida.»[10]
Como tem sido entendido de forma uniforme, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico[11].
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no art. 494º.”[12]
Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.»[13]
A fundamentar a atribuição da indemnização de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, escreveu-se na sentença recorrida:
«Com relevo para a fixação da indemnização a arbitrar ao Autor, cumpre considerar, desde logo, as circunstâncias do acidente de viação dos autos. Na verdade, tratou-se de um atropelamento. Por outro lado, o autor foi vítima de um atropelamento por intermédio de um pesado, depois de ter caído sob ele, sendo que o veículo – literalmente – “passou-lhe por cima” das pernas. Temos, assim, um acidente de viação com contornos especialmente violentos e traumatizantes, sendo evidente a sensação de angústia sentida por quem, como o Autor, se viu envolvido num acidente com tais contornos. As circunstâncias em que ocorreu o acidente dos autos devem, pois, na ótica do tribunal, contribuir decisivamente para a intensificação do montante da indemnização a arbitrar ao Autor.
Há que considerar, também, a natureza e gravidade das lesões sofridas pelo Autor, nelas se incluindo as sequelas de que este ficou a padecer.
Assim, o Autor sofreu diversas fraturas, sendo de destacar aqui as do tornozelo esquerdo e do tornozelo direito, por traduzirem lesões fortemente limitativas do seu modo de locomoção, que é um aspeto essencial, quer para o exercício de uma atividade profissional, quer para a prática da generalidade dos atos da sua vida quotidiana. Essas lesões tiveram, por outro lado, uma repercussão permanente, apresentando o Autor rigidez dos tornozelos e do joelho. Aquelas limitações não só marcaram o período de recuperação do Autor, como, também, o seu dia a dia atual. Há que realçar, ainda, o facto de apresentar um défice funcional permanente quantificado em 6 pontos.
A isto acresce a forte repercussão para a vida do Autor que o acidente de viação dos autos teve. Com efeito, o Autor foi internado; permaneceu em casa dependente da esposa; foi novamente internado para intervenção cirúrgica; foi seguido em ambulatório; fez fisioterapia e reeducação; tudo isto, ao longo de um significativo período de tempo – pelo menos, 422 dias. O acidente de viação dos autos implicou, portanto, alterações com grande impacto na organização do quotidiano do Autor.
As lesões sofridas pelo Autor, além de significativas, foram, também, diversificadas, sendo certo que, além das fraturas a que acima se fez referência, ficou a padecer de dano estético. Por outro lado, suportou um quantum doloris de 4 numa escala de 1 a 7, o que representa um sofrimento acima da média, já com foros de gravidade.
Subscrevemos integralmente este raciocínio, que encontra o devido suporte na matéria de facto provada, pelo que, atendendo a todos os factores relevantes na formulação do juízo de equidade, sem perder de vista os padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência (e que constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade), temos que o montante arbitrado de € 20.000,00 se afigura justo e equitativo, não se justificando a sua redução como pretendido pela recorrente.
Improcede, também, neste ponto, o recurso.

Sumário:
I – O dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, quer o mesmo seja enquadrado nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
II – A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo autor, traduzido em limitação funcional (6 pontos de IPG), deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional presente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo assim um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
III - Como tem sido entendido de forma uniforme, o valor de uma indemnização por danos não patrimoniais, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.

IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção em julgar improcedente a apelação, confirmado a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Guimarães, 3 de Julho de 2014
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves
_______________________________
[1] Com fixação dos factos provados e não provados e respectiva motivação.
[2] Ac. do STJ de 18.12.2013 (João Bernardo), proc. 150/10.5TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Actualmente a esperança de vida para os homens, fazendo fé nos dados constantes da Pordata, situa-se nos setenta e sete anos vírgula três.
[4] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 07.02.2013 (Maria Beleza), proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Tem recebido aplicação frequente a tabela descrita no Ac. do STJ de 04.12.2007 (Mário Cruz), proc. 07A3836, in www.dgsi.pt., também ele citado na sentença recorrida, assente numa taxa de juro de 3%.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 10.10.2012 (Lopes do Rego), proc. 632/2001.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[7] Como se diz no acima citado acórdão do STJ de 04.12.2007, a fórmula tem como suporte a aplicação do programa informático Excell à formula utilizada pelo STJ do acórdão de 5-5-1994, tendo sido construída tendo como referência a atribuição de 3 % ao factor aí indicado como taxa de juros previsível no médio e longo prazo.
[8] Ac. do STJ de 10.10.2012, supra citado, que aqui seguimos de perto.
[9] Ao qual pertencerão todos os artigos indicados sem menção de origem.
[10] Ob. cit., pág. 474.
[11] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 19.04.2012 (Serra Baptista), proc. 3046/09.0TBFIG.S1, in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Ac. do STJ de 14.09.2010 (Sousa Leite), proc. 267/06.0TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[13] Ac. do STJ de 03.02.2011, proc. 605/05.3TBVVD.G1.S1 (Maria Beleza). No mesmo sentido, vd. o Ac. desta Relação de 05.02.2013 (Filipe Caroço), proc. 626/05.6TBMNC.G1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.