Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1076/21.2T8VCT.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR INJUSTIFICADA
RESPONSABILIDADE DO REQUERENTE DA PROVIDÊNCIA
ACTUAÇÃO FORA DAS REGRAS DA PRUDÊNCIA NORMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O art.º 374.º n.º 1 do CPC prevê a responsabilidade do requerente da providência, quando comprovada a falta de justificação ou a caducidade por facto imputável ao requerente, desde que tenha atuado sem a prudência devida.
II. A circunstância de determinados factos merecerem um julgamento em determinado sentido no âmbito do processo principal, quando o foram em outro sentido no procedimento cautelar, não permite, por si só, concluir por uma actuação fora das regras da prudência normal.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

D. F. e mulher, M. R., vieram propor contra X, Lda. a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, peticionando a condenação da ré a pagar aos autores a quantia global de € 145.658,33, de acordo com o discriminado na petição inicial.
Alegaram, para o efeito e em síntese, que no âmbito do procedimento cautelar de arresto, que correu termos sob o número 1154/13.1TBVCT-A no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a ré (ali requerente) alegou factos que fundamentaram o decretamento da providência de arresto mas que foram julgados não provados na acção principal. Tendo nesta sido absolvidos dos pedidos formulados e tendo a providência caducado, invocam o disposto nos artigos 621º, do Código Civil, e 374º, do Código de Processo Civil, e alegam prejuízos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do decretamento da providência de arresto referida.
Citada, contestou a ré, invocando a excepção de prescrição do direito invocado, impugnando especificadamente a maioria dos factos alegados e, numa outra parte, motivando a impugnação deduzida.
As partes foram notificadas da intenção do Tribunal de conhecer, de imediato, do mérito da acção e às mesmas foi dada oportunidade para se pronunciarem, o que fizeram.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou mostrar-se o processo isento de nulidades que o invalidem de todo e se julgou improcedente a invocada excepção de prescrição.
Após foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“III – Decisão
Em face do exposto, julgo a acção proposta por D. F. e mulher, M. R., contra X, Lda., improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo esta dos pedidos contra si deduzidos.
Custas pelos Autores.
Registe e notifique.”.
*
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os autores, que a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“Conclusões

