Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1604/19.3T8BRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES
INDEMNIZAÇÃO POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
VALOR INDEMNIZATÓRIO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO AUTOR IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DA RÉ IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Independentemente da sua repercussão imediata na capacidade de ganho do lesado, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica tem relevância patrimonial, dado constituir uma lesão que importa perda da capacidade funcional, representando, como tal, um dano patrimonial futuro.
II - A valoração do dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade ou défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
III - A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se ao que decorre da factualidade provada quanto à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender para encontrar a solução mais equilibrada, ponderando ainda os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes.
IV - O valor de 7.500,00 € mostra-se equitativo, necessário e razoável para compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos numa situação em que o autor tinha 49 anos à data do acidente, como na data da consolidação médico-legal das lesões sofridas, e ficou a padecer de défice permanente da integridade física e psíquica de 2 pontos, durante período não concretamente apurado sentiu dificuldades em dormir em virtude das dores de que padecia, as dores que sentiu e que continua a sentir no peito, à palpação e com determinados movimentos dificultam-lhe a respiração, com quantum doloris de grau 2 numa escala de 1 a 7.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

J. F. intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Seguradoras ..., S.A., com sede na Avenida …, n.º …, em Lisboa, atualmente denominada X Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia líquida de 21.161,49 €, bem como a indemnização, a liquidar posteriormente, que for devida em resultado da desvalorização funcional (défice funcional permanente de integridade físico-psíquica), quer a título de dano não patrimonial, quer a título de dano biológico, quer ainda a título de dano patrimonial futuro, tanto de perda da capacidade de ganho, como de acompanhamento médico e medicamentoso, tudo acrescido de juros à taxa legal supletiva calculados desde a citação.
O autor formulou os aludidos pedidos a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação que descreve, cuja ocorrência imputa à conduta culposa da condutora do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula GL, acrescentando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com este veículo se encontrava transferida para a ré seguradora.
A ré contestou, aceitando a dinâmica do embate descrita na petição inicial, excetuando a velocidade imprimida ao cada um dos veículos intervenientes. Aceitou igualmente a celebração do contrato de seguro e parte dos danos invocados pelo autor, impugnando os restantes, bem como o nexo causal entre o embate estes danos.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da causa e proferido o despacho saneador, após o que foi selecionado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, em termos que não mereceram reclamação das partes.
Depois de produzida a prova pericial, o autor veio liquidar o pedido, solicitando que ao valor inicial acresça a quantia global de 30.500,00 €, fixando o valor global do pedido num total de 51.661,49 €.

Foi realizada a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«Pelo exposto, o tribunal julga a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena a ré X Seguros, S.A. a pagar ao autor J. F. a quantia de 20,765,83 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença no que respeita aos € 7.500,00 referentes a danos de natureza não patrimonial e desde a citação da ré no que respeita à quantia restante, em ambos os casos até integral pagamento.
Custas pelo autor e pela ré, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao primeiro.
Fixo o valor da acção em 51.661,49 € (cfr. artigo 299.º, n.º 4, do CPC)».

Inconformada, veio a ré interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I- A compensação arbitrada ao Autor pelo seu dano biológico, de natureza não patrimonial, é excessiva, devendo ser reduzida para 3.000,00€
II- E ainda que se entenda que tal valor não é adequado a compensar o dano biológico do Autor, o que não se admite, sempre se imporia a redução do valor arbitrado para quantia inferior, o que, subsidiariamente, se requer.
III- Em face dos factos provados, nomeadamente o facto de ter sofrido lesões ligeiras, ter tido alta hospitalar 2 dias depois do internamento, não ter tido a necessidade de realizar tratamentos fisiátricos ou de outra natureza, ter obtido a consolidação médico-legal da suas lesões dois meses apos o acidente, ter estado apenas 32 dias em situação de total incapacidade para o trabalho e lhe ser reconhecido um quantum doloris de, apenas, 2 pontos numa escala de 1/7, sem dano estético, é manifestamente excessiva a verba atribuída para compensar os danos morais do Autor.
IV- Entende a Ré que essa compensação deve ser reduzida para 3.500,00€
V- E ainda que se entenda que tal valor não é adequado a compensar os danos morais sofridos pelo Autor, o que não se admite, sempre se imporia a redução do valor arbitrado para quantia inferior, o que, subsidiariamente, se requer.
VI- A douta sentença violou a norma do artigo 496.º do Cod Civil
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, como é de inteira e liminar JUSTIÇA».

Também o autor veio interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. J. F., Autor nos autos supra identificados, notificado da douta sentença neles proferida, com a referência 176716539, não podendo com a mesma concordar, vem interpor recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Guimarães, com efeito meramente devolutivo e com subida nos próprios autos (cfr.artºs. 633º, nº 2, 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 1 do CPC), para o que se junta as respectivas Alegações.

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
2. Lê-se no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
3. Dito isto, a douta sentença deu como não provado o seguinte facto: m. Que o autor se tivesse recorrido de concorrentes para levar a cabo as duas obras que tinha em curso por estar impossibilitado de trabalhar.
4. O Autor considera tal facto incorrectamente julgado e, por esse motivo, impugna a decisão proferida quanto a este ponto da matéria dada como não provada.
5. Não pode o Autor concordar com o entendimento do tribunal a quo, uma vez que a prova produzida em audiência de julgamento permite comprovar o nexo de causalidade entre o período de incapacidade do Autor e a necessidade de recorrer aos serviços da Carpintaria ... para terminar as obras que tinha em curso naquela data.
6. Veja-se as declarações de parte do Autor, produzidas a 3/12/2021, com a duração de 0:53:16, desde as 09:50 e as 10:44 aos 30m42s.
7. Veja-se, ainda o depoimento da testemunha A. M., produzidas a 3/12/2021, com a duração de 0:09:33, desde as 10:56 e as 11:05, aos 8:00.
8. Importa atentar, por fim, no depoimento da testemunha M. J., legal representante da Carpintaria ..., que prestou os mencionados serviços ao A., produzidas a 15/12/2021, com a duração de 0:16:42, desde as 14:56 e as 15:13, aos 3:01.
9. Desta prova, pode-se extrair, sem qualquer dúvida que o Autor recorreu aos serviços da Carpintaria ... porque não podia, ele mesmo, concluir a obra por causa única e exclusiva da incapacidade que decorreu do acidente descrito nos autos.
10. Mesmo que assim não fosse, recorrendo a uma simples presunção, facilmente se concluiria pela veracidade daquele facto.
11. Ora, foi dado como provado que o acidente se deu a 29/03/2016, e que teve incapacitado (entre défice total e parcial) até ao dia 13/05/2016 - vide factos provados 21 a 25.
12. Deu-se ainda como provado que em data anterior a 13/05/2016 o autor solicitou à Carpintaria ..., Lda. a execução de duas empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas, despendendo a quantia de € 2.425,00 mais IVA - vide factos dados como provados 54 e 55.
13. Torna-se por demais evidente que o A. recorreu aos serviços da Carpintaria ... durante o seu período de incapacidade, não tendo terminado as obras por incapacidade decorrente do acidente melhor descrito nos autos.
14. Assim tendo em conta as declarações do A., o depoimento das testemunhas supra e recorrendo a uma simples presunção, deve o facto m. da matéria dada como não provada, ser dado como provado.
15. Condenando-se a R. no pagamento da quantia de € 2.425,00 mais IVA ao Autor.

QUANTO AO DANO BIOLÓGICO:
16. Um dos casos mais frequentes a que o tribunal tem de atender a danos futuros é o que se verifica no caso de lesões que atingem a capacidade física do lesado.
17. O que está aqui em causa não é o sofrimento ou a deformação corporal em si, mas antes a impossibilidade de utilizar o seu corpo de forma absoluta.
18. No caso dos autos há a considerar como dano futuro o dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades do A..
19. Ora, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de dano biológico tem sido acolhido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, o qual será sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
20. Veja-se os recentes acórdãos do STJ de 21/01/2016 e 03/11/2016, processos 1021/11.3TBABT.E1.S1 e 1971/12.0TBLLE.E1.S1, respectivamente, que afirmam de forma clara que o “dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial” (negrito nosso).
21. Enfim, o dano biológico consiste na perda genérica de potencialidades funcionais, e deve ser autonomizado, perspectivado e satisfeito, para o que deve ser fixado, nos presentes autos, o valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
22. O Tribunal a quo, incluiu o Dano Biológico na vertente de dano patrimonial futuro, o que, com o devido respeito, que é muito, não o deveria ter feito, uma vez que este dano, como supra se referiu, deve ser autonomizado.
23. No caso dos autos a existência de dano biológico é inegável, uma vez que houve uma afectação das potencialidades físicas do Recorrente, determinando uma irreversível perda de faculdades.
24. Assim, será devida uma quantia a título de dano biológico, quantia essa que nunca poderá ser inferior a € 20.000,00.
25. Caso assim não se entenda, e se entenda que o Dano Biológico se deverá incluir nos danos patrimoniais ou nos danos não patrimoniais, deverá essa quantia ser aumentada nos referidos € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).

