Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
41/20.1T8CBT.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO AUTOR PROCEDENTE. APELAÇÃO DA RÉ IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O dano biológico pode ser definido como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal e é ressarcível como dano autónomo.
II - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada segundo critérios de equidade em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências). Igualmente deverá o julgador ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
III – No caso de indemnização por danos não patrimoniais, estando igualmente em causa o critério da equidade, os tribunais, em vez de se limitarem a fazer apelo a este critério indicando logo um montante reputado como adequado, devem também ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares.
IV - Num caso em que, em consequência do acidente, o lesado de 59 anos, reformado, que padece de patologias anterior, e que ficou a padecer de um défice funcional de integridade físico-psíquica de 2 pontos é equitativa a indemnização de € 4.500,00 a título de dano biológico.
V – Mostra-se igualmente equitativa a indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais numa situação em que o lesado: sofreu de cervicalgia, dores na clavícula esquerda, hematomas; foi conduzido ao hospital onde foi sujeito a exames tendo tido alta no mesmo dia com indicação de 15 dias de repouso; continuou a sofrer dores pelo que teve de fazer medicação analgésica; precisou de ajuda de terceiros para se vestir/despir e para fazer a sua higiene; passou a apresentar dor na grade costal bilateral, cervi-dorsalgias persistentes e dificuldades acrescidas no ortotatismo, bipedestação prolonga, dificuldade em levantar pesos; o quantum doloris foi fixado em 4/7; e recorda frequentemente o acidente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

M. S. instaurou a presente acção declarativa de condenação contra X Seguros, S.A. (ex-Seguradoras …), pedindo a sua condenação no pagamento:

a) da quantia de € 4.782,12 resultado das proveniências referidas em 34 da p.i.;.
b) da quantia de € 777,87 resultado das proveniências referidas em 41 da p.i.;
c) da quantia de € 10.000,00 resultado das proveniências referidas em 58 da p.i.;
d) da quantia que se venha a liquidar em execução de sentença da proveniência referida em 59, 60, 61 e 62 da p.i..

