Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1025/02-1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: CUSTAS
FALÊNCIA
LIQUIDATÁRIO
GESTOR JUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: Custas da Falência - Remuneração do Liquidatário/Gestor Judicial
Decisão Texto Integral: 9
Reg. 70
Proc. nº 1025/02, 1ª
(59-K/1996, VN de Cerveira)

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

“A” sociedade com sede no lugar ..., veio requerer no Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira a aplicação da medida de recuperação, conforme o disposto nos artºs 5º nº1 e 15º do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril de 1993, requerimento este que viria a dar origem ao processo de recuperação de empresa registado sob o nº 59/96.
Por decisão de 24 de julho de 1996 proferida nesses autos foi ordenado o prosseguimento da acção de recuperação com base no disposto nos artigos 1º,3º, 5º, 23º nº1 e 25º do DL nº 132/93 e foi nomeado gestor judicial o Senhor Adérito Jorge de Abreu Cardoso, economista e revisor oficial de contas.
Na assembleia definitiva de credores realizada em 10 de Julho de 1997 foi proferida sentença pela qual foi decretada a falência da sociedade "A" e nos termos do disposto no artº 40º do CPEREF foram declaradas suspensas as funções do senhor Gestor Judicial, fixando-se a remuneração mensal pelas funções exercidas até essa data em 120.000$00 e fixou-se a remuneração do mesmo no exercício das funções como liquidatário judicial em 80.000$00.
Em 7 de Novembro de 1997 veio o Senhor Adérito Jorge de Abreu Cardoso apresentar a sua nota de honorários pelo exercício da função de gestor Judicial naquele referenciado processo de recuperação de empresa, honorários estes que fixou no montante de 1.338.600$00.
Pronunciando-se sobre esta nota de honorários o senhor juiz lavrou nos autos o seguinte despacho datado de 19 de Dezembro de 1997:
« O pagamento dos honorários e despesas serão efectuados após a venda agendada para 19 de Janeiro próximo e pelo produto daquelas após devolução das custas prováveis. Notifique o senhor liquidatário e a Comissão de Credores».
Inconformada com este despacho dele veio recorrer a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, que nas conclusões da sua alegação de recurso, defendia, em síntese, que o gestor judicial é pago pela empresa, sendo inaceitável que a respectiva remuneração seja desviada do produto da venda dos bens da falida.
A Relação do Porto veio a proferir acórdão, concedendo provimento ao recurso e revogando aquele despacho, determinou que o pagamento dos honorários e despesas do senhor gestor judicial seja efectuado pela empresa.
Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça veio a revogar o acórdão recorrido, determinando a eficácia da decisão da 1ª instância e declarando que a massa falida é que terá de pagar, por aresto de 4-10-2001.
Por requerimento apresentado em 6/12/2001, na secretaria judicial do tribunal de V.N. de Cerveira, veio o liquidatário Judicial requerer que, encontrando-se concluído o auto de falência e todos os processos apensos, seja ordenada a remessa dos autos à conta, a fim de se apurar o montante do preço que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alto Minho terá ainda de depositar destinado ao pagamento das custas e das despesas da liquidação, e devendo ter-se em conta que o valor a pagar ao liquidatário judicial a título de remuneração, pelo exercício das suas funções e despesas ascende a 5.735.922$00.
O Mmº Juiz ordenou então a notificação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo para se pronunciar sobre aquele requerimento, o que esta fez, pugnando pelo indeferimento da pretensão do liquidatário.
Sobre aquele requerimento do liquidatário judicial, o Mmº Juiz, em 23/1/2000, veio a proferir o seguinte despacho: «Como se requer».
Desta decisão recorreu a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, tendo o recurso sido admitido como de agravo, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, por despacho de 27/2/2002.
A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1. a remuneração de 1.380.000$00 e as despesas no valor de 51.360400 correspondentes ao período do exercício de funções por parte do Dr. Adérito Cardoso com gestor judicial da sociedade “A”, são a suportar pela massa falida, mas não saem precípuas de todo o produto da massa por não poderem ser consideradas “custas ou despesas de liquidação”.
2. Tal remuneração e despesas não gozam de qualquer preferência de pagamento em relação aos outros credores, pelo que devem ter-se como créditos comuns e como tal ser pagos.
3. O recorrido Dr. Adérito Cardoso não está em tempo para reclamar a remuneração correspondente ao período por que exerceu as funções de liquidatário judicial, pois que uma tal despesa tinha que ter sido incluida — e não foi - nas contas da liquidação, que têm a sua própria tramitação e foram julgadas boas por decisão transitada já em julgado — vd. Artºs 222º e 223º do CPEREF
4. O Dr. Adérito Cardoso desprezou totalmente e sem qualquer justificação o prazo para a conclusão da liquidação do activo — que era constituído por poucos e determinados bens -protelando, em consequência, a apresentação das contas e a cessação das suas funções como liquidatário — vd. Nº 2 do artº 180º do citado diploma legal.
5. É irrazoável e chocante e por isso se deve ter por excluido, que se remunere mensalmente o liquidatário naqueles casos em que a liquidação do activo se arrasta por vários anos, sem a correspondente actividade funcional do liquidatário — vd. Ac. RC in CJ — T IV — 2001 — pág. 23.
6. Constitui abuso do direito a reclamação de uma remuneração mensal de 80.000$00 ao longo de 44 meses, quando na realidade durante todo esse período de tempo o liquidatário não dedicou ao processo mais de 140 horas, excedendo assim os limites da boa fé e o fim económico do direito — vd. artº 334º do Cód. Civil.
7. A recorrente não pode ser responsabilizada pelo depósito do valor que eventualmente se mostrar em falta para a liquidação das custas e despesas de liquidação, pois que, a dispensa do depósito do preço devido pela adjudicação do prédio verificou-se em circunstâncias bem determinadas e não existiam credores graduados antes dela — vd. artº887º C.P.C.
8. O douto despacho que dispensou a recorrente do depósito do preço de aquisição transitou em julgado e passou a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo ser alterado por força de circunstâncias a que de resto a recorrente é totalmente alheia e que são susceptíveis de a prejudicar substancialmente, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional quanto a tal questão - vd. art.ºs 672º e 666º C.P.C.
9. Violou o Mm. Julgador “a quo” as normas jurídicas que se vêm de referir, que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido expresso nas conclusões anteriores.