QUANTO AOS DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS:
26. A sentença recorrida atribuiu, a este título, a quantia de € 5.000,00, embora, como já se referiu, resulte que tal valor compreenderá ainda uma indemnização pelo dano biológico.
27. A recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a este título.
28. A título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, atendendo a:
a. que antes do acidente era saudável;
b. a sua idade (49 anos);
c. a incapacidade de que ficou a padecer: geral de 2,00 pontos,
d. o seu rendimento anual de;
e. que a taxa de juro do capital produtor de rendimento já é inferior a 2% ao ano, com tendência para baixar ainda mais, até se situar nos 1% ao ano (e quanto menor for a taxa de juro, maior terá de ser o capital produtor de rendimento para proporcionar a mesma renda mensal) e,
f. que está unanimamente aceite que o limite de idade activa se cifra nos 83,51 anos para as mulheres (segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, “Estatísticas Demográficas”, com tendência para aumentar até pelo aumento da longevidade da vida a nível europeu,
29. será sempre devida uma indemnização na ordem dos € 10.000,00 (dez mil euros).

QUANTO AOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS:
30. A sentença sob censura atribuiu, a este título, a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), quantia que peca manifestamente por escassa.
31. Na verdade, atendendo à matéria dada como provada o dano de natureza não patrimonial deverá ser compensado em valor nunca inferior a € 20.000,00.

AS DISPOSIÇÕES JURÍDICAS VIOLADAS:
32. A sentença em crise, aliás douta, violou, entre outras, as disposições legais constantes dos artigos 483º, 562º e 566º do Código Civil e 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE:
deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!».
Autor e ré apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência da apelação intentada pela contraparte.
Os recursos interportos por autor e ré foram admitidos para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissibilidade do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:
A) Da nulidade da sentença recorrida com fundamento no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (recurso apresentado pelo autor):
B) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto (recurso apresentado pelo autor);
C) Reapreciação da causa em função da pretendida modificação da matéria de facto, no que respeita ao segmento do pedido indemnizatório correspondente ao valor de 2.425,00 € alegadamente pago pelo autor a terceiros para levar a cabo as empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas (recurso do autor).
D) Aferir da adequação do valor fixado na sentença recorrida a título de compensação pelos danos decorrentes da desvalorização funcional ou défice funcional permanente de integridade físico-psíquica que o autor ficou a padecer (comum a ambos os recursos):
i) se o mesmo deve ser fixado em quantia não inferior a 10.000,00 €, acrescida de uma quantia não inferior a 20.000,00 € a título de indemnização autónoma pelo dano biológico ou, caso se entenda que este dano se deverá incluir nos danos patrimoniais ou nos danos não patrimoniais, deverá aquela quantia ser aumentada em 7.500,00 € (recurso do autor);
ii) se o mesmo deve ser fixado em quantia não superior a 3.000,00 € (recurso da ré);
E) Aferir da adequação do valor fixado na sentença recorrida a título de compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor (comum a ambos os recursos).
i) Se o mesmo deve ser aumentado para 20.000€ (recurso do autor);
ii) Se o mesmo deve ser reduzido para 3.500,00 € (recurso da ré).
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1. No dia - de Março de 2016, pelas 10:45 horas, ao Km 99,33 da EN 101, Rua da ..., na freguesia da ..., do concelho de Braga, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula GL, na altura conduzido pela sua proprietária, R. L., e o veículo ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, modelo Transporter, com a matrícula QD, na altura conduzido pelo seu proprietário, aqui autor.
2. No momento do embate era de dia.
3. Chovia com intensidade.
4. O pavimento da via, em betuminoso, estava molhado.
5. No local do embate existem edificações de ambos os lados daquela via.
6. Nesse local a via configura uma recta, antecedida de uma curva para a direita, atento o sentido de marcha Braga - Guimarães.
7. A via tem 7,00 metros de largura.
8. Estando o seu eixo delimitado por uma linha longitudinal contínua (marca M1).
9. Nestas circunstâncias de tempo e lugar, o autor conduzia o seu veículo pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Guimarães - Braga.
10. A cerca de 0,50 metros da berma existente do lado direito da via, atento o referido sentido.
11. O veículo GL circulava no sentido Braga - Guimarães.
12. Ao acabar de descrever a curva referida em 6, este veículo perdeu a aderência à via e, em despiste, seguiu em frente, transpondo para a esquerda o eixo delimitador da via, atento o seu sentido de marcha.
13. Descrevendo uma diagonal, atravessou toda a hemi-faixa esquerda, embatendo de frente no muro existente no lado esquerdo da via, atento o referido sentido de marcha.
14. Após o que voltou à faixa de rodagem, de forma atravessada, embatendo com a sua traseira sobre o lado direito da frente do veículo do autor.
15. À data do embate o autor desempenhava, por conta própria, a atividade profissional de carpinteiro.
16. No momento do embate o autor realizava uma deslocação inerente essa atividade, isto é, deslocava-se para um local onde deveria desenvolver alguma atividade relacionada com a sua profissão.
17. Em consequência do embate supra descrito, o autor sofreu fractura do esterno e dores no corpo.
18. Foi de imediato transportado de ambulância para o Hospital de Braga, onde foi assistido no Serviço de Urgência.
19. Após ter sido observado, radiografado e medicado, manteve-se internado até 31.03.2016, data em que teve alta, com conselhos de vigilância e analgesia.
20. O autor manteve seguimento a cargo dos serviços clínicos da Companhia de Seguros Y, S.A. - que, na sequência da incorporação de outras seguradoras, passou a denominar-se Seguradoras ..., S.A., actualmente X Seguros, S.A. - para quem havia transferido a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho que sofresse como trabalhador por conta própria, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ……..68.
21. Tendo tido alta destes serviços em 27.05.2016.
22. Em consequência das lesões sofridas, o autor padeceu de Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado Incapacidade Temporária Geral Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto) durante 3 dias, entre 29.03.2016 e 31.03.2016.
23. E de Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, ainda que com limitações) durante 43 dias, entre 01.04.2016 e 13.05.2016.
24. Com Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total (anteriormente designada Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros) durante 32 dias, entre 29.03.2016 e 29.04.2016.
25. E com Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial (anteriormente designada Incapacidade Temporária Profissional Parcial e correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização dos actos inerentes à actividade profissional habitual, ainda que com limitações) durante 14 dias, entre 30.04.2016 e 13.05.2016.
26. Em virtude das lesões sofridas, o autor sentiu dores cujo quantum doloris é fixável no grau 2 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.
27. Em virtude das lesões sofridas, o autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos.
28. Com Repercussão Permanente na Actividade Profissional, na medida em que, sendo compatíveis com o exercício da actividade habitual do autor, as sequelas de que ficou a padecer implicam esforços suplementares.
29. Durante um período não concretamente apurado, o autor sentiu dificuldades em dormir, em virtude das dores de que padecia, que não lhe permitiam encontrar uma posição confortável.
30. As dores que sentiu e que continua a sentir no peito, à palpação ou com determinados movimentos, dificultam-lhe a respiração.