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 21/05/2019, pelas 19h15m, quando circulava no seu ciclomotor com matrícula GM sofreu um embate do veículo ligeiro de mercadorias com matrícula OF que ocorreu por culpa exclusiva do condutor deste.
Em consequência do referido embate sofreu danos que importaram uma incapacidade permanente geral de 3 pontos, pelo que entende ter direito a uma indemnização de € 4.782,12; sofreu despesas no valor de € 777,87. Após o acidente, e por causa deste, o seu estado psicológico sofreu alterações pelo que entende ter direito a uma indemnização de € 10.000,00.
Por fim, acrescenta o autor que poderá no futuro necessitar de ser submetido a tratamentos, intervenções cirúrgicas e consultas que actualmente não é passível de concretizar os respetivos valores peticionando que os mesmos sejam liquidados em execução de sentença.
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A ré apresentou contestação referindo que o embate se deu por culpa exclusiva do autor porquanto embateu na traseira do veículo por esta segurado, sendo que o condutor do veículo ligeiro de mercadorias obedeceu a todas as normas do Código da Estrada, razão pela qual declinou a responsabilidade do acidente.
Impugna os valores peticionados pelo autor. Além de que o autor, já em momento anterior ao do embate, se encontrava afetado de diversas patologias. Relativamente ao grau de incapacidade alegado pelo autor refere que o mesmo não se encontrava comprovado nos autos. Igualmente não está comprovado que tenha ficado portador de sequelas pelo que o autor não sofrerá no futuro qualquer prejuízo patrimonial. E continuará a auferir a pensão que aufere na presente data.
Impugna o valor das despesas.
No que respeita aos danos não patrimoniais alega que os mesmos são excessivos.
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Em foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
A. Condena a ré a pagar ao autor a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais (dano biológico), acrescida de juros de mora civis legais contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efeito e integral pagamento;
B. Condena a ré no pagamento ao autor da quantia de €777,87 (setecentos e setenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos) a título de despesas (danos patrimoniais), acrescida de juros de mora legais civis desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
C. Condena a ré a pagar ao autor a quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de compensação pelos restantes danos não patrimoniais acrescida de juros de mora civis legais contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efeito e integral pagamento;
D. Absolve a ré do demais peticionado.
E. Condena a autora e ré no pagamento da quantia das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 59,65% e 40,35%, respetivamente. (…)”
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Não se conformando com esta decisão veio o autor dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“A. Entende o recorrente que, quanto aos danos morais, a fixação do montante indemnizatório peca por ser substancialmente reduzida,
B. O dano moral consiste numa perturbação psicológica temporária da vítima, constituindo um dano-consequência, em sentido próprio, do evento lesivo. Por seu turno, o dano biológico revela-se no efeito interno do evento lesivo da saúde, devendo a sua existência ser provada, independentemente da relevância assumida pelas eventuais consequências externas do evento lesivo (com efeitos de ordem moral ou patrimonial).
C. O dano corporal ou dano à saúde protege o “valor Homem” na sua vertente não lucrativa, abrangendo as tarefas quotidianas (vestir-se, cuidar da própria pessoa, caminhar, assistir a um filme, conduzir, fazer compras, cozinhar, etc.) que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano.
D. O “dano moral” deverá ser também considerado, pois verifica-se o estado de sofrimento psíquico provocado na vítima, ainda que transitório, da ofensa produzida e das suas consequências.
E. Provou-se que o A. foi assistido no Hospital, onde realizou exames, ficou com dores na cervical, clavícula esquerda e hematomas, teve alta com indicação de realizar analgesia, teve de ficar em repouso, pelo menos, 15 dias, no domicilio o A. continuou a padecer de dores, recorreu a medicação analgésica, necessitou da ajuda de familiares para as tarefas básicas da vida como vestir/despir e de higiene, atualmente padece (em consequência do acidente) dor na grade costal bilateral com cervicalgias persistentes, dificuldades acrescidas no ortostatismo e bipedestação prolongada, dificuldades em levantar pesos ou cargas do chão, sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7. Padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 2 pontos. E, em consequência do acidente, o A. sofre de dores constantes.
F. O montante indemnizatório, atinente aos danos morais, deve ser fixado equitativamente, por forma ao quantitativo ser o bastante para contrapor às dores e sofrimentos ou a minorar de modo significativo os danos delas provenientes.
G. No presente caso, fazendo-se a separação dos montantes indemnizatórios, será ajustado fixar a indemnização pelos danos morais em 10.000,00€.”
Pugna pela revogação da sentença nos termos referidos.
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Não se conformando igualmente com a sentença veio a ré dela interpor recurso subordinado, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“I- A compensação arbitrada ao Autor pelo seu dano biológico, de natureza não patrimonial, é excessiva, devendo ser reduzida para 2.500,00€
II- E ainda que se entenda que tal valor não é adequado a compensar o dano biológico do Autor, o que não se admite, sempre se imporia a redução do valor arbitrado para quantia inferior, o que, subsidiariamente, se requer.