Contra-minutou o liquidatário judicial, sustentando que o agravo não merece provimento e extraindo conclusões, onde, em síntese, se diz:
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça junto aos autos de falência determinou a eficácia do despacho do tribunal de 1ª instância proferido em 19.12.1997, no processo de falência nº 59/96 e que o pagamento da pagamento da remuneração e das despesas do gestor judicial saísse precípuo do produto da massa falida.
O crédito do gestor judicial sobre a empresa por remunerações e reembolso de despesas goza dos privilégios creditórios previstos no nº 5 do artº 34º do CPEREF.
As remunerações e despesas do liquidatário judicial são suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais nos termos do nº 1 do artº 5º do Dec.-Lei nº 254/93, de 15 de Julho, entrando na distribuição e rateio final a efectuar pela secretaria do tribunal nos termos do disposto no nº 1 do artº 214º do CPEREF e não nas contas apresentadas pelo liquidatário judicial.
Nos termos do artº 208º do CPEREF, os créditos sobre a massa falida originadas pela remuneração do liquidatário judicial e pelas despesas de conta da massa falida que efectuar no desempenho das suas funções, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis e imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real.
As contas apresentadas pelo liquidatário judicial não incluem as custas da falência, o reembolso dos adiantamentos pelos credores dos fundos necessários ao pagamento da remuneração do liquidatário judicial e das suas despesas, as remunerações do liquidatário judicial suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais e demais despesas da liquidação.
Nos termos do artº 138º do CPEREF, o liquidatário judicial cessa funções após o trânsito em julgado da decisão que aprove as contas da liquidação.
O que não impede que, durante o período da liquidação, em casos devidamente justificados o juiz, a quem compete fixar a remuneração do liquidatário judicial, possa rectificá-la, rectificação essa que, a existir, teria de ser efectuada pelo juiz do tribunal de 1ª instância e não pelo tribunal da Relação, durante o período da liquidação e não após o encerramento da liquidação como pretende agora o agravante.

O Sr Juiz a quo veio a proferir seguidamente despacho reparando o agravo.

Veio oportunamente, Adérito Jorge de Abreu Cardoso requerer a subida do recurso de agravo, tal como está, nos termos do disposto no artº 744º nº 3 do CPC.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Como é sabido, o Tribunal de recurso é chamado a resolver as questões que lhe são colocadas e não a pronunciar-se contra razões ou fundamentos em que as partes se apoiam para fundamentar a sua pretensão – cfr. Ac. do STJ, 3.6.93, BMJ, 428º-574.Acresce ainda que os recursos visam modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso, ainda não definitivamente apreciadas no processo – cfr. Ac. do STJ de 11/11/92, BMJ 421º- 287.
Isto posto, apreciemos as questões que ora nos são colocadas.
Para conhecer destas questões relevam os factos que atrás se deixam relatados e mais os seguintes:
Em 21/12/98 foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, nos termos do artº 196º nº 3 do CPEREF e da qual consta:
«As custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção do produto da cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real – cfr. artº 208º do CPEREF».
Por despacho de 26/2/99 foi adjudicado o bem imóvel à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, pelo preço de esc. 20.000.000$00, acrescido do pagamento à entidade leiloeira da referida comissão de 10%, acrescida de IVA, à taxa de 17%.
Por despacho judicial de 26/3/1999, foi a Caixa de Crédito Agrícola dispensada de depositar o preço do imóvel em questão, devendo contudo proceder ao pagamento da comissão de 10%, ao encarregado da venda, conforme havia sido determinado. Foi ainda a mesma Caixa de Crédito Agrícola dispensada de proceder ao pagamento da sisa.
No seu despacho de reparação da decisão recorrida, o Sr Juiz escreveu:
«Ora, atendendo a que, por despacho de 26/02/1999 foi adjudicado à Caixa de Crédito Agrícola o imóvel apreendido, decidindo-se, ainda, em 26/3/1999 dispensá-la do depósito do preço, ficando porém – mas tão só – obrigada a pagar, além das custas do processo, a comissão de 10% à entidade leiloeira, o que fez em depósito, sendo certo que tais despachos já transitaram em julgado, não se pode manter a decisão recorrida.
Na verdade, a Caixa de Crédito Agrícola não pode, agora, ver a sua posição agravada, nomeadamente, não pode a mesma ser, neste momento, compelida a proceder ao pagamento de quaisquer outras quantias. Com efeito, e como refere a agravante, se de tal modo fosse, repare-se na contingência que ficava a parte a quem foi adjudicado em determinada altura e por certo preço o prédio, mas que a todo o tempo poderia ser chamada a pagar mais por entretanto terem aparecido novos créditos privilegiados».

No presente recurso estão essencialmente em causa duas questões:
Quem deve suportar a remuneração e as despesas que o gestor judicial tem direito a receber e relativas ao período de gestão judicial;
Até que momento tem o liquidatário judicial direito a exigir a remuneração a que se julga com direito.

Como bem ponderou o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 4-10-2001, junto aos autos, a massa falida é que terá de pagar a remuneração do liquidatário judicial e bem assim a do gestor judicial, porquanto neste processo, a empresa foi declarada falida antes que o gestor fosse remunerado, não se aplicando aqui o disposto no artº 34º do CPEREF, havendo antes que recorrer às normas que regulam a remuneração do liquidatário judicial (sublinhado nosso). A clareza deste douto acórdão, não deixa lugar a dúvidas.
Nos termos do artº 208º do CPEREF « as custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real».
Este preceito aplica-se, no caso vertente, não apenas ao liquidatário judicial, mas também ao gestor judicial, como decorre daquele aresto.
Deste modo, não há razão para defender, tal como o faz a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, que a remuneração e as despesas em título, que dizem respeito ao período de gestão judicial, não goza de qualquer regalia, devendo considerar-se como um crédito comum a ser liquidado em concurso com os outros credores na mesma situação.

No que toca à segunda questão, sustenta a Caixa de Crédito Agrícola que a remuneração do liquidatário judicial, na medida em que representa uma despesa, deveria ter sido incluída na relação de despesas das contas da liquidação, que o liquidatário judicial apresentou. Não tendo o liquidatário judicial incluído nas contas da liquidação, por ele apresentadas em 24.11.2000, qualquer quantia a título da remuneração, que agora exige , e tendo sido tais contas julgadas como boas por decisão, já transitada, não pode agora fazê-lo. E finaliza a sua argumentação, concluindo que o liquidatário não está mais em tempo para reclamar a sua remuneração.
Mas não lhe assiste razão.
Nos termos do artº 222º do CPEREF «as contas são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo final de toda a receita e despesa destinado a retratar sucintamente a situação da massa falida, e devendo ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem».
Como é sabido, as contas do liquidatário destinam-se a apurar o saldo da falência, do qual sairão as verbas para o pagamento das custas e encargos da falência e dos créditos verificados, As contas do liquidatário são, assim, um documento onde se registam, por um lado, as receitas apuradas na venda dos bens e direitos apreendidos e na cobrança dos créditos e, por outro, as despesas feitas pelo liquidatário durante e por causa da sua gerência.
Ora, a remuneração do liquidatário judicial e, no caso dos autos, também do gestor judicial, bem como as despesas por este feitas, constituem dividas da massa, e por um lado, gozam do privilégio da precipuidade (artº 208º) e, por outro, não têm de ser incluídas nas contas elaboradas pelo liquidatário nos termos do artº 222º.
Mesmo no caso de insuficiência do activo, o produto da liquidação é destinado ao pagamento das custas e despesas da administração (artº 187º, nº 3).
O produto da liquidação, ainda que diminuto, posto que não dê para pagar aos credores, obviará ao pagamento das custas e das despesas de administração, de acordo com o nº 3 do artº 187º do CPEREF.
Por seu turno, o artº 211º estabelece que: «os pagamentos aos credores com garantia real e os rateios parciais devem ser efectuados de modo que fiquem sempre em depósito 25% do produto de cada um dos bens liquidados, para garantia das custas e demais despesas que forem contadas a final».
E de acordo com o artº 214º, nº 1 «a distribuição e rateio final do produto da liquidação do activo são efectuados pela secretaria do tribunal, quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta».
O liquidatário judicial cessa funções depois de transitada em julgado a decisão que aprove as contas da liquidação da massa falida (artº 138º).
O que significa, da conjugação das transcritas disposições legais, que a remuneração do liquidatário judicial, deve ser liquidada e paga a final.
Como observa o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10.2001, junto aos autos, “é para todos evidente que o gestor judicial e o liquidatário judicial trabalham no interesse da empresa em dificuldades e respectivos credores. Preocupa-se por isso a lei com a remuneração do seu trabalho, que não pode estar à mercê das vicissitudes do processo”. Não se pode negar a remuneração a quem trabalhou em prol da empresa. Uma tal decisão seria claramente iníqua.
Tendo o Senhor Adérito Jorge de Abreu Cardoso sido nomeado gestor judicial em 24 de Julho de 1996, o facto é que até à presente data ainda não lhe foi paga qualquer remuneração que lhe é devida, pelo exercício das suas funções, quer como gestor judicial, quer como liquidatário judicial, apesar de ter reclamado o seu pagamento em tempo oportuno.
Argumenta a Caixa de Crédito Agrícola que o despacho que a dispensou do depósito do preço transitou em julgado e que por isso não está obrigada a depositar qualquer outra quantia.
É uma interpretação errada do Direito.
Efectivamente o despacho em causa apenas a dispensou de depositar o preço do imóvel que lhe foi adjudicado e do pagamento da sisa. E é apenas sobre tal decisão, com os limites e nos termos que dela constam, que se formou caso julgado formal. Não se forma caso julgado sobre o que não existe no processo, sobre o que não se decidiu.
A decisão em apreço não dispensou a Caixa de Crédito de depositar as custas da falência e todas as que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, que, como já se viu, saem precípuas de todo o produto da massa e na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real.
Apresenta a Caixa de Crédito Agrícola como derradeiro argumento, o facto de o liquidatário, pedir um pagamento relativo a 44 meses, na pressuposição de que o liquidatário exerceu a sua actividade durante todo esse período, quando na realidade tal não se verificou, o que na sua percepção configura um abuso de direito.
Ora, esta questão não foi suscitada na 1ª instância. É uma questão nova, nunca antes levantada nos autos. Trata-se pois de uma questão nova de que esta Relação não pode conhecer, uma vez que os recursos visam o reexame de questões já apreciadas no tribunal a quo e não a apreciação de questões novas.
Deste modo, improcedem em bloco todas as questões colocadas pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.

Do que fica dito, fácil é de concluir que a decisão de reparação do Senhor juiz a quo, não se pode manter.
Em primeiro lugar, porque equivale à negação da remuneração de quem trabalhou, primeiro como gestor judicial e seguidamente como liquidatário judicial, no âmbito deste processo de falência, o que é claramente injusto.
Depois, porque aquela decisão fundando-se no despacho de 26/02/1999 que adjudicou à Caixa de Crédito Agrícola o imóvel apreendido, e ainda, no despacho de 26/3/1999 que decidiu dispensá-la do depósito do preço, faz uma interpretação incorrecta do conteúdo deste último despacho, ao concluir que a Caixa de Crédito fica tão só obrigada a pagar, além das custas do processo, a comissão de 10% à entidade leiloeira. Na verdade, nada do conteúdo daqueles despachos consente a conclusão que o Sr. Juiz dali retira, no sentido de que a Caixa de Crédito, fica «porém – mas tão só – obrigada a pagar, além das custas do processo, a comissão de 10% à entidade leiloeira». Uma tal interpretação é frontalmente contrária à lei, designadamente às normas dos artºs 138º e 208º do CPEREF.
Não tem em conta os fundamentos e a decisão do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 4.10.2001 e proferido no âmbito deste processo.
Mas também contraria a decisão proferida no despacho datado de 19 de Dezembro de 1997, e do qual consta que « o pagamento dos honorários e despesas serão efectuados após a venda agendada para 19 de Janeiro próximo e pelo produto daquelas após devolução das custas prováveis» e bem assim, o decidido em 21/12/98 na sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, nos termos do artº 196º nº 3 do CPEREF e da qual consta:
«As custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção do produto da cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real – cfr. artº 208º do CPEREF».
Merece, assim, censura a decisão de reparação proferida a fls. 114 dos autos, pelo que se impõe a sua revogação.

Decisão
Nesta conformidade acorda-se em:
Conceder provimento ao agravo e, assim, revogar o despacho de reparação proferido a fls. 114 destes autos, devendo o Sr. Juiz proferir despacho que, em consonância com o que fica exposto, defira o requerimento apresentado pelo Senhor Liquidatário Judicial em 6/12/2001 (fls.608), e ordene a remessa do processo à conta, para os fins aí requeridos.
Custas pela agravada Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alto Minho, C.R.L.

Guimarães, 29 de Janeiro de 2003
Amílcar Andrade
Teresa Pais
Leonel Serôdio