Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3758/21.0T8VNF-A.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
RECURSOS
DESPACHOS DE MERO EXPEDIENTE
“GUARDA DE FACTO”
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Dada a natureza do processo de Promoção e Protecção e os interesses que nele se debatem, o legislador veio restringir a possibilidade de recurso, limitando-o às decisões que aplicam, alteram ou fazem cessar medidas de promoção e protecção, de modo a que não se frustre o objectivo de uma decisão célere.
II – São despachos de mero expediente os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo, insusceptíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros.
III – Por sua vez, consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
IV – O processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, é de jurisdição voluntária, pelo que as decisões são proferidas em conformidade com as soluções de conveniência e oportunidade, que, de acordo com a via do bom senso, sejam tidas como mais adequadas pelo julgador, relativamente à situação concreta.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Nos autos de Processo de Promoção e Protecção instaurado pelo Ministério Público, relativo ao menor M. F., nascido em ..-09-2018, filho de H. M. e de I. C., residente com a familia de acolhimento, S. R. e R. A., na Rua …, n.º …, Guimarães, veio requerer-se a abertura de instrução nos termos do art. 107.º, da LPCJP, com a audição dos progenitores, da coordenadora do caso, realização de relatório, com vista a aplicação de medida de protecção do menor que se venha a julgar mais adequada.
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Para o efeito de se proceder à audição dos progenitores, das anteriores Gestoras de Caso, Drª.s E. R. e C. G., e actuais Gestoras de Caso, como requerido pelo M.º P.º, foi designado o dia 16.2.22 para esse efeito.
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Tal como consta da respectiva acta - acta de acordo de promoção e protecção - o Mmº Juiz procedeu à audição de todos os presentes, constando da referida acta que estiveram presentes os progenitores, H. M., I. C., as coordenadoras do caso, Dra. P. A. e Dra. S. M., a técnica da CPCJ, Drª. E. R., e a família de acolhimento, S. O. e R. A..
Após, considerando o adiantado da hora, foi a diligência interrompida e designado o dia 16-03-2022 para continuação.
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Antes da data designada para continuação da diligância, a família de acolhimento veio juntar aos autos um requerimento, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 104.º e no n.º 1 e n.º 3 do artigo 107º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (LPCJP), pedindo que fosse concedido prazo para junção aos autos de relatório pedopsiquiátrico, face ao facto do menor estar a ser seguido em consultas de neurocirurgia pediátrica e pedopsiquiatria desde Dezembro de 2018 e ter tido uma evolução favorável do seu estado de saúde e do seu desenvolvimento cognitivo decorrente após a sua inserção na família de acolhimento que entendem relevar para que sejam os mesmos ouvidos em audiência de julgamento e juntem os meios de prova que entendam por convenientes, por forma a permitir ao tribunal decidir convenientemente o futuro do H. M..
Nessa sequência, requereu-se a tomada de declarações dos requerentes na sessão de audiência de julgamento, designada para 16/03/2022, bem como a audição das testemunhas que indicam (educadora de Infância do menor na Creche Jardim de Infância …, em Guimarães e a médica de neurocirurgia pediátrica.