31. O autor nasceu em -.12.1966.
32. Antes do embate, para além de trabalhar como carpinteiro, fazia regularmente caminhadas, não evidenciando limitações físicas.
33. Actualmente, o autor sente dores que lhe dificultam a respiração sempre que pega em pesos, se coloca de cócoras ou faz caminhadas.
34. O que lhe causa desgosto, tristeza, sofrimento e angústia, ansiedade e preocupação com o a sua saúde, o seu futuro e a sua subsistência.
35. A Companhia de Seguros Y, S.A. pagou ao autor, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, o valor de € 707,35 €.
36. Entre 2014 e 2020, o autor declarou, para efeitos de IRS, os seguintes rendimentos da sua actividade profissional:
- 2014: 4.005,00 €;
- 2015: 4.744,00 €;
- 2016: 3.312,60 €;
- 2017: 4.262,00 €;
- 2018: 7.228,00 €;
- 2019: 7.760,00 €;
- 2020: 6.525,00 €.
37. Em consequência do embate, o veículo QD sofreu danos na sua parte frontal, designadamente nas seguintes peças: grelhas superior e inferior; pára-choques da frente; faróis direito e esquerdo; farolins direito e esquerdo; capot; radiador; travessas frente superior e inferior; termoventilador; pára-brisas; frisos; tubo; protector; blindagem inferior do motor; bomba injectora; alternador; lâmina da grelha; lâmina inferior dos faróis; apoio do motor; tampas superior do motor, de distribuição e da bomba injectora.
38. Cuja reparação custou 6.655,84 €, valor que o autor pagou.
39. O veículo QD, da marca Volkswagen, modelo Transporter Combi T4 (7D) 00-03, versão Transporter 2.5 TDi Kombi Ext., com 2561 de cilindrada, de 6 lugares, do ano de 2000, tinha na data do embate 229.504 quilómetros.
40. Este veículo permitia ao autor assegurar as suas deslocações, bem como de outros profissionais, para as obras onde trabalhava, bem como o transporte dos materiais e das ferramentas, o que fazia 6 dias por semana.
41. O autor e sua mulher dispunham de outro veículo, ligeiro de passageiros, que esta utilizava nas suas deslocações diárias para o trabalho.
42. No momento do embate o autor tinha obras em curso.
43. Entre a data do embate e a data em que o veículo QD lhe foi entregue reparado, em 29.03.2017, o autor não pode utilizá-lo na sua actividade profissional.
44. O autor procedeu ao aluguer de um veículo por 21 dias, entre 06.04.2016 e 27.04.2016, com o que despendeu 839,99 €.
45. Entre 28.04.2016 e 28.06.2016, o autor utilizou um veículo cedido por um parceiro, profissional de carpintaria, tendo acordado com este o pagamento de um valor mensal de 200,00 €, mediante a prestação de serviços de mão de obra.
46. Entre 29.06.2016 e 30.10.2017 esteve inscrita no registo a favor do aqui autor a aquisição da propriedade do veículo automóvel com a matrícula EC, da marca Volkswagen, modelo Transporter, de 7 lugares.
47. No dia 25.06.2016 o autor solicitou à ré que a apólice n.º ……26, que então garantia o veículo QD, passasse a garantir o veículo EC, o que ocorreu até 31.10.2017, data em que foi anulada por alienação.
48. Mediante o uso do veículo EC, o autor pode realizar todas as deslocações inerentes à sua atividade profissional.
49. No momento do embate, o autor envergava a seguinte roupa e calçado:
- Botas de biqueira de aço, marca “….”, no valor de 70,00 €;
- Colete técnico, no valor de 30,00 €;
- Calças, camisa, camisola, meias e boxers, no valor de 90,00 €;
- Blusão, no valor de 40,00 €.
50. Estes bens ficaram no Hospital de Braga após a alta hospitalar do autor, tendo sido enviadas para a reciclagem antes deste proceder ao seu levantamento.
51. Em virtude do embate, ficaram danificadas duas máquinas:
- Uma máquina de corte de madeira, marca Elektra Beckum, no valor 180,00 €;
- Uma máquina de furar pedra, marca Bosch, cujo valor em novo ascende a 190,00 €.
52. As duas máquinas acima mencionadas tinham cerca de 25 anos.
53. O autor despendeu 72,00 € no auto de ocorrência.
54. Em data anterior a 13.05.2016, o autor solicitou à Carpintaria ..., Lda. a execução de duas empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas.
55. No que despendeu, em mão de obra, o valor de 2.425,00 € mais IVA, no valor de 2.982,75 €.
56. Mediante contrato de Seguro titulado pela apólice n.º ………11, Companhia de Seguros Y, S.A. - que, na sequência da incorporação de outras seguradoras, passou a denominar-se Seguradoras ..., S.A., actualmente X Seguros, S.A. - assumiu a responsabilidade civil perante terceiros pela circulação do veículo com a matrícula GL.
57. Os salvados do veículo QD valiam, à data do embate, 300,00 €.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a. Que o veículo QD circulasse a cerca de 40,00 km/h;
b. Que o veículo GL circulasse a cerca de 80,00 Km/hora;
c. Que o veículo GL tivesse ganhado velocidade;
d. Que o autor tivesse sofrido escoriações na mão direita e hematomas no corpo;
e. Que o autor aufira em média € 800,00 por mês;
f. Que o veículo QD tivesse, à data do embate, o valor de 3.800,00 €;
g. Que o hospital de Braga tivesse procedido à destruição do calçado e roupa que o demandante envergava por terem vestígios de sangue;
h. Que antes do acidente o autor estivesse já afetado por uma patologia respiratória;
i. Que na data do embate fosse possível adquirir no mercado de usados um veículo igual do QD por 3.800,00 € ou menos;
j. Que, atenta a extensão dos danos sofridos, a reparação do veículo QD não o reporia em perfeitas condições de funcionamento;
k. Que o autor tivesse obtido a restituição do IVA que pagou pela reparação do veículo QD ou pelo aluguer do veículo de substituição;
l. Que o autor dispusesse de meios financeiros bastantes para reparar, de imediato, o veículo QD.
m. Que o autor se tivesse socorrido de concorrentes para levar a cabo as duas obras que tinha em curso por estar impossibilitado de trabalhar.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da invocada nulidade da sentença recorrida.
O recorrente/autor alega que a sentença recorrida violou, entre outras, a disposição legal constante do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC - conclusão 32.ª das alegações.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
Com relevo para a apreciação do invocado vício de omissão/excesso de pronúncia, importa considerar o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, segundo o qual a sentença é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Este fundamento de nulidade deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo código, do qual consta o seguinte: «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Densificando o âmbito da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre (1): «devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
Nas palavras de Alberto dos Reis (2), «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
A par da doutrina, também a jurisprudência que entendemos de sufragar tem vindo a considerar que a referida nulidade só se verifica quando determinada questão colocada ao Tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (3).
Em consonância com este entendimento, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-10-2017 (4), com o seguinte sumário: « (…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia».
Refere-se, a propósito, no Ac. TRP de 11-01-2018 (5): «[n]ão confundamos questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir. O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes».
Por outro lado, importa ainda sublinhar que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui (6).
Por contraponto, a apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso configura excesso de pronúncia.
Também eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, considerando que «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662)» (7).
Revertendo à situação em análise, verifica-se que o recorrente não indicou qualquer circunstância suscetível configurar a causa de nulidade da sentença prevista no citado preceito legal.
Por outro lado, cumpre constatar que a decisão recorrida apreciou as questões que foram apresentadas à consideração do Tribunal a quo e que constituem o objeto do litígio.
Nestes termos, cumpre concluir que a sentença recorrida não enferma de nulidade que cumpra verificar ou declarar.
Termos em que improcede, nesta parte, a apelação.