III- Tendo o Autor obtido uma compensação autónoma pelo dano biológico, ou seja, pela afetação permanente da sua integridade física, os demais danos morais a compensar restringem-se aos padecimentos temporários decorrentes do acidente
IV- Em face dos factos provados, nomeadamente o facto de ter sofrido lesões ligeiras, não ter sido submetido a internamento hospitalar, ou a quaisquer outros tratamentos, a não ser repouso durante 15 dias e não existindo dano estético, a compensação por estes danos morais temporários, é excessiva, devendo ser reduzida para 750,00€
V- E ainda que se entenda que tal valor não é adequado a compensar os danos morais sofridos pelo Autor, o que não se admite, sempre se imporia a redução do valor arbitrado para quantia inferior, o que, subsidiariamente, se requer.
VI- A douta sentença violou a norma do artigo 496.º do Cod Civil.”
Pugna pela revogação da sentença nos termos referidos.
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O autor apresentou contra-alegações em relação a este recurso.
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Os recursos foram admitidos como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., a questão a decidir é saber se há erro de julgamento na quantificação da indemnização devida a título de dano biológico e de danos não patrimoniais.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:
Da petição inicial
1. No dia 21 de maio de 2019, pelas 19H15, na Rua ..., freguesia de ..., no concelho de Celorico de Basto, ocorreu um embate. (Ponto 1)
2. No embate referido em 1 foram intervenientes dois veículos:
- Ciclomotor, matrícula GM, cuja propriedade se encontra registada a favor de M. G. e conduzido por M. S., aqui autor;
- Veiculo ligeiro de mercadorias, matrícula OF, cuja propriedade se encontra registada a favor de A. F. e conduzido por D. F.. (Ponto 2)
3. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1, era dia, estava bom tempo, piso betuminoso, em bom estado de conservação, seco e local com boa visibilidade. (Ponto 3 e 12 da contestação)
4. No local mencionado em 1, a faixa de rodagem tem 4,60 metros de largura e é composta por 2 vias de trânsito, uma em cada sentido. (Ponto 4 e 11 da contestação)
5. Configura uma via de curvas e contracurvas, sendo que o local do embate configura uma reta. (Ponto 5)
6. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1, o autor circulava no ciclomotor, no sentido .../..., pelo lado direito da faixa de rodagem. (Ponto 6)
7. O veículo ligeiro de mercadorias, matrícula OF, circulava na mesma via, com o mesmo sentido, .../...), atrás do veículo conduzido pelo autor, sem nenhum veículo entre ambos. (Ponto 7 e 14 da contestação)
8. O veículo ligeiro de mercadorias, matrícula OF, iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo conduzido pelo autor. (Ponto 8)
9. Após, o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula OF, retomou novamente a direita da via de forma brusca, colocando-se na frente do veículo conduzido pelo autor, e efetuou uma travagem brusca, estacando o seu veículo em frente do autor, acabando este por embater no veículo OF. (Ponto 9 e 42 da contestação)
10. O autor travou, mas não evitou o embate.
(Ponto 11)
11. Após o embate, o condutor do veículo ligeiro de mercadorias ausentou-se do local, não aguardando a chegada das autoridades ou bombeiros.
(Ponto 14 e 44 da contestação)
12. Na sequência do embate, o autor caiu na estrada, tendo sido transportado pelos Bombeiros Voluntários de Celorico de Basto para o Centro Hospitalar ..., E.P.E. – Hospital ..., em .... (Pontos 16 e 17)
13. No Centro Hospitalar ..., E.P.E. – Hospital ..., em ..., o autor foi submetido a exames de imagem ao tórax, grelha costal, coluna dorsal e lombar, bacia e ombro, e TAC à coluna cervical. (Ponto 18 e 53 e 54 da contestação)
14. Em consequência do embate, o autor apresentou as seguintes lesões:
- Cervicalgia;
- Dores na clavícula esquerda;
- Hematomas. (Ponto 19)
15. O autor teve alta administrativa com indicações dos cuidados a realizar e analgesia, tendo sido determinado repouso físico durante, pelo menos, 15 dias, conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial e que aqui se dá por inteiramente reproduzido. (Pontos 20 e 21)
16. No domicílio, o autor continuou a sofrer dores, recorreu a medicação analgésica e necessitou da ajudar de familiares para tarefas diárias como vestir/despir e higiene. (Ponto 22)
17. Em consequência do embate o autor apresenta:
- dor na grade costal bilateral, cervi-dorsalgias persistentes;
- dificuldades acrescidas no ortostatismo e bipedestação prolongada, dificuldades ao levantar aos pesos ou cargas do chão. (Pontos 27 e 42)
18. Em consequência do embate, o autor ficou a padecer de um défice funcional permanente e da integridade física-psíquica de 2 pontos. (Ponto 28)
19. Em consequência do embate o autor ficou a padecer de um quantum doloris no grau 4/7. (Ponto 29)
20. O autor, na data do embate, tinha 59 anos de idade e encontrava-se reformado. (Ponto 31)
21. Em consequência do embate, o autor sofre de dores consideradas constantes. (Pontos 36 e 51)
22. O autor usava óculos no momento do embate, pelo que me consequência do mesmo estes foram projetados e partiram. (Ponto 37)
23. O autor adquiriu novos óculos. (Ponto 38)
24. O autor pagou a quantia de €777,87 (setecentos e setenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos) a título de despesas médicas e medicamentosas e óculos. (Pontos 39 e 40)
25. Em consequência do embate o autor sofreu dores. (Ponto 44)
26. O autor recorda frequentemente o dia do embate. (Ponto 45)
27. O autor poderá vir a ser submetido a tratamentos de fisioterapia e consultas de ortopedia e fisiatria, bem como necessitar de tomar medicamentos para evitar a evolução das sequelas, atendendo aos seus problemas de saúde prévios. (Ponto 59)
28. Por acordo escrito entre A. F. e ré, com o número de apólice ……..8, foi transferida para a ré a responsabilidade em relação a terceiros quanto ao veículo ligeiro de mercadorias, matrícula OF. (Ponto 62)