I.- O Tribunal a quo não analisou devidamente, nem valorizou adequadamente a factualidade alegada, expressando ainda um entendimento equívoco do regime jurídico inerente à responsabilidade do requerente de providência cautelar pelos danos causados ao requerido ínsito nos arts. 483º, nº 1, 621º do Cód. Civil e 374º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.
II.- Os Recorrentes dão por integralmente reproduzido o expendido em 16 a 36 da petição inicial quanto à responsabilidade civil da Recorrida pelos danos provocados aqueles decorrentes da providência cautelar de arresto em questão.
III.- Os factos alegados pela Apelada no procedimento cautelar em questão não foram comprovados na respetiva ação principal (Processo nº 1154/13.1TBVCT e respectivo apenso A do Juiz 3 do Juízo Central Cível de Viana do Castelo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo), contudo, induziram o Tribunal a decretar o arresto dos bens aos Apelantes.
IV.- Os factos alegados pela Recorrida em 10º, 11º,15º, 18º, 19º, 31º, 32º e 33º do requerimento de providência cautelar em causa nesta lide, traduzem uma enorme deturpação da realidade, aliás jamais provada nos autos principais, constituindo também uma inequívoca ofensa à honra e ao bom nome dos Recorrentes.
V.- A Recorrente proferiu gratuitamente declarações sem ter, como se exigia, verificado o seu fundamento, mas influenciando decisivamente o Tribunal a quo e ao agir assim fê-lo de forma imprudente sem o devido cuidado, demonstrando um total desinteresse pelos eventuais danos que poderia estar a causar aos Apelantes.
VI.- Os Recorrentes foram plena e sucessivamente absolvidos do pedido apresentado pela Recorrida no processo em apreço, através dos supra referenciados Acórdãos do Tribunal de Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça.
VII.- Reitera-se que a descrita responsabilidade civil da Ré advém da sua enorme imprudência ou pelo menos do erro grosseiro na alegação e prova dos factos, ao sustentar precipitadamente e (no nosso entender) ardilosamente o seu requerimento de arresto que foram considerados como não provados pelo Tribunal nos aludidos autos principais, mas que logrou o nefasto objetivo de influenciar decisivamente o decretamento do arresto em análise.
VII.- o Tribunal a quo deveria ter ponderado também na sua análise da factualidade alegada pelos Recorrentes as questões inerentes à responsabilidade da Recorrida derivada de simples negligência, mera culpa ou culpa leve, pois, pelos menos, nesse âmbito teria constatado que a atuação desta configura uma situação de responsabilidade pelos prejuízos provocados aqueles.
VIII. – Corroborando a posição dos Apelantes invoca-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 21/11/2016, no proc. nº 2194/13.6TBPNF.P1, quando para apoiar a sua decisão cita Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, relativamente ao requisito da culpa na responsabilidade do requerente de arresto infundado face ao disposto no artigo 621º do Código Civil, conforme adiante se reproduz: “…a atuação do requerente pode traduzir-se como até 1967 era estabelecido, na ocultação intencional de factos ou na sua deturpação consciente, quer no plano da afirmação do direito de fundo, quer no da invocação do periculum in mora; mas pode igualmente consistir em imprudência ou erro grosseiro na alegação e na prova dos factos, de que o tribunal não se aperceba ao proferir a decisão cautelar, bem como em culpa leve: a prudência normal que lhe é exigida corresponde à diligência do bom pai de família e este é responsável pelas atuações danosas que tenha com mera culpa, abrangendo esta a culpa leve”.
IX.- Encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Apelada nos termos antecedentemente descritos, remetendo-se, ademais, a esse respeito para o expendido em 32 a 36 da petição inicial, pelo que impunha-se decisão diversa por parte do Tribunal a quo, uma vez que existe manifestamente um nexo lógico entre a factualidade em questão (causa de pedir) e a pretensão dos Requerentes, em sintonia com o supra mencionado quadro normativo aplicável ao pedido formulado por aqueles.
Termos em que, revogando V. Excias a douta sentença sub judice e substituindo-a por Acórdão em conformidade com os fundamentos expendidos pelos Apelantes farão, ELEVADA JUSTIÇA.”.
*
A recorrida contra-alegou, e deduziu recurso subordinado, terminando com as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
Índice
I - CONCLUSÕES DA RESPOSTA AS ALEGAÇÕES II - CONCLUSÕES DO RECURSO SUBORDINADO
E chegados ao fim impõe-se extrair as conclusões, tanto das Contra-Alegações como do Recurso Subordinado. São elas:
1. Nenhuma razão assiste aos Recorrentes no Recurso por si interposto.
I - DA RESPOSTA ÀS ALEGACÕES
A- DIREITO
2. Sobre a responsabilidade aquiliana, extrai-se do artigo 483.° n.º 1 o seguinte:
"Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."
3. Por sua vez, o artigo 621.° do Código Civil estatui que "se o arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência norma!'.
Concomitantemente,
4. a lei processual civil, maxime no artigo 374.° n.º 1 consigna que "se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal”'.
5. Com especial relevância para a improcedência dos presentes autos, destaque para o entendimento de Marco Gonçalves na obra "Providências Cautelares", ensinando que a improcedência da ação principal não significa, necessariamente, que a providência cautelar fosse injustificada ou que tivesse sido decretada de forma ilegal.
Ora, no caso sob sindicância,
6. tal como se conclui da matéria de facto dada como provada e não impugnada, TODAS as Decisões Judiciais proferidas foram tomadas no sentido do decretamento do arresto. Ora vide:
iv) O arresto foi julgado procedente antes do contraditório; [Facto provado a)]
v) Após contraditório, a oposição ao Arresto foi julgada improcedente; [Facto provado b)]; e por fim,
vi) A decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães. [Facto provado cj]
7. Ou seja, entendem (mal) os Recorrentes que a Recorrida não agiu com a prudência normal quando a providência cautelar interposta foi: i) julgada procedente antes do contraditório, ii) mereceu acolhimento do Tribunal após o exercício ao contraditório dos Recorrentes e, in fine, iii) foi ainda confirmada por um Tribunal Superior.
8. Como se tudo isto, de per si, não bastasse, ainda a Ação Principal mereceu provimento na primeira instância antes de ser revogada pelo Tribunal da Relação, [Factos provados d) e e)].
9. Está assim cabalmente demonstrado o desacerto dos Recorrentes, porquanto a providência cautelar foi:
• Primo, decretada;
• Secundo, mantida;
• Tettio, confirmada por Tribunal Superior.
10. Assinale-se ainda que mesmo a factualidade dada como provada na ação principal não difere da dada como provada no procedimento cautelar, o que é assaz relevante para demonstrar que nunca a Recorrida agiu "sem a prudência normal", pelo que só se poderá concluir pela total legitimidade do comportamento processual da Recorrida.
11. Ao mesmo tempo - e não menos relevante - questiona-se o seguinte: quais foram os factos alegados pelos Autores que poderiam possibilitar, de alguma forma, mesmo que minimamente, o nexo de imputação à Recorrida a título de culpa? Absolutamente nenhum ...
12. Sobre essa temática, adere-se, ln tatum, à argumentação aduzida na douta Sentença, porquanto a verdade é que os Recorrentes, nos artigos 24.° e 25.° limitam-se a tecer comentários opinativos sem qualquer enunciado factual concreto, transcrevendo, de seguida, no artigo 26.°, o que foi alegado pela Recorrida no requerimento inicial do procedimento cautelar em causa. A partir do artigo 27°, os Recorrentes elencarn quais os factos que, alegados no procedimento cautelar, foram julgados não provados e provados nos autos principais, aproveitando os artigos 28. ° a 36.° para trazer novamente aos autos considerações opinativas sobre a sua própria estratégia processual naqueles autos principais, fazendo uma referência ao desfecho da ação.
13. Com efeito, não existe nenhum facto concreto alegado que permita enquadrar o comportamento da aqui Recorrida numa atuação fora das regras da prudência normal.
14. A Petição Inicial carece do núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir, como são, os factos consubstanciadores da ilicitude e da culpa em sede de uma ação de responsabilização do Requerente de Providência Cautelar ao abrigo do artigo 374.° do Código de Processo Civil e - como é óbvio - na total ausência destes factos concretos, a ação só poderia improceder.
15. Acrescente-se ainda que, mesmo que assim não fosse, como flui de jurisprudência assente, "não basta, para a responsabilização do requerente do procedimento, o facto de a providência vir a ser julgada injustificada, sendo ainda necessária aprova da culpa, que caberá ao lesado (artº 48r n° 1 do Código Civil ). ".
16. Deixemos claro, então, que de uma forma ou de outra, a ação teria de soçobrar.
Simplificando,
17. por outras palavras, a tese dos aqui Recorrentes assenta apenas e tão só no seguinte: a Recorrida terá atuado imprudentemente porque os factos que alegou no procedimento cautelar e que fundamentaram o decretamento do arresto foram julgados não provados nos autos principais, o que nem sequer é verdade.
Face ao retro exposto,
18. importa, mesmo assim, desde já desfazer o equívoco em que laboram os Recorrentes: a circunstância de determinados factos merecerem um julgamento em determinado sentido no âmbito do processo principal, quando o foram em outro sentido no procedimento cautelar, não permite, por si só, e na ausência de outra e específica factualidade, concluir por uma atuação fora das regras da prudência. normal.
19. E no caso em apreço, repise-se que nem sequer a matéria de facto dada como provada foi diferente!
20. Feita essa brevíssima recordatória, atente-se nas palavras de Abrantes Geraldes", enunciando que a norma em causa "deve ser interpretada em termos hábeis de modo a restringir os fundamentos da responsabilidade às causas de caducidade da providência imputáveis ao requerente", mais afirmando que "a caducidade da providência por causa da improcedência da acção principal não deve determinar necessariamente a imputação a si dos prejuízos causados pela medida cautelar alcançada e executada."
21. Na mesma linha, Abrantes Geraldes conclui que: "decretada e mantida a orovidéncie cautelar devido ao convencimento do juiz acerca da verificação dos respectivos pressupostos, razoável é concluir. em princípio. pela legitimidade do comportamento processual do interessado. A actividade jurisdicional é porladora de riscos e não deve exigir-se ao interessado que recorre à via cautelar, para defender a sua esfera de interesses, que deva alcançar necessariamente a procedência da acção para se livrar da responsabilidade, sob pena de isto constituir uma grave restrição ao direito de acção consagrado no artigo 2°".
À luz destas considerações,
22. não vislumbramos motivos para nos desviarmos pelo juízo adrede firmado pela doutrina aqui trazida à colação e acolhida Tribunal de primeira instância, pelo que compulsada a Sentença cotejada, concluímos, tout court, pelo acerto da decisão sob Recurso.
De seguida,
DO RECURSO SUBORDINADO
* *
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Ad cautelam,
II - CONCLUSÕES DE RECURSO SUBORDINADO
23. Vem o presente Recurso Subordinado interposto da Sentença proferida na parte em que decide:
"Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 571, n° 2, 576°, 595°, n° 1, alínea b], do Código de Processo Civil, 306°, nº 1, e 498°, nº 1, do Código Civil, julgo improcedente, por não provada, a invocada excepção de prescrição do direito invocado pelos Autores."
24. Ou seja, a Ré não se conforma minimamente com o despacho que julgou improcedente a exceptio de prescrição, pelo que dela vem interpor Recurso.
A - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO SUBORDINADO
25. A ora Recorrente apenas recorre agora subordinadamente - usando da faculdade que lhe concede o artigo 633. o do Código de Processo Civil - porquanto se conformou - por ter vencido - até ser notificada da interposição do Recurso da contraparte, com a decisão ora recorrida, a qual, no cômputo geral, não merece qualquer cesura.
26. Como resulta de sólida jurisprudência "se o tribunal recorrido julgou improcedente a excepção de prescrição do direito dos autores, ao réu que arguiu essa excepção peremptória e que discorda daquela decisão é facultado: (i) ou interpor recurso independente; (ii) ou, interpor recurso subordinado. "13
B - DA MOTIVAÇÃO DO RECURSO SUBORDINADO
No caso subjudice,
27. a Ré invocou a excepção de prescrição do direito que os Autores pretendem fazer valer em juízo - que foi julgada improcedente - aflorando tal matéria nos artigos 1.° a 21°. da Contestação, estribando-se no disposto no artigo 498.° n.º 2 do Código de Processo Civil.
28. Tal como se extrai da matéria invocada pelos Autores, mormente nos artigos 2.° e 7.° da Petição Inicial e da prova documental aí junta maxime Doe. 7 junto com com o referido articulado processual, verifica-se que aqueles, logo a 17 de Abril de 2013 (na Oposição ao Arresto) fizeram expressa referência a alegados prejuízos e danos ("transtornos, vergonha social e elevados prejuízos") causados peja interposição do Procedimento Cautelar aqui mencionado.
29. Almejando uma melhor compreensão, referimo-nos aos artigos 6.0 e seguintes, com especial ênfase o artigo 8.0 do referido articulado em que os Autores, já nessa altura, alvitram que "os incomoda, transtorna e envergonha", sem poder olvidar a alínea b) do Pedido formulado em que peticionam o seguinte: "deve a requerente ser condenada nos prejuízos causados aos Requeridos, a liquidar em execução de sentença ... "
30. A mesma narrativa foi oferecida aquando da apresentação da Contestação na Ação Principal que correu termos sob o n. º 1154/13.1 TBVCT, pelo que para além do momento em que ofereceram a Oposição ao Arresto a 17 de Abril de 2013, também a 07 de Junho de 2013 aquando da contestação da ação principal, os Autores apresentaram a mesma versão, onde inclusivamente deduziram pedido reconvencional nos seguintes termos" deve a Reconvenção ser julgada procedente por provada e a Autora/ Reconvinda ser condenada nos prejuízos causados aos Réus em montante não inferior a 75.000,00 Euros)" tudo conforme Doe. 2 junto com a Contestação apresentada nos presentes autos.
31. Repare-se que esse pedido reconvencional resultava de alegados prejuízos advenientes da apresentação da providência cautelar, prejuízos esses que coincidentemente se reconduzem quase na íntegra aos ora formulados nestes autos e decorridos que estavam quase 8 anos sobre tal pedido.
32. Acontece que, nesses autos principais, a Reconvenção não foi admitida através de douto despacho de 23 de Outubro de 2013, o que não mereceu qualquer Recurso da parte dos aí Réus, tal como resulta da prova documental, precisamente dos Does. 3 e 4 juntos com a Contestação aos presentes autos.
33. Ao mesmo tempo, repare-se que os Autores recorreram da decisão proferida nos autos principais e NUNCA colocaram em crise quer a decisão de facto, quer a decisão proferida pelo mesmo Tribunal relativamente à não admissão do pedido reconvencional por eles apresentado e que, como supra se referiu, se reconduzia quase na íntegra ao peticionado na presente ação no que concerne aos danos não patrimoniais.
34. Por conseguinte, os aí Autores conformaram-se com a decisão proferida, deixando cair por terra a pretensão indemnizatória a título de danos não patrimoniais, apenas recorrendo de outras matérias, pelo que o prazo de prescrição corre a partir DESSE momento em que demonstraram ter conhecimento dos pretensos danos.
35. Destarte, desde pelo menos 2013 - senão antes - estavam os Autores bem cientes e conheciam perfeitamente o eventual direito que lhes competia invocar nesta matéria, sendo que nada fizeram nos anos subsequentes no sentido de "acautelar ou assegurar o ora invocado alegado direito indemniza tório" , não podendo em sede da Petição Inicial dos presentes autos, decorridos que se mostram mais de 8 anos sobre tal conhecimento, tentar ignorar essa factualidade, porquanto o artigo 498.° n.º 1 do Código Civil estatui que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos".
36. Tendo sido ultrapassado o prazo de três anos, ocorreu prescrição, pelo que mal andou o Tribunal a quo, a decidir como decidiu sobre essa matéria.
37. Face ao exposto, o Tribunal de primeira instância violou, entre outros, os artigos 576.° n.º 3 e 579.° do Código de Processo Civil.
38. Nesta conformidade, não deverá manter-se a Sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo no que toca à prescrição invocada.
Termos em que, e nos melhores que V.Eexas. doutamente suprirão, deve i) o recurso ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida, ii) julgar procedente o recurso subordinado interposto,
Como é de inteira e sã Justiça!”.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, consistem em saber:

- Da apelação:

1. Da invocação de factos pela apelante, que preenchem os pressupostos da responsabilidade civil prevista pelo art. 374º do CPC;
Do recurso subordinado:
2. da prescrição.
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III. Fundamentação de facto.

Na decisão sob recurso foram dados como provados os seguintes factos:

“a) No âmbito do procedimento cautelar de arresto que Farmácia ..., Lda. propôs contra D. F. e M. R. e que sob o número 1154/13.1TBVCT-A correu termos no extinto 3º Juízo Cível, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi, ainda sem audiência dos requeridos, proferida decisão que decretou o arresto sobre os bens indicados no requerimento inicial, conforme se retira dos documentos nºs. 1 e 4 juntos aos presentes autos com a petição inicial e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
b) No âmbito do referido procedimento cautelar, e após oposição dos requeridos, foi proferida decisão final, na qual se manteve a decisão inicial que decretou o arresto, nos termos e conforme constam do documento nº 10 junto aos presentes autos com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) Interposto recurso da supra-referida decisão, foi a mesma confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, conforme se retira do documento nº 12 junto aos autos com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) No âmbito da acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, que correu termos sob o nº 1154/13.1TBVCT, na extinta Secção Cível, da Instância Central, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, proposta por Farmácia ..., Lda. contra D. F. e M. R., foi proferida sentença nos termos da qual se decidiu a) condenar os Réus a pagarem à Autora (i) a importância correspondente a 20% do valor do passivo da Farmácia … na data de 31.12.2010, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos juros, à taxa de 4%, vencidos desde a citação até integral pagamento, (ii) a importância correspondente a 80% dos “lucros” de exploração do estabelecimento “Farmácia …” desde 02.01.01 a 31.12.10, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos juros, à taxa de 4%, vencidos desde a citação até integral pagamento e b) absolver os Réus do demais peticionado, mormente do pedido de condenação como litigantes de má fé, nos termos e conforme se retira do documento nº 13 junto aos autos com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
e) Interposto recurso da supra referida decisão, foi a mesma revogada e os Réus absolvidos do pedido, conforme e nos termos que se retiram do documento nº 15 junto aos autos com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
f) Interposto recurso da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, foi esta confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, conforme e nos termos que se retiram do documento nº 17 junto aos autos com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.”.
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Mais se consignou aí não terem resultado por provar factos relevantes para a decisão a proferir.
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IV. Fundamentação de direito.

Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de as apreciar.
O art. 374° n.°1 do CPC, prevê: “Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.”.
Tal norma cria uma fonte de responsabilização do requerente de providência cautelar, por danos que a sua conduta determine na esfera da parte contrária.

Como se escreveu no Ac. do STJ de 26.02.2018, in www.dgsi.pt, e vem sendo entendido de forma generalizada na nossa Jurisprudência, para que ocorra responsabilidade com base neste normativo, torna-se necessário provar os factos geradores da responsabilidade civil:

- Injustificação ou caducidade da providência;
- Imputação ao requerente;
- Actuação do requerente fora das regras de prudência normal;
- Danos determinados pela providência requerida;
- Nexo de causalidade entre a conduta da requerente e tais danos (cf. neste sentido Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil, 1998, vol. III, pág.268).

Por seu turno, prevê o disposto no art. 621º, do C. Civil, que: “Se o arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág 332, entendem que a comprovação da falta de justificação será encontrada, fundamentalmente, através do incidente da oposição (..), ou no recurso ou na acção principal, onde, num contraditório mais alargado, se adquira a convicção de que a medida cautelar se fundou em factos inverídicos ou deturpados ou em meios de prova forjados. Em tais circunstâncias, constatando-se que o requerente agiu de forma dolosa ou imprudente, que sonegou ao tribunal elementos importantes para a formação da convicção, apresentou um quadro factual fora da realidade ou que carreou para o processo meios probatórios forjados, (…), responderá pelos prejuízos causados ao requerido de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil.
Mas não basta o facto objectivo de o arresto vir a ser julgado injustificado ou infundado, é necessária ainda a prova da culpa do arrestante, traduzida em conduta censurável, por falta do cuidado normalmente exigível, o que deve ser apreciado em face das circunstâncias de cada caso concreto e cuja prova cabe ao lesado (art.º 487.º CCiv).
É que, o insucesso de uma providência, além de poder resultar das contingências da prova, não deve afectar o direito de acção e de acesso ao Tribunal dos cidadãos, direitos que podem ter variadas causas, que o insucesso da demanda é insuficiente para explicar.
A “culpa”, associada ao elemento “prudência normal”, da norma do art.º 374.º n.º1 CPC, compreende tanto o dolo como a negligência, devendo esta ser apreciada na acepção da norma do artº 487º nºs 1 e 2 C.Civil, por comparação com a diligência do bom pai de família.
Assim, o art.º 374.º n.º1 do CPC prevê a responsabilidade do requerente da providência, quando comprovada a falta de justificação ou a caducidade por facto imputável ao requerente, desde que tenha atuado sem a prudência devida.
Por outro lado, em tal norma compreendem-se não apenas situações de falta de titularidade do direito invocado pelo requerente da providência, titularidade essa sumariamente apreciada, em termos de probabilidade, verosimilhança ou aparência do direito (o fumus boni juris da doutrina), como também as situações em que, apesar da existência do direito, não existe o justo receio de lesão (cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, pg.264, e M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pgs. 233 e 254).
No caso dos autos, temos que os autores alegaram que a providência caducou (pois que a acção principal foi julgada improcedente); que a ré alegou no procedimento cautelar de arresto factos que fundamentaram o seu decretamento e que foram julgados não provados na acção principal; o que lhes causou danos.
Ora, a circunstância de determinados factos merecerem um julgamento em determinado sentido no âmbito do processo principal, quando o foram em outro sentido no procedimento cautelar, não permite, como se disse já, e por si só, concluir por uma actuação fora das regras da prudência normal.
Com efeito, necessário se torna que na acção principal se adquira a convicção de que a medida cautelar se fundou em factos inverídicos ou deturpados; que se constate que o requerente agiu de forma dolosa ou imprudente, que apresentou um quadro factual fora da realidade.
E para tal não basta a invocação da não prova de factos alegados pela requerente da providência cautelar, na acção principal.
De facto, como se afirma na decisão apelada, a tese dos autores/apelantes assenta no seguinte: a ré actuou imprudentemente porque factos que alegou no procedimento cautelar, e que fundamentaram o decretamento do arresto, foram julgados não provados nos autos principais.
Ora, de tal alegação, não consta qualquer facto concreto de onde resulte qualquer actuação da ré/apelada fora das regras da prudência normal.
Aliás, em momento algum os autores/apelantes alegam sequer se os factos em causa nos levam a uma situação de falta de titularidade do direito invocado pela requerente da providência, ou a uma situação em que, apesar da existência do direito, não existe o justo receio de lesão.
Nesta medida, em face da alegação vertida na petição, não vislumbramos factos que permitam, a serem julgados como provados, imputar à ré/recorrida, um comportamento fora das regras de prudência normal.

Ao instaurar uma acção, o autor tem, de acordo com o disposto no art. 552º, nº 1, al. e) do CPC, o ónus de formular um pedido, requerendo ao tribunal o meio de tutela pretendido para efectivar o direito por si alegado, e tem ainda, nos termos da al. d) do mesmo preceito, o ónus de expor os factos que servem de fundamento à acção, isto é, a indicação dos factos concretos constitutivos do direito que alega, não se podendo limitar “à indicação da relação jurídica abstracta” (cfr. Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, p. 208).
Assim, aquele que dirige uma pretensão ao tribunal terá de expor a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade do direito que pretende ver tutelado - a causa de pedir. Esta consiste, como resulta do art. 581º, nº 4 do CPC, nos factos concretos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor; por outras palavras, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos.
A causa de pedir cumpre uma função individualizadora do pedido e, portanto, do objecto do processo e, por essa via, possibilita a definição do caso julgado e impede uma eventual repetição de causas. Por isso, há-de conter os factos essenciais (cfr. art. 5º, nº 1 do CPC), isto é, os “factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte” (Miguel Teixeira de Sousa, in “Introdução ao Processo Civil”, Lisboa, 1993, p. 24) e que sejam juridicamente relevantes para fundamentar a pretensão do autor.
Tal como o pedido, a causa de pedir, para além de dever ser formulada, deve ser inteligível, sob pena de ineptidão da petição inicial – cfr. art. 186º, nº 2, al. a) do CPC.
Assim, haverá ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, quando ocorre uma omissão do seu núcleo essencial, ou seja, quando não tenham sido indicados os factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo que justificam a concessão do direito em causa.

Acresce que, a idoneidade do objecto da acção implica não só a indicação e inteligibilidade da causa de pedir e do pedido, mas também, a existência de um nexo lógico formal entre ambos os termos da pretensão (cfr. als. b) e c) do nº 2 do art. 186º do CPC).
Como se afirma no Acórdão do TRL de 01.06.2010, relator Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt, não se verifica a necessária e mencionada idoneidade do objecto da acção “quando:
“a)- não seja indicado qualquer efeito-prático jurídico pretendido;
b)- seja indicado um efeito pretendido em termos ininteligíveis ou tão vagos que, mesmo com o recurso aos fundamentos da acção, não permitam formular qualquer juízo de mérito positivo ou negativo;
c)- não sejam alegados os factos estruturantes da causa de pedir;
d)- sejam alegados meros conceitos de direito ou factualidades abstractas que não permitam sequer reconduzir o julgado a uma situação de facto real, em termos de evitar mais tarde a repetição de causas idênticas;
e)- seja alegada uma mole de factos sem qualquer leitura possível, positiva ou negativa, na óptica do pedido (ininteligibilidade de facto), ou que não permitam descortinar um quadro normativo aplicável (ininteligibilidade de direito), nomeadamente quando, tratando-se de causa de pedir complexa, esta se mostre de tal modo truncada que não se divise como dali possa decorrer o efeito pretendido;
f)- ocorra uma relação de exclusão formal recíproca entre a causa de pedir invocada e o pedido, entre duas causas de pedir ou entre vários pedidos cumulados, que se traduza num dizer ou desdizer simultâneos.
Em qualquer das situações enunciadas, o objecto da acção será manifestamente inidóneo para uma apreciação de mérito (…).”.
Verificada qualquer uma das situações enunciadas, o objecto da acção será manifestamente inidóneo para uma apreciação de mérito, implicando a ineptidão da petição inicial, nulidade insuprível de todo o processo, que constitui excepção dilatória que determina a absolvição do réu da instância – cfr. arts. 186º, nºs 1 e 2, 278º, nº 1, al. b), 576º, nº 2 e 577º, al. b), todos do CPC – situação em que não há lugar a convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, como decorre dos arts. 6º, nºs 1 e 2 e 590º, nºs 2, al. b), 3, 4, 5 e 6 do CPC, uma vez que a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial não é suprível.
Seria esta a situação verificada nos autos.
Contudo, a ineptidão da petição inicial não pode ser oficiosamente suscitada e conhecida na fase de recurso
Assim, nada mais resta que não seja confirmar a decisão apelada, julgando improcedente a apelação e tornando-se inútil o conhecimento do recurso subordinado.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos apelantes.
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Guimarães, 13 de Julho de 2022

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Anizabel Sousa Pereira
Jorge dos Santos
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das citações/transcrições efectuadas que o sigam)