Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5584/19.7T8GMR.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PERÍCIA MÉDICA
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
JUROS
ACTUALIZAÇÃO
PROPOSTA NÃO RAZOÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA AUTORA IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DA RÉ PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Na sequência do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9.5.2002, relatado pelo Conselheiro Garcia Marques, “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
2. Tal jurisprudência tem aplicação sempre que os valores fixados na sentença a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais já foram encontrados a partir de um raciocínio que levou em conta as circunstâncias do tempo da prolação da decisão.
3. A existência da referida actualização pode resultar expressa ou tacitamente da decisão, sendo que ocorrerá esta última hipótese quando o montante da indemnização for fixado através de juízos de equidade.
4. Nos termos do art. 38º,1,2 do DL 291/2007 de 21/8, se o Tribunal considerar que a proposta apresentada pela seguradora ao lesado não pode ser havida como razoável, em face da indemnização fixada, sanciona-a com a condenação de pagamento à autora dos juros, calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável. O juízo da razoabilidade ou não da proposta é por definição casuístico, e tem necessariamente de ter presente a comparação entre o valor que a seguradora ofereceu ao lesado e o valor que o Tribunal fixou.
5. Num caso em que a proposta oferecida ao lesado se fica por 1/15 do valor fixado em recurso pela Relação, é forçoso concluir pela irrazoabilidade da proposta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A. C., intentou contra X Seguros, Compania de Seguros Y, S.A. Sucursal em Portugal, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação desta:

a) a pagar à aqui autora uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pela mesma sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a € 69.224,64;
b) a pagar à aqui autora uma indemnização a acrescer à primeira e referida em a) e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:
-decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia e Medicina Dentária e Psiquiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
-decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de realizar tratamento fisiátrico (duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
-decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de ajuda medicamentosa -antidepressivos, anti-inflamatórios, analgésicos e relaxante musculares- para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
-decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de efectuar várias despesas hospitalares, de efectuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efectuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correcção das lesões e sequelas melhor descritas;
-montantes esses, actualmente impossíveis de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros.
c) a pagar à aqui autora:
-pela não apresentação de uma proposta por parte da Ré à Autora no prazo devido: deve ser a Ré condenada no pagamento à Autora dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados à Autora na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2917/2007, ou seja, desde 22/09/2017 (termo do prazo de 15 dias após a data alta clínica atribuída pela própria Ré à Autora e fixada em 07/09/2017), ou contados desde a data da citação da Ré, ou desde a data que vier a ser estabelecida na decisão judicial e até efectivo e integral pagamento, os quais a Autora desde já peticiona da Ré;
-pela apresentação por parte da Ré à Autora de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável: deve ser a Ré condenada no pagamento à Autora dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré à Autora (€2.092.63) e os montantes que vierem a ser fixados na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no artigo 39º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2917/2007, ou seja, desde 22/09/2017 (termo do prazo de 15 dias após a data alta clínica atribuída pela própria Ré à Autora e fixada em 07/09/2017) ou contados desde a data da citação da Ré, ou desde a data que vier a ser estabelecida na decisão judicial e até efectivo e integral pagamento, os quais a Autora desde já peticiona da Ré, ou caso V.Ex.ª assim o não entenda,
-deve ser a Ré condenada no pagamento à Autora dos juros vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efectivo e integral pagamento;

Veio o Centro Distrital de Braga pedir a condenação da ré no pagamento do reembolso da quantia de 305,00 euros, acrescida de juros desde a notificação.

Regular e pessoalmente citada, a Ré apresentou contestação onde aceitou a sua responsabilidade pela eclosão do acidente, mas impugnou os danos alegados por exagerados, pugnando para que a acção seja decidida em conformidade com a prova produzida.

Foi proferido despacho saneador onde se afirmaram os pressupostos da instância e se elaboraram os Temas da Prova.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal e gravação dos respectivos depoimentos.

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia global de 38.657,56 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no art. 559º/1 CC, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais contra ele peticionado, designadamente quanto ao pedido cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação.
2. Sancionou a Ré pela apresentação à autora de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável, no pagamento à autora dos juros em dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pelo Ré e os montantes que vieram a ser fixados na presente decisão.
3. Condenou a Ré a proceder ao pagamento ao Instituto da Segurança Social, do valor pago à autora no período da Incapacidade Temporária para o trabalho entre 17 de Novembro de 2016 e 23 de Dezembro de 2016, através da concessão provisória de subsídio de doença, no valor de € 305,00, acrescida de juros desde a citação.

Inconformados com esta decisão, quer autora quer ré dela interpuseram recurso, que foram recebidos como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

A autora termina o seu requerimento de interposição de recurso com as seguintes conclusões:

1) A Autora não concorda que os juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido (€2.092,63) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos à Autora na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, sejam devidos apenas desde a data da prolação da sentença e até integral pagamento.
2) A Ré comunicou à Autora lesada a assunção da responsabilidade em 26/12/2016.
3) A autora recebeu alta clínica dos serviços clínicos na Ré em 07/09/2017.
4) A Ré só em 21/11/2018 apresentou à Autora/lesada uma proposta de indemnização final no valor de 2.092,63 Euros.
5) O pedido de indemnização veio a ser realizado pela autora em 16/11/2018.
6) Os juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido (€ 2.092,63) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos à Autora na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, são devidos pela Ré à Autora desde 22/09/2017,
7) Prazo esse que constitui o términus do prazo de 15 dias contados após a data da alta clínica atribuída à Autora pelos serviços clínicos da Ré em 07/09/2017,
8) Conforme preceituado no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007,
9) Subsidiariamente, os juros de mora calculados ao dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido (€ 2.092,63) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos à Autora na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, são devidos pela Ré à Autora desde 21/11/2018;
10) Prazo esse que constitui a data em que a Ré apresentou à Autora/lesada uma proposta de indemnização final no valor de 2.092,63 Euros.
11) Conforme preceituado nos artigos 38º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007.
12) Subsidiariamente, os juros de mora calculados ao dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido (€ 2.092,63) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos à Autora na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, são devidos pela Ré à Autora desde 30/12/2018,
13) Prazo esse que constitui o términus do prazo de 45 dias a contar da data da formulação e recepção do pedido de indemnização formulado pela Autora à Ré em 16/11/2018,
14) Conforme preceituado nos artigos 37º, nº 1 alínea c) e 39º, nº 22, do Decreto-Lei n.º 291/2007.
15) Subsidiariamente e para a hipótese de V. Exas entenderem que os juros de mora calculados ao dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido (€ 2.092,63) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos à Autora na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, não são devidos desde 22/09/2017, nem desde 21/11/2018, nem desde 30/12/2018,
16) Os juros de mora calculados ao dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido de € 2.092,63 Euros) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos à Autora na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, são devidos pela Ré à Autora desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento da quantia globalmente fixada.
17) Nos termos da Jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do S.TJ. nº 4/2002, de 9/5/2002 (in DR, I-A de 27/6/2002), sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do artº 566º nº 2 do Código Civil, vence juros de mora por efeito do disposto nos artºs. 805º nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº1 do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
18) Deste Acórdão uniformizador resulta, tendo em conta o seu conteúdo e o das alegações de recurso sobre as quais se pronunciou, a ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso causador do dano, sob a invocação do artº 566º nº 2 do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efectiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano.
19) A prolação da decisão actualizadora tem que ter alguma expressão nesse sentido, designadamente a referência à utilização no cálculo do critério chamado da diferença na esfera jurídico-patrimonial constante no artº 566º nº 2 do Código Civil e à consideração, no cômputo da indemnização ou da compensação, da desvalorização do valor da moeda.
20) Da interpretação da douta sentença recorrida não resultam sinais de a mesma ter optado pela actualização do montante indemnizatório fixado a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais.
21) Apreciando a douta sentença recorrida da primeira instância, a mesma não procedeu à actualização do montante indemnizatório fixado a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, motivo pelo qual deveria condenar a Ré no pagamento de juros de mora calculados ao dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido de € 2.092,63 e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos à Autora na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, desde a citação da Ré, louvando-se no nº 3 do artigo 805º do Código Civil.
22) Da leitura da decisão de 1ª instância, verifica-se que a mesma relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais, teve em conta a referência temporal à data da sentença, sem qualquer actualização.
23) O Autor formulou um pedido de condenação no pagamento de juros desde a data da citação do Réu, não tendo peticionado a sua actualização com base na taxa de inflação, pelo que se entende que renunciou à actualização monetária.
24) A Douta Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais: artigos 36º, 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, artigos 37.º, n.º 1 alínea c) e 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007 e artigo 805º nº 3 do Código Civil.

A termina o seu requerimento de interposição de recurso com as seguintes conclusões:

1- A Recorrente não se conforma com a condenação a que foi sujeita a título de danos patrimoniais pois entende que existe matéria dada como provada na Sentença proferida que não encontra respaldo na prova produzida e que houve uma incorrecta aplicação do Direito.
2- A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto ao seguinte facto 58 dado como provado na sentença: “58. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Cabeleireira” auferia uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 623,94 (Seiscentos e Vinte e Três Euros e Noventa e Quatro Cêntimos) discriminado da seguinte forma: €530,00 x 14 meses/ano a titulo de vencimento base; €93,94 x 11 meses/ano a titulo de subsidio alimentação”.
3- Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 260º do Código do Trabalho, por remissão para a alínea a) do seu nº 1, não é de considerar como retribuição o subsídio de refeição, a menos que, na parte que exceda o seu montante normal tenha sido previsto no contrato de trabalho ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
4- A Autora auferia a título de subsídio de alimentação a quantia mensal de € 93,94, que equivale a um valor diário de € 4,27, que corresponde ao valor limite de isenção de retenção de IRS e de contribuição para a Segurança Social do subsídio de alimentação para o ano de 2016.
5- Pelo que ter-se-á de concluir que o montante recebido pela Autora a título de subsídio de alimentação corresponde ao montante normal, logo não faz parte da retribuição auferida.
6- Assim, o salário diário da Autora, à data do acidente, era de € 20,33 [€ 530,00 x 14 meses por ano / 365 dias] em vez de € 23,16 como, por manifesto lapso ou evidente equívoco, a sentença recorrida fixou.
7- Deste modo, a Recorrente entende que deve ser alterada a resposta dada ao ponto supra-referido, nos seguintes termos: “58. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Cabeleireira” auferia uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 530,00 (quinhentos e trinta euros) nos seguintes termos: € 530,00 x 14 meses/ano a titulo de vencimento base”.
8- Pelos 188 dias de Incapacidade Temporária Absoluta, a Autora terá deixado de auferir € 3.822,04.
9- Nesse sentido, a Autora terá a receber, a título de perdas salariais, a quantia de € 205,52 (duzentos e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) em vez dos € 737,56 como, por lapso ou equívoco, foi fixado na sentença recorrida.
10- A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto aos factos 54 e 55 dados como provados na sentença: “54. Consta da declaração emitida pelo Dr. J. M., que a Autora, na sequência do acidente de viação de que foi vítima, passou a evidenciar os seguintes problemas dentários: fractura da cúspide disto-palatina no dente 16 provocando lacerações na língua; linhas de fissura nos dentes 11, 21 e 22 associado a episódios de sensibilidade e escurecimento dentário do dente 21; espessamento do ligamento periodontal e dor à mastigação no dente 36; trauma na articulação temporo mandibular provocando estalidos, dores musculares, pressão auricular e stress dentário nocturno; 55. Para resolver estes problemas será necessário: realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros; confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros; uso de aparelho fixo na mandibula e maxila; desvitalização de dente de 1 canal (dente 21), no valor de 90,00 euros; desvitalização de dente de 3 canais ou mais canais (dente 36), no valor de 150,00 euros; colocação de facetas em cerâmica (dentes 21, 22, 11 e 12), no valor de 2.000,00 euros”.
11- O Tribunal a quo louvou-se no teor da declaração médica emitida pelo Dr. J. M. de fls. 408, bem como no teor do relatório do IML – exame clínico no âmbito de outras especialidades (medicina dentária).
12- A perícia de Medicina Dentária teve como objectivo responder aos seguintes quesitos: 1) Apreciação do nexo de causalidade entre o acidente sofrido e as lesões descritas e constantes no relatório do Dr. J. M.; 2) Caracterização de eventuais sequelas e seu respeito e enquadramento na Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec-Lei 352/07, de 23/10); 3) Aferir necessidades de tratamento da examinanda, caso existam.
13- Para a quantificação do dano patrimonial a título de tratamento dentário, o Tribunal a quo apenas teve em consideração os tratamentos e o “orçamento” apresentado na declaração emitida pelo Dr. J. M..
14- Não pondo em causa o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no n.º 5 do art.º 607º do C.P.C., a Recorrente entende que não pode ser subestimado um meio de prova que ambas as partes requereram e aceitaram (perícia médico-legal) face a um meio de prova exclusivamente introduzido nos autos pela Autora e que foi expressamente impugnado pela recorrente (declaração do Dr. J. M., médico dentista da Autora).
15- A perícia médico-legal é um meio de prova mais seguro e isento do que um relatório médico que foi junto aos autos pela Autora, que não foi sujeito ao contraditório, que foi impugnado pela Recorrente e que não foi, sequer, “defendido” em audiência de julgamento por qualquer testemunha.
16- No relatório da especialidade de Medicina Dentária, em nenhum momento é referido a necessidade de uso de aparelho fixo, em nenhum momento é referido a necessidade de desvitalizar qualquer dente e em nenhum momento é referido a necessidade de colocação de facetas em cerâmica nos dentes 22 e 12.
17- O Tribunal a quo não podia ter dado como provado que, para resolver os problemas dentários decorrentes do sinistro dos presentes autos, é necessário: i) uso de aparelho fixo na mandibula e maxila; ii) desvitalização de dente de 1 canal (dente 21); iii) desvitalização de dente de 3 canais (dente 36); iv) colocação de facetas em cerâmica (dentes 22 e 12).
18- Deste modo, a Recorrente entende que devem ser alteradas as respostas dadas aos factos 54 e 55, nos seguintes termos: “54. A Autora foi observada e submetida a uma Perícia de Avaliação do Dano na especialidade de Medicina Dentária, realizada pela Dra. I. P., da qual constam as seguintes conclusões: Admite-se o nexo de causalidade entre o evento e as lesões e sequelas em apreço; As lesões sofridas ainda não atingiram a consolidação médico-legal; Do evento terá resultado fractura e luxação dos dentes 11 e 21, e fractura de 16, bem como desordem temporo-mandibular (DTM), nesta altura manifestada com fenómenos de mioespasmo; A DTM terá que ser tratada mediante a colocação de uma goteira de oclusão em relação cêntrica, de uso nocturno, sendo necessário o seu acerto ajuste periódico; O escurecimento, as linhas de fractura e a alteração da posição dos dentes 11 e 21 apenas poderão ser corrigidas mediante a colocação de coroas/facetas; A fractura do dente 16 parece ter sido resolvido mediante desgaste, sugerindo, por isso, tratar-se de uma fractura muito reduzida, sem impacto funcional ou estético; Com a implementação do tratamento é de prever que não haja lugar à atribuição de qualquer coeficiente de desvalorização”. “55. Para resolver estes problemas será necessário: realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros; confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros; colocação de facetas em cerâmica (dentes 21 e 11), no valor de 1000,00 euros”.
19- Nesse sentido, a Autora terá a receber, a título de tratamentos dentários, a quantia de € 1.180,00 (mil cento e oitenta euros) em vez dos € 5.420,00, como por lapso ou equívoco foi fixado na sentença recorrida, sem necessidade de recorrer ao incidente de liquidação.
20- Assim, a título de danos patrimoniais, a Autora terá direito a receber a quantia de € 1.385,52 (mil trezentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).
21- A Recorrente não se conforma com a condenação a que foi sujeita a título de danos não patrimoniais pois considera que foi dada como provada matéria que não poderia ter sido incluída nos factos provados e que o valor da condenação, neste segmento, é manifestamente exagerado e desadequado face aos valores que são normalmente atribuídos pela nossa Douta Jurisprudência.
22- A Recorrente considera que o valor fixado pelo Tribunal a quo, a título de dano biológico na vertente de dano não patrimonial [€ 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros)], é excessivo.
23- Embora seja comumente aceite que os valores indicados na Portaria nº 377/08, de 26 de Maio não são vinculativos para os tribunais, a jurisprudência tem vindo a utilizar as tabelas financeiras e as fórmulas matemáticas, como base de cálculo.
24- Os critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são um instrumento ao serviço do juízo de equidade, devendo os resultados alcançados funcionar como valores de referência.
25- No cálculo da indemnização deverá ser tido em consideração um rendimento mensal de € 727,45 [que corresponde ao valor médio calculado entre a Remuneração Mínimo Mensal Geral (RMMG) à data do sinistro (€ 530,00) e a Remuneração Base Média (RBM) à data do sinistro (€ 924,90)].
26- Deverá ser utilizado o método de cálculo do dano patrimonial futuro, previsto na Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio.
27- A indemnização deverá corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo da vida profissional activa (70 anos) da Autora.
28- Em razão da disponibilização antecipada da indemnização, que abrange várias dezenas de anos, deverá ser aplicada uma dedução de 1/3 ao montante apurado.
29- O cálculo matemático a realizar consistirá na seguinte operação: € 727,45 x 14 x 23,699645 (factor correspondente na tabela aos 39 anos) x 2%.
30- Operando a redução de 1/3, obtemos a quantia de € 3.234,27, que corresponderá ao montante devido à Autora a título de dano biológico.
31- Assim, a título de dano biológico, a Autora terá a receber a quantia de € 3.234,27 (três mil duzentos e trinta e quatro euros e vinte e sete cêntimos) em vez dos € 7.500,00, como por lapso ou equívoco foi fixado na sentença recorrida.
32- A Recorrente considera que o valor fixado pelo Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais subjectivos [€ 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros)], é excessivo.
33- A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto ao seguinte facto 56 dado como provado na sentença: “56. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (DFPIFP) e a Incapacidade Permanente Parcial (IPP) supra referidos, têm repercussão permanente na Actividade Profissional da Autora, na medida em que as sequelas supra descritas são compatíveis com o exercício da habitual actividade profissional da Autora de “Cabeleireira”, mas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral para o exercício dessa mesma actividade profissional e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente e que até à data do acidente dos presentes autos não sentia”.
34- Para dar como provado este facto, a sentença recorrida baseou-se no Relatório de Perícia de Avaliação do dano corporal de fls. 414 verso e ss, bem como nos esclarecimentos prestados pela Exma. perita A. M..
35- No Relatório de Perícia de Avaliação do dano corporal não é mencionado que as sequelas descritas implicam esforços acrescidos e suplementares para o exercício de ”outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente e que até à data do acidente dos presentes autos não sentia”.
36- A Autora não formulou qualquer reclamação sobre o relatório pericial, nem requereu a realização de nova perícia médica, pelo que conformou-se com as conclusões apresentadas no relatório médico-legal que está junto aos autos.
37- A Exma. perita A. M., nos esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento, não referiu que as sequelas implicam esforços acrescidos e suplementares para o exercício de categorias profissionais que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço, velocidade dos membros superiores e inferiores, que sejam efectuadas de pé e manualmente.
38- A única prova pericial verdadeira, em sentido próprio, que está nos autos é a que está corporizada no relatório pericial do INML.
39- Deste modo, a Recorrente entende que deve ser alterada a resposta dada ao ponto 56., nos seguintes termos: “56. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (DFPIFP) e a Incapacidade Permanente Parcial (IPP) supra referidos, têm repercussão permanente na Actividade Profissional da Autora, na medida em que as sequelas supra descritas são compatíveis com o exercício da habitual actividade profissional da Autora de “Cabeleireira”, mas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral para o exercício dessa mesma actividade profissional”.
40- A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto ao seguinte facto 64 dado como provado na sentença: “64. A Autora na altura do acidente sofreu angústia de poder a vir a falecer”.
41- Conforme consta no Relatório de Perícia Médico-Legal, a informação sobre o evento foi prestada directamente pela Autora, tendo esta afirmado que não se recorda do evento, ia a conduzir, outro carro embateu-lhe de lado.
42- Pelo que o facto constante no ponto 64 deve ser dado como não provado.
43- A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto aos factos 65, 67 e 68 dados como provados na sentença: “65. A Autora em consequência das lesões e sequelas supra-referidas, padece actualmente de alterações de humor, do sono e alterações afectivas; 67. A Autora actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, devido às lesões traumáticas sofridas e às sequelas actuais e permanentes de que o mesmo padece - e continuará a padecer no futuro - tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, triste, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida; e 68. A Autora sente-se actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, afectada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente, designadamente em consequência das alterações estéticas a nível dentário, de caracter ligeiro, as quais lhe conferem dano estético permanente fixável no grau 1/7”.
44- Para dar como provados estes factos, a sentença recorrida teve em consideração as declarações da Autora e o depoimento do seu marido V. M..
45- O IML não atribuiu à Autora qualquer pontuação por prejuízo de afirmação pessoal.
46- A Autora, quando foi avaliada pelo INML, não se “queixou” de qualquer depressão, de qualquer abalo psicológico, de qualquer alteração de humor e/ou do sono.
47- No relatório do INML, relativamente às queixas apresentadas pela Autora quanto à vida afectiva, social e familiar, consta sem alterações.
48- Não existem elementos médicos ou clínicos que permitam atestar a existência de uma depressão, de um abalo psicológico, de alterações de humor, do sono e alterações afectivas na pessoa da Autora.
49- Quanto às ajudas medicamentosas, nada é referido no Relatório, nem foi mencionado pela Perita nos esclarecimentos que prestou, para o tratamento de depressão, de abalos psicológicos, de perturbações de humor ou sono.
50- Face ao Relatório Pericial que se encontra junto aos autos, a Recorrente entende que não podia ser dado como provado que a Autora, devido às lesões traumáticas sofridas e às sequelas actuais e permanentes, tornou-se uma pessoa deprimida, abalada psiquicamente e padece actualmente de alterações de humor, do sono e alterações afectivas.
51- Deste modo, a Recorrente entende que deve ser alterada a resposta dada aos pontos 65, 67 e 68, nos seguintes termos: “65. Não Provado; 67. A Autora actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, devido às lesões traumáticas sofridas e às sequelas actuais e permanentes de que o mesmo padece - e continuará a padecer no futuro - tornou-se uma pessoa triste, introvertida, angustiada, sofredora, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida; e 68. A Autora sente-se actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente, designadamente em consequência das alterações estéticas a nível dentário, de caracter ligeiro, as quais lhe conferem dano estético permanente fixável no grau 1/7”.
52- A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto ao seguinte facto 69 dado como provado na sentença: “69. As lesões e sequelas, de que a autora passou a padecer prejudicam e interferem com a mobilidade no acto sexual em certas posições e, em consequência das queixas, lesões e sequelas supra descritas, a Autora não pode actualmente -e não poderá no futuro- nos seus tempos livres e de lazer, praticar dança e natação, actividades essas que praticava regularmente antes do acidente em discussão nos presentes autos, designadamente de nadar actividade essa que fazia com regularidade não apurada”.
53- Para dar como provado este facto, o Tribunal a quo teve em consideração as declarações da Autora, bem como o depoimento do seu marido.
54- No relatório do INML, relativamente às queixas apresentadas pela Autora quanto à Sexualidade e procriação, consta sem alterações.
55- No relatório do INML, que não foi alvo de reclamação por parte da Autora, não foi identificado qualquer prejuízo sexual.
56- A Exma. perita Dra. A. M. afirmou que a Autora, no seguimento do acidente, não ficou com uma diminuição da líbido.
57- Deste modo, a Recorrente entende que o facto constante no ponto 69 deverá ser dado como “não provado”.
58- Atento o princípio da igualdade, importa atentar nos valores apurados na jurisprudência em casos com algumas similitudes com os presentes.
59- Na sentença recorrida, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo citou Acórdãos com poucas semelhanças com o caso dos presentes autos.
60- Por outro lado, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Relatora: Sandra Melo) no processo 249/14.9TBMNC.G2, em 19/06/2019 apresenta muitas similitudes com o caso dos presentes autos.
61- Neste processo 249/14.9TBMNC.G2, em que o Autor contava 30 anos de idade à data do acidente, auferia a quantia mensal de € 661,90, o Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total foi fixado em 121 dias, o Quantum Doloris fixado num grau 4, o DFPIFP fixado em 2 pontos, em que o Autor teve de ser sujeito a sessões de fisioterapia e em que resultaram, entre outras, como consequência directa do acidente, as lesões cervicalgia e perda do dente nº 27, foi considerada adequada a compensação de € 3.000,00 (três mil euros) a título de danos não patrimoniais subjectivos.
62- Assim, tendo em consideração o princípio da igualdade, a idade da Autora, o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, o período de recuperação, o quantum doloris e o dano estético, a Recorrente entende que a Autora terá a receber, a título de danos não patrimoniais subjectivos, a quantia máxima de € 6.000,00 (seis mil euros) em vez dos € 22.500,00, como por lapso ou equívoco foi fixado na sentença recorrida.
63- A título de danos não patrimoniais, a Autora terá direito a receber a quantia de € 9.234,27 (nove mil duzentos e trinta e quatro euros e vinte e sete cêntimos).
64- A Recorrente não se conforma com a conclusão do Tribunal a quo que a proposta de indemnização apresentada em 21.11.2018 é insuficiente e irrazoável.
65- E muito menos se conforma com a sanção do pagamento dos juros em dobro, sobre a diferença entre o montante oferecido e os montantes fixados na sentença da qual ora se recorre.
66- No entendimento do Tribunal a quo, que não se sufraga, a Recorrente apresentou à Autora uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável.
67- A Autora recebeu alta clínica em 07/09/2017, tendo os Serviços Clínicos da Ré, ora recorrente, considerado que a mesma se encontrava Curada Sem Desvalorização.
68- Em 16/11/2018 a Recorrente recepcionou por mail com MDDE, com cópia do documento junto com a P.I. sob o doc. n.º 28 [Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, assinada pelo Dr. V. A.], um pedido de indemnização.
69- Após encaminhar aos serviços clínicos a documentação recebida e depois de aqueles reconsiderarem a sua posição, a Recorrente, com recurso aos critérios orientadores das tabelas constantes na Portaria 377/2008, de 20 de Maio, apresentou uma proposta de € 900,00 pelo DFPIFP de 1 ponto.
70- Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 39º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, “Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos”.
71- Considerando que os danos não patrimoniais e patrimoniais futuros não estavam totalmente quantificados, apenas poderia ocorrer incumprimento da Recorrente se tivesse apresentado uma proposta irrazoável relativamente às perdas de rendimentos laborais, o que não foi o caso.
72- Pelo que, salvo melhor opinião, não pode a Recorrente ser sancionada pelo pagamento dos juros em dobro como por lapso ou equívoco foi fixado pelo Tribunal a quo.

A respondeu ao recurso interposto pela autora, pugnando pela sua improcedência.

A autora, por sua vez, contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pela ré.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto;
b) os valores fixados a título de indemnização são justos

III
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. No passado dia - de Novembro de 2016, cerca das 08 horas e 30 minutos, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Braga, ocorreu um embate;
2. No qual intervieram os seguintes veículos automóveis:
-um veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, com o número de matrícula IJ, de propriedade e conduzido por M. J., e
-um veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, com o número de matrícula OS, de propriedade de C. P. e conduzido pela aqui Autora.
3. Entre aquela M. J., nas qualidades de proprietária e/ou condutora habitual do veículo de matrícula IJ e a seguradora “X Seguros S.A” existia à data e aquando da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, titulado pela apólice nº ...........72,
4. Mediante o qual, havia transferido para aquela seguradora “X Seguros S.A.”, a respectiva responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do mesmo veículo matrícula IJ à data da ocorrência do acidente de viação, pelos danos causados a terceiros, bem como a pessoas transportadas (onerosa ou gratuitamente), pela sua carga e emergentes da circulação rodoviária do mesmo veículo matrícula IJ.
5. Sucede que, em 30/12/2018, a “X Seguros S.A.” foi incorporada, por fusão, na “X Seguros Compañia De Seguros Y Sociedad Anonima”, fusão essa que implicou a alteração da Identificação Social da Sucursal X Seguros em Portugal para “X Seguros, Compañia De Seguros Y, S.A. – Sucursal Em Portugal”, ora Ré, representante permanente da “X Seguros, Compañia De Seguros Y, S.A.” adquirindo a “X Seguros, Compañia De Seguros Y, S.A. – Sucursal Em Portugal”, todos os direitos e obrigações da extinta “X Seguros S.A.”
6. A Autora nasceu em ..-05-1985.
7. No dia, hora e local acima melhor mencionados, a Autora conduzia o “OS”, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Braga, no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ..., isto atento o seu sentido de marcha.
8. O “OS”, circulava numa via (Rua ...) que lhe conferia prioridade nos cruzamentos e entroncamentos, conforme sinal vertical B9a, existente na berma direita da via por onde seguia e a cerca de 50/100 (cinquenta/cem) metros de distância antes do local onde ocorreu o embate melhor descrito nos presentes autos,
9. O “OS”, circulava a uma velocidade entre os 30/40 Km/horários,
10. Circulava com as luzes de cruzamento (médios) e de nevoeiro da frente e traseira do seu veículo ligadas.
11. Circulava totalmente dentro da sua metade direita da faixa de rodagem (hemi-faixa), bem junto à berma direita, e
12. A Autora conduzia o “OS”, perfeitamente atenta às condições da via e demais trânsito, com o cuidado, atenção, prudência.
13. A Rua ..., à data e no local onde ocorreu o acidente de viação, atento o sentido de marcha do “OS”, entroncava pela sua direita com a Rua ....
14. Por outro lado, também no mesmo dia, mesma hora e no mesmo local acima melhor mencionados, o veículo “IJ”, circulava na Rua ..., no sentido de marcha Rua .../Centro da freguesia de ...,
15. O “IJ”, circulava a uma velocidade superior a 50/60 Km/horários;
16. O “IJ”, circulava com as luzes de cruzamento (médios) e de nevoeiro da frente do seu veículo desligadas e sem assinalar atempadamente a sua presença,
17. O “IJ”, aproximava-se de um sinal vertical de paragem obrigatória B2 de STOP existente na berma direita da Rua ... (sensivelmente a cerca de 1/2 metros de distância antes da intercepção com a Rua ...) por onde circulava e atento o seu sentido de marcha (Rua .../Centro da freguesia de ...) sinal esse que lhe era então perfeitamente visível e cuja existência era do seu conhecimento pessoal.
18. O referido sinal vertical de paragem obrigatória (B2 - S.T.O.P.) existente na berma direita da Rua ... e atento o sentido de marcha do “IJ”, era à altura do embate dos presentes autos, perfeitamente visível, avistável e do conhecimento pessoal da condutora do “IJ”, na medida em que a mesma circulava frequentemente no mesmo local.
19. Sucedeu porém que, no supra referido entroncamento, quando o “OS” se aproximava sensivelmente a cerca de 2/3 (dois/três) metros de distância do supra referido entroncamento existente à sua direita e proveniente da Rua ..., surge o “IJ” conduzido de uma forma completamente distraída, proveniente da referida Rua ... e com o intuito de seguir sempre em frente e entrar na referida Rua ... e dessa forma proceder logo de seguida e em acto continuo à manobra de mudança direcção à sua esquerda para dessa forma passar a circular dentro da Rua ... no sentido de marcha contrário ao do “OS”, ou seja, no sentido de marcha Estação CP .../Centro da freguesia de ...,
20. Sem que a condutora do “IJ”, prestasse atenção à sua condução e ao trânsito previamente existente na Rua ..., designadamente do seu lado esquerdo no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ... e por onde já circulava previamente “OS”.
21. O “IJ”, não diminuiu a velocidade que lhe era então imprimida pela sua condutora, não parou e nem deteve a sua marcha, dessa forma desrespeitando o sinal vertical de paragem obrigatória (B2- S.T.O.P.) existente no lado direito/berma direita da referida Rua ... por onde circulava no sentido Rua ... /Centro da freguesia de ...,
22. O “IJ”, em acto contínuo, seguiu sempre em frente e dessa forma invadiu súbita, repentina e inesperadamente toda a hemi-faixa de rodagem direita da referida Rua ... na transversal/perpendicular em relação ao sentido de marcha do “OS”.
23. O “IJ”, passou assim, acto continuo, a circular totalmente dentro de toda a hemi-faixa de rodagem direita da referida Rua ..., atravessadamente e na perpendicular em relação ao sentido de marcha do veículo matrícula OS.
24. Dessa forma, o “IJ”, atravessadamente e na perpendicular, invadiu e passou a circular totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ..., por onde já circulava previamente o “OS”, cortando e obstruindo também por completo toda a passagem e todo o sentido de marcha (linha de trânsito) ao “OS”, impedindo-o de a continuar,
25. Acabando o “IJ”, por embater violentamente com toda a sua parte frontal na parte frontal direita e parte lateral direita da frente do veículo matrícula “OS”.
26. A Autora ao avistar o “IJ”, nem sequer teve tempo ou espaço de evitar a colisão e embate entre toda a parte frontal do “IJ” na parte frontal direita e parte lateral direita da frente do “OS” por si conduzido, designadamente não teve tempo nem espaço sequer para atempadamente diminuir a sua velocidade, de travar atempadamente ou de se desviar atempadamente o mais possível para a sua esquerda atento o seu sentido de marcha.
27. Só por desatenção, é que a condutora do “IJ” em acto contínuo, não diminuiu a velocidade que vinha imprimindo ao mesmo, nem deteve a sua marcha, dessa forma desrespeitando o supra referido vertical de paragem obrigatória (B2 - S.T.O.P.) existente na berma direita da referida Rua ... por onde circulava, invadindo e passando a circular totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ... por onde já circulava previamente o “OS” e nem se apercebeu que na referida Rua ... já circulava previamente do seu lado esquerdo e no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ... o veículo matrícula OS.
28. O embate fronto/lateral entre ambos os veículos (IJ e OS), ocorreu totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ... e junto à berma direita por onde já circulava previamente o “OS”, ficando nessa mesma metade direita da faixa de rodagem peças, plásticos, vidros partidos de ambos os veículos intervenientes.
29. O “OS” mercê da violência de tal embate fronto/lateral, foi projectado para o seu lado esquerdo acabando por imobilizar a sua marcha dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua ... atento o seu sentido de marcha da Autora, mais concretamente a cerca de 6,10 metros de distância da sua roda traseira esquerda em relação a um poste de iluminação existente na berma esquerda da referida Rua ... (por referência aos pontos B) e F) mencionados na participação policial do acidente).
30. O “IJ, após o embate, imobilizou a sua marcha dentro e a meio da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ... atento o seu sentido de marcha da Autora (Centro da freguesia de .../Estação CP ...), mais concretamente a cerca de 19,00 metros de distância da sua roda frontal direita em relação a um poste de iluminação existente na berma direita da referida Rua ... (por referência aos pontos A) e E) mencionados na participação policial do acidente).
31. A condutora do “IJ”, à data e no local onde ocorreu o embate disponha de muito boa visibilidade da Rua ... de onde saía relativamente à Rua ... em relação ao sentido de marcha do veículo matrícula OS e por onde o mesmo já circulava previamente (do seu lado esquerdo) no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ....
32. O “OS”, era assim, perfeitamente visível e avistável no campo visual da condutora do “IJ”, numa distância nunca inferior a 50/100 (cinquenta/cem) metros.
33. A Rua ... atento o sentido de marcha do “IJ” e de onde o mesmo saía relativamente à Rua ... por onde o “OS” conduzido pela Autora já circulava previamente, à data e no local onde ocorreu o acidente de viação dos presentes autos, constituía uma localidade densamente povoada, com grande trafego de veículos automóveis, ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas directas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se trata de uma localidade.
34. A Rua ..., à data e no local onde ocorreu o acidente de viação dos presentes autos, disponha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito, com marcação de vias e com bastante iluminação pública de carácter permanente.
35. Tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 7,00 metros, dispondo assim cada hemi-faixa de rodagem de uma largura de 3,50 metros.
36. Apresentava uma configuração em forma de curva, em patamar, com boa visibilidade e com a via devidamente sinalizada e perfeitamente nivelada.
37. À hora e no local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos presentes autos, o piso betuminoso da Rua ... encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco em face das boas condições climatéricas que se faziam sentir na altura (tempo limpo, seco e com sol), proporcionando-se perfeitas condições de visibilidade.
38. A Autora como consequência directa e necessária do supra descrito acidente de viação (embate fronto/lateral), sofreu vários ferimentos e várias lesões traumáticas, tendo sido assistida no local pelo INEM e posteriormente transportada do local do acidente para o SERVIÇO DE URGÊNCIAS DO CENTRO HOSPITALAR DO ..., E.P.E, no próprio dia 16-11-2016, pelas 09 Horas e 27minutos, onde foi internada e examinada, apresentando o seguinte diagnóstico:
-Traumatismo e dores a nível torácico;
-Traumatismo e dores a nível cervical;
-Traumatismo e dores a nível dorsal;
-Traumatismo e dores a nível lombar;
-Traumatismo e dores intensas a nível do ombro esquerdo;
-Traumatismo e dores intensas a nível do joelho esquerdo;
-Traumatismo e dores a nível da região mandibular esquerda (face),
-Traumatismo craniofacial por abertura do airbag que lhe desencadeou problemas dentários com fractura e luxação dos dentes 11 e 21 e fractura 16.
39. A Autora no Centro Hospitalar do ..., E.P.E. foi observada e radiografada.
40. A Autora teve alta hospitalar no próprio dia 16/11/2016, tendo sido medicada para as dores, com indicação para usar colar cervical durante 5 (cinco) dias e foi orientada para o centro de saúde da sua área de residência.
41. A Autora após a alta hospitalar esteve um mês acamada em casa e só se levantava para ir à casa de banho com ajuda de terceira pessoa.
42. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, em 28/11/2016 foi examinada pela sua médica de família Dra. O. C., com domicílio profissional no Centro de Saúde ..., a qual lhe diagnosticou a necessidade de fisioterapia.
43. A Autora, devido à sintomatologia aguda a nível cervical, lombar e no membro superior esquerdo, nos meses de Novembro e Dezembro de 2016 efectuou tratamento fisiátrico na “Espaço Terapêutico ...”.
44. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, em 05/01/2017 e 28/0/2018 foi examinada pelo seu Médico Dentista Dr. J. M., o qual lhe diagnosticou o seguinte:
-sintomatologia e patologia dentária que não apresentava antes do acidente (só teria uma cárie no dente 38).
-em 05-01-2017 apresentaria fractura cúspide disto-palatina no dente 16; linhas de fissura dos dentes 11, 21 e 22 com escurecimento dentário no dente 21; espessamento do ligamento periodontal e dor à mastigação no dente 36; trauma da articulação temporo-mandibular com estalidos, dores musculares, pressão auricular e stress dentário nocturno; inclinação posterior dos dentes 2º e 5º. Propõe tratamentos correctivos.
45. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, de 26/01/2017 a 11/09/2017, devido à sintomatologia aguda a nível cervical, lombar, no membro superior esquerdo e a nível dentário, por conta e a expensas da Ré, foi acompanhada e assistida nas Especialidades de Neurocirurgia e Ortopedia no Hospital Privado de ....
46. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, por conta e a expensas da Ré, efectuou várias consultas de Fisiatria e realizou cerca de 45 sessões de tratamento fisiátrico de 06/02/2017 a 22/05/2017, na Clínica de Fisioterapia de ... Lda, onde foi observada pela Dra. A. B., Médica Fisiatra, a qual lhe diagnosticou o seguinte:
-Refere história de acidente de viação a 16/11/2016.
-Observada nesta clínica em consulta de Fisiatria a 6/02/2017, referenciada por Ortopedia/… Saúde, com termo de responsabilidade da Companhia de Seguros X.
-Referência a politraumatismos nomeadamente: na face, raquis cervical e lombar, ombro esquerdo e joelho esquerdo.
-Raquialguas importantes, cefaleias e náuseas, parestesias;
-Medicada com analgésicos, anti-inflamatórios e relaxante muscular.
-Apresentava na data de 6/02/2017, queixas de dores a nível do ráquis cervical e lombar, e dor a nível do ombro esquerdo; com alguma limitação na mobilidade cervical, lombar e ombro esquerdo.
-Realizou fisioterapia de 07/02/2017 a 15/05/2017.
-última reavaliação emconsultadeFisiatria a22/05/2017;
-Apresentava recuperação progressiva e lenta da mobilidade articular do raquis e ombro esquerdo; com melhoria progressiva das queixas dolorosas a nível do ráquis lombar e ombro esquerdo; com queixas de cervicalgias persistentes.
47. A Autora após a sua alta hospitalar, passou também a ser acompanhada e assistida a mando, por conta e a expensas da Ré, nos seus serviços clínicos (CENTRO CLÍNICO X SEGUROS) sitos no HOSPITAL DE ..., desde 22/06/2017 e até 06/09/2017.
48. A Autora nos seus serviços clínicos da Ré fez exames e MFR tendo estado de baixa até 24/7/2017, data em que comunicou à Ré que estaria grávida e teve alta.
49. A Autora após essa data de 24/07/2017, manteve dores na coluna e que teve necessidade de efectuar tratamentos de fisioterapia por sua conta, bem como efectuou consultas dentárias.
50. A Autora teve alta dos serviços clínicos da Ré em 06/09/2017.
51. As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, atingiram a consolidação médico legal em 22/05/2017.
52. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, no dia 06-09-2017, por conta e a expensas da Ré, foi submetida a um Relatório final de avaliação do dano corporal em direito civil, do qual constam, entre outras, as seguintes conclusões:
-Curada sem desvalorização;
-O sinistrado pode retomar/continuar o trabalho em 2017/09/07.
53. A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, no dia 20-12-2021, foi observada e submetida a uma perícia de avaliação do dano corporal em direito civil realizada pela Dra. A. M., da qual consta, entre outras, as seguintes conclusões:
-A data da consolidação das lesões é fixável em 22-05-2017;
-Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 1 dia;
-Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 187 dias;
-Período de Repercussão Temporária Total na Actividade Profissional fixável em 188dias;
-Quantum Doloris fixável no grau 3 em 7;
-O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 pontos;
-As Sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual mas implicam esforços adicionais;
-Dano estético permanente fixável no grau 1/7.
-Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas e tratamentos médicos regulares (analgésicos e anti-inflamatórios) e ao nível de fisioterapia (1 x por ano);
-A examinada necessitará de proceder ao tratamento médico-dentário.
54. Consta da declaração emitida pelo Dr. J. M. que a Autora, na sequência do acidente de viação de que foi vítima, passou a evidenciar os seguintes problemas dentários:
-fractura da cúspide disto-palatina no dente 16 provocando lacerações na língua;
-linhas de fissura nos dentes 11, 21 e 22 associado a episódios de sensibilidade e escurecimento dentário do dente 21;
-espessamento do ligamento periodontal e dor à mastigação no dente 36;
-trauma na articulação temporo-mandibular provocando estalidos, dores musculares, pressão auricular e stress dentário nocturno;
55. Para resolver estes problemas será necessário:
-realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros;
-confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros;
-uso de aparelho fixo na mandibula e maxila;
-desvitalização de dente de 1 canal (dente 21), no valor de 90,00 euros
-desvitalização de dente de 3 canais ou mais canais (dente 36), no valor de 150,00 euros;
-colocação de facetas em cerâmica (dentes 21, 22, 11 e 12), no valor de 2.000,00 euros.
56. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (DFPIFP) e a Incapacidade Permanente Parcial (IPP) supra referidos, têm repercussão permanente na Actividade Profissional da Autora, na medida em que as sequelas supra descritas são compatíveis com o exercício da habitual actividade profissional da Autora de “Cabeleireira”, mas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral para o exercício dessa mesma actividade profissional e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente e que até à data do acidente dos presentes autos não sentia.
57. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos exercia por conta de outrem a categoria profissional de “Cabeleireira” na firma denominada “BARBEARIA ... LDA”, sita na Rua ... Porto.
58. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Cabeleireira” auferia uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 623,94 (Seiscentos e Vinte e Três Euros e Noventa e Quatro Cêntimos) discriminado da seguinte forma:
-€ 530,00 x 14 meses/ano a título de vencimento base;
-€ 93,94 x 11 meses/ano a título de subsídio de alimentação.
59. A Autora por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação descrito nos autos, teve necessidade de ser submetida a vários tratamentos médicos, a vários internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, de efectuar vários exames clínicos, de adquirir uns óculos dos quais a Ré apenas reembolsou 80% do seu valor, nas quais despendeu até à presente data quantia não concretamente apurada.
60. A Autora por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação descrito nos autos, teve necessidade de efectuar várias deslocações em transporte próprio a hospitais e a clínicas, nas quais despendeu, até à presente data, uma quantia em valor não apurado.
61. A Autora durante o supra-referido período de Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho - 16/11/2016 a 22/05/2017 - apenas recebeu da Ré a quantia de € 3.311,12 a título de adiantamento sobre indemnização e da Segurança Social a quantia de 305,40 da Segurança Social a título de concessão provisória de subsídio de doença.
62. A Autora em consequência das supra referidas lesões traumáticas sofridas em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, sofreu múltiplas e intensas dores durante todo o tempo que mediou entre o acidente de viação descrito nos presentes autos, o internamento hospitalar, os tratamentos médicos, os tratamentos clínicos, a recuperação funcional a que foi submetida, todos eles dolorosos, o seu período de convalescença, a sua alta hospitalar e médica, o período de incapacidade temporária absoluta e a sua recuperação ainda que parcial.
63. As referidas dores numa escala crescente de 1 a 7 conferem à Autora um “Quantum Doloris” fixado no grau 3.
64. A Autora na altura do acidente sofreu angústia de poder a vir a falecer.
65. A Autora em consequência das lesões e sequelas supra-referidas, padece actualmente de alterações de humor, do sono e alterações afectivas.
66. Antes da ocorrência do acidente, era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
67. A Autora actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, devido às lesões traumáticas sofridas e às sequelas actuais e permanentes de que o mesmo padece -e continuará a padecer no futuro- tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, triste, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
68. A Autora sente-se actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, afectada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente, designadamente em consequência das alterações estéticas a nível dentário, de caracter ligeiro, as quais lhe conferem dano estético permanente fixável no grau 1/7.
69. As lesões e sequelas, de que a autora passou a padecer prejudicam e interferem com a mobilidade no acto sexual em certas posições e, em consequência das queixas, lesões e sequelas supra descritas, a Autora não pode actualmente -e não poderá no futuro- nos seus tempos livres e de lazer, praticar dança e natação, actividades essas que praticava regularmente antes do acidente em discussão nos presentes autos, designadamente de nadar actividade essa que fazia com regularidade não apurada.
70. No futuro, para além do tratamento dentário acima referido, a autora poderá vir a ter de fazer tratamentos de fisioterapia, 1 vez por ano, e pode ter necessidade de recorrer a medicamentos (analgésicos e anti-inflamatórios) para minimizar as dores.
71. A Ré através do seu gestor de processo e da Direcção de Serviço ao Cliente de nome D. O., expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante a aqui Autora, a responsabilidade e culpa exclusivas da condutora do veículo segurado na Ré matrícula IJ (M. J.) na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e que vitimou a Autora.
72. A Ré sempre reconheceu de uma forma clara, inequívoca e concludente o direito à indemnização por parte da aqui Autora, de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela mesma e que tiveram como causas mediatas e imediatas o aqui descrito acidente de viação.
73. Tudo conforme melhor se pode constatar pelo teor de uma carta com o timbre da Ré, datada de 26-12-2016 e nessa mesma data endereçada pela Ré à Autora (e por esta recepcionada), subscrita e assinada pelo seu gestor de processo e da Direcção de Serviço ao Cliente de nome D. O., na qual sob a epígrafe “Apólice n.º .............72, Processo n.º ...............49/2, Lesado: A. C., Assunção da responsabilidade no acidente de viação” a Ré comunicou e informou expressamente a Autora do seguinte:
-Recebemos a sua comunicação de sinistro com data de ocorrência a 16-11-2016;
-A X Seguros assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do acidente”.
74. A Ré procedeu ao pagamento das despesas médicas e hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar à Autora, designadamente ao Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., ao Hospital Privado de ... e à Clínica De Fisioterapia de ... Lda.
75. A Ré em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, procedeu ao pagamento à Autora das seguintes quantias:
-€ 3.311,12 a título de adiantamentos salariais (cfr. docs nºs 40 a 47);
-€ 240,00 a título de despesas com óculos (80%) (doc. n.º 49);
-€ 129,73 a título de despesas com telemóvel (cfr. docs n.ºs 44);
-€ 101,53 a título de despesas médicas e medicamentosas;
-€ 480,73 a título de despesas com fisioterapia;
-€ 9,10 a título de despesas com táxi, e
-€ 11,00 a título de despesas com colete cervical.
76. A Ré em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, procedeu ao pagamento ao proprietário do veículo conduzido pela Autora matrícula OS C. P. da quantia de €1.840,00 a título de indemnização pelos danos materiais causados ao referido veículo e que foi considerado perda total.
77. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, de 26/01/2017 a 11/09/2017, devido à sintomatologia aguda a nível cervical, lombar, no membro superior esquerdo e a nível dentário, por conta e a expensas da Ré, foi acompanhada e assistida nas Especialidades de Neurocirurgia e Ortopedia no Hospital Privado de ..., sito na Rua … Braga.
78. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, por conta e a expensas da Ré, efectuou várias consultas de Fisiatria e realizou cerca de 45 sessões de tratamento fisiátrico de 06/02/2017 a 22/05/2017, na Clínica de Fisioterapia de ... Lda, sita na Rua ... Calendário, ....
79. A Autora após a sua alta hospitalar, passou também a ser acompanhada e assistida a mando, por conta e a expensas da Ré, nos seus serviços clínicos (Centro Clínico X Seguros) sitos no Hospital de ..., desde 22/06/2017 e até 06/09/2017.
80. A Autora, nos serviços clínicos da Ré fez exames e MFR tendo estado de baixa até 24/7/2017, data em que comunicou à Ré que estaria grávida e teve alta (supostamente por esse motivo).
81. A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, no dia 06-09-2017, por conta e a expensas da Ré, foi submetida a um Relatório Final de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil pelos Serviços Clínicos da Ré.
82. A Ré por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para a Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, em 21/11/2018, através do gestor de processo e da Direcção de Operações – Sinistros Auto Complexos e Corporais de nome A. R., apresentou por escrito à Autora uma primeira proposta consolidada, ou seja, uma proposta de indemnização final por todos os danos não patrimoniais sofridos pela Autora, oferecendo-lhe um montante indemnizatório no valor global de apenas €2.092.63, discriminado nas seguintes parcelas:
-Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 1 ponto: 900.00€
-Perdas salariais líquidas: €1.192.63 (16-11-2016 a 23-12-2016 e 01-07-2017 a 24-07-2017 (restantes períodos considerados)- valor mensal líquido - 577.08€ (conforme compete pagar em acidente automóvel);
-Despesas médicas, exames e 20% do óculos em falta: despesas decorrentes do sinistro apenas a considerar até à data de alta mediante apresentação dos comprovativos originais. 20% dos óculos não pagos correspondem à desvalorização normal decorrente do uso dos objectos;
-Despesas com deslocações em veículo próprio: são pagas a 0.15/km, mediante apresentação das presenças em tratamentos, informando os KM em causa.
83. A ocorrência do acidente de viação em discussão nos presentes autos, foi comunicada à Ré pelo seu segurado, dentro do prazo de 8 dias a contar do dia da ocorrência do mesmo.
84. A Ré em consequência das lesões e sequelas que advieram para a Autora com o acidente de viação descrito nos presentes autos, não contestou a responsabilidade e culpa exclusivas da condutora do veículo segurado na Ré matrícula IJ (M. J.) na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e que vitimou a Autora.
85. A Autora através do seu mandatário, por mail com MDDE enviado para a Ré Seguradora em 16/11/2018 pelas 17 horas 18 minutos e pela mesma recepcionado na mesma data, com cópia do documento juntos com a P.I. sob os doc. n.º 28 apresentou por escrito à Ré Seguradora uma proposta consolidada, ou seja, um pedido de indemnização final por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora/Lesada em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, peticionando extrajudicialmente os seguintes valores:

EXMOS SENHORES X SEGUROS S.A.
AV. ... LISBOA
Fax Geral: ...
geral@Xseguros.pt
Fax Sinistros: ... sinistros@Xseguros.pt DATA: 16/11/2018.
ASSUNTO: ACIDENTE DE VIAÇÃO OCORRIDO EM 16/11/2016. N/REF: A. C.
V/REF: PROCESSO N.º ...............49- APOLICE N.º .............72 N/REF:
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO FINAL POR CONTA DOS DANOS CORPORAIS (danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos em consequência do acidente de viação em epigrafe, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto.
Exm.ºs Senhores.
Os meus cordiais cumprimentos.
Na sequência do sinistro acima referenciado, incumbiu-me a minha constituinte Sra. A. C. de apresentar juntos dos vossos serviços um pedido de indemnização final por conta dos danos corporais (danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pela mesma em consequência do acidente de viação em epigrafe, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, pelos seguintes valores:
-Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 5 pontos: 530,00€ X 14 meses + 93,94€ X 11meses = rendimento anual de 8.453,34€ x 5 Défice Funcional = 422,66€ x 49 Anos Esperança Media de Vida (80 – 31) = 20.710,34€;
-Danos não patrimoniais: 30.000,00€;
-Perdas salariais ilíquidas: 8.453,34€: 365 dias: 23,16€ salário dia X 251 dias (16-11-2016 a 24-7-2017 = 251 dias) = 5.813,16€ - 3.311,12€ adiantamentos salariais= 2.502,04€;
-Despesas médicas, exames e 20% dos óculos em falta: 1.028,00€;
-Despesas com deslocações em veículo próprio: 812 Km x 0,36€= 293,04€
-DANO FUTURO a liquidar em futuro incidente de liquidação: necessidade no futuro de apoio médico ocasional pela entidade responsável, nomeadamente para tratamentos de Fisiatria e tratamentos dentários.
ELEMENTOS DE CÁLCULO:
-A data da consolidação das lesões é fixável em 24-7-2017.
-Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 30 dia.
-Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 221 dias.
-Período de Repercussão Temporária Total na Actividade Profissional fixável em 251dias.
Quantum Doloris fixável no grau 3 em 7.
O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
A Repercussão Permanente Actividades Desportivas e Lazer fixável no grau 3 em 7.
A Repercussão Permanente na Actividade Profissional, sendo que neste caso assequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual mas implicam esforçosadicionais.
-Nota: a examinada poderá necessitar de apoio médico ocasional pela entidade responsável, nomeadamente para tratamentos de Fisiatria t/e tratamentos dentários.
Actividade exercida: Cabeleireira;
-Salário mensal ilíquido a data do acidente: €623,94 (530,00€ Rem. Base + 93,94€ Sub. Alim.);
Esperança média de vida: 49 anos tendo em conta a idade de 31 anos (80 – 31);
DOCUMENTOS EM ANEXO:
1) Relatório de Avaliação do Corporal em Direito Civil;
Grato pela atenção dispensada e aguardando por prezada resposta, subscrevo-me.
Atenciosamente.
O Advogado ao dispor. J. C.
86. A Ré por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para a Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, apenas em 21/11/2018, através do gestor de processo e da Direcção de Operações – Sinistros Auto Complexos e Corporais de nome A. R., apresentou por escrito à Autora uma primeira proposta consolidada, ou seja, uma proposta de indemnização final por todos os danos não patrimoniais sofridos pela Autora, oferecendo-lhe um montante indemnizatório no valor global de apenas €2.092.63.

IV
Conhecendo do recurso.
Considerando que o recurso da ré coloca em causa a decisão sobre matéria de facto e o recurso da autora não, manda a lógica começar a apreciação pelo recurso da ré.

Como é sabido, há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto. Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158), sistematizando o regime legal:

“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:

a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No caso concreto, a recorrente indica de forma clara quais os pontos de facto que considera mal julgados e quais as respostas que entende que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indica em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.

Podemos pois conhecer desta parte do recurso.

1. O primeiro ponto de discórdia é o facto provado 58. Recordemos:
A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Cabeleireira” auferia uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 623,94 (Seiscentos e Vinte e Três Euros e Noventa e Quatro Cêntimos) discriminado da seguinte forma:
-€ 530,00 x 14 meses/ano a título de vencimento base;
-€ 93,94 x 11 meses/ano a título de subsídio de alimentação”.
A Recorrente afirma que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 260º do Código do Trabalho, por remissão para a alínea a) do seu nº 1, não é de considerar como retribuição o subsídio de refeição, a menos que, na parte que exceda o seu montante normal tenha sido previsto no contrato de trabalho ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador. A Autora auferia a título de subsídio de alimentação a quantia mensal de € 93,94, que equivale a um valor diário de € 4,27, que corresponde ao valor limite de isenção de retenção de IRS e de contribuição para a Segurança Social do subsídio de alimentação para o ano de 2016. Pelo que ter-se-á de concluir que o montante recebido pela Autora a título de subsídio de alimentação corresponde ao montante normal, logo não faz parte da retribuição auferida. Assim, o salário diário da Autora, à data do acidente, era de € 20,33 [€ 530,00 x 14 meses por ano / 365 dias] em vez de € 23,16 como, por manifesto lapso ou evidente equívoco, a sentença recorrida fixou.
Deste modo, a Recorrente entende que deve ser alterada a resposta dada ao ponto supra-referido, nos seguintes termos: “58. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Cabeleireira” auferia uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 530,00 (quinhentos e trinta euros) nos seguintes termos: € 530,00 x 14 meses/ano a titulo de vencimento base”.
8- Pelos 188 dias de Incapacidade Temporária Absoluta, a Autora terá deixado de auferir € 3.822,04. Nesse sentido, a Autora terá a receber, a título de perdas salariais, a quantia de € 205,52 (duzentos e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) em vez dos € 737,56 como, por lapso ou equívoco, foi fixado na sentença recorrida.

Ao invés, a recorrida afirma que o subsídio de refeição é de considerar como retribuição nos termos do preceituado nos artigos 258º e 260º n.º 1 al. a) parte final do Código do Trabalho, motivo pelo qual deve manter-se a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de €737,56 a título de perdas salariais.
A sentença fundamenta assim: “Quanto aos pontos 57º e 58º da factualidade provada, atinente à actividade que a autora desempenhava à data do acidente e remuneração por esta auferida, resultou das declarações da autora e do marido, que a mesma exercia por conta de outrem a categoria profissional de cabeleireira na firma denominada “Barbearia …, Lda” no Porto e que auferia as quantias aí referidas, declarações essas corroboradas pelo teor do documento nº 31, informação da entidade patronal de fls. 210 e recibos de vencimentos constantes de fls. 231 a 236”.
A fls. 2394 e seguintes do histórico consta o recibo de vencimento. E confirma-se aí o valor mensal do subsídio de refeição.
Ora bem. Salvo melhor opinião, nestes autos não estamos dentro da dogmática do direito do trabalho, nem estamos à procura da pureza da definição de retribuição e de saber quais as quantias que se inserem nessa pureza conceptual. Aqui, estamos perante uma obrigação de indemnização, e temos de determinar quais as quantias que a autora deixou de receber por causa do acidente de que foi vítima.
Ora, sendo certo que nos revemos no que decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.4.2010 (Relator: MOREIRA ALVES), segundo o qual: ”é de considerar integrado na retribuição do trabalho o subsídio de alimentação, pois que no conceito legal (e laboral) de retribuição abrange-se não só a retribuição base (salário propriamente dito), mas todas as demais prestações pecuniárias ou não, satisfeitas com carácter de regularidade e de continuidade”, a verdade porém é que o enquadramento da questão colocada nestes autos não é o de saber se o valor pago a título de subsídio de refeição integra o conceito jurídico de retribuição. É, sim, saber se esse valor era pago e deixou de o ser por força do acidente e da interrupção da prestação laboral que ele impôs.

Assim, colocando a questão de facto e a questão jurídica em planos separados, pensamos que a melhor solução, que se decide, será a de alterar o texto do facto provado 58, utilizando uma formulação neutra, não jurídica:
A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Cabeleireira” auferia uma quantia mensal ilíquida na ordem dos € 623,94 (Seiscentos e Vinte e Três Euros e Noventa e Quatro Cêntimos) discriminada da seguinte forma:
-€ 530,00 x 14 meses/ano a título de vencimento base;
-€ 93,94 x 11 meses/ano a título de subsídio de alimentação”.

2. Seguidamente, a Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto aos factos 54 e 55 dados como provados na sentença:

“54. Consta da declaração emitida pelo Dr. J. M., que a Autora, na sequência do acidente de viação de que foi vítima, passou a evidenciar os seguintes problemas dentários:
-fractura da cúspide disto-palatina no dente 16 provocando lacerações na língua;
-linhas de fissura nos dentes 11, 21 e 22 associado a episódios de sensibilidade e escurecimento dentário do dente 21;
-espessamento do ligamento periodontal e dor à mastigação no dente 36;
-trauma na articulação temporo mandibular provocando estalidos, dores musculares, pressão auricular e stress dentário nocturno;
55. Para resolver estes problemas será necessário:
-realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros;
-confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros;
-uso de aparelho fixo na mandibula e maxila;
-desvitalização de dente de 1 canal (dente 21), no valor de 90,00 euros;
-desvitalização de dente de 3 canais ou mais canais (dente 36), no valor de 150,00 euros;
-colocação de facetas em cerâmica (dentes 21, 22, 11 e 12), no valor de 2.000,00 euros”.

A recorrente entende que a resposta deveria ser antes esta:
“54. A Autora foi observada e submetida a uma Perícia de Avaliação do Dano na especialidade de Medicina Dentária, realizada pela Dra. I. P., da qual constam as seguintes conclusões: Admite-se o nexo de causalidade entre o evento e as lesões e sequelas em apreço; As lesões sofridas ainda não atingiram a consolidação médico-legal; Do evento terá resultado fractura e luxação dos dentes 11 e 21, e fractura de 16, bem como desordem temporo-mandibular (DTM), nesta altura manifestada com fenómenos de mioespasmo; A DTM terá que ser tratada mediante a colocação de uma goteira de oclusão em relação cêntrica, de uso nocturno, sendo necessário o seu acerto ajuste periódico; O escurecimento, as linhas de fractura e a alteração da posição dos dentes 11 e 21 apenas poderão ser corrigidas mediante a colocação de coroas/facetas; A fractura do dente 16 parece ter sido resolvido mediante desgaste, sugerindo, por isso, tratar-se de uma fractura muito reduzida, sem impacto funcional ou estético; Com a implementação do tratamento é de prever que não haja lugar à atribuição de qualquer coeficiente de desvalorização”.
“55. Para resolver estes problemas será necessário: realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros; confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros; colocação de facetas em cerâmica (dentes 21 e 11), no valor de 1.000,00 euros”.

A sentença recorrida fundamenta assim:

em particular, quanto aos pontos 54 e 55, atinentes aos problemas dentários de que a autora passou a sofrer em consequência do acidente e aos tratamentos necessários para eliminar esses problemas, o tribunal louvou-se no teor da declaração médica emitida pelo Dr. J. M. de fls. 408, bem como no teor do relatório do IML – exame clínico no âmbito de outras especialidades (medicina dentária) que conclui nos seguintes termos: “do evento terá resultado fractura e luxação nos dentes 11 e 21, e fractura de 16, bem como desordem tempero-mandibular (DTM, nesta altura manifestada por fenómenos de miospasmo; a DTM terá de ser tratada mediante a colocação de uma goteira de eclosão em relação Centrica, de uso nocturno, sendo necessário o seu acerto ajuste periódico. O escurecimento, as linhas de fractura e a alteração da posição dos dentes 11 e 21 apenas poderão ser corrigidas mediante a colocação de coroas/facetas; a fractura do dente 16 parece ter sido resolvida mediante desgaste, sugerindo por isso tratar-se de uma fractura muito reduzida, sem impacto funcional ou estético; com a implementação do tratamento é de prever que não haja lugar à atribuição de qualquer coeficiente de desvalorização”.

E a recorrente insurge-se contra o facto de o Tribunal a quo se ter louvado no teor da declaração médica emitida pelo Dr. J. M. de fls. 408, bem como no teor do relatório do IML – exame clínico no âmbito de outras especialidades (medicina dentária). Chama a atenção para que “a perícia de Medicina Dentária teve como objectivo responder aos seguintes quesitos: 1) Apreciação do nexo de causalidade entre o acidente sofrido e as lesões descritas e constantes no relatório do Dr. J. M.; 2) Caracterização de eventuais sequelas e seu respeito e enquadramento na Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec-Lei 352/07, de 23/10); 3) Aferir necessidades de tratamento da examinanda, caso existam”.
E para a quantificação do dano patrimonial a título de tratamento dentário, o Tribunal a quo apenas teve em consideração os tratamentos e o “orçamento” apresentado na declaração emitida pelo Dr. J. M..
A recorrente entende que não pode ser subestimado um meio de prova que ambas as partes requereram e aceitaram (perícia médico-legal) face a um meio de prova exclusivamente introduzido nos autos pela Autora e que foi expressamente impugnado pela recorrente (declaração do Dr. J. M., médico dentista da Autora). E isto porque a perícia médico-legal é um meio de prova mais seguro e isento do que um relatório médico que foi junto aos autos pela Autora, que não foi sujeito ao contraditório, que foi impugnado pela Recorrente e que não foi, sequer, “defendido” em audiência de julgamento por qualquer testemunha.
E assim, no relatório da especialidade de Medicina Dentária, em nenhum momento é referido a necessidade de uso de aparelho fixo, em nenhum momento é referido a necessidade de desvitalizar qualquer dente e em nenhum momento é referido a necessidade de colocação de facetas em cerâmica nos dentes 22 e 12. Logo, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado que, para resolver os problemas dentários decorrentes do sinistro dos presentes autos, é necessário: i) uso de aparelho fixo na mandibula e maxila; ii) desvitalização de dente de 1 canal (dente 21); iii) desvitalização de dente de 3 canais (dente 36); iv) colocação de facetas em cerâmica (dentes 22 e 12).
Conhecendo, o que verdadeiramente está em causa aqui é o respeito pela prova pericial produzida nos autos. E com efeito, afigura-se assistir razão à recorrente.
Em primeiro lugar, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (art. 389º CPC).
Dispõe o art. 467º,3 CPC que “as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”.
Comentando esta norma, escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC anotado, 2ª edição, o seguinte: “constitui jurisprudência dominante a asserção de que, nos termos do art. 21º,1 da Lei nº 45/04 de 19-8, e do art. 467º, nº 3, as perícias médico-legais são obrigatoriamente realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, sendo em regra, singulares, incumbindo a tal instituição a nomeação do perito (cf. RP 34-10-16, 30789/15, RG 27-2-14 1156/13, RG 20-2-14, 3098/12 e RG 21-9-10, 2440/09). (…) A obrigatoriedade da realização das perícias médico-legais no INML não constitui restrição dos direitos processuais das partes porquanto esta instituição tem autonomia e independência técnico-científica, estando numa posição de equidistância perante as partes, sendo que os seus peritos garantem um padrão de elevada qualidade científica. Os direitos processuais das partes são assegurados na precisa medida em que os peritos estão obrigados a fundamentar as suas respostas e conclusões, podendo ser requerida a prestação de esclarecimentos pelas partes, sendo estes meios processuais idóneos a aquilatar o iter seguido pelo perito e a permitir o cabal exercício do contraditório, assistindo ainda à parte o direito de se fazer assistir de técnico, nos termos do art. 50º (RG 13-23-14, 203/12)”.
Assim sendo, a única prova pericial verdadeira, em sentido próprio, que temos nos autos é a que está corporizada nos relatórios periciais do INML. O documento/declaração médico do Dr. J. M., médico dentista da Autora, a que o Tribunal recorrido deu primazia, configura, em termos estritamente jurídico-formais, prova documental. Não somos adeptos de um excessivo formalismo na apreciação das questões, mas não podemos deixar de sublinhar que a diferença aqui é grande, e assume relevo substancial, tendo em conta as cautelas que rodeiam e garantem cada um dos meios de prova.
Por isso, temos de reconhecer razão à recorrente. É manifesto que uma perícia médica é um meio de prova muito mais seguro e mais isento do que um relatório médico que foi junto aos autos pela autora, que foi impugnado pela ré, que não foi sujeito ao contraditório e cujas condições e os fins com que foi elaborado se desconhece.
Não se poderá assim aceitar que o resultado da prova pericial, realizada de acordo com todos os formalismos impostos por lei, seja postergado em benefício de um documento junto pela parte interessada, cujo conteúdo não foi sujeito a contraditório.
Acresce ainda que o Tribunal não explicou porque divergiu do relatório pericial, ou pelo menos por que razão deu a mesma credibilidade ao documento junto pela autora e à prova pericial produzida nos termos legais.
E assim, consideramos assistir razão à recorrente, pelo que os factos provados 54 e 55 passarão a ter a seguinte redacção:

“54. A Autora foi observada e submetida a uma Perícia de Avaliação do Dano na especialidade de Medicina Dentária, realizada pela Dra. I. P., da qual constam as seguintes conclusões: Admite-se o nexo de causalidade entre o evento e as lesões e sequelas em apreço; As lesões sofridas ainda não atingiram a consolidação médico-legal; Do evento terá resultado fractura e luxação dos dentes 11 e 21, e fractura de 16, bem como desordem temporo-mandibular (DTM), nesta altura manifestada com fenómenos de mioespasmo; A DTM terá que ser tratada mediante a colocação de uma goteira de oclusão em relação cêntrica, de uso nocturno, sendo necessário o seu acerto ajuste periódico; O escurecimento, as linhas de fractura e a alteração da posição dos dentes 11 e 21 apenas poderão ser corrigidas mediante a colocação de coroas/facetas; A fractura do dente 16 parece ter sido resolvido mediante desgaste, sugerindo, por isso, tratar-se de uma fractura muito reduzida, sem impacto funcional ou estético; Com a implementação do tratamento é de prever que não haja lugar à atribuição de qualquer coeficiente de desvalorização”.
“55. Para resolver estes problemas será necessário: realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros; confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros; colocação de facetas em cerâmica (dentes 21 e 11), no valor de 1.000,00 euros”.

3. A Recorrente discorda ainda da decisão da matéria de facto, quanto ao facto 56 dado como provado na sentença:
56. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (DFPIFP) e a Incapacidade Permanente Parcial (IPP) supra referidos, têm repercussão permanente na Actividade Profissional da Autora, na medida em que as sequelas supra descritas são compatíveis com o exercício da habitual actividade profissional da Autora de “Cabeleireira”, mas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral para o exercício dessa mesma actividade profissional e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente e que até à data do acidente dos presentes autos não sentia”.
E a argumentação na qual a recorrente assenta a sua pretensão é o facto de, nem no Relatório de Perícia de Avaliação do dano corporal nem nos esclarecimentos prestados pela Perita em audiência, ser mencionado que as sequelas descritas implicam esforços acrescidos e suplementares para o exercício de ”outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente e que até à data do acidente dos presentes autos não sentia”.
E assim, entende que esse segmento, por ausência de prova pericial onde se sustente, deve ser removido dos factos provados.
A recorrida entende que o facto em causa assenta no Relatório de Perícia de Avaliação do dano corporal de fls. 414 verso e ss, subscrito pela Exma. Dra. A. M., do qual resulta que “as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual mas implicam esforços adicionais”.
A sentença recorrida fundamenta a decisão acolhendo-se ao Relatório de Perícia de Avaliação do dano corporal de fls. 414 verso e ss, subscrito pela Exma. Dra. A. M., no qual se afirma que “as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual mas implicam esforços adicionais”.
É verdade que nem no relatório pericial final, nem nas declarações da Perita médica prestadas em audiência de julgamento consta a frase contra a qual a recorrente se insurge, qual seja: “…e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente…”.
Porém, se bem entendemos esse segmento, verificamos que o Tribunal, ao acrescentar o mesmo, não introduziu factos novos e nem sequer uma conclusão pericial não constante do relatório. Limitou-se a, com base no que vinha referido pela Perita, olhar para a actividade profissional da autora (cabeleireira), e a retirar dela, intelectualmente, a descrição do tipo de gestos, movimentos, postura e características que a definem, para depois extrapolar para qualquer outra actividade que envolva o mesmo tipo de gestos. E esse exercício do Tribunal não só se nos afigura como correcto, sem violar o resultado da prova pericial, como até útil, pois qualquer pessoa percebe, lendo o relatório pericial, que a autora poderá continuar a exercer a sua profissão de cabeleireira, embora tendo de desenvolver esforços acrescidos para tal, assim como, poderá exercer qualquer outra profissão que envolva o mesmo tipo de movimentos, de postura física, e de tempo de pé que caracterizam a profissão de cabeleireira, mas, naturalmente, com o supra descrito esforço suplementar para o efeito.
E assim, sem mais desenvolvimentos, esta pretensão da recorrente improcede.

4. Depois, a Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, quanto ao seguinte facto 64 dado como provado na sentença: “64. A Autora na altura do acidente sofreu angústia de poder a vir a falecer”.

E fundamenta assim: conforme consta no Relatório de Perícia Médico-Legal, a informação sobre o evento foi prestada directamente pela Autora, tendo esta afirmado que não se recorda do evento, ia a conduzir, outro carro embateu-lhe de lado. Pelo que o facto constante no ponto 64 deve ser dado como não provado.

Todavia, o Tribunal recorrido não foi buscar um depoimento escrito e indirecto da autora para dar tal facto como provado. Tal como consta da motivação da decisão sobre matéria de facto, este facto 64 resultou do teor das declarações da autora prestadas na audiência de julgamento. E compreende-se que assim seja: só a autora poderia transmitir ao Tribunal o que lhe passou pela cabeça no momento do embate.

Para terminar, é inteiramente compreensível que assim tenha sido, atenta a natureza e a violência do embate: circulando na sua mão de trânsito, cumprindo todas as regras da boa e prudente condução, a autora foi embatida por um automóvel que se deslocava a uma velocidade superior a 50/60 Km/horários, sem luzes. Na matéria de facto provada pode ler-se: “25. Acabando o “IJ”, por embater violentamente com toda a sua parte frontal na parte frontal direita e parte lateral direita da frente do veículo matrícula “OS”.

Mais ainda: “o OS, mercê da violência de tal embate fronto/lateral, foi projectado para o seu lado esquerdo acabando por imobilizar a sua marcha dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua ... atento o seu sentido de marcha”.
Assim, também esta parte do recurso improcede.

5. De seguida, afirma a recorrente que discorda da decisão da matéria de facto quanto aos factos 65, 67 e 68 dados como provados na sentença.
Recordemos:
“65. A Autora em consequência das lesões e sequelas supra-referidas, padece actualmente de alterações de humor, do sono e alterações afectivas”.
“67. A Autora actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, devido às lesões traumáticas sofridas e às sequelas actuais e permanentes de que o mesmo padece -e continuará a padecer no futuro- tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, triste, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida”.
“68. A Autora sente-se actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, afectada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente, designadamente em consequência das alterações estéticas a nível dentário, de caracter ligeiro, as quais lhe conferem dano estético permanente fixável no grau 1/7”.
E argumenta que para dar como provados estes factos, a sentença recorrida teve em consideração as declarações da Autora e o depoimento do seu marido V. M.. Porém, o INML não atribuiu à Autora qualquer pontuação por prejuízo de afirmação pessoal. E a autora, quando foi avaliada pelo INML, não se “queixou” de qualquer depressão, de qualquer abalo psicológico, de qualquer alteração de humor e/ou do sono; e no relatório do INML, relativamente às queixas apresentadas pela Autora quanto à vida afectiva, social e familiar, consta sem alterações. Para concluir dizendo que não existem elementos médicos ou clínicos que permitam atestar a existência de uma depressão, de um abalo psicológico, de alterações de humor, do sono e alterações afectivas na pessoa da Autora. Donde, o facto 65 deveria ser não provado, e aponta alterações aos factos 67 e 68.

O Tribunal fundamenta essa decisão dizendo: “as respostas aos pontos 59º, 60º, 62º, 64º a 70º, atinentes aos danos morais sofridos pela autora resultaram do teor das declarações da autora e da testemunha inquirida. Quanto a esta factualidade, em particular quanto aos danos morais, ateve-se o tribunal ao teor das declarações prestadas pela autora: “(…) actualmente, por força das sequelas de que ficou a padecer, sente-se diminuída fisicamente, condicionada nas suas tarefas diárias e de lazer; sente dores que, além do mais, afectam a sua vida sexual, porque tem dificuldade em assumir determinadas posições implicadas na prática do acto sexual”.
Na mesma linha, V. M., marido da autora, refere que: “(…) antes do acidente nunca se queixou; era uma pessoa cheia de atitude. Antes do acidente, faziam dança, caminhavam e agora ela não aguenta. A autora era dinâmica, alegre, bem-disposta, comunicativa, estava sempre a brincar. Hoje sente-se triste e psicologicamente afectada -está sempre a dizer que se sente feia e que o declarante a irá abandonar- porque não realiza função nenhuma nem mesmo em casa com os filhos ou com o marido”.
Se bem percebemos, a razão pela qual a recorrente não concorda com estes 3 factos provados é que o conteúdo dos mesmos não consta do Relatório do INML.
Ora bem.
É verdade que tais factos não constam do Relatório do INML.
Mas também, salvo melhor opinião, a verdade é que não tinham de constar.
Excluindo a referência que é feita acerca do dano estético, fixada no grau 1/7 (que claramente emerge do Relatório do INML), tudo o mais que consta dos factos provados 65, 67 e 68 é matéria do foro psicológico: alterações de humor, do sono, alterações afectivas; tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, triste, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
Não tendo sido elaborada Perícia na área da psicologia, o Tribunal assentou a sua convicção na única prova que dispunha, as declarações da autora e das testemunhas que lhe são mais próximas. E não temos razões para duvidar, nesta parte, do que foi dito, sendo prova suficiente para sustentar a convicção do Tribunal.
Do que podemos analisar, do acidente em si e das lesões e dores que a autora sofreu em consequência daquele, não nos custa acreditar que a autora tenha efectivamente passado a sofrer daqueles danos que por facilidade de exposição aqui chamaremos de “psicológicos”. Recordemos que à data do acidente a autora tinha 31 anos; o embate foi violento, a autora foi assistida no local pelo INEM e posteriormente transportada do local do acidente para o serviço de urgências do centro hospitalar do ..., E.P.E, onde apresentava os traumatismos e dores descritos supra. Teve alta hospitalar no próprio dia, e após esteve um mês acamada em casa e só se levantava para ir à casa de banho com ajuda de terceira pessoa. Ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos. Terá de fazer esforços adicionais para continuar a exercer a sua profissão. Na altura do acidente sofreu angústia de poder vir a falecer. No futuro, para além do tratamento dentário acima referido, a autora poderá vir a ter de fazer tratamentos de fisioterapia, 1 vez por ano, e pode ter necessidade de recorrer a medicamentos (analgésicos e anti-inflamatórios) para minimizar as dores.
Atento este quadro, não admira que a autora sofra das alterações de humor, do sono e alterações afectivas, bem como o referido quadro de tristeza, angústia e depressão referidas supra. Note-se que, por exemplo, é verdade que não temos prova pericial (relatório elaborado por psicólogo) a afirmar que a autora sofre de depressão. Mas também é verdade que não foi isso que o Tribunal recorrido deu como provado. O que ficou provado foi que “a Autora (…) tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, triste, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida”.
E a argumentação da recorrente (que isso não consta do relatório do INML) é manifestamente insuficiente para que se possa falar em erro de julgamento do Tribunal.

Assim, improcede a pretensão da recorrente.

6. A Recorrente discorda ainda da decisão da matéria de facto, quanto ao facto 69 dado como provado na sentença:
69. As lesões e sequelas, de que a autora passou a padecer prejudicam e interferem com a mobilidade no acto sexual em certas posições e, em consequência das queixas, lesões e sequelas supra descritas, a Autora não pode actualmente -e não poderá no futuro- nos seus tempos livres e de lazer, praticar dança e natação, actividades essas que praticava regularmente antes do acidente em discussão nos presentes autos, designadamente de nadar actividade essa que fazia com regularidade não apurada”.

A argumentação da recorrente é sempre a mesma: que tal não consta do relatório pericial do INML.
Porém, neste caso, e no que se refere às consequências das lesões na prática do acto sexual, afigura-se-nos que a recorrente tem razão.
Olhando para o Relatório pericial vemos que, em primeiro lugar, a autora não se queixou, aquando do exame, de qualquer problema a nível de sexualidade e procriação. Ora, se alguma coisa houvesse nessa área, não conseguimos imaginar por que razão a autora teria mentido à perita.
E a Perita médica não fez constar do seu relatório que a autora, em consequência do acidente, tivesse ficado afectada de qualquer diminuição em matéria de sexualidade e procriação. Ou, como afirma a recorrente, “no relatório do INML, que não foi alvo de reclamação por parte da Autora, não foi identificado qualquer prejuízo sexual”.
Recorde-se que ao depor como testemunha o marido da autora referiu que “antes do acidente tinham uma vida sexual activa, ela hoje tem dores e isso afecta a líbido e também não insiste”.
Ora, considerando que do ponto de vista médico legal já vimos que a autora não ficou afectada de qualquer prejuízo do ponto de vista sexual, aquilo que o casal possa experienciar a esse nível será mais uma decorrência dos factores psicológicos, já analisados supra, e não o resultado de qualquer dano a nível sexual.

Assim, nesta parte o recurso procede e o facto 69 passa a não provado.

Aqui chegados, e antes de prosseguir, entendemos útil reproduzir novamente a lista dos factos provados, com as alterações agora introduzidas.

Assim, consideram-se provados os seguintes factos:

1. No passado dia - de Novembro de 2016, cerca das 08 horas e 30 minutos, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Braga, ocorreu um embate;
2. No qual intervieram os seguintes veículos automóveis:
-um veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, com o número de matrícula IJ, de propriedade e conduzido por M. J., e
-um veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, com o número de matrícula OS, de propriedade de C. P. e conduzido pela aqui Autora.
3. Entre aquela M. J., nas qualidades de proprietária e/ou condutora habitual do veículo de matrícula IJ e a seguradora “X Seguros S.A” existia à data e aquando da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, titulado pela apólice nº ...........72,
4. Mediante o qual, havia transferido para aquela seguradora “X Seguros S.A.”, a respectiva responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do mesmo veículo matrícula IJ à data da ocorrência do acidente de viação, pelos danos causados a terceiros, bem como a pessoas transportadas (onerosa ou gratuitamente), pela sua carga e emergentes da circulação rodoviária do mesmo veículo matrícula IJ.
5. Sucede que, em 30/12/2018, a “X Seguros S.A.” foi incorporada, por fusão, na “X Seguros Compañia De Seguros Y Sociedad Anonima”, fusão essa que implicou a alteração da Identificação Social da Sucursal X Seguros em Portugal para “X Seguros, Compañia De Seguros Y, S.A. – Sucursal Em Portugal”, ora Ré, representante permanente da “X Seguros, Compañia De Seguros Y, S.A.” adquirindo a “X Seguros, Compañia De Seguros Y, S.A. – Sucursal Em Portugal”, todos os direitos e obrigações da extinta “X Seguros S.A.”
6. A Autora nasceu em ..-05-1985.
7. No dia, hora e local acima melhor mencionados, a Autora conduzia o “OS”, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Braga, no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ..., isto atento o seu sentido de marcha.
8. O “OS”, circulava numa via (Rua ...) que lhe conferia prioridade nos cruzamentos e entroncamentos, conforme sinal vertical B9a, existente na berma direita da via por onde seguia e a cerca de 50/100 (cinquenta/cem) metros de distância antes do local onde ocorreu o embate melhor descrito nos presentes autos,
9. O “OS”, circulava a uma velocidade entre os 30/40 Km/horários,
10. Circulava com as luzes de cruzamento (médios) e de nevoeiro da frente e traseira do seu veículo ligadas.
11. Circulava totalmente dentro da sua metade direita da faixa de rodagem (hemi-faixa), bem junto à berma direita, e
12. A Autora conduzia o “OS”, perfeitamente atenta às condições da via e demais trânsito, com o cuidado, atenção, prudência.
13. A Rua ..., à data e no local onde ocorreu o acidente de viação, atento o sentido de marcha do “OS”, entroncava pela sua direita com a Rua ....
14. Por outro lado, também no mesmo dia, mesma hora e no mesmo local acima melhor mencionados, o veículo “IJ”, circulava na Rua ..., no sentido de marcha Rua .../Centro da freguesia de ...,
15. O “IJ”, circulava a uma velocidade superior a 50/60 Km/horários;
16. O “IJ”, circulava com as luzes de cruzamento (médios) e de nevoeiro da frente do seu veículo desligadas e sem assinalar atempadamente a sua presença,
17. O “IJ”, aproximava-se de um sinal vertical de paragem obrigatória B2 de STOP existente na berma direita da Rua ... (sensivelmente a cerca de 1/2 metros de distância antes da intercepção com a Rua ...) por onde circulava e atento o seu sentido de marcha (Rua .../Centro da freguesia de ...) sinal esse que lhe era então perfeitamente visível e cuja existência era do seu conhecimento pessoal.
18. O referido sinal vertical de paragem obrigatória (B2 - S.T.O.P.) existente na berma direita da Rua ... e atento o sentido de marcha do “IJ”, era à altura do embate dos presentes autos, perfeitamente visível, avistável e do conhecimento pessoal da condutora do “IJ”, na medida em que a mesma circulava frequentemente no mesmo local.
19. Sucedeu porém que, no supra referido entroncamento, quando o “OS” se aproximava sensivelmente a cerca de 2/3 (dois/três) metros de distância do supra referido entroncamento existente à sua direita e proveniente da Rua ..., surge o “IJ” conduzido de uma forma completamente distraída, proveniente da referida Rua ... e com o intuito de seguir sempre em frente e entrar na referida Rua ... e dessa forma proceder logo de seguida e em acto continuo à manobra de mudança direcção à sua esquerda para dessa forma passar a circular dentro da Rua ... no sentido de marcha contrário ao do “OS”, ou seja, no sentido de marcha Estação CP .../Centro da freguesia de ...,
20. Sem que a condutora do “IJ”, prestasse atenção à sua condução e ao trânsito previamente existente na Rua ..., designadamente do seu lado esquerdo no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ... e por onde já circulava previamente “OS”.
21. O “IJ”, não diminuiu a velocidade que lhe era então imprimida pela sua condutora, não parou e nem deteve a sua marcha, dessa forma desrespeitando o sinal vertical de paragem obrigatória (B2- S.T.O.P.) existente no lado direito/berma direita da referida Rua ... por onde circulava no sentido Rua ... /Centro da freguesia de ...,
22. O “IJ”, em acto contínuo, seguiu sempre em frente e dessa forma invadiu súbita, repentina e inesperadamente toda a hemi-faixa de rodagem direita da referida Rua ... na transversal/perpendicular em relação ao sentido de marcha do “OS”.
23. O “IJ”, passou assim, acto continuo, a circular totalmente dentro de toda a hemi-faixa de rodagem direita da referida Rua ..., atravessadamente e na perpendicular em relação ao sentido de marcha do veículo matrícula OS.
24. Dessa forma, o “IJ”, atravessadamente e na perpendicular, invadiu e passou a circular totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ..., por onde já circulava previamente o “OS”, cortando e obstruindo também por completo toda a passagem e todo o sentido de marcha (linha de trânsito) ao “OS”, impedindo-o de a continuar,
25. Acabando o “IJ”, por embater violentamente com toda a sua parte frontal na parte frontal direita e parte lateral direita da frente do veículo matrícula “OS”.
26. A Autora ao avistar o “IJ”, nem sequer teve tempo ou espaço de evitar a colisão e embate entre toda a parte frontal do “IJ” na parte frontal direita e parte lateral direita da frente do “OS” por si conduzido, designadamente não teve tempo nem espaço sequer para atempadamente diminuir a sua velocidade, de travar atempadamente ou de se desviar atempadamente o mais possível para a sua esquerda atento o seu sentido de marcha.
27. Só por desatenção, é que a condutora do “IJ” em acto contínuo, não diminuiu a velocidade que vinha imprimindo ao mesmo, nem deteve a sua marcha, dessa forma desrespeitando o supra referido vertical de paragem obrigatória (B2 - S.T.O.P.) existente na berma direita da referida Rua ... por onde circulava, invadindo e passando a circular totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ... por onde já circulava previamente o “OS” e nem se apercebeu que na referida Rua ... já circulava previamente do seu lado esquerdo e no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ... o veículo matrícula OS.
28. O embate fronto/lateral entre ambos os veículos (IJ e OS), ocorreu totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ... e junto à berma direita por onde já circulava previamente o “OS”, ficando nessa mesma metade direita da faixa de rodagem peças, plásticos, vidros partidos de ambos os veículos intervenientes.
29. O “OS” mercê da violência de tal embate fronto/lateral, foi projectado para o seu lado esquerdo acabando por imobilizar a sua marcha dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua ... atento o seu sentido de marcha da Autora, mais concretamente a cerca de 6,10 metros de distância da sua roda traseira esquerda em relação a um poste de iluminação existente na berma esquerda da referida Rua ... (por referência aos pontos B) e F) mencionados na participação policial do acidente).
30. O “IJ, após o embate, imobilizou a sua marcha dentro e a meio da hemi-faixa de rodagem direita da Rua ... atento o seu sentido de marcha da Autora (Centro da freguesia de .../Estação CP ...), mais concretamente a cerca de 19,00 metros de distância da sua roda frontal direita em relação a um poste de iluminação existente na berma direita da referida Rua ... (por referência aos pontos A) e E) mencionados na participação policial do acidente).
31. A condutora do “IJ”, à data e no local onde ocorreu o embate disponha de muito boa visibilidade da Rua ... de onde saía relativamente à Rua ... em relação ao sentido de marcha do veículo matrícula OS e por onde o mesmo já circulava previamente (do seu lado esquerdo) no sentido de marcha Centro da freguesia de .../Estação CP ....
32. O “OS”, era assim, perfeitamente visível e avistável no campo visual da condutora do “IJ”, numa distância nunca inferior a 50/100 (cinquenta/cem) metros.
33. A Rua ... atento o sentido de marcha do “IJ” e de onde o mesmo saía relativamente à Rua ... por onde o “OS” conduzido pela Autora já circulava previamente, à data e no local onde ocorreu o acidente de viação dos presentes autos, constituía uma localidade densamente povoada, com grande trafego de veículos automóveis, ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas directas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se trata de uma localidade.
34. A Rua ..., à data e no local onde ocorreu o acidente de viação dos presentes autos, disponha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito, com marcação de vias e com bastante iluminação pública de carácter permanente.
35. Tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 7,00 metros, dispondo assim cada hemi-faixa de rodagem de uma largura de 3,50 metros.
36. Apresentava uma configuração em forma de curva, em patamar, com boa visibilidade e com a via devidamente sinalizada e perfeitamente nivelada.
37. À hora e no local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos presentes autos, o piso betuminoso da Rua ... encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco em face das boas condições climatéricas que se faziam sentir na altura (tempo limpo, seco e com sol), proporcionando-se perfeitas condições de visibilidade.
38. A Autora como consequência directa e necessária do supra descrito acidente de viação (embate fronto/lateral), sofreu vários ferimentos e várias lesões traumáticas, tendo sido assistida no local pelo INEM e posteriormente transportada do local do acidente para o SERVIÇO DE URGÊNCIAS DO CENTRO HOSPITALAR DO ..., E.P.E, no próprio dia 16-11-2016, pelas 09 Horas e 27minutos, onde foi internada e examinada, apresentando o seguinte diagnóstico:
-Traumatismo e dores a nível torácico;
-Traumatismo e dores a nível cervical;
-Traumatismo e dores a nível dorsal;
-Traumatismo e dores a nível lombar;
-Traumatismo e dores intensas a nível do ombro esquerdo;
-Traumatismo e dores intensas a nível do joelho esquerdo;
-Traumatismo e dores a nível da região mandibular esquerda (face),
-Traumatismo craniofacial por abertura do airbag que lhe desencadeou problemas dentários com fractura e luxação dos dentes 11 e 21 e fractura 16.
39. A Autora no Centro Hospitalar do ..., E.P.E. foi observada e radiografada.
40. A Autora teve alta hospitalar no próprio dia 16/11/2016, tendo sido medicada para as dores, com indicação para usar colar cervical durante 5 (cinco) dias e foi orientada para o centro de saúde da sua área de residência.
41. A Autora após a alta hospitalar esteve um mês acamada em casa e só se levantava para ir à casa de banho com ajuda de terceira pessoa.
42. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, em 28/11/2016 foi examinada pela sua médica de família Dra. O. C., com domicílio profissional no Centro de Saúde ..., a qual lhe diagnosticou a necessidade de fisioterapia.
43. A Autora, devido à sintomatologia aguda a nível cervical, lombar e no membro superior esquerdo, nos meses de Novembro e Dezembro de 2016 efectuou tratamento fisiátrico na “Espaço Terapêutico ...”.
44. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, em 05/01/2017 e 28/0/2018 foi examinada pelo seu Médico Dentista Dr. J. M., o qual lhe diagnosticou o seguinte:
-sintomatologia e patologia dentária que não apresentava antes do acidente (só teria uma cárie no dente 38).
-em 05-01-2017 apresentaria fractura cúspide disto-palatina no dente 16; linhas de fissura dos dentes 11, 21 e 22 com escurecimento dentário no dente 21; espessamento do ligamento periodontal e dor à mastigação no dente 36; trauma da articulação temporo-mandibular com estalidos, dores musculares, pressão auricular e stress dentário nocturno; inclinação posterior dos dentes 2º e 5º. Propõe tratamentos correctivos.
45. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, de 26/01/2017 a 11/09/2017, devido à sintomatologia aguda a nível cervical, lombar, no membro superior esquerdo e a nível dentário, por conta e a expensas da Ré, foi acompanhada e assistida nas Especialidades de Neurocirurgia e Ortopedia no Hospital Privado de ....
46. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, por conta e a expensas da Ré, efectuou várias consultas de Fisiatria e realizou cerca de 45 sessões de tratamento fisiátrico de 06/02/2017 a 22/05/2017, na Clínica de Fisioterapia de ... Lda, onde foi observada pela Dra. A. B., Médica Fisiatra, a qual lhe diagnosticou o seguinte:
-Refere história de acidente de viação a 16/11/2016.
-Observada nesta clínica em consulta de Fisiatria a 6/02/2017, referenciada por Ortopedia/… Saúde, com termo de responsabilidade da Companhia de Seguros X.
-Referência a politraumatismos nomeadamente: na face, raquis cervical e lombar, ombro esquerdo e joelho esquerdo.
-Raquialguas importantes, cefaleias e náuseas, parestesias;
-Medicada com analgésicos, anti-inflamatórios e relaxante muscular.
-Apresentava na data de 6/02/2017, queixas de dores a nível do ráquis cervical e lombar, e dor a nível do ombro esquerdo; com alguma limitação na mobilidade cervical, lombar e ombro esquerdo.
-Realizou fisioterapia de 07/02/2017 a 15/05/2017.
-última reavaliação emconsultadeFisiatria a22/05/2017;
-Apresentava recuperação progressiva e lenta da mobilidade articular do raquis e ombro esquerdo; com melhoria progressiva das queixas dolorosas a nível do ráquis lombar e ombro esquerdo; com queixas de cervicalgias persistentes.
47. A Autora após a sua alta hospitalar, passou também a ser acompanhada e assistida a mando, por conta e a expensas da Ré, nos seus serviços clínicos (CENTRO CLÍNICO X SEGUROS) sitos no HOSPITAL DE ..., desde 22/06/2017 e até 06/09/2017.
48. A Autora nos seus serviços clínicos da Ré fez exames e MFR tendo estado de baixa até 24/7/2017, data em que comunicou à Ré que estaria grávida e teve alta.
49. A Autora após essa data de 24/07/2017, manteve dores na coluna e que teve necessidade de efectuar tratamentos de fisioterapia por sua conta, bem como efectuou consultas dentárias.
50. A Autora teve alta dos serviços clínicos da Ré em 06/09/2017.
51. As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, atingiram a consolidação médico legal em 22/05/2017.
52. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, no dia 06-09-2017, por conta e a expensas da Ré, foi submetida a um Relatório final de avaliação do dano corporal em direito civil, do qual constam, entre outras, as seguintes conclusões:
-Curada sem desvalorização;
-O sinistrado pode retomar/continuar o trabalho em 2017/09/07.
53. A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, no dia 20-12-2021, foi observada e submetida a uma perícia de avaliação do dano corporal em direito civil realizada pela Dra. A. M., da qual consta, entre outras, as seguintes conclusões:
-A data da consolidação das lesões é fixável em 22-05-2017;
-Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 1 dia;
-Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 187 dias;
-Período de Repercussão Temporária Total na Actividade Profissional fixável em 188dias;
-Quantum Doloris fixável no grau 3 em 7;
-O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 pontos;
-As Sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual mas implicam esforços adicionais;
-Dano estético permanente fixável no grau 1/7.
-Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas e tratamentos médicos regulares (analgésicos e anti-inflamatórios) e ao nível de fisioterapia (1 x por ano);
-A examinada necessitará de proceder ao tratamento médico-dentário.
54. A Autora foi observada e submetida a uma Perícia de Avaliação do Dano na especialidade de Medicina Dentária, realizada pela Dra. I. P., da qual constam as seguintes conclusões: Admite-se o nexo de causalidade entre o evento e as lesões e sequelas em apreço; As lesões sofridas ainda não atingiram a consolidação médico-legal; Do evento terá resultado fractura e luxação dos dentes 11 e 21, e fractura de 16, bem como desordem temporo-mandibular (DTM), nesta altura manifestada com fenómenos de mioespasmo; A DTM terá que ser tratada mediante a colocação de uma goteira de oclusão em relação cêntrica, de uso nocturno, sendo necessário o seu acerto ajuste periódico; O escurecimento, as linhas de fractura e a alteração da posição dos dentes 11 e 21 apenas poderão ser corrigidas mediante a colocação de coroas/facetas; A fractura do dente 16 parece ter sido resolvido mediante desgaste, sugerindo, por isso, tratar-se de uma fractura muito reduzida, sem impacto funcional ou estético; Com a implementação do tratamento é de prever que não haja lugar à atribuição de qualquer coeficiente de desvalorização”.
55. Para resolver estes problemas será necessário: realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros; confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros; colocação de facetas em cerâmica (dentes 21 e 11), no valor de 1.000,00 euros.
56. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (DFPIFP) e a Incapacidade Permanente Parcial (IPP) supra referidos, têm repercussão permanente na Actividade Profissional da Autora, na medida em que as sequelas supra descritas são compatíveis com o exercício da habitual actividade profissional da Autora de “Cabeleireira”, mas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral para o exercício dessa mesma actividade profissional e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente e que até à data do acidente dos presentes autos não sentia.
57. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos exercia por conta de outrem a categoria profissional de “Cabeleireira” na firma denominada “BARBEARIA ... LDA”, sita na Rua ... Porto.
58. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “Cabeleireira” auferia uma quantia mensal ilíquida na ordem dos € 623,94 (Seiscentos e Vinte e Três Euros e Noventa e Quatro Cêntimos) discriminada da seguinte forma:
-€ 530,00 x 14 meses/ano a título de vencimento base;
-€ 93,94 x 11 meses/ano a título de subsídio de alimentação.
59. A Autora por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação descrito nos autos, teve necessidade de ser submetida a vários tratamentos médicos, a vários internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, de efectuar vários exames clínicos, de adquirir uns óculos dos quais a Ré apenas reembolsou 80% do seu valor, nas quais despendeu até à presente data quantia não concretamente apurada.
60. A Autora por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação descrito nos autos, teve necessidade de efectuar várias deslocações em transporte próprio a hospitais e a clínicas, nas quais despendeu, até à presente data, uma quantia em valor não apurado.
61. A Autora durante o supra-referido período de Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho - 16/11/2016 a 22/05/2017 - apenas recebeu da Ré a quantia de € 3.311,12 a título de adiantamento sobre indemnização e da Segurança Social a quantia de 305,40 da Segurança Social a título de concessão provisória de subsídio de doença.
62. A Autora em consequência das supra referidas lesões traumáticas sofridas em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, sofreu múltiplas e intensas dores durante todo o tempo que mediou entre o acidente de viação descrito nos presentes autos, o internamento hospitalar, os tratamentos médicos, os tratamentos clínicos, a recuperação funcional a que foi submetida, todos eles dolorosos, o seu período de convalescença, a sua alta hospitalar e médica, o período de incapacidade temporária absoluta e a sua recuperação ainda que parcial.
63. As referidas dores numa escala crescente de 1 a 7 conferem à Autora um “Quantum Doloris” fixado no grau 3.
64. A Autora na altura do acidente sofreu angústia de poder a vir a falecer.
65. A Autora em consequência das lesões e sequelas supra-referidas, padece actualmente de alterações de humor, do sono e alterações afectivas.
66. Antes da ocorrência do acidente, era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.
67. A Autora actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, devido às lesões traumáticas sofridas e às sequelas actuais e permanentes de que o mesmo padece -e continuará a padecer no futuro- tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, triste, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
68. A Autora sente-se actualmente e desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, afectada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente, designadamente em consequência das alterações estéticas a nível dentário, de caracter ligeiro, as quais lhe conferem dano estético permanente fixável no grau 1/7.
69. Não provado
70. No futuro, para além do tratamento dentário acima referido, a autora poderá vir a ter de fazer tratamentos de fisioterapia, 1 vez por ano, e pode ter necessidade de recorrer a medicamentos (analgésicos e anti-inflamatórios) para minimizar as dores.
71. A Ré através do seu gestor de processo e da Direcção de Serviço ao Cliente de nome D. O., expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante a aqui Autora, a responsabilidade e culpa exclusivas da condutora do veículo segurado na Ré matrícula IJ (M. J.) na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e que vitimou a Autora.
72. A Ré sempre reconheceu de uma forma clara, inequívoca e concludente o direito à indemnização por parte da aqui Autora, de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela mesma e que tiveram como causas mediatas e imediatas o aqui descrito acidente de viação.
73. Tudo conforme melhor se pode constatar pelo teor de uma carta com o timbre da Ré, datada de 26-12-2016 e nessa mesma data endereçada pela Ré à Autora (e por esta recepcionada), subscrita e assinada pelo seu gestor de processo e da Direcção de Serviço ao Cliente de nome D. O., na qual sob a epígrafe “Apólice n.º .............72, Processo n.º ...............49/2, Lesado: A. C., Assunção da responsabilidade no acidente de viação” a Ré comunicou e informou expressamente a Autora do seguinte:
-Recebemos a sua comunicação de sinistro com data de ocorrência a 16-11-2016;
-A X Seguros assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do acidente”.
74. A Ré procedeu ao pagamento das despesas médicas e hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar à Autora, designadamente ao Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., ao Hospital Privado de ... e à Clínica De Fisioterapia de ... Lda.
75. A Ré em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, procedeu ao pagamento à Autora das seguintes quantias:
-€ 3.311,12 a título de adiantamentos salariais (cfr. docs nºs 40 a 47);
-€ 240,00 a título de despesas com óculos (80%) (doc. n.º 49);
-€ 129,73 a título de despesas com telemóvel (cfr. docs n.ºs 44);
-€ 101,53 a título de despesas médicas e medicamentosas;
-€ 480,73 a título de despesas com fisioterapia;
-€ 9,10 a título de despesas com táxi, e
-€ 11,00 a título de despesas com colete cervical.
76. A Ré em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, procedeu ao pagamento ao proprietário do veículo conduzido pela Autora matrícula OS C. P. da quantia de €1.840,00 a título de indemnização pelos danos materiais causados ao referido veículo e que foi considerado perda total.
77. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, de 26/01/2017 a 11/09/2017, devido à sintomatologia aguda a nível cervical, lombar, no membro superior esquerdo e a nível dentário, por conta e a expensas da Ré, foi acompanhada e assistida nas Especialidades de Neurocirurgia e Ortopedia no Hospital Privado de ..., sito na Rua …, Braga.
78. A Autora em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, por conta e a expensas da Ré, efectuou várias consultas de Fisiatria e realizou cerca de 45 sessões de tratamento fisiátrico de 06/02/2017 a 22/05/2017, na Clínica de Fisioterapia de ... Lda, sita na Rua ... Calendário, ....
79. A Autora após a sua alta hospitalar, passou também a ser acompanhada e assistida a mando, por conta e a expensas da Ré, nos seus serviços clínicos (Centro Clínico X Seguros) sitos no Hospital de ..., desde 22/06/2017 e até 06/09/2017.
80. A Autora, nos serviços clínicos da Ré fez exames e MFR tendo estado de baixa até 24/7/2017, data em que comunicou à Ré que estaria grávida e teve alta (supostamente por esse motivo).
81. A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, no dia 06-09-2017, por conta e a expensas da Ré, foi submetida a um Relatório Final de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil pelos Serviços Clínicos da Ré.
82. A Ré por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para a Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, em 21/11/2018, através do gestor de processo e da Direcção de Operações – Sinistros Auto Complexos e Corporais de nome A. R., apresentou por escrito à Autora uma primeira proposta consolidada, ou seja, uma proposta de indemnização final por todos os danos não patrimoniais sofridos pela Autora, oferecendo-lhe um montante indemnizatório no valor global de apenas €2.092.63, discriminado nas seguintes parcelas:
-Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 1 ponto: 900.00€
-Perdas salariais líquidas: €1.192.63 (16-11-2016 a 23-12-2016 e 01-07-2017 a 24-07-2017 (restantes períodos considerados)- valor mensal líquido - 577.08€ (conforme compete pagar em acidente automóvel);
-Despesas médicas, exames e 20% do óculos em falta: despesas decorrentes do sinistro apenas a considerar até à data de alta mediante apresentação dos comprovativos originais. 20% dos óculos não pagos correspondem à desvalorização normal decorrente do uso dos objectos;
-Despesas com deslocações em veículo próprio: são pagas a 0.15/km, mediante apresentação das presenças em tratamentos, informando os KM em causa.
83. A ocorrência do acidente de viação em discussão nos presentes autos, foi comunicada à Ré pelo seu segurado, dentro do prazo de 8 dias a contar do dia da ocorrência do mesmo.
84. A Ré em consequência das lesões e sequelas que advieram para a Autora com o acidente de viação descrito nos presentes autos, não contestou a responsabilidade e culpa exclusivas da condutora do veículo segurado na Ré matrícula IJ (M. J.) na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e que vitimou a Autora.
85. A Autora através do seu mandatário, por mail com MDDE enviado para a Ré Seguradora em 16/11/2018 pelas 17 horas 18 minutos e pela mesma recepcionado na mesma data, com cópia do documento juntos com a P.I. sob os doc. n.º 28 apresentou por escrito à Ré Seguradora uma proposta consolidada, ou seja, um pedido de indemnização final por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora/Lesada em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, peticionando extrajudicialmente os seguintes valores:

EXMOS SENHORES X SEGUROS S.A.
AV. ... LISBOA
Fax Geral: ...
geral@Xseguros.pt
Fax Sinistros: ... sinistros@Xseguros.pt DATA: 16/11/2018.
ASSUNTO: ACIDENTE DE VIAÇÃO OCORRIDO EM 16/11/2016. N/REF: A. C.
V/REF: PROCESSO N.º ...............49- APOLICE N.º .............72 N/REF:
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO FINAL POR CONTA DOS DANOS CORPORAIS (danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos em consequência do acidente de viação em epigrafe, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto.
Exm.ºs Senhores.
Os meus cordiais cumprimentos.
Na sequência do sinistro acima referenciado, incumbiu-me a minha constituinte Sra. A. C. de apresentar juntos dos vossos serviços um pedido de indemnização final por conta dos danos corporais (danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pela mesma em consequência do acidente de viação em epigrafe, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, pelos seguintes valores:
-Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 5 pontos: 530,00€ X 14 meses + 93,94€ X 11meses = rendimento anual de 8.453,34€ x 5 Défice Funcional = 422,66€ x 49 Anos Esperança Media de Vida (80 – 31) = 20.710,34€;
-Danos não patrimoniais: 30.000,00€;
-Perdas salariais ilíquidas: 8.453,34€: 365 dias: 23,16€ salário dia X 251 dias (16-11-2016 a 24-7-2017 = 251 dias) = 5.813,16€ - 3.311,12€ adiantamentos salariais= 2.502,04€;
-Despesas médicas, exames e 20% dos óculos em falta: 1.028,00€;
-Despesas com deslocações em veículo próprio: 812 Km x 0,36€= 293,04€
-DANO FUTURO a liquidar em futuro incidente de liquidação: necessidade no futuro de apoio médico ocasional pela entidade responsável, nomeadamente para tratamentos de Fisiatria e tratamentos dentários.
ELEMENTOS DE CÁLCULO:
-A data da consolidação das lesões é fixável em 24-7-2017.
-Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 30 dia.
-Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 221 dias.
-Período de Repercussão Temporária Total na Actividade Profissional fixável em 251dias.
Quantum Doloris fixável no grau 3 em 7.
O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
A Repercussão Permanente Actividades Desportivas e Lazer fixável no grau 3 em 7.
A Repercussão Permanente na Actividade Profissional, sendo que neste caso assequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual mas implicam esforçosadicionais.
-Nota: a examinada poderá necessitar de apoio médico ocasional pela entidade responsável, nomeadamente para tratamentos de Fisiatria t/e tratamentos dentários.
Actividade exercida: Cabeleireira;
-Salário mensal ilíquido a data do acidente: €623,94 (530,00€ Rem. Base + 93,94€ Sub. Alim.);
Esperança média de vida: 49 anos tendo em conta a idade de 31 anos (80 – 31);
DOCUMENTOS EM ANEXO:
1) Relatório de Avaliação do Corporal em Direito Civil;
Grato pela atenção dispensada e aguardando por prezada resposta, subscrevo-me.
Atenciosamente.
O Advogado ao dispor. J. C.
86. A Ré por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para a Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, apenas em 21/11/2018, através do gestor de processo e da Direcção de Operações – Sinistros Auto Complexos e Corporais de nome A. R., apresentou por escrito à Autora uma primeira proposta consolidada, ou seja, uma proposta de indemnização final por todos os danos não patrimoniais sofridos pela Autora, oferecendo-lhe um montante indemnizatório no valor global de apenas €2.092.63.

Vamos agora analisar os recursos de autora e ré, quanto à aplicação do direito que foi feita, levando em conta, obviamente, as alterações da matéria de facto provada agora decididas.
E optamos por analisar primeiro os valores das indemnizações que foram questionados, deixando para o final a questão de saber se o Tribunal a quo andou bem ao sancionar a ré pela apresentação à autora de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável, no pagamento dos juros em dobro (nos termos do artigo 39º,2 do DL 291/2007), decisão esta que foi posta em causa, embora por razões diferentes, por ambas as partes.

Recordemos, porque é útil, quais os pedidos ressarcitórios formulados pela autora:

a) € 35.000,00 a título de “perda de capacidade de ganho”/“dano biológico”;
b) € 1.028,00 a título de despesas médicas e medicamentosas;
c) € 1.000,00 a título de despesas com deslocações e transportes;
d) € 2.196,64 a título de perdas salariais;
e) € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais;
f) quantia a apurar em posterior incidente de liquidação a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros;
Tudo já quantificado num total de € 69.224,64.

E recordemos quais os valores que a sentença recorrida concedeu:

a) € 30.000,00, sendo que € 7.500,00 são devidos ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquico de 2 pontos de que ficou a padecer a Autora, e € 22.500,00 são danos não patrimoniais no sentido clássico do termo.
b) € 737,56 (remunerações não recebidas)
c) € 2.000,00 (despesas médicas e medicamentosas)
d) € 5.420,00 (tratamentos dentários a fazer no futuro)
e) € 500,00 (analgésicos e anti-inflamatórios)
Tudo num total de € 38.657,56

A autora aceitou esses valores e não recorreu a pedir a alteração dos mesmos.

Já a ré não aceitou.

a) A primeira discordância prende-se com os valores auferidos pela autora a título de subsídio de refeição. Já nos pronunciámos supra sobre essa questão, alterando a formulação do facto provado 58, retirando a palavra “retribuição”, que pode ter uma conotação jurídica apreciável, e substituindo-a pela expressão neutra “quantia mensal”.

A partir daí, basta-nos recorrer ao que se afirma, correctamente, na sentença recorrida, sobre a obrigação de indemnizar: “o princípio vigente em matéria de obrigação de indemnizar, é o da reconstituição natural, ou seja, o lesante deve repor a situação no estado em que se encontrava antes da lesão (artº. 562º Código Civil). Quando não seja possível proceder à reconstituição natural, a indemnização será fixada em dinheiro, atendendo à chamada teoria da diferença, ou seja, tomando como medida a diferença entre a situação real actual do lesado, e a situação (hipotética) em que este se encontraria, se não fosse o acto lesivo (artº. 566º CC)”.
E assim, atenta a causa de pedir nestes autos, e sempre salvo melhor opinião, não se nos afigura relevante saber se a quantia de € 93,94 x 11 meses que a autora auferia e deixou de auferir, a título de subsídio de alimentação, por força do acidente, deve ser qualificada como retribuição ou como qualquer outro rótulo jurídico. O importante é que se tratava de quantia que a autora auferia mensalmente e deixou de auferir. Ergo, recorrendo ao critério supra elencado da diferença entre a situação real actual da autora e a situação (hipotética) em que esta se encontraria, se não fosse o acto lesivo (artº. 566º CC), esse montante é-lhe devido, pois ela teria continuado a auferir o mesmo todos os meses não fora o acidente que a vitimou. Nesta parte, improcede a pretensão da recorrente.

b) outra discordância da ré com os valores arbitrados é a que tem a ver com os factos 54 e 55, que esta Relação alterou, dando razão à ré, sobre as lesões causadas à autora a nível dentário. E o que emergiu provado foi apenas que para resolver os problemas detectados será necessário realizar um desgaste selectivo no dente 16, no valor de 30,00 euros; confeccionar uma goteira de relaxamento nocturno antes e após tratamento ortodôntico, para permitir a recuperação da articulação, no valor de 150,00 Euros; e colocação de facetas em cerâmica (dentes 21 e 11), no valor de 1.000,00 euros.

Assim, o valor devido a este título é o de € 1.180,00. Aqui o recurso procede.

c) A Recorrente considera que o valor fixado pelo Tribunal a quo, a título de dano biológico na vertente de dano não patrimonial (€ 7.500,00) é excessivo. Para lá chegar baseia-se em cálculos matemáticos, e conclui que o valor correcto será o de € 3.234,27.
Ora bem.
Ao contrário da sentença recorrida, que subsumiu esse dano na categoria de dano não patrimonial, vamos considerar que esse dano em concreto configura um dano patrimonial futuro, sendo que certo que para a lesada o que releva é o montante que vier a receber e não conceitos jurídicos abstractos.
Vejamos melhor.

A lei refere-se ao conceito de dano futuro no art. 564º CC, nos seguintes termos:
1) O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão;
2) Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Em matéria de danos patrimoniais rege, em primeiro lugar, o princípio da reconstituição natural expresso no art. 562º do CC e, quando esta não for possível, bastante ou idónea (art. 566º,1 CC) vale a indemnização em dinheiro a fixar de acordo com a teoria da diferença nos termos do art. 566º,2 do mesmo diploma, segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (encerramento da discussão em 1ª instância) e a situação hipotética que teria nessa data se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.

Assim, a chave, em matéria de ressarcibilidade dos danos futuros, como bem se compreende, é a sua previsibilidade.

E não estamos a falar de um conceito de danos futuros em geral: interessam-nos apenas os danos futuros previsíveis decorrentes da afectação da capacidade laboral do lesado. O conceito de dano biológico surgiu na Portaria nº 377/2008 de 26/05 em cujo preâmbulo se pode ler “(…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o art. 3º b) do diploma considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho.
A Jurisprudência tem aceite maioritariamente a reparação deste dano. “A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”, dano primário, do qual podem derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária” (Acórdão do STJ de 19/4/2018 – Relator: António Piçarra).
Pode ler-se também no Acórdão do STJ de 11/11/2010, relatado por Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt: “(…) o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”.
E “tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades do exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis diminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais (…)”.
O défice funcional não pode deixar de traduzir redução na capacidade económica geral do lesado, na medida em que representa, para além das dificuldades acrescidas no exercício dessa actividade específica, limitações para o desempenho de outras actividades económicas, concomitantes ou alternativas, que lhe pudessem entretanto surgir, na área da sua formação profissional, bem como na realização de tarefas pessoais quotidianas. Nessa medida, tal défice não pode deixar de relevar em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória daquela redução do rendimento económico potencial, como vem sendo seguido pela jurisprudência (Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017).
Este entendimento, que merece todo o nosso apoio, é, se não unânime, pelo menos claramente dominante.
A questão que se coloca agora é a da quantificação deste dano, para saber como fixar a indemnização, de forma a que se chegue a um valor justo, sem perder de vista a segurança jurídica, que exige a homogeneidade de decisões, e repele a disparidade aleatória de valores indemnizatórios.
A primeira observação a fazer tem de ser esta: o cálculo dos danos futuros não é um verdadeiro cálculo, porque, apesar de envolver alguns elementos concretos e determinados, envolve acima de tudo realidades futuras não conhecidas e não cognoscíveis. É um adquirido que o direito positivo não contém regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, em casos como o que agora nos ocupa, de incapacidades decorrentes de acidentes de viação. Os traços distintivos desta situação são, por um lado, a evidência incontornável de que a capacidade daquela pessoa de funcionar em sociedade, de trabalhar e de produzir ficou irremediavelmente afectada, o que terá óbvias consequências negativas para o futuro, mas por outro a impossibilidade de quantificar agora, no presente, essa afectação.
A determinação do valor da indemnização num caso destes é sempre, no mínimo, uma operação delicada, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão pouco segura, sobre danos verificáveis no futuro. É por isso que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal, e se mesmo assim não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o Tribunal julgar segundo a equidade, em obediência ao critério enunciado no art. 566º,3 do CC (neste sentido, cfr. Vaz Serra, RLJ,112º, 339 e 114º, 287 e seguintes; Dario Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, pág. 114 e Acórdão do STJ de 10.2.1998, CJSTJ, Tomo I, pág. 67) (1).
Procurando dizer de outra forma, a fixação destes danos envolve sempre um elemento inevitável de arbítrio. O arbítrio está em que não é possível no dia de hoje prever qual o montante monetário que certa pessoa vai deixar de receber nos próximos 2, 3, 5, 10, 30 ou 40 ou mais anos (!) em consequência de determinado evento lesivo ocorrido no passado recente. Desde logo por não sabermos se a pessoa em causa estará viva daqui a 1, 5 ou 15 anos. É evidente que se o lesado falecer daqui a 1 ano por causas que nada tenham a ver com o acidente, verificar-se-á um enriquecimento do seu património à custa da entidade obrigada à indemnização. E mesmo que ele sobreviva até ao final do período de vida previsível, ainda assim os imponderáveis a que a situação está sujeita são esmagadores: não é possível adivinhar qual seria a evolução da situação laboral do lesado, não é possível prever se ele não seria despedido ao fim de 5 anos, não é possível saber se a empresa não iria à falência ao fim de 2 anos, não é possível calcular o seu percurso profissional dentro daquela empresa em termos de saber se ele seria promovido ou despromovido, quando, em que termos, com que ganho patrimonial, não é possível antever se ele continuaria a exercer aquelas funções, ou seria reconvertido para outras totalmente diferentes, etc; e ainda por cima há situações como a presente, em que as lesões decorrentes do acidente geram uma indiscutível perda de capacidade de ganho, mas não impedem o lesado de ter uma actividade profissional e de a exercer. E não podemos adivinhar quanto tempo o autor conseguirá continuar a exercer estas funções, com a penosidade acrescida decorrente do acidente: 1 ano ? 5 anos ? 10 anos ? 30 anos ? Nem as consequências dessa acrescida penosidade: negligenciáveis ? Despedimento ? Mudança de funções ? Reconversão profissional dentro da mesma empresa ? Mudança de empregador ? Baixa de produtividade acompanhada de redução salarial ?
Em resumo, estamos a lidar com uma ficção. O montante que importa encontrar é uma pura ficção, uma previsão feita em abstracto, que apenas está ligada à realidade pelos ténues laços dos factos concretos do presente. Mas é a essa ficção que o sistema jurídico impõe que se recorra, a fim de determinar o quantum indemnizatório devido ao lesado pelos danos futuros.

Assim sendo, é possível detectar duas situações-tipo diversas:

a) aquelas em que é possível determinar um valor correspondente à perda de ganho decorrente das lesões causadas pelo acidente, temos a tarefa aparentemente facilitada;
b) e aquelas, como o caso presente, em que tal não é possível.

Para os casos que caiam na primeira situação, devemos seguir a orientação explicada pelo Acórdão do STJ de 28 de Março de 2019 (Relator: Conselheiro Tomé Gomes). Aí se pode ler:

A jurisprudência do S.T.J., que vem sendo aceite e aplicada nas instâncias, assenta em três pontos:

1- Determinação dum capital produtor dum rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida activa do lesado, susceptível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
2- Utilização de fórmulas abstractas ou critérios, como elemento auxiliar, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes, as indemnizações.
3- Uso de juízos de equidade como complemento para ajustar o montante encontrado à solução do caso concreto, uma vez que não é possível determinar um valor exacto dos danos sofridos pelo lesado.

Estes três pontos são indissociáveis, necessários para se encontrar, em cada caso, o montante indemnizatório mais adequado.
Há quem utilize fórmulas matemáticas mais ou menos sofisticadas, ligadas a tabelas financeiras, reduzindo substancialmente, para não dizer totalmente, a intervenção do julgador na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.
Tabelas essas que, além de serem redutoras da intervenção do julgador, são complicadas, e, por vezes, de difícil utilização.
Através dum estudo apresentado pelo Juiz Conselheiro Sousa Dinis, na Colectânea de Jurisprudência, ano IX, Tomo I, 2001, do S.T.J., a fls. 6 a 12, foram delineados dois critérios, que atingem os mesmos resultados, que se revelam menos rígidos, e, em que o julgador acaba por ter grande intervenção na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.
Um dos critérios assenta numa regra de três simples, tendo em conta uma determinada taxa de juro, adequada à realidade económica e financeira do país, ao aumento pecuniário que o lesado ou seus dependentes economicamente, deixaram de auferir, durante 14 meses, num ano, a idade activa provável do mesmo, fazendo um primeiro ajustamento com um desconto que variará com o nível de vida do país, do custo de vida, em que predominará o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta estes dados ou outros relevantes.
E, encontrado um determinado valor, este poderá sofrer alterações para mais ou para menos, de acordo com juízos de equidade, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros factores influentes, que possam existir.
O outro critério traduz-se na determinação do montante que o património do lesado deixou de auferir durante 14 meses, num ano, multiplicando-o pelo período de tempo provável de vida activa, reduzindo o montante encontrado de acordo com regras de equidade já apontadas, e finalmente, ajustando o respectivo valor ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade, de acordo com a progressão na carreira, ganhos de produtividade e outros elementos influentes existentes em cada caso.
Julgamos que estes critérios, e, em especial, o último, são mais fáceis de utilizar, mantendo critérios mínimos de segurança, e com a vantagem do julgador expressar o seu cunho pessoal ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade que a lei impõe, e que são a expressão jurisdicional mais rica e criativa.
Em face do exposto, julgamos que é de aplicar ao caso sub judice, o último critério enunciado, em detrimento das fórmulas matemáticas complicadas, apresentadas e usadas nas alegações da recorrente”.
No caso dos autos, sabemos que a autora ficou afectada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos.
A autora tinha à data do acidente 31 anos de idade. Ficou afectada de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado em 2 pontos. As sequelas de que padece são compatíveis com o exercício da habitual actividade profissional da Autora de “Cabeleireira”, mas implicam esforços acrescidos e suplementares no seu dia-a-dia laboral para o exercício dessa mesma actividade profissional e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros superiores e inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e manualmente e que até à data do acidente dos presentes autos não sentia. A autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos exercia por conta de outrem a categoria profissional de “Cabeleireira” e auferia uma quantia mensal ilíquida na ordem dos € 623,94.
Com base nesta factualidade, vê-se claramente que não é possível determinar com rigor o valor correspondente à perda de ganho. Mas por outro lado é para nós inquestionável que os referidos 2 pontos de desvalorização, e os esforços suplementares que a autora terá de fazer, mais tarde ou mais cedo terão tradução numa perda de produtividade, e logo, numa perda de capacidade económica. Causada pelo acidente de que foi vítima. Que deve ser ressarcida.
E não vemos outra solução que não seja o recurso à equidade.
Como também se escreve noutro Acórdão do STJ do mesmo Relator, de 7.3.2019, “apesar de o referido défice funcional de 19 pontos não representar incapacidade para o exercício da actividade profissional da A., não poderá deixar de traduzir, de algum modo, diminuição da sua capacidade económica geral, não podendo deixar de relevar em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória daquela diminuição do rendimento económico potencial, com vem sendo seguido pela jurisprudência. Ponto é saber como calcular tal indemnização. Ora, diversamente do que foi entendido pelas instâncias, salvo o devido respeito, não se afigura que essa indemnização deva ser calculada com base no rendimento anual do A. auferido no âmbito da sua actividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa actividade, envolvendo apenas esforços suplementares. Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza. Temos ainda assim de reconhecer que nem sempre se mostra tarefa fácil estabelecer comparações entre os diversos casos já tratados na jurisprudência, ante a multiplicidade de factores variáveis e as singularidades de cada caso, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é susceptível de provocar no contexto da actividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho”.
Não vamos recorrer a qualquer fórmula matemática pois, como vimos, não há números concretos e credíveis sobre os quais aplicar a dita fórmula. Como prever a repercussão das sequelas definitivas na situação profissional da autora, a não ser o facto de a mesma ter ficado pior do que estava antes ?
O juízo de equidade a fazer obriga-nos a ponderar todas as circunstâncias do caso, descritas supra. E fazendo-o, cremos que é razoável e legítimo prever que as limitações com que a autora ficou já estão a interferir com a sua produtividade, e só podemos esperar que a situação piore no futuro, colocando em causa a manutenção das próprias funções, num mundo cada vez mais obcecado não só com o conceito de produtividade, como com a introdução de sistemas para a medir com cada vez maior detalhe e rigor, a que nem os Tribunais escapam (2).
O recurso à equidade implica que se tenha em atenção a comparação com outros casos semelhantes, de maior ou menor gravidade, decididos nos nossos Tribunais. Mas mesmo estas comparações devem sempre ter presente que, passe a redundância, cada caso é um caso, e cada situação concreta reveste-se de circunstâncias que são únicas.
E aqui, abreviando razões, vamos desde já dizer que concordamos com o que se afirma na sentença recorrida, com a argumentação retirada de casos decididos pela jurisprudência, e com o valor que foi fixado para ressarcir este tipo de danos, de € 7.500,00.
Com efeito, não vemos como se possa, a não ser embarcando num preciosismo descabido para as circunstâncias, apontar um erro ao valor que a sentença fixou.
Pelo que o mesmo é de manter, improcedendo nesta parte o recurso.

d) A Recorrente considera que o valor fixado pelo Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais subjectivos [€ 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros)], é excessivo. E entende que a indemnização por esses danos deve ser fixada em € 6.000,00 em vez dos € 22.500,00.

Recordemos porém, que tal afirmação da ré assentava na sua afirmação de que tinham sido mal julgados os factos 56, 64, 65, 67 e 68. Assim não o entendeu esta Relação.
Apenas nos convenceu a impugnação dirigida ao facto 69, que passou a não provado.
É sabido que a nossa lei consagra a indemnização por danos não patrimoniais, nos termos e com as condições resultantes do art. 496º,1,4 CC. A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas simplesmente e, de alguma forma, compensar o lesado pelos abalos e sofrimentos sentidos e igualmente sancionar a conduta do lesante. Na verdade, trata-se de prejuízos de natureza infungível, pelo que não é possível uma reintegração por equivalente, susceptível de indemnização, mas apenas um quantitativo que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro (Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. RL de 5.05.95 in CJ Ano XX, tomo 3, pg. 95; Ac. STJ de 11.10.94 in CJ Ano II, tomo 3, pg. 89; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 15.12.98 in CJ Ano VI, tomo 3, pg. 155; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 25.11.2009 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 397/03.0GEBNV.S1. Esta compensação deve ser proporcionada à gravidade do dano e deverá ter um alcance significativo e não meramente simbólico; por outro lado, a sua valoração é actual, motivo pelo qual não há lugar à sua actualização nem deverão ser estipulados juros a partir da citação.
É pacífico que as circunstâncias a ponderar prendem-se com o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do lesado em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver, idade, esperança de vida, perspectivas para o futuro, etc.
Os factos provados traduzem um óbvio sofrimento, angústia e preocupação, por parte da autora, que justifica a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais.
Importa ponderar as circunstâncias do caso, tendo sempre presente mais uma vez que nesta matéria não há qualquer rigor científico ou matemático na escolha de um valor, nem há qualquer hipótese de demonstrar cientificamente que o valor fixado pela primeira instância está objectivamente certo ou errado; estamos mais uma vez perante um juízo de equidade, ancorado às várias circunstâncias concretas acabadas de referir.
É ainda importante ter presente que a jurisprudência recente -e consolidada- do Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de considerar que as instâncias têm margem para valorar os danos não patrimoniais segundo a equidade, cabendo ao Supremo averiguar apenas se na fixação daquele montante o Tribunal respeitou os ditames de origem legal e jurisprudencial relevantes; a explicação é a de que o juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualista, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade. Neste sentido vejam-se os Acórdãos do STJ de 26.2.2019 (Catarina Serra), de 19.5.2020 (Fernando Samões), e de 6.2.2020 (Catarina Serra).
Recorrendo ainda ao ensinamento de Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva. Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente.
Essencial é que, no critério a adoptar, não se percam de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o nº 3 do artigo 8º do CC.
E temos de evitar indemnizações meramente simbólicas ou miserabilistas.

Assim, para bem decidir é essencial ter presente como a jurisprudência tem valorado este tipo de danos em diversas situações:

a) Perante um quadro de circunstâncias, integrado pelo tipo de lesões sofridas, internamentos sucessivos e intervenções cirúrgicas várias, tratamentos diversos, período de convalescença, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos, com sequelas compatíveis com a actividade profissional habitual, acarretando esforços acrescidos, quantum doloris e dano estética de nível 4, numa escala de 1 a 7, é de concluir que a A. teve um sofrimento físico e psíquico, com afectação da sua vivência pessoal, social e de desempenho, acima do nível médio, mostrando-se adequada, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência, a compensação de € 50.000,00 (Acórdão do STJ de 04/06/2020 -Tomé Gomes)
b) Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da indemnização pelos danos de natureza não patrimonial no montante de € 60.000,00, no caso do A. que em consequência de acidente de viação esteve com um défice funcional temporário total de 180 dias, um défice funcional temporário parcial de 503 dias, um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 682 dias e atendendo ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (67 pontos), às dores sofridas (6/7), ao dano estético permanente (5/7), à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que praticava (4/7), à repercussão permanente na actividade sexual (4/7), sendo de sublinhar, entre as várias circunstâncias que passaram a limitar o A. até ao fim da vida, a sua idade (tinha 34 anos à data do acidente) e os danos sofridos ao nível da interacção, necessitando das seguintes ajudas técnicas permanentes: a) Adaptação do local de trabalho; b) Adaptação do domicílio; c) Ajuda de terceira pessoa [tendo desenvolvido independência modificada, continua a necessitar de ajuda parcial permanente de terceira pessoa nas transferências e na mobilidade em locais irregulares e ao nível da participação plena em actividades domésticas e cuidados prestados aos filhos, que anteriormente não careciam de apoio de terceiros (esposa) para a sua concretização. Previsão de ajuda de terceira pessoa não especializada menos de 4 horas / dia]; d) Ajudas técnicas [Próteses dos membros inferiores e cadeira de rodas; Identificação e descrição técnica, assim como periodicidade de substituição e custos envolvidos, descritas no aludido relatório da CRPG]; e) Acompanhamento médico continuado na área da medicina Física e de Reabilitação, para prescrição das próteses e substituição dos seus componentes e de tratamentos periódicos, tendo como objectivo a melhoria das funções neuromusculoesqueléticas, incluindo a redução das queixas álgicas e a melhoria da capacidade de marcha com as próteses; f) Acompanhamento psicoterapêutico para superar as suas dificuldades no âmbito emocional e psicológico, de forma a ajudá-lo na transição para reconstruir a sua identidade; g) Beneficia de orientação para consulta especializada de sexualidade, ultimamente uma das suas maiores preocupações devido a degradação progressiva (Acórdão TRG de 3.10.2019 -José Cravo)
c) Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afectado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas actividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de € 50.000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos (Acórdão do STJ de 19.9.2019 -Maria do Rosário Morgado)
d) Para um lesado que à data do acidente tinha 21 anos de idade, que, em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas, com perfuração dos pulmões, e traumatismo dos ombros e braços, que esteve internado e em coma durante oito dias, que sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo que as sequelas de que padece são compatíveis com a actividade profissional, mas implicam esforços suplementares, exerce a profissão de canalizador e auferia, à data do sinistro, a retribuição anual de € 8.997,30, consideram-se equitativos os valores de € 120.000,00 a título de danos patrimoniais futuros e de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais (Acórdão TRG de 10.7.2019, por nós relatado)
e) Tendo em conta que a lesada tinha, à data do acidente, uns saudáveis 64 anos e uma qualidade de vida muito boa (que lhe alimentava a expectativa de viver uma vida igualmente boa por mais 20 anos ou quase), e que se encontra em estado vegetativo persistente desde Fevereiro de 2014, entendeu a decisão recorrida que lhe devia ser arbitrada uma indemnização de € 130.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos. Diga-se aliás que a indemnização fixada no acórdão recorrido peca por defeito, pela sua míngua, que só não se corrige por ter sido expressamente aceite pela Autora e não ser legalmente permitido a este Tribunal, atenta a proibição da reformatio in pejus, agravar aquela condenação, quando quem a impugna é a parte que foi condenada (Acórdão do STJ de 11.4.2019 -José Manuel Bernardo Domingos)
f) Mostra-se adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €55.000,00 para compensar o lesado que sofreu politraumatismos, perdeu 14 peças dentárias e sofreu traumatismo da mandíbula, esteve a ser alimentado por sonda durante 3 meses com alimentos apenas líquidos, esteve, após o período de internamento de 1 semana, retido no leito durante três meses, com o membro superior esquerdo e o membro inferior direito engessados, totalmente dependente da presença e do acompanhamento da sua companheira, andou de canadianas mais nove meses, sofreu dores elevadas, atingindo o grau 5 em 7, que se irão manter ao longo de toda a sua vida, pois que passou a depender permanentemente de analgésicos, sem os quais não consegue ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária, foi sujeito a três intervenções cirúrgicas com anestesia geral, sofreu período de quase dois anos de incapacidade, ficou com cicatrizes, com limitação na abertura da boca e com dificuldades na mastigação, passou a sentir dificuldades na marcha, sendo perceptível a terceiros um caminhar desconchavado e desequilibrado (Acórdão TRG de 21.2.2019 -Helena Melo)
Demonstrando-se que o autor, em consequência do acidente de viação, sofreu várias lesões físicas, nomeadamente ao nível dos membros inferiores com amputação transtibial bilateral, à esquerda ao nível da articulação tibiotársica e à direita ao nível do terço distal da perna, que lhe determinaram um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 53 pontos, sequelas que são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual, após reconversão e uso de próteses, sem redução de vencimento, mas que implicam elevados esforços suplementares, assim como no seu quotidiano, tendo 35 anos de idade, sendo fixado o Quantum Doloris no grau 5/7 e o Dano Estético Permanente no grau 6/7, necessitando permanente e periodicamente de fazer fisioterapia, de ajudas técnicas permanentes, como próteses e respectivos acessórios e cadeira de rodas, cadeira de banho, necessitar do apoio de terceira pessoa, considera-se adequado, porque conforme a critérios de equidade, a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico e € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) pelos restantes danos morais (Acórdão TRE de 14.2.2019 -Tomé Ramião)
Fixa-se em € 60.000,00 (a reduzir em 1/3 em virtude da culpa do lesado) a compensação por danos não patrimoniais de lesado com 58 anos de idade, que sofreu lesões graves no crânio, que demandaram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime de acamamento e tendo ficado com perdas de memória, necessidade da orientação fora do seu trajecto normal, parestesias na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjectivo pós comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, sem crises epilépticas, cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo, correspondendo as sequelas a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares (Acórdão do STJ de 07.05.2014 - Relator João Bernardo).
Ponderando o caso destes autos conjugadamente com todos estes supra descritos -entendemos não ser necessário estar a reproduzir aqui outra vez a factualidade relevante, mas tendo-a presente- cremos que talvez o valor arbitrado de € 22.500,00 possa estar ligeiramente inflacionado, sobretudo comparando o tipo de sofrimentos causados aos lesados e a disparidade das lesões e da diminuição de capacidades de que ficaram a sofrer. Mas isto não significa que o sofrimento causado à autora e que emerge de todos os factos provados não seja também ele extremamente relevante, pelo susto, dores, sofrimento, diminuição da alegria de viver, e dano estético, numa mulher ainda muito nova, e que ainda por cima não teve culpa alguma no acidente de que foi vítima.
Assim, e levando já em conta as sequelas que passaram a não provadas, pensamos que não andaremos longe da verdade se considerarmos adequada uma indemnização de € 17.500,00.

Aqui procede em parte o recurso.

Assim, em conclusão, as quantias devidas a título de indemnização são:

a) € 7.500,00 (défice funcional permanente da integridade físico-psíquico de 2 pontos)
b) € 17.500,00 (danos não patrimoniais)
c) € 737,56 (remunerações não recebidas)
d) € 2.000,00 (despesas médicas e medicamentosas)
e) € 1.180,00 (tratamentos dentários a fazer no futuro)
f) € 500,00 (analgésicos e anti-inflamatórios)

Tudo num total de € 29,417.56

Finalmente, o pedido de condenação da Ré no pagamento à autora dos juros em dobro, seja por preterição do dever de apresentar proposta fundamentada nos prazos devidos, seja pela apresentação de proposta final manifestamente insuficiente e não razoável.
A sentença recorrida considerou que a proposta apresentada pela ré à autora em sede pré-judicial não era razoável, em face da indemnização fixada. E nessa medida, sancionou a ré condenando-a a pagar à autora os juros devidos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável.

Contra esta decisão revoltam-se autora e ré.

A autora porque não concorda que os juros de mora sejam devidos apenas desde a data da prolação da sentença e até integral pagamento. E então pede que se declare que tais juros são devidos: a) desde 22/09/2017, prazo esse que constitui o términus do prazo de 15 dias contados após a data da alta clínica atribuída à Autora pelos serviços clínicos da Ré em 07/09/2017, conforme preceituado no artigo 39º,2 do DL 291/2007; b) subsidiariamente, desde 21/11/2018, prazo esse que constitui a data em que a Ré apresentou à Autora/lesada uma proposta de indemnização final no valor de 2.092,63 Euros, conforme preceituado nos artigos 38º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007; c) subsidiariamente, desde 30/12/2018, prazo esse que constitui o términus do prazo de 45 dias a contar da data da formulação e recepção do pedido de indemnização formulado pela Autora à Ré em 16/11/2018, conforme preceituado nos artigos 37º,1,c e 39º, nº 22, do DL 291/2007; d) subsidiariamente, são devidos desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento da quantia globalmente fixada.

A ré/recorrida defende a improcedência deste recurso, porque os juros moratórios devem ser contabilizados desde a data da decisão final, conforme foi decidido pelo Tribunal a quo. E chama à colação a doutrina ínsita no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n°4/2002, de 9 de Maio, publicado no DR, 1ªA Série de 27-1-02, pág. 5057 e seguintes, no qual se decidiu que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n° 2 do artigo 566° do Cód. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805°, n° 3 (interpretado restritivamente) e 806°, n° 1, também do Cód. Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.
A decisão recorrida, ao mandar contabilizar os juros de mora a partir da data de prolação da sentença está correcta e não merece qualquer censura.
E basta citar, para esse efeito, o Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9.5.2002, relatado pelo Conselheiro Garcia Marques, que estabeleceu a seguinte jurisprudência: sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
É para nós evidente que os valores fixados na sentença recorrida a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais já foram encontrados a partir de um raciocínio que levou em conta as circunstâncias do tempo da prolação da decisão.
E a existência da referida actualização pode resultar expressa ou tacitamente da decisão. Ocorrerá esta última hipótese quando o montante da indemnização for fixado através de juízos de equidade, pois, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2008 (relator: Bettencourt de Faria), “uma quantia fixada segundo a equidade, é-o, atendendo aos padrões actuais de justiça do julgador”.
Repare-se que na própria sentença recorrida se refere: “nos termos do disposto no artº. 496º/3 do Código Civil, o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artº. 494º do Código Civil. Para Antunes Varela (“Das Obrigações em geral”; 5ª Ed.; p.567) os critérios de equidade a atender são, de modo exemplificativo, o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, a do lesado e a do titular do direito de indemnização, os padrões de indemnização normalmente adoptados na jurisprudência e as flutuações da moeda”.
Tudo isto são critérios actualizadores do valor fixado.
E por isso é que o Tribunal recorrido, e bem, escreve: “o Tribunal considera adequada e justa a indemnização peticionada de 22.500,00 (Vinte e dois mil e quinhentos Euros) por danos não patrimoniais, já actualizada à presente data, atento o tempo decorrido e as variações monetárias. A tal quantia, porque já actualizada à presente data, acrescem os peticionados juros de mora à taxa legal, mas contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento –cfr. Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril, artigos 804º, 805º, n.º 3, e 806º, todos do Código Civil, e Ac. STJ n.º 4/02, publicado no DR I-A Série, de 27 de Junho de 2002”.
E a mesma coisa foi decidida para o valor arbitrado a título de dano biológico/perda da capacidade de ganho, e também para os valores encontrados para ressarcir os danos patrimoniais emergentes, calculados sempre com recurso à equidade, o que introduz logo um factor subjacente de actualização no valor fixado.
Assim, a determinação dos juros contados desde a data de prolação da sentença não merece reparos.
Com o que o recurso da autora improcede.

Finalmente, a ré impugna a decisão que a sancionou por ter apresentado à autora uma proposta não razoável.

Vejamos como o Tribunal fundamentou essa parte da sentença: invocando o disposto no art. 38º,1,2 do DL 291/2007 de 21/8 e ainda o art. 39º do mesmo diploma, o Tribunal considerou que a proposta apresentada não pode ser havida como razoável, em face da indemnização fixada. E por isso sancionou a Ré com a condenação de pagamento à autora dos juros, calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável.

O art. 38º do referido DL dispõe:
1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.
2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.

E o art. 39º,1,2 do mesmo diploma manda aplicar o regime dos supratranscritos nºs 2 e 3 aos casos de proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais.
E recordemos o que se provou com interesse para esta questão.
Sabemos que a Ré assumiu e reconheceu por escrito perante a Autora a responsabilidade e culpa exclusivas da condutora do veículo que segurou na produção do acidente de viação em causa. E sempre reconheceu de uma forma clara, inequívoca e concludente o direito à indemnização por parte da aqui Autora, de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela mesma e que tiveram como causas mediatas e imediatas o aqui descrito acidente de viação.
Consequentemente com essa posição, a ré procedeu ao pagamento das despesas médicas e hospitalares junto das entidades que prestaram tratamento à Autora, bem como adiantamentos salariais (€ 3.311,12) e despesas emergentes (€ 972,09); ainda pagou à autora várias consultas de Fisiatria e cerca de 45 sessões de tratamento fisiátrico.
Mais sabemos que após a sua alta hospitalar, a autora passou também a ser acompanhada e assistida a mando, por conta e a expensas da Ré, nos serviços clínicos desta.
A autora foi também submetida a um Relatório Final de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil pelos Serviços Clínicos da Ré. Esta apresentou então por escrito à Autora uma primeira proposta consolidada, oferecendo-lhe um montante indemnizatório no valor global de €2.092.63, discriminado nas seguintes parcelas:
-Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 1 ponto: 900.00€
-Perdas salariais líquidas: €1.192.63 (16-11-2016 a 23-12-2016 e 01-07-2017 a 24-07-2017 (restantes períodos considerados)- valor mensal líquido - 577.08€ (conforme compete pagar em acidente automóvel);
-Despesas médicas, exames e 20% dos óculos em falta: despesas decorrentes do sinistro apenas a considerar até à data de alta mediante apresentação dos comprovativos originais. 20% dos óculos não pagos correspondem à desvalorização normal decorrente do uso dos objectos;
-Despesas com deslocações em veículo próprio: são pagas a 0.15/km, mediante apresentação das presenças em tratamentos, informando os KM em causa.
E sabemos ainda que a autora apresentou por escrito à Ré, extrajudicialmente, um pedido de indemnização final por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, no montante global liquidado de € 54,533.42.

Finalmente, sabemos que a autora peticionou em juízo, com esta acção, a quantia de € 69.224,64, que o Tribunal recorrido julgou ser-lhe devida uma indemnização global de € 38.657,56, e que esta Relação considerou que essa quantia global deveria ser reduzida para € 29,417.56.

No final deste percurso, temos então que este Tribunal reconheceu o direito da autora a ser ressarcida por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu por força do acidente de que foi vítima, no montante de € 29,417.56, e a ré, em fase pré-judicial, ofereceu à autora, para esse mesmo total ressarcimento, a quantia global de € 2.092.63.
Cremos que se torna assim visível o irrazoável da proposta oferecida, que se fica por, aproximadamente, 1/15 do valor que esta Relação considerou razoável.
Com efeito, não podemos deixar de considerar a comparação entre o valor fixado pelo Tribunal, no final de um processo contraditório, e o valor oferecido unilateralmente pela seguradora ao lesado, como o principal critério aferidor da razoabilidade (ou falta dela), da proposta apresentada ao lesado.
E mesmo que o argumento da ré seguradora, (segundo o qual quando a autora foi submetida a um Relatório Final de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil pelos seus Serviços Clínicos, o dano biológico (D.F.P.I.F.P) foi fixado em 1 ponto, enquanto a perícia feita nestes autos o fixou em 2 pontos), assente em premissas verdadeiras, a verdade é que adianta muito pouco para o assunto em discussão. Basta pensar que se com 1 ponto de desvalorização a ré ofereceu € 900,00, com 2 pontos teria provavelmente oferecido € 1.800,00. E o valor ficaria ainda assim muito, mas muito aquém do valor encontrado pelo Tribunal.
E assim, não merece censura a conclusão de que o valor apresentado extra-judicialmente pela seguradora à lesada não foi razoável.
E também aqui o recurso improcede.

Sumário:

1. Na sequência do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9.5.2002, relatado pelo Conselheiro Garcia Marques, “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
2. Tal jurisprudência tem aplicação sempre que os valores fixados na sentença a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais já foram encontrados a partir de um raciocínio que levou em conta as circunstâncias do tempo da prolação da decisão.
3. A existência da referida actualização pode resultar expressa ou tacitamente da decisão, sendo que ocorrerá esta última hipótese quando o montante da indemnização for fixado através de juízos de equidade.
4. Nos termos do art. 38º,1,2 do DL 291/2007 de 21/8, se o Tribunal considerar que a proposta apresentada pela seguradora ao lesado não pode ser havida como razoável, em face da indemnização fixada, sanciona-a com a condenação de pagamento à autora dos juros, calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável. O juízo da razoabilidade ou não da proposta é por definição casuístico, e tem necessariamente de ter presente a comparação entre o valor que a seguradora ofereceu ao lesado e o valor que o Tribunal fixou.
5. Num caso em que a proposta oferecida ao lesado se fica por 1/15 do valor fixado em recurso pela Relação, é forçoso concluir pela irrazoabilidade da proposta.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso parcialmente procedente, e em consequência, alterando a decisão recorrida, condena a ré a pagar à autora a quantia global de € 29.417,56, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por esta sofridos, confirmando o mais que vem decidido.

Custas por autora e ré, na proporção de ¼ para aquela e ¾ para esta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia a primeira (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 13.7.2022

Relator (Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)



1. Amélia Ameixoeira, revista do CEJ, 1º semestre de 2007, nº 6, pág. 37 e seguintes.
2. Esquecendo por vezes os ensinamentos do princípio da incerteza de Heisenberg, aplicável ao mundo físico mas sugestivo ao ponto de o citar aqui, com alguma liberdade gramatical, segundo o qual a observação minuciosa de uma realidade altera a realidade que se observa.