2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
O apelante/autor vem impugnar a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, no que concerne ao facto enunciado em m) dos “Factos não provados” - «Que o autor se tivesse socorrido de concorrentes para levar a cabo as duas obras que tinha em curso por estar impossibilitado de trabalhar» - defendendo que o mesmo deve ser dado como provado.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

O artigo 640.º do CPC prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Efetivamente, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação (8).
No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados, observa-se que o apelante indica expressamente o concreto ponto que considera incorretamente julgado.
Mais se verifica que o recorrente especifica suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre o facto impugnado, tal como também decorre do anteriormente enunciado.
Por último, o recorrente enuncia os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação.
Quanto à discordância manifestada relativamente a esta matéria verifica-se que a recorrente alude ao seu próprio depoimento, reportando-se para o efeito a um excerto das respetivas declarações, com indicação das concretas passagens da gravação. Pretende ainda o apelante a reapreciação dos depoimentos das testemunhas A. M. - filha do autor - e M. J. - gerente da Carpintaria ..., Lda. -, com indicação das respetivas passagens da gravação, dos quais entende resultar que o autor recorreu aos serviços da Carpintaria ... porque não podia, ele mesmo, concluir a obra por causa única e exclusiva da incapacidade que decorreu do acidente descrito nos autos; mais fundamenta a requerida alteração com base numa ilação que entende dever extrair-se da circunstância de ter sido dado como provado que o acidente se deu a 29-03-2016, e que esteve incapacitado (entre défice total e parcial) até ao dia 13-05-2016 (conforme os pontos 21 e 25 dos factos provados) e que em data anterior a 13-05-2016 o autor solicitou à Carpintaria ..., Lda. a execução de duas empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas, despendendo a quantia de € 2.425,00 mais IVA (pontos 54 e 55 dos factos provados).
Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada foram revistos todos os concretos depoimentos indicados pelo recorrente em sede de alegações do presente recurso.
Após audição integral e atenta dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final relativamente aos concretos depoimentos agora em análise, em conjunto com a valoração dos documentos também juntos aos autos, confirma-se que o âmbito material dos depoimentos em que o recorrente baseia a discordância relativa à impugnação da decisão da matéria de facto compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições que foram reproduzidas nas alegações da apelação na vertente dos factos.
Porém, importa desde já adiantar que deles não se extrai qualquer elemento relevante para sustentar a suficiente conformação da exclusividade da concreta circunstância causal enunciada na impugnada al. m) dos factos não provados.
No caso, o Tribunal a quo especificou de forma exaustiva e detalhada os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e aos não provados, procedendo à análise crítica das provas que foram produzidas, em observância do preceituado no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC.
Ora, os concretos meios de probatórios referenciados pelo recorrente como relevantes para a alteração da concreta matéria de facto impugnada foram valorados criticamente pelo Tribunal a quo em conjunto com os restantes meios de prova produzidos nos autos, visando concretizar as questões de facto suscitadas.
Este juízo crítico revela-se essencial, à luz do princípio da livre apreciação da prova, sobretudo tendo presente as circunstâncias em causa. Com efeito, vigora neste domínio o princípio da livre apreciação das provas quanto aos documentos sem valor probatório pleno, ao relatório pericial, o mesmo sucedendo quanto aos depoimentos das testemunhas e às declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 341.º a 396.º do Código Civil.
No caso não estão em causa factos sujeitos a prova vinculada, nem o apelante invoca o desrespeito de norma reguladora do valor legal dos meios de prova concretamente invocados no recurso.
Deste modo, revela-se perfeitamente adequado que o julgador tenha procurado analisar criticamente todos as declarações e os depoimentos prestados, confrontando-os com os restantes meios de prova disponíveis, aferindo da credibilidade e da consistência de tais depoimentos.
Por outro lado, importa sublinhar que a necessária ponderação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova implica que «o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados» (9).
Efetivamente, por força do princípio da imediação, os atos de produção da prova constituenda devem ter lugar perante o Tribunal ao qual compete apreciá-la, enquanto os princípios da oralidade e da concentração implicam que a produção dos meios de prova pessoal deva ter lugar oralmente, perante o julgador da matéria de facto (oralidade), e com o menor intervalo de tempo entre eles, numa mesma audiência contínua (concentração) (10). Relevam, ainda, outros princípios ou regras, designadamente o princípio da plenitude da assistência do juiz, enquanto corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova, impondo que para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa realizados em audiência (11).
Ora, reapreciados todos os meios de prova relevantes para a completa dilucidação da matéria em causa, entendemos que se impõe neste domínio um juízo de total concordância quanto à motivação enunciada na sentença recorrida.
Assim, tal como circunstanciada e corretamente ponderou o Tribunal a quo, do «referido documento, de 13 de Maio de 2016, data que coincide com o termo final da Repercussão do Défice Funcional Temporário Parcial na actividade profissional do autor, decorre que Carpintaria ... prestou ao aqui autor serviços de mão-de-obra durante 25 dias, mediante o pagamento do valor de 2.425,00 € mais IVA, num total de 2.982,75 €.
O autor, secundado pela sua filha, a testemunha A. M., esclareceu que estes serviços foram solicitados para poder terminar as obras que tinha em curso, uma vez que ele próprio estava incapacitado para o trabalho e as referidas obras tinham prazos de conclusão. Mais acrescentou que, ainda assim, o dono da obra pagou muito menos.
Mas esta explicação não se revela convincente, nem é confirmada pela restante prova produzida.
Desde logo porque o próprio autor também confirmou que trabalhava muito frequentemente com a Carpintaria ..., Lda, umas vezes subempreitando nesta as obras que lhe eram adjudicadas, outras como subempreiteiro da mesma, o que foi confirmado pelo legal representante desta sociedade, a testemunha M. J., que também confirmou a prestação dos serviços e o pagamento mencionados na factura e no recibo que constituem o documento n.º 33 da petição inicial. Também a testemunha J. G. confirmou este facto, afirmando mesmo que a maioria dos serviços que o autor lhe prestou foram realizados por intermédio da Carpintaria ..., o que se afigura totalmente verosímil visto que, como explicou a testemunha M. J., o autor não tinha empregados, trabalhando sozinho. Perante esta prova, o tribunal não considera demonstrado que a intervenção da referida sociedade na execução das duas obras que o autor tinha em curso se tivesse ficado a dever exclusivamente à circunstância de este estar temporariamente incapacitado para o exercício da sua profissão e que, por isso, traduza um custo adicional não previsto. Isto sem prejuízo de a referida incapacidade poder originar custos acrescidos ou outras perdas patrimoniais, relativamente aos quais o autor deduziu pedido autónomo.
Também não se fez prova de que o autor tivesse recuperado o IVA desta ou de qualquer outra factura, antes tendo ficado demonstrado que o autor está registado para o exercício de actividade por conta própria no regime de isenção previsto no artigo 53.º do Código do IVA, pelo que não liquida nem deduz IVA, conforme informação prestada pela Autoridade Tributária em 10.07.2019 (cfr. fls. 133 verso do suporte físico)».
Além disso, importa salientar que o autor referiu apenas uma obra (nas Taipas), e não duas, nem sequer indicando qual o valor da empreitada que lhe tinha sido adjudicada (e que alegadamente teve que ser executada pela Carpintaria ..., Lda.) apesar de ter referido que o dono da obra lhe pagou muito menos do que teve que pagar à Carpintaria ..., Lda., como contrapartida pelos trabalhos, e não obstante ter reconhecido que trabalha muitas vezes em conjunto com a Carpintaria .... Também não soube explicitar os prazos previamente estipulados para a realização da obra nem indicou em concreto as datas acordadas para a respetiva execução ou qual o plano inicialmente estipulado para a mesma, resultando manifesto que a especificidade de tal matéria impunha outro tipo de referências probatórias. Efetivamente, estando em causa facto que respeita a obra já alegadamente programada pelo autor resulta manifesto que a respetiva prova não prescinde da referência circunstanciada aos concretos serviços ou trabalhos já planeados e/ou contratados, e respetivos valores. De resto, o autor aludiu à existência de um orçamento referente a essa obra, elemento que não foi junto aos autos.
A testemunha M. J., por seu turno, aludiu de forma vaga e genérica a duas obras que o autor tinha mesmo que acabar, sem evidenciar com rigor quais os trabalhos ou serviços já então previstos ou planeados nem os termos do acordo que referiu ter celebrado com o autor, desconhecendo inclusivamente se foi feito por orçamento ou por dias de trabalho. De relevante, confirmou a parceria ou “troca de trabalho” que a empresa de que é gerente mantém há largos anos com o autor, na qual também fazem trabalhos de carpintaria para este último, por vezes mediante pagamento.
Pretende ainda o apelante a reapreciação do depoimento da testemunha A. M. - filha do autor - o que foi efetuado, dele não se extraindo qualquer elemento ou esclarecimento relevante que imponha se considere verificado o facto em apreciação, antes se constatando que a indicada testemunha nada logrou esclarecer de relevante a propósito da matéria de facto em causa, referindo mesmo desconhecer a quem é que o autor recorreu para esse efeito e evidenciando total desconhecimento sobre os aspetos relacionados com a atividade profissional do seu pai.
Decorre ainda do alegado pelo recorrente que este pretende que o impugnado facto seja aditado à matéria de facto provada com base em ilações retiradas de outros factos tidos como conhecidos, o que permite configurar o recurso à prova por presunção judicial.
As presunções são, conforme as define o artigo 349.º do Código Civil (CC), «as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», sendo que não estão em causa, no caso presente, presunções legais, mas sim presunções judiciais.
A prova de um facto por presunção judicial assenta no raciocínio do juiz, baseado em regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade.
Explicam Pires de Lima/Antunes Varela (12) que as presunções judiciais, «simples ou de experiência», «assentam no simples raciocínio de quem julga», inspirando-se «nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana».
A propósito esclarece ainda Luís Filipe Pires de Sousa (13): «a presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado (facto-base/facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos».
A respeito do nexo lógico enquanto um dos elementos estruturais da presunção, importa considerar que «o facto-base e o facto-presumido devem estar vinculados entre si por uma relação de causa-efeito, segundo uma regra de critério ou experiência humana (14)». Assim, «o nexo lógico não é um facto mas um juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima de experiência, tida por aplicável no caso, segundo a qual perante a ocorrência de um facto gera-se uma probabilidade qualificada de que se tenha produzido outro. Assim, a parte que recorre a uma presunção judicial não tem de provar o nexo lógico mas tem que lograr convencer o juiz da existência e aplicabilidade ao caso de uma máxima de experiência (15)».
Neste contexto, aderimos na íntegra aos fundamentos enunciados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (16), no qual se salienta: «na presunção deve existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido; a existência de espaços vazios no percurso lógico determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões».
Ora, no enquadramento probatório antes evidenciado entendemos que as circunstâncias enunciadas nos pontos 21, 25, 54 e 55 dos factos provados, dos quais decorre que o acidente se deu a 29-03-2016, que o autor teve incapacitado (entre défice total e parcial) até ao dia 13-05-2016 (conforme os pontos 21 e 25 dos factos provados) e de que em data anterior a 13-05-2016 o autor solicitou à Carpintaria ..., Lda. a execução de duas empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas, despendendo a quantia de € 2.425,00 mais IVA (pontos 54 e 55 dos factos provados) não permitem formular um juízo de probabilidade qualificada quanto à exclusividade da concreta circunstância causal enunciada na impugnada al. m) dos factos não provados.
De resto, existem outros factos devidamente assentes nos autos que levam a que se suscitem sérias e inultrapassáveis dúvidas a propósito da realidade material em apreciação, tendo por base o recurso às regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade.
Assim, da factualidade provada resulta que o autor terá estado totalmente incapaz para o trabalho durante o período de 32 dias (entre 29-03-2016 e 29-04-2016) - cf. o ponto 24 dos factos provados. Ora, da análise dos factos enunciados em 15 e 36 da matéria de facto assente resulta que o autor trabalhava, e continua a trabalhar, por conta própria como carpinteiro, auferindo rendimentos anualmente variáveis mas que se apuraram ser de 4.744,00 €, 3.312,60 € e 4.262,00 € nos anos de 2015, 2016 e 2017, respetivamente, de acordo com o declarado pelo próprio autor para efeitos de IRS, o que torna manifestamente inverosímil que o autor tenha tido necessidade de, no referido período de incapacidade e por causa do acidente, recorrer ao trabalho de terceiros para a conclusão de duas obras em curso mediante o pagamento de 2.450,00 € mais IVA (valor correspondente apenas a mão de obra), valor que corresponde a mais de metade da totalidade dos rendimentos anuais que o autor declarou nos anos mais próximos do acidente (2015 e 2017).
Fazendo uso de critérios de razoabilidade e de normalidade social, julgamos que o juízo de verosimilhança necessário para permitir consubstanciar a invocada exclusividade da concreta circunstância causal enunciada na impugnada al. m) dos factos não provados, quanto à intervenção da Carpintaria ..., Lda., na execução de duas obras que haviam sido adjudicadas ao autor, tornava exigível a ponderação de elementos ou razões circunstanciadas e objetivas que permitissem conferir credibilidade a tal invocação, os quais não resultaram da prova produzida.
Deste modo, cumpre concluir que os factos enunciados pelo recorrente não permitem a formulação de um juízo de suficiente probabilidade da verificação das circunstâncias enunciadas na al. m) da matéria não provada.
Entendemos, assim, que os concretos meios de prova indicados pelo apelante como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida não permitem infirmar a valoração que a propósito foi feita pelo Tribunal a quo a propósito à factualidade constante da al. m) dos factos não provados, a qual se afigura adequada à prova produzida.
Em consequência, julga-se integralmente improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo apelante, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre o facto vertidos em 1.1. supra.

2.3. Reapreciação da causa em função da pretendida modificação da matéria de facto, no que respeita ao segmento do pedido indemnizatório correspondente ao valor de 2.425,00 € alegadamente pago pelo autor a terceiros para levar a cabo as empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas (recurso do autor).
Pretende o autor, com a presente ação, ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos em virtude de acidente de viação ocorrido a 29 de março de 2016, pelas 10:45 horas, ao Km 99,33 da EN 101, Rua da ..., na freguesia da ..., do concelho de Braga, em que intervieram o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula da marca Volkswagen, modelo Transporter, com a matrícula QD, na altura conduzido pelo seu proprietário, aqui autor, veículo ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula GL, na altura conduzido pela sua proprietária, R. L., a cujo condutor atribui a culpa exclusiva na produção do acidente, alegando ainda que o proprietário de tal veículo tinha transferido para a ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, assim baseando o pedido formulado na responsabilidade civil extracontratual.
No caso em apreciação, o Tribunal a quo analisou a matéria de facto que resultou provada atinente à dinâmica do acidente, tendo entendido que o embate ocorreu porque a condutora do veículo GL não logrou controlar a sua trajetória, fosse porque não adequou a velocidade que imprimia a esse veículo ao traçado e demais características da via, ao seu estado e às condições climatéricas que se faziam sentir, fosse por imperícia ou desatenção da referida condutora. Em qualquer dos casos, conforme concluiu a sentença recorrida, a condutora do veículo GL omitiu a diligência a que estão obrigados todos os automobilistas, tanto mais que esta estava obrigada a moderar a velocidade do veículo, dadas as referidas condições climatéricas e a existência edificações de ambos os lados daquela via, o que naturalmente facilitava a execução das manobras, nomeadamente a descrição da curva e o controlo da trajetória do veículo, violando as regras previstas nos artigos 3.º, n.º 2, 11.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, al. c), todos do Código da Estrada e agindo com negligência, o que é suficiente para fundamentar o juízo de culpa que a responsabilidade civil por factos ilícitos pressupõe.
Mais entendeu provada a ocorrência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes danos e aquela conduta, concluindo pela obrigação de indemnizar a cargo da ré, em face do elenco dos factos provados.
Ora, ponderando o que decorre da matéria de facto assente quanto às concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente em apreciação, entendemos que se impõe, neste domínio, um juízo de total concordância quanto à a qualificação efetuada pelo Tribunal a quo relativamente aos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da ré, o que, aliás, não vem posto em causa pelos recorrentes nos recursos em apreciação.

No âmbito do pedido formulado, o autor peticionou o pagamento das seguintes quantias:
i) 1.168,66 € correspondente à diferença entre o valor que deixou de auferir na sua atividade profissional, no período em que esteve incapacitado para o trabalho (1.709,09 €) - que situa entre a data do acidente (29-03-2016) e a data da alta (27-05-2016) - e o montante auferido da ré pelos períodos de incapacidade temporária (540,43 €);
ii) 6.655,84 € correspondente ao valor despendido na reparação do veículo QD em virtude do embate;
iii) 3.239,99 € a título de privação de uso e fruição do veículo QD;
iv) 230,00 €, correspondente ao valor da roupa e do calçado que envergava no momento do embate e que, por terem vestígios de sangue, foram destruídos pelo Hospital de Braga;
v) 370,00 €, correspondente ao valor de duas máquinas que ficaram danificadas na sequência do embate;
vi) 72,00 €, correspondente ao valor despendido pelo autor na certidão do auto de ocorrência;
vii) 2.425,00 €, correspondente ao valor que o autor pagou a terceiros para levar a cabo as empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas.
viii) preconizando uma diferença entre o dano não patrimonial - onde inclui todos os danos passados, presentes e futuros que não afetam a situação patrimonial do autor, nomeadamente as lesões corporais, as dores e o sofrimento psicológico - o dano biológico - enquanto impossibilidade de usar o corpo de forma absoluta, que qualifica como «complemento do dano moral» - e o dano patrimonial futuro - que fez equivaler à perda de capacidade de ganho - o autor veio pedir, após liquidação, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 20.000,00 € a título de indemnização pelo dano não patrimonial, a quantia de 7.500,00 € como indemnização autónoma pelo “dano biológico” e a quantia de 10.000,00 € como indemnização pelo dano patrimonial futuro de perda de capacidade aquisitiva;
No que concerne aos danos patrimoniais englobados no segmento do pedido enunciado em i), a 1.ª instância entendeu que o valor de 707,35 € já pago pela ré se revela perfeitamente suficiente e ajustado para o indemnizar do dano patrimonial em referência, pelo que nada mais é devido ao autor a este respeito, em consequência do que julgou improcedente a correspondente pretensão formulada pelo autor.
Ora, analisando o objeto da apelação apresentada pelo autor, delimitada pelas conclusões das alegações apresentadas, observa-se que o recorrente não impugna, neste aspeto, a sentença recorrida, pelo que nada cumpre apreciar a propósito.
Em relação aos danos patrimoniais englobados no segmento do pedido enunciado em ii), o Tribunal a quo entendeu ser de deferir a pretensão indemnizatória correspondente ao valor despendido na reparação do veículo QD em virtude do embate, no valor de 6.655,84 €, o que a apelante ré também não contesta na presente apelação, nada mais importando conhecer neste domínio.
Também no que concerne aos segmentos do pedido enunciados em iii), iv), v) e vi), as partes, ora recorrentes, conformaram-se com decisão da 1.ª instância que entendeu ser de ressarcir o autor pelo valor indemnizatório de 1.239,99 € quanto ao pedido enunciado em iii) e 370,00€ relativamente aos restantes danos elencados.
No que concerne ao segmento do pedido enunciado em vii), atinente ao valor de de 2.425,00 € alegadamente pago pelo autor a terceiros para levar a cabo as empreitadas que lhe haviam sido adjudicadas, entendeu a 1.ª instância que o autor não demonstrou a factualidade que fundamentava tal pretensão, não resultando que este custo tivesse surgido por causa da incapacidade para o trabalho que afetou o autor até ao dia 13 de maio de 2016, tal como não resulta que este custo se tivesse refletido negativamente no património do autor, desconhecendo-se se estava ou não previsto aquando da adjudicação de cada uma das obras e se foi ou não repercutido no preço pago pelos donos das mesmas - tal como resulta da resposta negativa que mereceu o facto elencado na al. m) dos factos não provados -, em consequência do que considerou improcedente a correspondente pretensão do autor.
Quanto a este ponto, decorre das conclusões 2 a 15 das alegações do apelante/autor que a solução que o recorrente defende para o litígio assenta exclusivamente no peticionado aditamento de tal facto à matéria provada, não defendendo qualquer alteração da matéria de direito a apreciar na hipótese da manutenção da factualidade provada.
Baseando-se a posição defendida pelo autor na apelação no peticionado aditamento à matéria provada dos factos supra indicados, o que foi rejeitado, mostra-se prejudicada a apreciação da solução jurídica defendida com base nesses factos, devendo, por isso, confirmar-se o decidido na sentença recorrida quanto à improcedência da pretensão de ressarcimento desse dano ou prejuízo.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação.

2.3.1. Indemnização pelo dano decorrente da desvalorização funcional ou défice funcional permanente de integridade físico-psíquica que o autor ficou a padecer.
Analisando o objeto da apelação apresentada pelo autor, delimitada pelas conclusões antes enunciadas, observa-se que este recorrente pretende, em primeiro lugar, autonomizar duas vertentes compensatórias distintas no valor fixado pelo Tribunal a quo a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica. A este propósito, defende que a perda genérica de potencialidades funcionais corresponde ao dano biológico, o qual, alega, deve ser perspetivado, satisfeito e fixado no valor de 7.500,00€, a que acrescerá a indemnização por danos patrimoniais futuros, que faz equivaler à perda de capacidade de ganho, a qual deverá ser fixada no valor de 10.000,00 €. Caso assim não se entenda, e se considere que o dano biológico se deverá incluir nos danos patrimoniais, ou nos danos não patrimoniais, sustenta o apelante/autor que o montante da correspondente indemnização deverá ser aumentada nos referidos 7.500,00 €.
Neste domínio, constata-se que o Tribunal a quo entendeu que ao autor assiste o direito a ser indemnizado pelo défice permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos de que ficou a padecer em consequência do acidente sofrido (ainda que as inerentes sequelas não sejam impeditivas do exercício da sua atividade habitual), porquanto este dano de perda da capacidade produtiva é indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico para obter o mesmo resultado, afastando-se da posição que preconiza a autonomização do dano biológico, enquanto “complemento do dano moral”, do dano patrimonial futuro e do dano não patrimonial, posto que a indemnização do dano biológico (dano primário) não pode abstrair-se dos seus reflexos patrimoniais e/ou não patrimoniais (danos consequência), não subsistindo por si só, como um dano abstrato ou uma espécie de tertium genus.
Analisando mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir a questão enunciada, observa-se que o Tribunal a quo fez, em nosso entender, uma adequada avaliação da mesma, não deixando de alicerçar o entendimento sufragado nos critérios legais aplicáveis e seguindo a interpretação vertida em diversos arestos dos nossos tribunais superiores.
Neste contexto, deve entender-se que os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (17).
Assim, independentemente de tal défice funcional permanente da integridade físico-psíquica se repercutir ou não imediatamente na capacidade de ganho do lesado, o mesmo tem relevância patrimonial, dado constituir uma lesão ou diminuição da aptidão física que importa perda da capacidade funcional, traduzindo-se, como tal, numa fonte de possíveis danos patrimoniais. E tratando-se de privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, tal dano não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, «influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu quantum, mas não constituindo, pois, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir, como bem se adverte, entre outros, no Ac. STJ de 17.12.2009, uma “duplicação indemnizatória (…) violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa”» (18).
Tal como se refere no acórdão desta Relação de 30-09-2021: (19) « Como o nosso Código Civil adopta uma fórmula “binária”, que distingue entre danos patrimoniais (v. artigo 562º e seguintes) e danos não patrimoniais (v. artigo 496º), a indemnização das vertentes, incidências ou reflexos do dano biológico – lesão da integridade psicofísica – tem necessariamente de ser realizada dentro dessas duas categorias normativas, com os critérios próprios de cada uma delas, os quais carecem de ser observados. Não é possível atribuir uma indemnização por “dano biológico” fora do quadro estabelecido no Código Civil, como se nele tivesse sido consagrada uma terceira categoria normativa, diferenciada quer dos danos patrimoniais quer dos não patrimoniais (…)».
Por conseguinte, justifica-se plenamente que o Tribunal a quo tenha englobado na vertente dos danos patrimoniais futuros a indemnização pelo défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos, porquanto o referido défice funcional não o impossibilita de prosseguir a sua atividade profissional, nem determinou uma efetiva perda de rendimentos (ressalvado o período de repercussão temporária na atividade profissional total). Com efeito, ainda que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer apresente repercussão permanente na atividade profissional, na medida em que as correspondentes sequelas implicam esforços suplementares, não o impossibilita de exercer a sua profissão visto que tais sequelas são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual (cf. o ponto 28 dos factos provados).
Improcedem, assim, as conclusões da apelação do autor na parte em que preconiza a autonomização de duas vertentes compensatórias distintas (perda genérica de potencialidades funcionais que alega corresponder ao dano biológico, por um lado, e a indemnização por danos patrimoniais futuros, por outro), no valor fixado pelo Tribunal a quo a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.
Resta, então, aferir da adequação do montante arbitrado pelo Tribunal a quo pelo dano futuro, na vertente patrimonial, pela perda de capacidade produtiva decorrente da incapacidade de que padece o autor, em conjunto com as incapacidades funcionais resultantes do referido défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido, fixado em 2 pontos.
Os recorrentes (autor e ré) não vêm questionar nos recursos a verificação dos referidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, igualmente não pondo em causa a existência de danos, nem a sua ressarcibilidade, discordando unicamente da amplitude dos danos apurados e do correspondente valor indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos decorrentes da desvalorização funcional ou défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer.
Considerando que as questões colocadas em cada um dos recursos incidem sobre a quantificação da compensação arbitrada nesta vertente, constituindo, nesta medida, o reverso das que vem suscitadas em cada um deles, importa proceder ao seu tratamento conjunto.
O apelante/autor sustenta que, caso se considere que o dano biológico se inclui nos danos patrimoniais, ou nos danos não patrimoniais, deverá o montante da correspondente indemnização ser aumentada nos referidos 7.500,00 €.
Por sua vez, a apelante/ré sustenta que o valor arbitrado a esse título pelo Tribunal a quo deve ser reduzido para valor não superior a 3.000,00 € sustentando que não está demonstrada uma efetiva perda de rendimentos e tendo por base, no essencial, o recurso os critérios previstos nas portarias 377/2008, de 26-05, e 679/2009, de 25-06, concretamente na Tabela IV desta última, os quais, alega, apontam para uma indemnização a rondar os 1.500,00 € atendendo à gravidade das sequelas de que o autor ficou portador.

A sentença recorrida, tendo por base a equidade e dentro dos limites dos factos tidos por provados, fixou a compensação por esses danos em 5.000,00 €, atendendo, no essencial, aos seguintes critérios:
«(…)
Posto isto, resta determinar o respectivo valor indemnizatório, o que deverá ser feito, como já dissemos, com base na equidade, dentro dos limites tidos por provados.
Mas porque o recurso à equidade não significa arbitrariedade, a nossa jurisprudência tem vindo a fazer um esforço de clarificação dos métodos a adoptar para alcançar aquele desiderato, procurando estabelecer critérios de apreciação e de cálculo deste dano que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio, direccionados para o cálculo de uma indemnização que seja equivalente ou que que se aproxime de um capital produtor do rendimento frustrado e que se extinga no final do período provável de vida activa do lesado.

Como melhor se explicita no acórdão do STJ de 17.06.2008 (disponível em www.dgsi.pt), tem vindo a formar-se um consenso generalizado acerca dos seguintes princípios e ideias:

a) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) as tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade (sendo que o mesmo entendimento se estende às tabelas indemnizatórias previstas pela Portaria n.º 377/2008, conforme, aliás, resulta do disposto no artigo 1.º, n.º 2, deste mesmo diploma);
d) deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a dos homens cerca de 75 anos e a das mulheres cerca de 82 anos (actualmente a esperança média de vida à nascença é, em Portugal, de cerca de 81 anos, quase 78 anos para os homens e mais de 83 para as mulheres), pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida.

No caso vertente apurou-se que, tanto na data do acidente como na data da consolidação médico-legal das lesões que sofreu, o autor tinha 49 anos. Mais se apurou que trabalhava e continua a trabalhar por conta própria como carpinteiro, auferindo rendimentos anualmente variáveis, tendo declarado para efeitos de IRS, nos anos de 2014 a 2020, os valores discriminados no ponto 36 dos factos provados.
Mais se apurou que em virtude das sequelas sofridas por força do acidente, o autor ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, não sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua actividade habitual.
Tudo ponderado, designadamente a esperança de vida do lesado, o facto de receber por uma só vez o montante indemnizatório, que deveria ser fraccionado ao longo dos anos, devendo o mesmo, repete-se, ficar esgotado no termo do período para que foi estimado, entende-se como ajustado a fixação do montante indemnizatório a este título em 5.000,00 €».
No caso, estamos efetivamente perante danos patrimoniais futuros ressarcíveis pois a sua verificação é previsível como decorrência do défice funcional da integridade físico-psíquica concretamente apurado.
Como tal, as circunstâncias apuradas nos autos traduzem uma diminuição da capacidade do lesado, constituindo um dano futuro previsível e indemnizável nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil.
Tal como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017 (20) «Em caso de défice funcional permanente que não seja impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado, mas que implique ainda assim um maior esforço no desempenho dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual, não se mostra viável, em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, devendo recorrer-se à equidade dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas».
Em sentido idêntico, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2012 (21): «I - A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e, ainda, todo o seu tempo de vida. II - Sendo inapreensível qual vai ser a evolução do mercado laboral, do nível remuneratório e do emprego, a evolução do custo de vida, os níveis dos preços, do juros, da inflação, a evolução tecnológica, bem como de outros elementos que influem na retribuição (como é o caso dos impostos), necessário se torna, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CPC, recorrer à equidade para calcular o montante indemnizatório».
Conclui-se, assim, que a valoração destes danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer, assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3 do CC, devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
Perante a dificuldade de cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro resultante da perda da capacidade de ganho, a jurisprudência, com vista a reduzir a margem de discricionariedade do julgador, tem vindo a enunciar critérios de apreciação e de cálculo, conforme exaustivamente enunciou o Tribunal a quo na sentença recorrida em moldes que sufragamos inteiramente.
Verifica-se, contudo, que a apelante/ré vem sustentar a redução do resultado obtido com base no recurso os critérios previstos nas portarias 377/2008, de 26-05, e 679/2009, de 25-06, concretamente na Tabela IV desta última, os quais, alega, apontam para uma indemnização a rondar os 1.500,00 €.
Porém, tais critérios fazem parte de um procedimento destinado a agilizar propostas «razoáveis» a apresentar pelas seguradoras aos lesados por dano corporal, no âmbito do DL n.º 291/2007 de 21/08 (nomeadamente dos seus artigos 37.º, 38.º e 39.º) mas não afastam a fixação de valores superiores aos propostos, como resulta do n.º 2 do seu artigo 1.º e do seu preâmbulo, não sendo vinculativos para os tribunais. Daí que, não sendo extrajudicialmente aceites os valores resultantes da aplicação desses critérios, são aplicáveis as regras gerais que decorrem dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, bem como, no caso dos danos não patrimoniais, as que decorrem do artigo 496.º, n.º 3 do CC (22).
A este propósito, salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-04-2007 (23): «(…) a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o minus indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.
Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art. 566.º-3 do CC.
Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo), à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes».
Sendo assim, impõe-se confirmar nesta sede os critérios que foram observados na sentença recorrida para a determinação do valor base da indemnização para o cálculo do dano patrimonial futuro, por se revelarem adequados em face dos elementos objetivos que constam dos autos.
Além dos enunciados elementos objetivos, importa ainda atender aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes uma vez que a quantificação do montante indemnizatório em causa é efetuada com recurso à equidade, prevendo o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Recorrendo ao método comparativo ao nível da indemnização pelo dano patrimonial futuro emergente de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica parcial, e a título meramente exemplificativo, encontramos diversas decisões, ao nível da jurisprudência dos tribunais superiores, que entendemos de ponderar:
- Ac. do STJ de 27-02-2018 (24), em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que implica maiores esforços no exercício da atividade habitual, sinistrado com 10 anos de idade à data do acidente, estudante, foi confirmado o valor indemnizatório a este título de 10.000,00 €.
- Ac. do TRG de 30-09-2021 (25), em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos, sem repercussão permanente na atividade profissional, mas em que a lesada, de 26 anos, costureira, sempre necessitará de recorrer regularmente a medicação analgésica e anti-inflamatória, e auferia uma remuneração mensal de 557,00 € à data do acidente e de 600,00 € à data da propositura da ação, em ambos os casos deduzida da taxa social única e acrescida de subsídio de alimentação, se considerou justa e adequada a fixação de indemnização no montante de 15.000,00 € pelo reflexo patrimonial futuro do dano biológico;
- Ac. TRP de 29-04-2021 (26), em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, numa lesada sem rendimentos e com 61 anos de idade na data do acidente, se considerou justa e adequada a fixação de indemnização no montante de 4.000,00 €;
- Ac. do TRL de 25-02-2021 (27), em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 1 ponto, e não ocorrendo uma perda efetiva de ganho, mas em que o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, ao longo da sua expetativa de vida de cerca de 45,5 anos, se considerou justa e adequada a fixação de indemnização no montante de 2.917,67 €.
- Ac. do TRE de 26-10-2017 (28), em que para uma incapacidade parcial geral de 7 pontos, sinistrado com 59 anos à data do acidente, considerando o rendimento mensal de 1.000,00 € foi atribuída uma indemnização no montante de 12.000,00 €;
- Ac. do TRP de 26-09-2016 (29), em que para uma incapacidade parcial geral de 2 pontos, sinistrado com 34 anos à data do acidente, considerando uma retribuição mensal base de 782,40 € foi atribuída uma indemnização no montante de 5.000,00 €;
- Ac. do TRG de 3-07-2014 (30), em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, sinistrado com 37 anos à data do acidente, considerando o rendimento mensal global de 641,87 € foi atribuída uma indemnização no montante de 14.567,42 €.

Ponderando então as circunstâncias do caso concreto em apreciação, sem deixar de considerar os padrões de indemnização adotados em decisões jurisprudenciais recentes, entendemos que o juízo prudencial e casuístico efetuado na sentença recorrida mostra-se conforme à equidade, afigurando-se-nos não ser de alterar o valor de 5.000,00 € ali fixado a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da afetação da integridade física e psíquica sofrida pelo autor em consequência do acidente a que aludem os autos.
Por conseguinte, deve a sentença recorrida ser confirmada nesta parte, improcedendo as correspondentes conclusões dos apelantes.
Por último, ambos os apelantes discordam do montante arbitrado pelo Tribunal a quo a título de indemnização por danos não patrimoniais. O autor pretende que o valor dessa indemnização seja aumentado para 20.000,00 €, enquanto a ré defende a sua redução para 3.500,00 € por considerar manifestamente excessiva a verba atribuída em face dos factos provados, nomeadamente o facto de ter sofrido lesões ligeiras, ter tido alta hospitalar 2 dias depois do internamento, não ter tido a necessidade de realizar tratamentos fisiátricos ou de outra natureza, ter obtido a consolidação médico-legal da suas lesões dois meses apos o acidente, ter estado apenas 32 dias em situação de total incapacidade para o trabalho e lhe ser reconhecido um quantum doloris de, apenas, 2 pontos numa escala de 1/7, sem dano estético.
Como se viu, a sentença recorrida fixou a indemnização devida por estes danos em 7.500,00 €, ponderando para o efeito todos os factos enunciados nos pontos 17 a 30 e 32 a 34 dos factos provados, analisados no contexto de vida do autor e destacando a circunstância de, no momento do embate, o autor ter apenas 49 anos de idade, ser profissionalmente ativo e não evidenciar limitações físicas.

Relativamente às consequências de ordem não patrimonial, o Tribunal a quo, considerou ainda, no essencial, o seguinte:
«Sem sermos exaustivos, destacamos aqui: as dores que sofreu, mais intensas nos dias subsequentes ao acidente e que lhe dificultaram o sono e a respiração, globalmente avaliadas no grau 2 numa escala ascendente de 7, bem como as dores de que vai continuar a sofrer e as e dificuldades de respiração delas decorrentes; as limitações físicas de que ficou a padecer, com reflexos na sua actividade profissional e nas suas actividades quotidianas, inclusivamente desportivas e de lazer, bem como o desgosto, a tristeza, a angústia e a preocupação que isso lhe causa».
No âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil prevê que na fixação da indemnização se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa (31) «distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Representam danos patrimoniais, por exemplo, os estragos feitos numa coisa ou a privação do seu uso, a incapacitação para o trabalho em resultado de ofensas corporais. Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão. Observe-se que o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies».
Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela (32), «o Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos», cabendo assim ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. A este propósito, enunciam ainda os autores antes citados algumas situações possivelmente relevantes, como a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira, sublinhando ainda a propósito, que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais, citando para o efeito vários acórdãos do STJ.
Trata-se de indemnização que visa compensar o lesado pela dor ou sofrimento, de ordem física ou psicológica, ou outras consequências de natureza não patrimonial, através do recebimento de uma quantia pecuniária que possa mitigar os efeitos do ato lesivo. Deste modo, «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente» (33).
Nos termos que resultam do disposto no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, a equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender.
Neste domínio, refere ainda o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017, «no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver».
Na valoração do dano não patrimonial inserem-se, nomeadamente, «o (pretium doloris) ou compensação das dores físicas e angústias, que compreendem não só a valorização da dor física resultante dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que implicaram, como a dor vivenciada do ponto de vista psicológico; o (pretium pulchritudinis), também designado por dano estético caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetrias e mutilações, com diminuição ou reflexo na beleza ou harmonia física do lesado; o dano da distracção ou passatempo (em francês: dommage «d'agrément»), correspondente à privação de actividades extra-profissionais de carácter lúdico e o dano existencial ou de afirmação pessoal» (34).
Impõe-se, assim, encontrar a solução mais equilibrada, tendo em conta o que decorre da factualidade provada e ponderando os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, sem esquecer que a jurisprudência constante dos tribunais superiores em matéria de danos não patrimoniais vem entendendo que a indemnização, ou compensação, para responder atualizadamente ao comando do artigo 496.º do Código Civil e constituir uma efetiva possibilidade compensatória deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista ou meramente simbólica (35).

A título meramente exemplificativo e sem especiais preocupações de exaustividade, importa recorrer ao método comparativo e ponderar alguns dos critérios adotados na jurisprudência dos tribunais superiores em casos com alguns contornos análogos, ainda que necessariamente distintos atentas as circunstâncias concretas de cada caso:
- O Ac. do STJ de 20-11-2014 (36) entendeu adequado e equitativo o valor de 10.000,00 € a título de compensação pelos danos não patrimoniais; a lesada era saudável e com 24 anos à data do acidente; sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias frequentes e pesadelos causados pela recordação do acidente; após o embate e consequência do mesmo perdeu a consciência; foi submetida a intervenção cirúrgica (artroscopia) no joelho esquerdo com anestesia geral; fez tratamentos de fisioterapia; foi fixado um quantum doloris de grau 3 em 7; do ponto de vista ortopédico encontrava-se curada, sem desvalorizações mas ficou com uma incapacidade permanente de 10 pontos devido ao stress pós traumático resultante do atropelamento, o que lhe origina ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira, sendo esta sequela compatível com atividade atual, não implicando esforços suplementares;
- No Ac. do STJ de 18-09-2012 (37) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 41 anos de idade à data do acidente, ficou com uma IPP equivalente a 2%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando algum esforço suplementar, sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7, teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto;
No Ac. do STJ de 28-06-2012 (38) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de 10.000,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 46 anos de idade à data do acidente, foi sujeita a internamentos hospitalares com exames médicos, passou a apresentar dificuldades de flexão e extensão da coluna e rigidez do ombro esquerdo com abdução a 90º, esteve cerca de um mês impedida de fazer a sua vida diária e profissional, sofre um quantum doloris de grau 2 e IPP de 6 pontos, deixou de fazer caminhadas e cultivo do campo e sente frustração, passando a ser ríspida com os familiares;
- No Ac. TRP de 29-04-2021 (39) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de 10.000,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 61 anos de idade à data do acidente; em consequência do acidente e das lesões sofridas, a autora ficou perturbada, desenvolvendo um quadro de ansiedade; o quantum doloris foi fixado num grau 4; devido às lesões que sofreu em consequência do acidente, a autora sofreu dores e incómodo no normal fluir do seu dia-a-dia, a autora sente-se triste, perturbada e desgostosa; ainda hoje, a autora sente dor, ansiedade, nervosismo;
- No Ac. TRG de 10-07-2018 (40) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 8.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos; referente a lesada com 71 anos de idade à data do acidente; após o embate foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do ..., EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respetivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical e onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias; regressou novamente à Unidade de Saúde do ..., EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio; e aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas, viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar; no momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um enorme susto, a data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28-08-2013: em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo); as lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 103 dias; ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual; e sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa escala de 1/7;
- No Ac. TRE de 17-11-2016 (41) julgou-se adequado o valor indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado que sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9.º arco costal direito, recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores; na recuperação das lesões efetuou 30 sessões de fisioterapia; sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7; passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol; terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia; na sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas;
- No Ac. TRP, de 26-09-2016 (42) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 34 anos à data do acidente, levado de urgência para o hospital, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e efetuados exames radiológicos tendo ainda o A. sido sujeito a intervenção cirúrgica ortopédica, patelectomia parcial supero-medial, e reinserção medial do tendão quadricipital com 2 âncoras 5.0mm; sujeitou-se a tratamentos diversos, incluindo 53 sessões de consultas e tratamentos de fisioterapia; em consequência do acidente o A. ficou afetado, quanto ao membro inferior direito, de: Cicatriz transversal pré-patelar, normocrómica, com discreta reação queloide, 17cmx1cm de dimensão, avaliável no grau 1 de uma escala de 7 de gravidade crescente; discreta limitação nos últimos graus de flexão (0º-120º), sem dor à palpação, sem derrame articular e sem instabilidade ligamentar e sem atrofia muscular, com gonalgia residual; as sequelas de que ficou afetado determinam-lhe uma desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100 que, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; deixou de jogar futebol com os amigos por força das sequelas resultantes do presente sinistro; sofreu dores, com as lesões, os tratamentos que foi submetido e as sequelas, fixáveis no grau 5 numa escala de 7 de gravidade crescente; sofreu os aborrecimentos emergentes das sessões fisiátricas e internamentos hospitalares.
Tudo ponderado, não vemos razões para considerar desajustada ou desproporcional a compensação fixada pela 1.ª instância a título de danos não patrimoniais.
Com efeito, ainda que os danos comprovados não apresentem gravidade compatível com a compensação pretendida pelo autor/recorrente, certo é que os factos que resultam assentes nos pontos 17 a 30 e 32 a 34 dos factos provados permitem consubstanciar as dores sofridas pelo autor, mais intensas nos dias subsequentes ao acidente e que lhe dificultaram o sono e a respiração, globalmente avaliadas no grau 2 numa escala ascendente de 7, bem como as dores de que vai continuar a sofrer e as e dificuldades de respiração delas decorrentes, as limitações físicas de que ficou a padecer, com reflexos na sua atividade profissional e nas suas atividades quotidianas, inclusivamente desportivas e de lazer, bem como o desgosto, a tristeza, a angústia e a preocupação que isso lhe causa, tudo com relevante e indiscutível repercussão na sua vida pessoal, com diminuição ou reflexo na harmonia física do lesado e em termos psicológicos.
Deste modo, entendemos que o valor fixado na decisão recorrida é adequado e equitativo à reparação dos danos não patrimoniais sofridos, revelando-se em consonância com os critérios habitualmente adotados em casos análogos, pelo que deve manter-se a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo.
Daí que não mereça censura a decisão recorrida, improcedendo na íntegra as apelações interpostas por autor e ré.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como ambos os recursos foram julgados improcedentes, as custas de cada um dos recursos são integralmente da responsabilidade dos apelantes.

Síntese conclusiva:

I - Independentemente da sua repercussão imediata na capacidade de ganho do lesado, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica tem relevância patrimonial, dado constituir uma lesão que importa perda da capacidade funcional, representando, como tal, um dano patrimonial futuro.
II - A valoração do dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade ou défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
III - A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se ao que decorre da factualidade provada quanto à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender para encontrar a solução mais equilibrada, ponderando ainda os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes.
IV - O valor de 7.500,00 € mostra-se equitativo, necessário e razoável para compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos numa situação em que o autor tinha 49 anos à data do acidente, como na data da consolidação médico-legal das lesões sofridas, e ficou a padecer de défice permanente da integridade física e psíquica de 2 pontos, durante período não concretamente apurado sentiu dificuldades em dormir em virtude das dores de que padecia, as dores que sentiu e que continua a sentir no peito, à palpação e com determinados movimentos dificultam-lhe a respiração, com quantum doloris de grau 2 numa escala de 1 a 7.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pela ré e improcedente o recurso apresentado pelo autor, em consequência do que confirmam a sentença recorrida.
As custas as custas de cada um dos recursos são integralmente da responsabilidade dos apelantes.
Guimarães, 13 de julho de 2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)




1. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 737.
2. Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V - reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, p. 143.
3. Cf. por todos, os Acs. do STJ de 8-11-2016 (relator: Nuno Cameira) - revista n.º 2192/13.0TVLSB.L1. S1- 6.ª Secção; de 21-12-2005 (relator: Pereira da Silva), revista n.º 05B2287; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
4. Ac. do STJ de 3-10-2017 (relator: Alexandre Reis), revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1. S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
5. Relator: Filipe Caroço, p. 2685/15.4T8MTS.P1, disponível em www.dgsi.pt.
6. Cf. o Ac. do STJ de 6-06-2000 (relator: Ferreira Ramos), revista n.º 00A251, disponível em www.dgsi.pt.
7. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada -, pg. 734.
8. Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
9. Neste sentido, cf. por todos, o Ac. TRG de 30-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1426/15.0T8BGC-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
10. Cf., a propósito, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pgs. 690-691.
11. Cf., Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada - p. 694.
12. Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312.
13. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, p. 29-30.
14. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada - p. 51.
15. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada - p. 57.
16. Relator Henriques Gaspar, p. 03P3213, disponível em www.dgsi.pt.
17. Cf. Ac. do STJ de 4-06-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), p. 1166/10.7TBVCD.P1. S1 - 7.ª Secção; acessível em www.dgsi.pt
18. Cf. Ac. TRG de 2-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1315/14.6TJVNF.G1; acessível em www.dgsi.pt.
19. Relator Joaquim Boavida, p. 4460/19.8T8BRG.G1 disponível em www.dgsi.pt.
20. Relator Tomé Gomes, proferido na Revista n.º 3214/11.4TBVIS.C1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
21. relator Fonseca Ramos, proferido na Revista n.º 1030/09.2TBFLG.G1. S1, com o sumário disponível em www.stj.pt.
22. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. TRG de 13-07-2021 (relatora: Ana Cristina Duarte) p. 1880/17.6T8VRL.G1; acessível em www.dgsi.pt.
23. Relator Mário Cruz, proferido na Revista n.º 07A3836, disponível em www.dgsi.pt.
24. Relatora Fátima Gomes, p. 3901/10.4TJNF.G1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
25. Relator Joaquim Boavida, p. 4460/19.8T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.
26. Relator Paulo Duarte Teixeira, p. 2834/17.8T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
27. Relator Nelson Borges Carneiro, p. 852/17.5T8AGH.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
28. Relatora Isabel Peixoto Imaginário, p. 1107/13.0TBELV.E1, disponível em www.dgsi.pt.
29. Relatora Ana Paula Amorim, p. 595/14.1TBAMT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
30. Relator Manuel Bargado, p. 333/12.3TCGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.
31. Cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 592.
32. Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 499.
33. Cf. o Ac. do STJ de 13-07-2017 (relator: Manuel Tomé Soares Gomes), p. n.º 3214/11.4TBVIS.C1. S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
34. Cf. o Ac. do STJ de 06-10-2016 (relator: António Piçarra), p. n.º 1043/12.7TBPTL.G1. S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
35. Cf. o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002 - publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 146, de 27-06-2002 (Revista ampliada n.º 1508/01-1).
36. Relatora Maria dos Prazeres Beleza, proferido na Revista n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1; disponível em www.stj.pt.
37. Relator Azevedo Ramos, proferido na Revista n.º 289/06.1TBPTB.G1. S1 - 6.ª Secção - disponível em www.stj.pt.
38. Relator Sérgio Poças, proferido na Revista n.º 1692/05.0TBMCN.P1. S1 - 7.ª Secção - com o sumário disponível www.stj.pt.
39. Relator Paulo Duarte Teixeira, p. 2834/17.8T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
40. Relatora Eugénia Cunha, p. 3037/15.1T8VCT.G1 - disponível em www.dgsi.pt.
41. Relatora Florbela Moreira Lança, p. 3037/15.1T8VCT.G1; disponível em www.dgsi.pt.
42. Relatora Ana Paula Amorim, p. 595/14.1TBAMT.P1, disponível em www.dgsi.pt.