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No dia designado, aberta a presente audiência, pelo magistrado do Ministério Público foi pedida a palavra, a qual lhe foi concedida e no uso da mesma disse:

“O Ministério Público pronuncia-se sobre o requerimento feito por S. R. e R. A. no sentido de o mesmo ser indeferido na sua totalidade porquanto:
1- Não são partes neste processo;
2- Não são guardadores de facto no invocado artº 5º da Lei LPCJP, mas são guardadores de direito;
3 - Porque têm um estatuto específico de família de acolhimento nos termos do artº 47º da lei de promoção e proteção;
4 - Nos termos do DL n.º 11/2008 de 17 de janeiro que regulamenta a execução do acolhimento familiar daí que mesmo a citação de um acórdão de 2002 não retira esse estatuto;
5 - Será de indeferir também o requerimento pela família de acolhimento, uma vez que segundo o artº 3º de tal regulamento esta medida tem por base a previsibilidade do regresso da criança à família natural, quando esta tenha condições, ou é mesmo no pressuposto da execução e preparação da criança para autonomia de vida;
6 – Tanto não é cuidadora de facto esta família, porquanto como toda a família de acolhimento é selecionada pelas instituições de enquadramento o que foi o caso, resulta do regulamento referido, designadamente dos seus direitos e obrigações descritos nos artºs 20º e 21º, que as mesmas não têm autonomia como parte, devendo prestar as suas informações à instituição de enquadramento (serviços da Segurança Social), entendemos nós também que por esse facto nem sequer têm legitimidade para recorrer;
7 – A família de acolhimento, segundo ao artº 38º, têm um contrato de prestação de serviços daí que este contrato até está sujeito a cessação por violação das obrigações contratuais assumidas ou perda de requisitos e condições, conforme o artº 41º do regulamento;
8 – Para além do mais a fase dos invocados artºs 104º e 107º da LPCJP está ultrapassada, o relatório é do artº 108º que foi apresentado;
9 – Estamos na fase do artº 11º- B e artº 112 da lei de promoção e proteção;
10- Reunião com pais e Ministério Público para eventual negociação de medida como foi requerido no requerimento inicial;
11 – Por último e em face do estipulado no artº 88º da LPCJP atento o carácter reservado do processo, mais se requerer que quem não é parte não têm de estar presente nesta reunião.”.
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Após pronúncia por parte da mandatária da família de acolhimento, pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Em face dos requerimentos apresentados pela representante da família de acolhimento e da resposta apresentada pelo Ministério Público, oferece-nos dizer o seguinte:
a) Conforme resulta dos autos, foi promovido pelo Ministério Público a convocação de uma conferência para audição dos progenitores, das anteriores gestoras de caso, bem como das atuais gestoras de caso; na sequência de tal promoção, foi proferido despacho, o qual acedeu à promoção subscrita e designou diligência para audição das referidas pessoas indicadas pelo Ministério Público; a conferência iniciou-se no pretérito dia 16 de Fevereiro do corrente ano e da leitura da acta verifica-se que para além das pessoas sugeridas pelo Ministério Público para intervir na diligência promovida estiveram também presentes a família de acolhimento, representadas pela Drª A. R.. Decorre, pois, do agendamento da diligência que a família de acolhimento não foi convocada para esta diligência. Todavia, e uma vez que este processo tem como escopo principal acautelar os interesses do H. M., sendo que o mesmo tem estado ao cuidado da família de acolhimento desde os 3 meses de idade, haverá todo o interesse no sentido de chegar a uma solução consensual que os mesmos permaneçam nesta diligência, com vista a aquilatar-nos do atual estado físico, psíquico e emocional da criança, sendo que esta família poderá ser, naturalmente, quem nos poderá trazer melhores elementos sobre tais desideratos.
b) No que concerne às diligências requeridas pela família de acolhimento, e atento o momento processual em que nos encontramos (audição de todos os intervenientes com vista à chegada de uma solução consensual), diremos que a mesma é intempestiva, surge fora dos prazos indicados pela LPCJP, pelo que se indefere na sua totalidade.
Notifique.
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De seguida, o Ministério Público veio arguir a nulidade de omissão de pronúncia da decisão proferida nos termos do artº 615º, n.º 1, al. d), do C.P.C., face à questão suscitada de legitimidade dos requerentes S. R. e R. A. serem partes, requerendo que se exercitasse o carácter reservado do processo.
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De novo ouvidas as mandatárias presentes, pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Em face do alegada nulidade invocada pelo Ministério Público, julgamos que a mesma não ocorre, porquanto no nosso despacho entendendo que a legitimidade da família de acolhimento para estar presente, para a qual não foi convocada, advém da circunstância de estar a cuidar desta criança desde os seus 3 meses de idade (repetimos), e ser esta família, provavelmente, as pessoas mais indicadas para nos fornecerem os elementos mais atuais sobre o estado físico, psíquico e emocional (repetimos) da criança.
Deste modo, e salvo melhor opinião, reiteramos que não existe a apontada nulidade. Notifique.
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Arguida a nulidade por falta de total fundamentação de direito, foi proferido o seguinte
DESPACHO

Em complemento dos anteriores dois despachos por nós proferidos, e na sequência do requerimento apresentado pelo Ministério Público, diremos que a legitimidade da família de acolhimento para intervir nesta diligência resulta da leitura que fazemos dos artºs 107º, n.º 3 e 112º da LPCJP.
Notifique.
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Após, em face do desacordo entre as partes quanto à aplicação de uma medida de promoção e proteção ou tutelar cível adequada ao interesse da criança, nos termos do n.º 1, do artº 114º, da LPCJP, o tribunal a quo determinou a notificação das partes para, em 10 dias, alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova, e a solicitação à Ordem de Advogados a indicação de um defensor oficioso com vista a ser nomeado à criança.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com o decidido, o Magistrado do Ministério Público veio apresentar recurso, concluindo nos seguintes termos

1.º - Para efeitos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (doravante LPCJP), a "família de acolhimento" não se considera "guarda de facto" da previsão do seu art.º 5.º, nem se considera como "quem tenha guarda de facto".
2.º - Para efeitos da LPCJP "família de acolhimento" são "famílias que não tenham qualquer relação de parentesco com a criança...e não sejam candidatas à adoção” (artigos 7.º e 14.º, n.º 1, al. e), do Regime de Execução do Acolhimento Familiar (doravante Regime), Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de janeiro.
3.º - Para efeitos da LPCJP "família de acolhimento" são famílias habilitadas para o efeito, sujeitas a um processo de seleção, formação e recrutamento, subordinadas às "instituições de enquadramento" (art.ºs 7.º,14.º, 10.º e 11.º, Regime).
4.º - A "família de acolhimento" é uma ponte entre uma situação de perigo da Criança e o seu regresso previsível à situação de não perigo (art.º 3.º, Regime).
5.º - A "família de acolhimento" não tem autonomia executória da medida, são acompanhadas e articuladas com as "instituições de enquadramento" a quem cabem os respetivos atos materiais de acompanhamento da sua execução e elaboração do plano de intervenção (artigos 4.º e 5.º, do Regime)
6.º - Que são entidades juridicamente diversas, "guarcador de facto" e "família de acolhimento", resulta até do facto de que a lei distingue e até admite situações em que co-existe "quem tenha a guarda de facto" e "família de acolhimento", como referido no n.º 2, do artigo 5.º, do Regime.
7.º - Não consta do elenco dos direitos das "famílias de acolhimento" (artigo 29.º, do Regime) qualquer direito de poderem ser partes no processo de promoção e proteção.
8.º - Mas consta a obrigação de subordinarem a sua intervenção às "instituições de enquadramento" (artigo 21.º, do Regime e designadamente seu n.º 1, d), e), g), h) e seu n.º 3).
9.º - A família de acolhimento" tem meramente uma relação contratual de prestação de serviço com as "instituições de Enquadramento" (artigo 38.º e ss, do Regime).
10.º - A “família de acolhimento" não é, assim, parte, nem pode ser admitida a intervir "como parte, como sujeito processual no Processo de promoção e Proteção, tanto assim que não está estipulada a sua notificação como tal para a sua possível intervenção no Desenrolar do procedimento, nas diversas fases do processo.
11.º - Não deve, assim, ser admitido qualquer tipo de intervenção feito pela "família de acolhimento" como parte, sujeito processual autónomo nos autos.
12.º -Admitindo-se o contrário do pugnado e decidindo-se diversamente viola-se a Lei (artigos 5.º, 46.º, 88.º, 107.º, n.º 3 e 112.º, LPCJP e artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, n.º 1, e), 20.º, 21.º, n.º 1, d), e), g), h) e n.º 3, 38.º, 41.º, do Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de janeiro) e o Direito.
Assim, na procedência do Recurso, se requer sejam revogadas as impugnadas decisões, e substituídas por outra que não admita a intervenção como parte da "família de acolhimento", o que será mais de Lei e Justiça.
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Os recorridos, S. R. e R. A., enquanto “família de acolhimento”, vieram apresentar a sua RESPOSTA, concluindo nos seguintes termos:

DA INADMISSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO

1.ª- Não se verificam as condições de admissibilidade do recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público, pelo que, este não é admissível por referência aos artigos 126.º n.º 2, 123.º e 124.º da LPCJP e 644º, 645º e 647º do CPC, devendo, salvo melhor entendimento, ser liminarmente rejeitado.
2.ª - Os presentes autos afiguram-se como um processo de promoção e proteção, o que significa que estamos perante um processo de jurisdição voluntária (neste sentido Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2010, Proc. 1717/07.4TMLSB-C.L1.S1, Relator Sousa Leite)
3.ª - Em matéria de jurisdição voluntária vigora o princípio do inquisitório no que respeita à investigação dos factos, devendo o juiz coligir provas, ordenar inquéritos e recolher informações.” (Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2-12-2008, CJ, 2008, pelo que bem decidiu o tribunal a quo pela legitimidade ativa e processual dos recorridos enquanto família de acolhimento.
4.ª - Decorre do disposto no artigo 123.º na versão atualizada da LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO que: “1 - Cabe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e proteção e sobre a decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no n.º 7 do artigo 62.º-A.2 - Podem recorrer o Ministério Público, a criança ou o jovem, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança ou do jovem.3 - O recurso de decisão que tenha aplicado a medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º é decidido no prazo máximo de 30 dias, a contar da data de receção dos autos no tribunal superior”.
5.ª- O recurso interposto dos despachos proferidos a 16 de março de 2022 não cabe no âmbito do supra transcrito normativo legal, uma vez que não respeita a uma decisão de aplicação, alteração ou cessação das medidas de promoção e proteção, nem sobre decisão que haja autorizado quaisquer contactos entre irmãos.
6.ª- Dispõe igualmente o artigo 152.º do CPC que “1 - Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.2 - Diz-se «sentença» o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa.3 - As decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos.4 - Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador”. (sublinhado nosso)
7ª. – Dispõe o artigo 630.º do CPC:1 - Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.
2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.” (sublinhado nosso)
8ª. - O despacho em crise que decidiu pela legitimidade de intervenção da família de acolhimento foi proferido no uso legal de um poder discricionário, e ainda ao abrigo do princípio do inquisitório, não sendo, designadamente, por esses motivos, passível de recurso (neste sentido decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.3.2002, Agr. N.º 320/02-6, Sumários, 3/2002 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do proc. n.º 497/17.0T8OBR.P1, de 06-02-2020, do qual resulta: “I - O processo judicial de promoção e proteção ao assumir a natureza de jurisdição voluntária (livre investigação dos factos e da prova; critério de julgamento de conveniência e oportunidade; alteração superveniente das resoluções judiciais) visa uma preponderância de tramitação e de decisão que não é de natureza estritamente legal, conferindo uma ampla margem de iniciativa jurisdicional ao tribunal, mas que continua a ter princípios e regras específicas, nomeadamente a observância de um processo justo e equitativo, afastando-se de uma jurisdição arbitrária.
III - O superior interesse da criança é um requisito de avaliação e ponderação para a implementação da medida de promoção e proteção mais apropriada, sendo um critério base, o qual não afasta os outros direitos que devem ser avaliados para determinar tal medida.
9.ª- A decisão proferida pelo tribunal a quo , porque vertida num despacho proferido no uso legal de um poder discricionário e porque não consubstanciada em nenhuma das previsões do artigo 123.º da LPCJP, não é passível de recurso (Neste sentido, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27-04-2007 Processo nº 3234/07 8ª S: I- Em processo de promoção e protecção só são recorríveis, nos termos do artigo 123º, nº 1 da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, as decisões que se pronunciem sobre a aplicação, alteração e cessação de medidas de promoção e protecção.
II- É, por isso, de indeferir o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho do juiz que indeferiu o requerimento de realização de diligências de prova, designadamente a audição de diversas testemunhas e a insistência pela junção de relatórios periciais. (negrito nosso).
10.ª- A intervenção da “família de acolhimento” foi admitida nos autos em 16 de fevereiro de 2022 e não em 16 de março de 2022, pelo que, entendendo o Ministério Público, que a admissão da intervenção processual da família de acolhimento configurava uma nulidade processual, deveria, tempestivamente, ter arguido a mesma, e não o fez!, pelo que não o tendo sido, considerou-se como sanada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 195.º e 199.º do Código de Processo Civil.

II – DO RECURSO

11.ª- Os despachos recorridos pelo tribunal a quo não merecem qualquer reparo, porquanto, não há qualquer razão válida ou ponderosa que fundamente retirar-se a criança do ambiente familiar onde vive.
12.ª- O que, salvo melhor entendimento, o Ministério Público defende (e muito mal) é um juízo de pura legalidade, bem ao contrário do Senhor Juiz a quo, que defende (e muito bem) um juízo de conveniência, fazendo intervir a família de acolhimento.
13.ª - Nesta muito sensível sede, e nessa conformidade o que deve ter-se em consideração, em casos como o presente, não são puros factos, como faz o Ministério Público, mas sim situações, pelo que como afirma José Ortega y Gasset, “a vida humana não é composta de factos, mas de situações. Ou seja, qualquer facto tem de ser visto, para ser entendido, dentro da situação na qual aconteceu.
14.ª- O que o Ministério Público olvidou por completo, foi que, tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, a contrario¸ o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita e esqueceu-se também, na estranha posição que defende, que efetivamente tudo isso implica a necessidade de, em defesa do interesse do menor, a decisão a proferir se desdobre numa simbiose em dois juízos, um juízo de legalidade e um juízo de oportunidade ou de equidade sobre a situação que traz mais vantagens ao menor, e essa, é sem sombra de dúvida, a de não quebrar de forma abrupta os laços verdadeiramente familiares do menor com a família de acolhimento, na qual se encontra muito bem integrado e inserido, sendo essa a sua família.
15.ª- E, contrariamente, ao afirmado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, a família de acolhimento não está a defender, no processo, um interesse próprio em relação à criança, mas primordialmente o interesse da criança como pessoa humana, sendo, precisamente isso, que lhe dá a legitimidade para intervir no processo nos termos que lhe foram conferidos pelo Senhor Juiz a quo, que viu manifesto e óbvio interesse processual nisso, com vista à realização da substantiva justiça material, para comprovação da pretérita situação da criança, bem como da presente, e com vista a decidir o seu futuro.
16.ª- O Ministério Público, voltado, como está, a questões meramente formais, parece olvidar o que, de facto, é o mais importante, ou seja, o destino da criança como pessoa humana, preferindo o céu dos conceitos à realidade dos factos que o Direito tem de considerar e que preenchem a situação da criança.
17.ª- Os Recorridos são família de acolhimento do menor desde 14 de dezembro de 2018, pelo que desde tal data detêm a guarda de facto do mesmo, o que se traduz na relação que se estabelece entre a criança e a pessoa que com ela vem assumindo (progressiva, dizemos nós, e continuadamente), os atos próprios dos que exercem funções essenciais de responsabilidade paternal (vide artigo 5.º da LPCJP).
18.ª- Como bem decidiu o tribunal a quo, ao abrigo dos artigos 107.º, 112.º e n.º 1 do art.º 114.º da LPCJP, têm os recorridos legitimidade para requerer diligências e intervir no processo judicial de promoção e proteção, uma vez que pretendem garantir o bem-estar e desenvolvimento integral do menor, em especial do H. M. (neste sentido, a decisão proferida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 02A2314, de 15/10/2002, disponível em www.dgsi.pt: “A Família de acolhimento voluntário que aceita a guarda de uma criança de dois anos, criança em perigo, debilitada e sem alguém que quisesse tratar dela mas que, algum tempo depois de estar entregue a essa família, recuperou saúde e evoluiu favoravelmente, tal família tem legitimidade para agravar da decisão judicial que ordenou a entrega dessa criança à mãe natural. (…) Impondo a lei à chamada "família de acolhimento" deveres e obrigações no interesse do menor ou do jovem, compreende-se que lhe conceda o poder de recorrer sempre que estejam em causa decisões relevantes para a vida dessa criança ou jovem. Os poderes-deveres ou poderes funcionais que se encontram integrados, por exemplo, no poder paternal ou na tutela, são poderes que devem ser exercidos não quando o titular o deseje, mas sim, sempre que a função do direito o imponha em nome da defesa do interesse do menor. A família de acolhimento, em maior ou menor grau, detém alguns desses poderes e é em cumprimento dos mesmos que deve ter a faculdade de recorrer.” (negrito nosso)
19ª- É a família de acolhimento quem acompanha e sempre acompanhou o H. M. em todas as consultas e tratamentos e quem mantém relação estreita com todos os médicos, sendo quem melhor sabe as necessidades do H. M. e as, ainda, dificuldades no desenvolvimento do mesmo, sendo quem desde os seus três meses de idade sempre se esforçou para que este tivesse um crescimento saudável, provendo todos os cuidados para que recuperasse a débil saúde que tinha e se tornasse uma criança mais saudável.
20.ª- A família de acolhimento, aqui recorridos, tem lutando contra todas as adversidades, sem a ajuda dos avós maternos e sem a ajuda do progenitor, que em face do estado de saúde do H. M. não quiseram assumir a responsabilidade de cuidar da criança, pelo que conhecem como ninguém o real estado emocional e físico do menor, pelo que a sua participação processual revela-se como imprescindível, não só para garantir o superior interesse do H. M., mas também para garantir que todos os seus direitos são acautelados.
21.ª- A intervenção em processos de promoção e proteção da criança em perigo deve atender principalmente aos interesses deste, pelo que foi e é no superior interesse do H. M. que litiga a família de acolhimento e, nessa medida, entendem os ora recorrentes, que não merece qualquer reparo, no que a este aspeto respeita, a decisão proferida pelo Tribunal de Família e Menores.

TERMOS EM QUE, deverá o recurso apresentado pelo recorrente ser liminarmente rejeitado, por inadmissível ou, caso assim não se entenda, deverá ser negado provimento ao mesmo, só assim se fazendo JUSTIÇA!
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III- O Direito

Como resulta do disposto nos arts.º 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir se, sendo o recurso admissível, tem a família de acolhimento legitimidade para intervir nos autos.
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Fundamentação de facto

- Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
*
Fundamentação jurídica

O Magistrado do Ministério Público veio interpor recurso fundamentando a sua admissibilidade nos termos do art. 644.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Civil, ex vi dos arts. 126.º, n.º 2, 123.º e 124.º, da LPCJP.
Na sua resposta à motivação do recurso, os recorridos/família de acolhimento vieram invocar não se verificar a situação de enquadramento do recurso efectuada pelo recorrente, por considerarem estar-se perante um despacho de mero expediente, destinado a prover ao regular andamento do processo sem interferir no conflito de interesses das partes, no uso legal do poder discricionário do tribunal e ao abrigo do princípio inquisitório, não enquadrável, de qualquer das formas, em nenhuma das previsões do art. 123.º, da LPCJP.

Apreciando e decidindo.

Relativamente a esta primeira questão que se coloca, estatui o artigo 123.º, n.º 1, da LPCJP, que «c[C]abe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção e sobre a decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no n.º 7 do artigo 62.º-A.».
Por sua vez, o artigo 126.º do mesmo diploma legal manda aplicar, subsidiariamente, ao processo de promoção e protecção, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil declarativo comum.
No entanto, há quem entenda que essa aplicação subsidiária respeita à tramitação do recurso, que não à delimitação das decisões passíveis de recurso (neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa de 04.10.2007), por se considerar que, se assim não fosse, ou seja, se fossem aplicáveis ao processo de promoção e protecção as normas do Código de Processo Civil sobre admissibilidade dos recursos, a norma restritiva do artigo 123.º, n.º 1, da LPCJP seria, completamente, inútil.
Dada a natureza deste processo e os interesses que nele se debatem, o legislador quis, manifestamente, restringir a possibilidade de recurso, limitando-o às decisões que aplicam, alteram ou fazem cessar medidas de promoção e protecção, de modo a que não se frustre o objectivo de uma decisão célere.
Igualmente, na decisão de reclamação proferida pelo Senhor Presidente da Relação de Lisboa de 27.04.2007, processo n.º 3234/07, entendeu-se que: «I- Em processo de promoção e protecção só são recorríveis, nos termos do artigo 123.º, n.º 1 da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, as decisões que se pronunciem sobre a aplicação, alteração e cessação de medidas de promoção e protecção. II- É, por isso, de indeferir o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho do juiz que indeferiu o requerimento de realização de diligências de prova, designadamente a audição de diversas testemunhas e a insistência pela junção de relatórios periciais.».
Em sentido idêntico, foi proferida decisão do Sr. Presidente da Relação de Évora, de 15.09.2006, processo n.º 2046/06.
Contrariamente, a PGRegPorto, na Recomendação 2/19, veio defender que só as decisões de mero expediente ou as proferidas no uso legal de um poder discricionário não admitem recurso (Comentário à Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Procuradoria-Geral Regional do Porto, Almedina, 2020, pág. 533).
De qualquer das formas, cremos que mesmo que fosse este o entendimento, que não sufragamos, sempre o resultado final seria o mesmo.
Senão vejamos.
Relativamente aos despachos de mero expediente cuja noção nos é dada pelo artigo 152.º, n.º 4, do CPC, pode-se dizer que são aqueles que tem por finalidade prover ao andamento normal do processo, sem interferência no conflito de interesses entre as partes.São «despachos inócuos do ponto de vista da decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito requerido» - cfr. A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, pág. 186.

Segundo J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Almedina, 4.ª edição, pág. 324), incluem-se nessa categoria:
«a) os despachos internos, proferidos no âmbito das relações hierárquicas estabelecidas com a secretaria, de que são exemplo as ordens que o juiz a esta dirija (cf. art. 157-2);
b) os despachos que digam respeito à mera tramitação do processo, não tocando em direitos das partes ou de terceiros, de que são exemplo os que se limitem a fixar datas para a prática de actos processuais (arts. 151, n.os 1 e 3, 591-2, 478-1 e 507-1)».
No que pode considerar-se entendimento jurisprudencial corrente, despachos de mero expediente são aqueles que, proferidos pelo juiz, não decidem qualquer questão de forma ou de fundo, destinando-se antes, principalmente, a assegurar o regular andamento do processo.
Para o Professor Alberto dos Reis se do acto do juiz “causar a uma das partes prejuízo decisivo, é evidente que o despacho recorrido não entra na classe de mero expediente – Coment. Ao Cód. Proc. Civil, Vol. II, pg.152.
Refere, ainda, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, pgs. 259, que os despachos de mero expediente, “são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo”, não sendo susceptíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros. E em nota 2 ao então anterior art.º 679.º do mesmo Código, a dado passo, escreve-se: “...se trata de despachos banais, que não põem em causa os interesses das partes, dignos de protecção...” – A. dos Reis in C.P.C. anotado, V, pg. 249.
Também in Manual dos Recursos em Processo Civil de Fernando Amâncio Ferreira – Cons.º Jubilado – 3.ª edição – 2002 – pg. 111, escreveu-se o seguinte: “... Advirta-se, contudo, que estes despachos só são irrecorríveis se forem proferidos de acordo com a lei; se o não forem, por admitirem, em determinado processo, actos ou termos que a lei não prevê para ele, ou sendo previstos, se forem praticados com um condicionalismo diferente do legalmente previsto, já esses despachos admitirão recurso.”.
Por sua vez, diz-se no citado preceito, 2.ª parte, que se consideram proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
Ora, in casu, o que se visa é impedir que a família de acolhimento esteja presente na conferência designada com vista à obtenção de acordo de promoção e protecção e tenha uma intervenção presente e activa nos termos do processo.
Assim, em causa não está uma decisão sobre a admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova, como o aponta o recorrente para justificar o seu recurso, ao abrigo do disposto no art. 644.º, n.º 2, al. d, do Cód. Proc. Civil.
Aliás, na verdade, como resulta da acta em causa, o tribunal a quo indeferiu as diligências requeridas pela família de acolhimento, por intempestivas.
Do que se trata é, pois, de saber se a família de acolhimento pode intervir no processo.
Ora, como decorre do disposto no art. 46.º, n.º 1, da LPCJP, “o[O] acolhimento familiar consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, proporcionando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral”.
Por sua vez, como se especifica no art. 5.º, al. b), do mesmo diploma, considera-se guarda de facto a relação que se estabelece entre a criança ou o jovem e a pessoa que com ela vem assumindo, continuadamente, as funções essenciais próprias de quem tem responsabilidades parentais.
A expressão “guarda de facto” usada pelo legislador e assinalada neste normativo, circunscreve-se à tipologia de um determinado padrão de identificação familiar, a reclamar um estatuto de pessoas relacionadas entre si por vínculos equiparados aos de uma ligação de sangue, tudo se passando como se de um relacionamento entre pai/mãe e filho se trate.
Este acolhimento afectivo, de algum modo tornado visível através da manifestação de sentimentos mútuos e exteriorizado para fora desta sua intimidade, é que preenche o conteúdo conceptual da expressão “guarda de facto” (cfr. Neste sentido Prof. A. dos Reis, Cód. Civil Anotado, Vol. III; pág. 209).
Sem nos querermos estar a antecipar a uma decisão de fundo, o facto é que, efectivamente, o menor encontra-se a viver com a família de acolhimento, aqui recorrida, a qual tem assumido as funções própria de quem tem responsabilidades parentais, dado que a tal família cabe, em meio familiar, a prestação de cuidados adequados às suas necessidades, bem estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral.
Aliás, os vários artigos da Lei nº 147/99 que se referem às pessoas que "detenham a guarda de facto" (85º, 88º, 103º, 104º e 112.º entre outros) não partem do princípio de que essas pessoas detêm o poder paternal, nem excluem que a guarda de facto pertença a pessoa ou instituição diferente das que exerçam o conjunto de poderes-deveres que se consubstanciam no poder paternal.
Impondo a lei à chamada "família de acolhimento" deveres e obrigações no interesse do menor ou do jovem, compreende-se que lhe conceda o poder de intervir nos autos em nome da defesa do interesse do menor (neste sentido, entre outros, Ac. STJ, de 15.10.2002, proc. 02A2314).
Por outro lado, como se consagra no art. 100.º, da LPCJP, o[O] processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, é de jurisdição voluntária, pelo que as decisões são proferidas em conformidade com as soluções de conveniência e oportunidade, que, de acordo com a via do bom senso, sejam tidas como mais adequadas pelo julgador, relativamente à situação concreta que se lhe apresenta para apreciação – cfr. 988.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.
Daqui decorre, apesar de tudo, que a decisão de permissão de presença da família de acolhimento nos actos de instrução e recolha de elementos para futura decisão sobre uma medida a aplicar ao menor, sempre de acordo com o princípio do interesse superior da criança e do jovem, consagrado no art. 4º, al. a) da LPCJP, que deve prevalecer sobre todos os interesses que com ele sejam conflituantes, não se enquadra num mero acto de mero expediente ou proferido no uso legal de um poder discricionário, por não ser absolutamente inócuo, antes interferindo na dinâmica processual, nos actos a praticar e na medida a proferir daí decorrente.
Mas, o facto é que de igual forma, como se deixou já referenciado, também não é enquadrável no art. 644.º, n.º 2, al. d), nem mesmo na sua al. h), do Cód. Proc. Civil, uma vez que “recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil é apenas aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à retenção já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns actos, incluindo o do julgamento, por ser isso um risco próprio ou normal dos recursos diferidos” (cfr. Ac. do STA de 17/12/1974, in Acórd. Doutrin. Do STA, 160º - 557).
De qualquer das formas, o facto é que o recurso também não foi interposto com base em tal norma.
Acresce que, como é pacífico, a circunstância de o recurso ter sido oportunamente admitido, por despacho singular quer na 1ª instância quer aquando do exame preliminar do Relator, sem que então se tenha detectado imediatamente dúvida acerca do conteúdo do seu objecto, não obsta a que este Tribunal, ora decidindo em colectivo, entenda não dever dele conhecer, pois aquele despacho, não forma caso julgado quanto à regularidade e admissibilidade do recurso, conforme resulta dos artigos 641º, nº 5, 652º, nºs 3 e 5 e 658º, nº 1, todos do CPC.
Assim, nestes termos, sendo de impor a rejeição do recurso interposto, por inadmissível, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada, pese embora os traços já adiantados clarificadores da posição da família de acolhimento julgados necessários para aquela primeira questão ora apreciada.
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V – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 2.ª Secção, deste Tribunal, em rejeitar, por legalmente inadmissível o recurso interposto.
Sem custas.
Registe e notifique.
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Guimarães,13.07.2022
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela signatária, sem observância do acordo ortográfico, à excepção das transcrições efectuadas)