Da contestação:
29. Na recta onde ocorreu o embate, tendo em conta o sentido Norte-Sul, a aludida via desenhava uma reta, seguida de uma curva à direita. (Ponto 9)
30. Nessa reta não existia qualquer marcação no pavimento da via a separar as duas hemi-faixas de rodagem. (Ponto 10)
31. O autor teve alta hospitalar no próprio dia em que foi observado na urgência. (Ponto 55)
32. Não há qualquer registo de que, apos a alta hospitalar, o autor tenha realizado qualquer outro tratamento em consequência do embate. (Ponto 56)
33. Em momento anterior ao embate o autor padecia:
- Hiperplasia da próstata, estando medicado, habitualmente, com finasterida;
- Hipercolesterolemia, estando medicado com atorvastatina;
- Distúrbio de ansiedade, estando medicado com diazepam;
- Depressão, estando medicado com duloxetrina e Tricticum;
- Hipertensão arterial;
- patologia na sua mão esquerda, a qual o obrigara a submeter-se a uma intervenção Cirúrgica. (Pontos 59 e 60)
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Não se provou:
Da petição inicial:
a) No embate ocorrido nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1, o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula OF era conduzido por O. F.. (Ponto 1)
b) A recta do local de embate tem 10 metros. (Ponto 5)
c) No momento em que o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula OF iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo conduzido pelo autor, insultava e esbraceja, dirigindo gestos obscenos ao autor. (Ponto 8)
d) Quando o veículo ligeiro de mercadorias concluiu a manobra de ultrapassagem, colocou-se à frente do autor, com uma distância entre ambos, inferior a 10 metros. (Ponto 11)
e) O autor passou dias na cama, onde a família lhe levava a comida, tomando medicação calmante, durante a recuperação. (Ponto 24 e 26)
f) O autor não sai de casa pelo menos um mês, padecendo de dores na coluna e clavícula. (Ponto 25)
g) Em consequência do embate, o autor apresenta:
- Nervosismo, com recordações frequentes do sinistro, provocando-lhe medo quando conduz;
- Agravamento do estado de ansiedade; (Ponto 27)
h) Em consequência do embate, o autor ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos. (Ponto 29)
i) O autor vive com receio que as sequelas o limitem nas tarefas normais do dia-a-dia. (Ponto 30)
j) A. é uma pessoa particularmente mais agitada, nervosa e insegura, o que não era antes do acidente. (Ponto 35)
k) À data do embate o autor era saudável, sem limitações físicas que lhe causavam dores a nível da coluna e a nível da clavícula. (Ponto 41 3 parcialmente o 47). XX
l) Em consequência do embate o autor receou pela própria vida, integridade física e vive angustiado. (Pontos 44, 45 e 53)
m) Em momento anterior ao embate, o autor era uma pessoa alegre, incansável e bem-disposta. (Ponto 46 48)
n) O autor passou a isolar-se em casa. (Ponto 49)
o) O desgosto de se ver limitado na sua mobilidade e capacidade motora. (Ponto 52)
p) Sente falta do convívio regular que mantinha com várias pessoas. (Ponto 54)
q) O A. poderá vir a ser submetido a intervenções cirúrgicas e tratamentos de recuperação. (Ponto 58)

Da contestação:
r) A recta do local de embate tem cerca de 135 metros de extensão. (Ponto 9)
s) O O. F. fazia progredir o OF inteiramente dentro da metade direita da via, atento o sentido Norte-Sul, a velocidade que não excedia a de 40 km/h, prestando toda a atenção ao transito. (Ponto 13)
t) O autor fazia progredir o GM a uma velocidade inferior a 40 km/h, circulando perto do limite direito da Rua ..., atento, nesta, o sentido Norte-Sul. (Ponto 15)
u) Uma vez que o GM progredia a um andamento mais lento do que o OF, o O. F., no já referido troço da Rua ... que desenhava uma reta, decidiu ultrapassar aquele ciclomotor. (Ponto 16)
v) Para tanto o O. F. acionou o dispositivo luminoso do pisca-pisca esquerdo do OF. (Ponto 17)
w) Do mesmo passo, de forma gradual, fletiu à sua esquerda, iniciando a sua aproximação à metade esquerda da estrada, atento o seu rumo, a fim de tomar a esquerda do GM. (Ponto 18)
x) De forma gradual ocupou a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu rumo, pela qual passou a circular e, de seguida, tomou a esquerda do GM, a fim de o ultrapassar. (Pontos 19 e 20)
y) Antes de iniciar essa manobra certificou-se de que da feitura dela não adviria perigo de embate. (Ponto 21)
z) No momento em que iniciou essa manobra não se acercava de si qualquer viatura no sentido contrário àquele em que seguia, ou seja, no sentido Sul-Norte, e nenhuma outra se aprestava a ultrapassar o OF. (Ponto 22)
aa) Encontrando-se todo o espaço visível e circundante ao OF livre de viaturas, com a exceção do GM. (Ponto 23)
bb) No momento em que o O. F. iniciou a ultrapassagem, o GM mantinha a sua linha de rumo e posicionamento na via, mantendo-se a circular inteiramente dentro da metade direita da via e na extremidade direita da estrada, atento o sentido Norte-Sul, não assinalando, fosse de que forma fosse, a sua intenção de mudar de direção ou iniciar ultrapassagem. (Ponto 24)
cc) Depois de ter transposto totalmente o GM e quando se encontrava a circular cerca 15 metros adiante desse motociclo, atento o sentido Norte-Sul, o condutor do OF iniciou a manobra destinada a retomar a metade direita da via, considerando o seu rumo. (Ponto 25)
dd) De forma gradual, o condutor do OF começou a fletir à sua direita, transpondo novamente o eixo da via e invadindo a metade direita da via, atento o sentido Norte- Sul. (Ponto 26)
ee) O OF ingressou novamente na metade direita da via, e passou a circular à frente do GM, mais de 15 metros adiante desse ciclomotor. (Ponto 27)
ff) E a uma velocidade de não mais de 40 km/h. (Ponto 28)
gg) A referida manobra ficou concluído mais de 40 metros antes da curva à direita existente na via, atento o sentido Norte-Sul. (Ponto 29)
hh) Depois de ter percorrido alguns metros na via, o condutor do OF começou a reduzir, de forma gradual, a velocidade de que animava esse carro, a fim de descrever em segurança a curva à sua direita que estava prestes a alcançar. (Ponto 30)
ii) E, depois de ter percorrido cerca de 10-20 metros após o local onde começou a reduzir a velocidade do OF, este veículo foi subitamente embatido na sua traseira pelo ciclomotor GM. (Ponto 31)
jj) Depois de ter terminado a manobra de ultrapassagem, o OF passou a circular cerca de 15 metros adiante do GM e no mesmo sentido, tendo o O. F., a dado passo e de forma gradual, começado a reduzir a velocidade de que animava esse veículo. (Ponto 33)
kk) O autor não se apercebeu da redução de velocidade que o OF sofreu, como preparativo da descrição da curva. (Ponto 34)
ll) O autor não reduziu, também ele, a velocidade que imprimia a esse ciclomotor, de forma a acompanhar a redução de velocidade do OF, pelo que embateu com a sua dianteira na traseira do veículo segurado na ré. (Pontos 35 a 40)
mm) Por outro lado, o OF, um veículo de marca Citroen, Modelo Berlingo, com primeira matrícula do ano de 2013, dispunha de sistema de travagem ABS, ou seja, “anti-lock Breaking System”, pelo que esse veículo, ainda que travasse a fundo, nunca produziria rastos de travagem na estrada. (Pontos 45 e 46)
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No que concerne à restante factualidade alegada e que não consta transcrita nos factos provados ou não provados, a mesma foi considerada matéria conclusiva, de direito, instrumental ou meramente interpretativa.
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Subsunção jurídica

Os apelantes conformam-se com a decisão acerca da matéria de facto apontando apenas erros na quantificação da indemnização devida a título de dano biológico e de danos não patrimoniais.
Vejamos.

1. Dano biológico
O conceito de dano biológico teve origem nos anos 70 do século passado na jurisprudência italiana para fazer face a um problema existente no direito desse país que se prendia com as limitações ao ressarcimento de danos não patrimoniais uma vez que se entendia que o art. 2059º do Codice Civile não previa a compensação de todos os danos não patrimoniais, mas apenas dos danos morais enquanto perturbações transitórias do estado de espirito dos lesados quando resultantes de ilícitos criminais. Contudo, em 2003, a jurisprudência italiana sofreu uma reviravolta uma vez que procedeu a reinterpretação daquele artigo de molde a que o mesmo abrangesse todos os danos de natureza não patrimonial resultantes de valores inerentes à pessoa, incluindo o dano moral subjectivo, o dano biológico em sentido estrito, entendido como lesão do interesse constitucionalmente garantido da integridade física e psíquica da pessoa medicamente certificado, e o dano derivado da lesão de outros interesses de valor constitucional inerentes à pessoa (sentença nº 233 de 11/07/2003 da Corte Costituzionale). Neste sentido vide Maria da Graça Trigo, in Responsabilidade Civil - Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, 2017, p. 69-87.
Apesar de, no direito português, não existirem restrições à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais dada a previsão do art. 496º nº 1 do C.C., o conceito de dano biológico foi importado pela doutrina e jurisprudência nacionais e permitiu o alargamento da compreensão do âmbito dos prejuízos efectivamente sofridos pelas vítimas de factos geradores de responsabilidade civil delitual.
Assim, passou a definir-se o dano biológico como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal.
Este dano aflorou em termos legislativos na Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, aprovada pelo Dec.-Lei nº 352/2007 de 23/10, e na Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio. No preâmbulo deste último diploma lê-se: “(…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o seu art. 3º b) considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho. Este diploma foi entretanto alterado pela Portaria nº 679/2009 de 25/06.

A propósito deste dano refere-se no Ac. do S.T.J. de 11/11/10, (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt:
“(…) o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”.
E “Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis deminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringido seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais (…)”.

Assim sendo, a incapacidade permanente parcial pode reflectir-se de duas maneiras no património do lesado:

a) perda efectiva de rendimentos laborais pela incapacidade total ou parcial para a profissão habitual, perda esta que pode ser calculada com o auxílio de fórmulas ou tabelas matemáticas de modo a obter um capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho de modo que, no fim provável da vida do lesado, esse capital se esgote;
b) não ocorre repercussão directa e imediata no rendimento do lesado, mas este, devido à incapacidade de que passou a ser portador, vê a sua capacidade laboral genérica afectada uma vez que tem que efectuar um maior esforço no exercício da sua actividade corrente e profissional e/ou está limitado numa futura reconversão profissional – dano biológico;
Por outras palavras, poder-se-á falar do “dano biológico lato sensu com uma vertente patrimonial – que se desdobra, por um lado, na perda de rendimento pela incapacidade laboral para a profissão habitual e, por outro, na perda na saúde ou diminuição física sem repercussão directa e imediata no vencimento (“dano biológico stricto sensu”) - e uma vertente não patrimonial.
Discute-se na jurisprudência a qualificação do dano biológico: dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro – a maioria da jurisprudência do S.T.J.; dano patrimonial ou não patrimonial conforme uma análise casuística; ou o dano biológico como um dano base ou dano-evento do qual pode derivar, quer a perda efectiva de rendimentos laborais pela incapacidade total ou parcial para a profissão habitual, quer a perda de capacidade laboral genérica nos termos supra referidos.
Contudo, qualquer que seja o enquadramento jurídico, a jurisprudência maioritária admite o ressarcimento autónomo deste dano que, de modo algum, com vimos supra, se esgota nos danos não patrimoniais.
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No caso em apreço verificamos que a apelante ré se insurge contra o montante de € 4.500,00 arbitrado a título de dano biológico reputando-o de exagerado e defendendo a sua redução para € 2.500,00.
Ora, nesta sede não é de atender às tabelas financeiras utilizadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes de incapacidade permanente parcial para o exercício da profissão habitual uma vez que, como vimos supra, encontramo-nos perante um dano distinto.
Também não é de atender à acima referida Portaria nº 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25/06, uma vez que a mesma prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação pelas seguradoras aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, não vinculando os tribunais (além de que os valores nela constante se mostram desactualizados atento o tempo decorrido desde a sua publicação).
A indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC), em função dos seguintes factores: “(i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).” Neste sentido vide, entre outros, o recente Ac. do S.T.J. de 24/02/2022 (Maria da Graça Trigo).
Assim, neste dano biológico, mais do que a consideração abstracta dos pontos atribuídos ao défice funcional permanente da integridade física de que o lesado passou a padecer, importam essencialmente as consequências das lesões na sua vida em todas as suas dimensões.
Em vez dos tribunais se limitarem a fazer apelo ao critério da equidade indicando logo um montante reputado como adequado afigura-se-nos, na senda da jurisprudência mais recente e de molde a respeitar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º da C.R.P. e 8º nº 3 do C.C.), que se deverá atender às decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo.
In casu verificamos que o lesado tinha 59 anos na data da consolidação da incapacidade (18/08/2019); a esperança média de vida segundo os últimos dados do INE é 78 anos para os homens – www.ine.pt; padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e encontra-se reformado.

A título exemplificativo indicam-se as seguintes decisões jurisprudenciais:
- no acórdão da R.P. de 29/04/2021 (Paulo Duarte Teixeira) foi atribuída/mantida uma indemnização de € 4.000,00 a uma senhora de 61 anos, doméstica embora fazendo trabalhos pontuais, que ficou com um défice funcional permanente de 2 pontos;
- no acórdão desta Relação de 19/06/1919 (Sandra Melo) foi atribuída uma indemnização de € 5.000,00 a um indivíduo de 30 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos, que necessita de esforços acrescidos para o exercício da profissão;
- no Ac. da R.P. de 26/09/2016 (Ana Paula Amorim) foi atribuída uma indemnização de € 4.000,00 a um indivíduo de 38 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos, que necessita de esforços acrescidos para o exercício da profissão de carteiro.
Pelo exposto, ponderadas as circunstâncias do caso, os referidos elementos jurisprudenciais - que se reportam a um défice funcional permanente igual ou próximo àquele que é objecto da presente apelação - e a equidade, temos como equitativa a indemnização de € 4.500,00 a título de dano biológico fixada na sentença recorrida.
Não procede, assim, a apelação da ré nesta parte.
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2. Danos não patrimoniais
No caso em apreço verificamos que o apelante autor e a apelante ré se insurgem contra o montante de € 1.000,00 arbitrado a título de danos não patrimoniais sendo que o primeiro considera aquele valor muito reduzido pugnando pela fixação do valor de € 10.000,00 e a segunda defende a sua redução para € 750,00.
Vejamos.
Nem sempre foi reconhecida a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em geral. No domínio do Código de Seabra era discutida a questão da reparação dos danos morais, mas, pouco a pouco, foi sendo admitida até porque passou a ser prevista noutros diplomas. O Código Civil de 1966 introduziu, no seu art. 496º, uma cláusula geral de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cuja redacção veio a ser alterada pela Lei nº 23/2010 de 30/08).
Como assinala Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 7ª ed., 1993, pág. 602 “A indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”.
Nos danos morais em geral mostra-se impossível, pela própria natureza das coisas, a reparação natural do dano, pelo que a lei impõe o recurso à equidade tendo em atenção os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do facto - art. 496º nº 1 e nº 4 e art. 494º do C.C..
Valem aqui as considerações feitas supra no que concerne à quantificação de indemnizações com recurso à equidade.
In casu provou-se que o autor, em consequência do acidente, sofreu de cervicalgia, dores na clavícula esquerda, hematomas; foi conduzido ao hospital onde foi sujeito a exames tendo tido alta no mesmo dia com indicação de 15 dias de repouso; que continuou a sofrer dores pelo que teve de fazer medicação analgésica; precisou de ajuda de terceiros para se vestir/despir e para fazer a sua higiene; passou a apresentar dor na grade costal bilateral, cervi-dorsalgias persistentes e dificuldades acrescidas no ortotatismo, bipedestação prolongada, dificuldade em levantar pesos; o quantum doloris foi fixado em 4/7; e recorda frequentemente o acidente.
Face a esta matéria de facto, tendo presente a autonomia dos danos não patrimoniais face ao acima referido dano biológico, a não excessiva gravidade daqueles danos e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares, afigura-se-nos que o valor arbitrado pelo Tribunal recorrido é manifestamente reduzido.

Com efeito, a título exemplificativo, indicam-se as seguintes decisões jurisprudenciais (referindo-se o grau do défice funcional permanente apenas como indício de similaridade de situações e não valorando novamente o dano biológico):
- no acórdão da Relação do Porto de 22/03/2021 (Joaquim Moura) foi atribuída uma indemnização de € 10.000,00 a um indivíduo de 42 anos, que sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, que se submeteu a fisioterapia (e a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos);
- no supra referido acórdão desta Relação de 19/06/1919 (Sandra Melo) foi atribuída uma indemnização de € 7.000,00 a um indivíduo de 30 anos, que sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7; que se submeteu a fisioterapia (e a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos);
- no acórdão da Relação de Lisboa de 19/04/2018 (Carlos Marinho) foi fixada uma indemnização de € 10.000,00 a uma sinistrada que, no momento do acidente, tinha 11 anos de idade, que teve um quantum doloris de 3 em 7; 280 dias de défice funcional temporário parcial (e a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer);

Pelo exposto, ponderadas as circunstâncias do caso, os referidos elementos jurisprudenciais e a equidade, temos como equitativa a indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Assim, a apelação do autor procede e improcede a da ré.
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As custas da acção são da responsabilidade do autor e ré na proporção do respectivo decaimento.
As custas do recurso da autora, bem como do recurso subordinado, são da responsabilidade da ré (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - O dano biológico pode ser definido como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal e é ressarcível como dano autónomo.
II - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada segundo critérios de equidade em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências). Igualmente deverá o julgador ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
III – No caso de indemnização por danos não patrimoniais, estando igualmente em causa o critério da equidade, os tribunais, em vez de se limitarem a fazer apelo a este critério indicando logo um montante reputado como adequado, devem também ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares.
IV - Num caso em que, em consequência do acidente, o lesado de 59 anos, reformado, que padece de patologias anterior, e que ficou a padecer de um défice funcional de integridade físico-psíquica de 2 pontos é equitativa a indemnização de € 4.500,00 a título de dano biológico.
V – Mostra-se igualmente equitativa a indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais numa situação em que o lesado: sofreu de cervicalgia, dores na clavícula esquerda, hematomas; foi conduzido ao hospital onde foi sujeito a exames tendo tido alta no mesmo dia com indicação de 15 dias de repouso; continuou a sofrer dores pelo que teve de fazer medicação analgésica; precisou de ajuda de terceiros para se vestir/despir e para fazer a sua higiene; passou a apresentar dor na grade costal bilateral, cervi-dorsalgias persistentes e dificuldades acrescidas no ortotatismo, bipedestação prolonga, dificuldade em levantar pesos; o quantum doloris foi fixado em 4/7; e recorda frequentemente o acidente.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação:
- em julgar procedente a apelação do autor e, consequemente, revogam a decisão recorrida na parte referente à indemnização devida a título de danos não patrimoniais fixando esta indemnização no valor de € 10.000,00, mantendo-se no mais aquela decisão;
- em julgar improcedente a apelação da ré.

Custas da acção na proporção do decaimento.
Custas das apelações pela ré.
A presente decisão é elaborada conforme grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
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Guimarães, 13/07/2022

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues