Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2127/12.7TBGMR-D.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CIRE
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;
2. Ao invés, o nº 3 do mencionado normativo legal estabelece apenas uma presunção de culpa grave, presunção juris tantum que pode ser elidida por prova em contrário, pelo que, mesmo que tal presunção se verifique, se exige ainda, para a actuação do insolvente como culposa, se demonstre que tenha sido a actuação/omissão do devedor a causar ou agravar a situação de insolvência, nos termos do nº 1 do citado art. 186º;
3. A ocultação prevista no art. 186º, nº 2, a), do CIRE basta-se com uma actuação que, alterando a situação jurídica do bem - por ex: vendendo um imóvel a terceiro, com uma relação próxima directa ou indirecta com o alienante - impeça ou dificulte a sua identificação, acesso ou accionamento pelo credor.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO
Aberto o incidente de qualificação da insolvência, veio o Sr Administrador concluir no seu parecer que a insolvência é fortuita.
A Magistrada do M.P. não concordando com este parecer considera que a insolvência deve ser declarada culposa.
Em cumprimento do disposto no n.º 5 do art.º 188.º do CIRE foi ordenada a notificação dos insolventes a fim de se oporem à qualificação da insolvência, tendo estes deduzido oposição na qual pugnam pela qualificação como fortuita das respectivas insolvências, pois que, afirmam, o produto da venda do imóvel foi utilizado no pagamento do remanescente do contrato de mútuo contraído bem como na liquidação de responsabilidades da sociedade de que o insolvente marido era sócio gerente.
Os autos prosseguiram e foi proferida sentença na qual se decidiu:
− qualificar a insolvência de J… como culposa;
− qualificar a insolvência de G… como culposa;
− decretar a inibição de G… e J… para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão

Inconformados os insolventes vieram interpôr recurso cujas alegações terminam com as seguintes conclusões
01- O presente recurso consubstancia o mais profundo inconformismo face à errada apreciação e valoração da prova em que o Tribunal a quo incorreu, bem como a incorrecta aplicação do direito.
02- Os recorrentes não podem aceitar a apreciação pouco objectiva dos factos que foi realizada pelo tribunal a quo, que determinou a abertura do incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno, pelo facto de os insolventes residirem em casa do filho poderia inculcar que o imóvel, ainda que registada em nome do filho, era na realidade propriedade dos insolventes !?
03- Imóvel este adquirido no ano de 2003 directamente a uma sociedade imobiliária.
04- O facto que está na origem da abertura do incidente, que é totalmente inócuo para a qualificação da insolvência, demonstra a propensão do tribunal para vir qualificar a insolvência como culposa.
05- Porem, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, os insolventes não criaram nem agravaram a sua situação de insolvência;
06- Desde logo porque a insolvência destes está umbilicalmente ligada à insolvência da sociedade “A…, Lda.”, da qual o insolvente marido era gerente e sócio maioritário;
07- E a confirmar tal facto atente-se nos créditos reclamados no valor de €382.645,02, provenientes de dívidas a bancos, à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, a maior parte provenientes da empresa “A…, Lda.”, onde o insolvente marido foi sócio gerente, e ambos avalistas, e como tal responsáveis por tais dívidas;
08- Os restantes créditos são provenientes de contratos de mútuo celebrados pelos filhos dos insolventes, que não se encontram vencidos, e dos quais estes são fiadores;
09- Não é verdade que os insolventes tenham feito desaparecer parte considerável do seu património, desde lodo porque foram apreendidos para a massa bens desonerados no valor patrimonial de €26.648,00;
10- Não é verdade que os insolventes tenham feito desaparecer os dois veículos automóveis que se encontravam registados em nome do insolvente marido, estes foram entregues para abate há mais de 10 anos;
11- Este facto, resulta do auto de apreensão, em que o Sr. A. I. refere que são veículos automóveis com mais de 20 anos, da marca Fiat;
12- Para o Tribunal, o facto dos insolventes não terem guardado um documento com 10 anos, indicia ocultação de parte considerável de património, sendo certo que são veículos automóveis de valor nulo!
13- O imóvel alienado pelos insolventes encontrava-se onerado com uma hipoteca. Pelo que, a alienação deste bem originou a diminuição do passivo global dos insolventes, o que resulta directamente do facto o) dado como provado;
14- O remanescente do crédito da venda, foi utilizado para pagar a credores da sociedade comercial de onde provinha o único sustento dos insolventes, conforme resulta dos factos provados q; r; s, diminuindo o valor das dividas dos insolventes;
15- Os insolventes tomaram essa decisão apenas com o objectivo de manter a empresa em laboração e assegurarem o seu sustento, o que acabou por não se verificar;
16- A alienação da casa de morada de família que os insolventes possuíam, em nada contribuiu para o agravar da sua insolvência, posto que,
17- a casa estava onerada com empréstimo bancário, faltando liquidar a quantia de €17.281,40, implicando uma despesa mensal num valor aproximado de €400,00, que não podia ser assegurada pelos insolventes;
18- Pelo que, não se verifica o nexo de causalidade exigido pelo art. 186º nº 1 do CIRE, posto que a “qualificação da insolvência como culposa exige uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado declarado de insolvência, uma vez que o devedor pode ter actuado dolosamente, mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da situação da insolvência.
19- Aqui chegados, teremos que concluir que a insolvência dos recorrentes deverá ser qualificada como meramente fortuita.
20- Salvo o devido respeito foi violado o artigo 186º nº 1 do CIRE.
Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA!

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
A única questão a decidir consiste em saber se estão verificados os pressupostos que determinaram a qualificação da insolvência como culposa.
Só esta questão importa dirimir, visto que, como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes .

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. DOS FACTOS
Com relevância para a decisão da causa, estão provados os seguintes factos:
a) Por sentença datada de 11.06.2012, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de J… e de G…, na sequência do requerimento apresentado pelos devedores em 25.05.2012;
b) A insolvente mulher nasceu em 29.06.1956 e o insolvente marido em 16.12.1953, sendo casados entre si segundo o regime de comunhão de adquiridos desde 02.04.1978;
c) A insolvente mulher encontra-se desempregada desde 04.01.2012, estando-lhe a ser processado subsídio de desemprego no valor diário de €15,03;
d) O insolvente marido encontra-se inscrito no centro de emprego desde 24.05.2012;
e) O insolvente marido foi desde a sua fundação, em 18.03.1981, até 31.05.2012, data em que foi declarada insolvente, sócio-gerente da A…, Lda; desde 2008 que é o único gerente da empresa, sendo um dos dois únicos sócios;
f) O processo de insolvência da A…, Lda. foi declarado encerrado por insuficiência da massa em 30.10.2012;
g) A insolvente mulher trabalhou na A…, Lda. até Maio de 2011, data em que foi demitida por extinção do posto de trabalho;
h) Os insolventes residem com um filho, H…, em casa adquirida por este no ano de 2003;
i) O H… nasceu em 27.09.1978;
j) Em 30.03.2012 os insolventes declararam vender a L…, que declarou comprar, pelo preço de €40.000, a fracção autónoma designada pela letra “O” correspondente a uma habitação de r/c, com lugar reservado no aparcamento, integrada no prédio urbano sito na Praceta…, Guimarães, com um valor patrimonial de €32.059,55, inscrita na matriz respectiva sob o art…. e descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º … da freguesia de …;
k) Foram apreendidos para a massa insolvente:
i. ¼ do prédio urbano composto por parcela de terreno para construção sito no Lugar de…, inscrito na matriz predial urbana sob o art. … e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, avaliado (a totalidade do prédio) em €47.000;
ii. 1/9 do prédio urbano composto por casa de r/c e 1.º andar e dependência e logradouro sito na Rua de …, inscrito na matriz predial urbana sob o art. … e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º…, avaliado (a totalidade do prédio) em €36.750;
l) Refere ainda o Exmo. Sr. AI a existência de dois veículos cuja propriedade se encontra inscrita em nome do insolvente marido, de matrículas JS-… e QJ-…, que o mesmo refere ter entregue para abate há mais de 10 anos, sem que apresente documentos que o comprovem;
m) Foram reconhecidos créditos no valor de €346.169,86;
n) Dos créditos reconhecidos:
i. €6.091,33 foram reclamados pelo B…, com fundamento em contrato de mútuo celebrado com a A…, Lda. em 18.10.2011 garantido por livrança subscrita pela mutuária e avalizada pelos insolventes;
ii. €26.588,14 foram reclamados pelo B… com fundamento em :
− €6.491,55 em contrato de mútuo no valor de €25.000 celebrado com a A…,Lda. em 20.08.2009, garantido, entre outro, por livrança subscrita pela mutuária e avalizada pelos insolventes;
− €19.677,47 em contrato de mútuo no valor de €23.906,04 celebrado com a A…, Lda. em 24.02.2011, garantido, entre outro, por livrança subscrita pela mutuária e avalizada pelos insolventes;
− €419,12 em contrato de cartão de crédito celebrado com a insolvente mulher;
iii. €37.314,15 foram reclamados pelo B… com fundamento em:
− €35.644,59 numa conta-corrente caucionada titulada pela A…, Lda., subscrita em 30.09.2010 e avalizada pelos insolventes;
− €1.669,56 com fundamento em contrato de mútuo no valor de €9.210,22 celebrado em 26.02.2008 com o filho dos insolventes e por estes garantido;
iv. €29.531,23 foram reclamados pela C… com fundamento em :
− €6.156,88 em contrato de mútuo no valor de €16.672,58 celebrado com os insolventes em 03.09.2008;
− O remanescente em dois contratos de cartão de crédito;
v. €242.832,07 foram reclamados pelo B… com fundamento em:
− Contrato de mútuo celebrado com os insolventes em 26.01.2011 no valor de €18.170;
− Saldo devedor de uma conta de depósitos à ordem;
− Contrato de mútuo no valor de €100.000 celebrado em 31.01.2003 com o filho dos insolventes H… e por eles afiançado;
− Contrato de mútuo no valor de €8.656 celebrado em 11.02.2010 com o filho dos insolventes H… e por eles afiançado;
− Contrato de mútuo no valor de €27.500 celebrado em 27.12.2007 com o filho dos insolventes H… e por eles afiançado;
− Contrato de mútuo no valor de €100.000 celebrado em 14.08.2008 com a filha dos insolventes M… e por eles afiançado;
− Contrato de mútuo no valor de €6.921 celebrado em 14.08.2008 com a filha dos insolventes M… e por eles afiançado;
vi. €3.812,94 pelo B…, com fundamento em contrato de mútuo no valor de €10.000 celebrado em 11.07.2006 com a filha dos insolventes e garantido por livrança avalizada pelos insolventes;
o) Com o produto da venda referida em j) os insolventes liquidaram o remanescente do crédito à habitação em dívida para com a C…, no valor de €17.174,71;
p) A propriedade do imóvel referido em j) encontra-se registada em nome de M… desde 23.10.2012, por compra a L…;
q) Entre 19.04.2012 e 16.05.2012 a A…, Lda. recepcionou €3.068,49;
r) Entre Março e Maio de 2012 a A…, Lda. pagou salários no montante global de €11.201,30;
s) O balancete de fornecedores reportado a 28.02.2012 apresentava dívidas no valor de €13.258,33, que não foram objecto de reclamação no processo de insolvência.

Do Direito
Os factos acabados de transcrever não foram impugnados em sede de recurso, tendo até sido aceites, não havendo fundamento para os alterar, pelo que se consideram definitivamente assentes, sendo irrelevantes quaisquer outros factos ou considerações feitas em sede de alegações.
Resta, pois, aplicar-lhes o direito, tendo em vista a resolução da supramencionada questão que constitui o objecto do recurso que ora cumpre apreciar e decidir.
E fazendo-o começamos por dizer que, o art.º 185.º do CIRE limita a qualificação da insolvência a duas formas: a culposa e a fortuita. E o art.º 186.º, por sua vez, para além de definir o conceito de insolvência culposa, ou seja, “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”, cfr. n.º1, estabelece um conjunto de factos típicos ou factos-índices que, se verificados, conduzem, à qualificação da insolvência como culposa, cfr. n.º 2; e consigna uma presunção de culpa grave dos administradores do devedor que não seja uma pessoa singular, verificadas as situações aí previstas, n.º 3 do citado art.º 186.º do CIRE.
Como vem sendo defendido, quase em unanimidade, na Doutrina e na nossa Jurisprudência, maioritária, entende-se que o n.º 2 do citado art.º 186.º do CIRE estabelece, em termos objectivos (desde que verificados/provados os factos integrantes das circunstâncias previstas em cada uma das suas alíneas), uma presunção “juris et de jure”, (inilidível), de insolvência culposa, enquanto que o n.º 3 desse mesmo preceito consagra apenas, ou pelo contrário, uma presunção “juris tantum”, (ilidível), de culpa grave dos administradores, o que pressupõe e presume a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência, neste mesmo sentido.
Ou seja, o preenchimento de qualquer das situações ou factos-índice previstos no n.º 2 deste artigo, determina a qualificação da insolvência como culposa., pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidível, jure et jure, de culpa. O que dimana do adverbio «sempre».
Por isso que seja mais correcto afirmar-se em nosso entender, que nas situações a que se faz referência no art.º 186º, nº2, do CIRE, mais do que uma presunção legal, se verifica o que Batista Machado define – “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 108 e 109 – como “ficções legais”, pois que, o que o legislador extrai a partir do facto base, não é um outro facto, mas antes uma conclusão jurídica, numa remissão implícita para a situação definida no nº 1 do art.º 186º do CIRE. E por isso que, à semelhança das presunções juris et de jure não admita prova em contrário, sendo que dispensa a alegação – e consequentemente a prova - de qualquer outro facto, ficcionando desde logo, a partir da situação dada, a verificação da situação de insolvência dolosa.
.Assim, verificada qualquer uma das situações tipificadas nas als. do nº 2 do art.º 186º do CIRE, deve o julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa.
Já que pode defender-se que estes factos índice mais do que simples presunções inilidíveis são situações típicas de insolvência culposa. Pois que enquanto naquelas o legislador apenas faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos a ilação de que um outro facto -fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível - ocorreu, nestas desde logo se estabelece uma valoração normativa da conduta que esses factos integram.
Assim, provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do nº2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional de 26.11. 2008, DR, 2ª Série, n.º 9, de 14.01.2009.
De todo o modo, sejam presunções ou factos-índice, o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação para a insolvência.
Significa tal que, a simples ocorrência de alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do Nº 2 do sobredito art. 186º conduz inexoravelmente à atribuição de carácter culposo à insolvência, ou seja, à qualificação de insolvência como culposa – neste sentido, entre muitos outros, Carvalho Fernandes/João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Júris, vol. II, págs.14, nota 5, e 15, nota 8; Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, Almedina, 2009, págs. 270/271; Carvalho Fernandes, in A qualificação da insolvência e a administração da massa insolvente pelo devedor, pág. 94, da revista Themis, edição especial, 2005”; ”, vol.II, Quid Iuris Editora, 2005, pág. 14; entre muitos outros, acórdãos do STJ, de 6.10.2011, no processo 46/07.8TBSVC-D.L1.S1, da Relação de Coimbra de 7.12.2012, no processo 2273/10.1TBLRA-B.C1, em www.dgsi.pt.) e desta Relação Ac 21711.0 TBVCT-A.C1 de 29.05.2012;299/10.4TBPTL-A.G1 de 24.07.2012 e 9041/07.6 TBBRG-ArG1 .L1.S1 de 06.03.2012 todos disponíveis in www.dgsi.pt.
E o legislador fê-lo porque a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Fê-lo para facilitar essa qualificação mas concretizou-o a partir de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.
Ali, a lei não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência da causalidade entre a actuação e a criação ou o agravamento do estado de insolvência.
Já as situações do n.º 3 do mesmo artigo acarretam, por sua vez, uma presunção “juris tantum” de culpa grave, passível, por conseguinte, de ser arredada mediante prova em contrário.
Ora dispõe-se no nº 4, daquele artigo 186º que «os nºs 2 e 3 é aplicável, com as necessária adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso se não opuser a diversidade de situações».
Além disso, conforme preceitua o nº 5, do mesmo normativo, «se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente».
Nesta conformidade, a qualificação da insolvência como culposa ou fortuita apenas depende da verificação de um comportamento enquadrável na noção geral contida no nº 1 do art. 186º, do CIRE e/ou das presunções do nº 2, atendendo às circunstâncias do caso.
Importa, pois, apurar se, in casu, é possível imputar aos insolventes uma actuação dolosa ou com culpa grave, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra (segundo o critério plasmado no nº 1, do art. 186º, do CIRE) ou, ainda, se a situação é enquadrável em alguma das alíneas do nº 2, daquele artigo.
Segundo a decisão recorrida a factualidade dada como provada é subsumível às previsões do art.º 186 nº2 als a), d) e f).
E temos de com a mesma concordar. De facto, no caso dos autos tendo em conta os factos elencados supra, resulta evidente que os insolventes, menos de um ano antes de requererem a insolvência, e num quadro segundo os próprios, de extrema dificuldade em honrarem os seus compromissos, venderam a terceiros, o bem de maior valor de que dispunham, o qual foi vendido pelo valor de 40 mil euros
Tal alienação, retirando os bens da esfera jurídica dos devedores, implica um descaminho que pode impedir, ou, pelo menos - o que é o bastante para satisfazer a ratio legis -, dificultar, o seu acesso e o seu accionamento por parte do credor.
Como se escreve no Ac R.Coimbra datado de 28.05.2013 proferido no processo 102/12.0TBFAG-B.C1 com o qual se concorda A lei não exige a ocultação total no sentido de se tornar impossível o seu acesso ou conhecimento, mas apenas parcial no sentido de vontade, concretizada, de subtrair o bem ao direito/conhecimento do credor e respetiva ação legal, pelo que, e precisamente por isso, não exige ocultação no sentido físico, mas apenas no aspeto da situação jurídica do bem.
Aliás concomitantemente à ocultação a lei prevê o desaparecimento, o qual se revela um mais, no sentido da gravidade do descaminho, …”.
E ao termo “ocultar” não pode ser dada a interpretação restrita defendida pelo insurgente, no sentido de que estando a venda sujeita a registo, não pode haver ocultação.
Se assim fosse, efetivamente não haveria ocultação de imóveis, pelo que vazia ficava a previsão legal no a eles atinente e sendo certo que tal termo também se lhes refere, que não apenas aos bens móveis, porque tal segmento normativo não opera tal restrição.
Nesta conformidade a ocultação outrossim deve abranger casos como o presente em que o bem é vendido a um terceiro, podendo, inclusive, este revendê-lo, e assim sucessivamente.
Acto de alienação/ocultação aquele que ocorreu menos de 3 anos antes da apresentação à insolvência. Presume-se, pois, inilidívelmente, o nexo de causalidade entre tal acto e a situação de insolvência.
Não fora esta situação jurídica, outra se verificaria, inevitavelmente comprovativa de insolvência culposa.
De facto, reza a lei, no mencionado art. 186º, nº 2, d), que se considera sempre culposa a insolvência do devedor quando o insolvente tenha disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.
Ponderando casuisticamente tal alínea, e face aos factos provados, temos que os insolventes alienaram o bem mais valioso do seu património usando parte do seu valor como confessamente admitem para pagar dividas da sociedade na qual trabalhavam e da qual dependiam financeiramente.
Tal conduta consubstanciaria, por conseguinte, em última instância, disposição de bens em proveito de terceiros, nos termos da d) do nº 2 do art. 186º do CIRE.
Dizem os recorrentes: O imóvel alienado pelos insolventes encontrava-se onerado com uma hipoteca. Pelo que, a alienação deste bem originou a diminuição do passivo global dos insolventes, o que resulta directamente do facto o) dado como provado;
Não nos parece aceitável esta argumentação.
O accionamento das hipotecas sobre os prédios não ocorre enquanto forem sendo pagas as prestações mensais; o comprador daquele podia suportar este pagamento mensal e portanto o valor que foi entregue ao credor Banco serviria para pagar aos outros credores dos insolventes.
Noutro plano, certificou-se que os insolventes, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, prosseguiram, no seu interesse (qualquer que ele fosse), uma exploração deficitária, não obstante saberem que esta conduzia com grande probabilidade a uma situação de insolvência (ver factos sob as letras c, f, g, q).
Não esquecendo os objectivos (também moralizadores) do Código da Insolvência (ver o preâmbulo da lei), neste particular importará assinalar que o gestor médio deve considerar que há um momento para parar, na defesa dos credores, não prosseguindo uma exploração deficitária, até ficar sem nada para apresentar aos credores.
Se a empresa já não é rentável, os seus gerentes não devem acenar com alguma coisa sua e a sua responsabilização pessoal (e que, afinal, é nada), para esconder aquele facto e prosseguir no défice.
Pelo contexto factual descrito, e sem necessidade de mais considerações, não parece haver dúvidas que os insolventes agiram em prejuízo dos seus credores, ou pelo menos de alguns.
Improcede pois este recurso, ficando as custas respectivas a cargo dos recorrentes pois às mesmas deram causa, ficando vencidos nas suas pretensões- art.º 446º do CPC actual 527º nº1º e 2º do NCPC.

Sumariando
. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;
. Ao invés, o nº 3 do mencionado normativo legal estabelece apenas uma presunção de culpa grave, presunção juris tantum que pode ser elidida por prova em contrário, pelo que, mesmo que tal presunção se verifique, se exige ainda, para a actuação do insolvente como culposa, se demonstre que tenha sido a actuação/omissão do devedor a causar ou agravar a situação de insolvência, nos termos do nº 1 do citado art. 186º;
.A ocultação prevista no art. 186º, nº 2, a), do CIRE basta-se com uma actuação que, alterando a situação jurídica do bem - por ex: vendendo um imóvel a terceiro, com uma relação próxima directa ou indirecta com o alienante - impeça ou dificulte a sua identificação, acesso ou accionamento pelo credor.

III- Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes
Guimarães, 01 de Outubro de 2013
Maria da Purificação Carvalho
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar