Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1091/20.3T8VCT.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: REIVINDICAÇÃO DA PROPRIEDADE
PARCELA DE TERRENO
REGISTO
PRESUNÇÃO
PRINCÍPIO DA PRIORIDADE DO REGISTO
AQUISIÇÃO DERIVADA
VENDA JUDICIAL
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A presunção do art.º 7.º da CRP não abrange os elementos de identificação do prédio constante da descrição predial, ou seja, a sua área e confrontações.
- A aquisição da propriedade por via de uma venda judicial não é uma aquisição originária, mas sim uma aquisição derivada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

X – ENGENHARIA, ARQUITECTURA E CONSTRUÇÕES, S.A., pessoa coletiva nº …, com sede na Rua … nº … – Senhora da Hora, concelho de Matosinhos, veio instaurar a presente ação, com processo comum, contra R. L., NIF …….., CC nº ….. e M. O. NIF …….., CC nº ….., casados no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Quinta ..., Rua da ... - ..., ..., pedindo que se condenem os RR. a reconhecer a propriedade da Autora sobre o prédio sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº ..., inscrito na matriz sob o artigo atual ...º, melhor identificada nos documentos nº 2, 3 e 4; a entregar imediatamente a referida parcela de terreno à Autora, abstendo-se, de futuro, de praticar atos que perturbem a posse ou o direito da Autora; que se condenem ainda a repor a parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação, retirando as coisas e plantações que na mesma colocaram e a pagar a quantia de 106.600,00€, acrescida de juros à taxa legal desde a data da ocupação - Dezembro de 2007 - até integral pagamento.

Alegou a A., em resumo, que os Réus, sem qualquer consentimento, ocuparam parte do seu terreno, correspondente à zona identificada no Doc. nº 6 como C, impedindo-a de entrar pelo portão do mesmo, e consequentemente impedindo o acesso por aquele local ao seu prédio. Todos estes atos foram praticados sem qualquer comunicação à Autora e contra a sua vontade, impedindo-a de aceder ao terreno e cumprir os fins referidos no art. 10º da p.i., o que lhe causa grave prejuízo e impõe a reposição da situação ex ante.
Os RR. apresentaram contestação e deduziram reconvenção alegando, sumariamente, que que a “Avenida” (nome utilizado pelos Réus e utilizadores da Quinta ... para se referirem à parcela de terreno que a Autora reclama na presente ação) não faz, nem nunca fez, parte do terreno do qual a Autora é proprietária, não passando tudo de uma tentativa de apropriação ilegítima e ilícita do património dos Réus, que os Autores bem sabem não lhes pertencer. Defendem que a Avenida fez sempre e C.nua a fazer parte do seu prédio, com o qual forma uma unidade incindível. Toda a gente na localidade o sabe e todos os sinais físicos na propriedade o demonstram. Também as evidências de cariz formal relacionadas com a história dos prédios assim o indicam, sem margem para a mais pequena dúvida.
Pedem a declaração de nulidade da retificação de áreas registada sob a Ap. 02/201103, sobre o prédio ... de ... e o consequente cancelamento do averbamento registal efetuado sob tal Ap. E pedem ainda que a A. seja condenada a reconhecer que os Réus são titulares plenos do direito de propriedade plena sobre a Avenida identificada no artigo 4.º do presente articulado, por a terem adquirido
· Por aquisição derivada aquando da compra do prédio descrito sob a descrição ... de ...
· Por, assim se não entender, usucapião que é uma forma válida de aquisição originária da propriedade,
· A abster-se, no futuro, a Autora de perturbar o seu direito;

A A. replicou sustentando. essencialmente, o que consta da petição inicial.
*
Foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

“Pelo exposto, decide-se:
1- Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente, condenam-se os RR. a:
· reconhecer a propriedade da Autora sobre o prédio sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº ....
· entregar imediatamente a parcela de terreno à Autora, abstendo-se, de futuro, de praticar actos que perturbem a posse ou o direito da Autora.
· repor a parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação, retirando tudo o que na mesma colocaram.
2- determinar a anulação e cancelamento dos averbamentos referidos na Ap. 6 de 2008/10/15 e na Ap. 1808 de 2018/11/05 relativas ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ….
3- mais se decide julgar totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção. Custas pela A. e pelos RR. na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”
*
Inconformados vieram os Réus recorrer formulando as seguintes Conclusões:

A. Constitui o objeto da presente ação apurar as áreas e os limites dos prédios correspondentes às descrições ... e … de ... – ...», o primeiro propriedade da Autora; o segundo, dos Réus. Concretamente, saber de que prédio faz parte a “língua” de terreno mais estreita (com cerca de 15 metros de largura e que vai abrindo ao longo do seu percurso e a que, por simplicidade as pessoas habitualmente designam por “Avenida”) que se prolonga por cerca de 50 metros, desde a linha divisória dos dois imóveis, a Sul-Nascente, junto à entrada assinalada com uma seta azul na imagem do número 4 das presentes alegações, até ao prolongamento da linha perpendicular à EN 302, a branco na mesma imagem, que, pacificamente, as Partes reconhecem constituir a estrema delimitadora dos seus imóveis.
B. No julgamento da matéria de facto relevante para a decisão desta questão, cometeu o Tribunal a quo erros de julgamento que comprometem definitivamente a boa apreciação da causa e que, por isso, têm de ser corrigidos, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil. Em concreto:
C. A alínea 4), dos “Factos Provados”, enferma de um erro de julgamento, não podendo ser dado como provado o seu conteúdo, devendo ser substituída por outra que dê, sim, como provado que «o prédio composto por PINHAL possui as suas confrontações indicadas nas respetivas descrição predial e inscrição matricial, não correspondendo à realidade material que possua as seguintes confrontações: Norte, estrada nacional; Sul, caminho particular; Nascente, A. A. e Poente, M. R..».
D. É o que resulta inequivocamente do que se deixou dito nos números … a … das presentes alegações que se dão aqui como reproduzidos para todos os efeitos legais.
E. Enferma a alínea 64), dos “Factos Provados” de um manifesto e grosseiro erro de julgamento da matéria de facto ao dar como provado que «após a adjudicação do prédio no processo judicial [o Réu] foi informado pela D. R. G. de que a Autora estava a vedar a Avenida».
F. Em parte alguma dos autos, em documento ou prova produzida em audiência de julgamento, designadamente no depoimento das testemunhas, e, em particular, nas declarações de parte do Réu R. L. ou no depoimento da testemunha R. G., consta o que quer que seja que consinta tal conclusão, como resulta patente dos números ... a … das presentes alegações que se dão aqui como reproduzidos para todos os efeitos legais.
G. O que resulta dos depoimentos citados e de toda a prova documental constante dos autos é apenas que «após a adjudicação do prédio no processo judicial o Réu foi informado de que alguém estava a vedar a Avenida», e é este facto, nesta versão restrita, que deve ser dado como provado, em vez do teor constante da alínea 64), dos “Factos Provados”, devendo neste sentido o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães promover a correção daquela alínea.
H. No seu depoimento, credível e incontestado, entre o minuto 00:15:40 e o minuto 00:16:00 e ao minuto 17:45:00, a testemunha P. G., declarou que a sua mãe, a antiga proprietária da casa hoje dos Réus, e do Pinhal, hoje da Autora, declarou (cf. números 175 e 176 das presentes alegações) que algures, em 2003 ou 2004, aquela «desistiu da casa», «desistiu completamente de ir para lá».
I. Ora, pela sua relevância para apreciação da sua posse, dos seus atos de posse, da perda da sua posse e da cadeia de sucessões da Autora e dos Réus na posse daquela antiga proprietária do Pinhal da Autora e da Quinta dos Réus, este facto devia constar do elenco dos factos provados, com o seguinte teor: «em data incerta do ano de 2003 ou 2004, a então proprietária da Quinta, desistiu completa e definitivamente da casa, não mais tendo praticado sobre a Quinta e sobre a Avenida de acesso à habitação qualquer ato de qualquer natureza que pudesse corresponder ao exercício do direito real de propriedade». Não o tendo feito o Tribunal a quo, deve a Veneranda Instância de Recurso suprir tal omissão, incluindo tal facto no rol dos “Factos Provados”.
J. Do documento de fls. 525, junto pelos Recorrentes na primeira sessão de julgamento, em 14 de Outubro de 2021, e dos factos dados como provados nas alíneas 61), 62) e 63), dos “factos Provados, ficou cabalmente demonstrado que, no âmbito do processo judicial número 3607/03.0TBMTS-5, através do qual os Recorrentes adquiriram o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …, o imóvel que aí foi arrestado (arresto, posteriormente, convertido em penhora) foi um prédio «composto por casa, quintal e jardim (…) totalmente murado com um muro em pedra e blocos de cimento com rede em toda a volta, o que distingue e o identifica das demais áreas circundantes», designadamente do moinho contíguo ao mesmo; naquele documento se esclarecendo ainda a agente de execução encarregada da venda que o «que exibiu aos interessados na compra dos imóveis foi por um lado o moinho por si só e, por outro, a propriedade murada composta por casa, quintal jardim, situa dos nos limites do referido muro».
K. Este facto é muitíssimo relevante, porque, assim sendo, no dia 23 de Dezembro de 2002, com o arresto, a posse da Avenida transferiu-se para o Tribunal de Matosinhos, nela sucedendo os Réus/Recorrentes, após a sua aquisição judicial, mas o Tribunal a quo omitiu tal facto, devendo o Venerando Tribunal ad quem corrigir essa omissão, adendando aos “Factos Provados” nova alínea com o seguinte teor: «O arresto decretado pelo Tribunal de Matosinhos, no âmbito do processo judicial número 3607/03.0TBMTS-5, abrangeu a faixa de terreno em disputa nos presentes autos que é habitualmente designada por “Avenida”».
L. Há uma contradição insanável entre a alínea 8), dos “Factos Provados”, e a alínea 64), desses mesmos factos.
M. Aquela refere que, «a partir da [sua] aquisição», isto é, a partir de 3 de Março de 2006, a Autora «procedeu, na parte Poente do terreno, à sua vedação através de malha sol e estacas de madeira cravadas no terreno - na zona A indicada na planta junta como Documento n.º 6»; esta conclui que «após a adjudicação do prédio no processo judicial», isto é, em data necessariamente posterior a 24 de Abril de 2007, o Réu foi informado que alguém [não a Autora, como se acabou de ver] «estava a vedar a Avenida».
N. A contradição é insanável, mas fácil de desfazer, porquanto o único depoimento sobre o tempo de vedação da Avenida foi o da testemunha R. G., referido na Conclusão F. e que aqui de novo se dá como reproduzido, e que o reporta ao tempo em que os Réus já eram proprietários plenos da Avenida., e a esse tempo se reporta também a prova documental composta pela queixa-crime e pela providência cautelar intentadas pela Autora em Março de 2008, sendo, pois, absolutamente inequívoco que a vedação da Avenida e a remoção da rede de vedação pelo Réu marido ocorreu em data posterior à adjudicação judicial da Quinta que lhe foi feita, isto é, em data posterior a 24 de Abril de 2007 (cf. alínea 18), dos “factos Provados”).
O. A alínea 8), dos “Factos Provados”, deverá, assim, ser eliminada, subsistindo apenas a alínea 64), com a redação proposta, na Conclusão G, pelas razões aí expostas: «após a adjudicação do prédio no processo judicial o Réu foi informado de que alguém estava a vedar a Avenida».
P. Há também uma contradição insanável entre as alíneas 24), 25), 49) e 50), dos “Factos Provados”, por um lado, e a alínea 66), desses mesmos “Factos Provados”. Com efeito, se a «Avenida foi utilizada de forma ininterrupta e exclusiva por todos os sucessivos proprietários da habitação e por todos os que, por qualquer razão, a frequentavam, desde, pelo menos, 1979 e até à presente data», «[s]empre de forma pública, pacífica e de boa fé, sem a mais pequena oposição de quem quer que fosse15, então necessariamente, também o foi, sem a oposição da Autora.
Q. A parte final da alínea 66), dos “Factos Provados”, deverá ser eliminada e essa alínea deverá ficar com a seguinte redação: «desde a data da adjudicação da proposta do Réu R. L. e até aos dias de hoje, os Réus utilizam a Avenida, dela retirando todas as utilidades, agindo como proprietários e assim considerados por todos os que os visitam, de forma contínua ininterrupta, à vista e com conhecimento de toda a gente», passando a expressão «e apenas com a oposição da A.», para o elenco dos “Factos não provados”.
R. É o que resulta de toda a prova produzida dos autos, designadamente de depoimento unânime de todas as testemunhas; da inspeção ao local e do que nela o Tribunal declarou ter visto e documentou; é o que resulta, também, das próprias declarações do Réu R. L., nas quais a douta decisão do Tribunal a quo motiva a sua conclusão para a decisão relativa à dita alínea 66); e é o que resulta como necessário, por fim, da conjugação das sobreditas alíneas 24), 25), 49) e 50), dos “Factos Provados”, com a alínea I), dos “Factos não provados”
S. A não serem corrigidas, as contradições assinaladas feririam de morte a sentença prolatada, tornando-a ininteligível e, por consequência, nula, nos termos do artigo 615.º, número 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

II – Quanto ao Direito

T. Resulta provado nos Autos que a Autora/Recorrida, em 06 de março de 2006, no exercício da sua atividade, comprou o “Pinhal” a J. L. que, por seu turno, o havia comprado, em 25 de janeiro de 2003, a M. R. que, em 2000, através de escritura de justificação notarial, invocou a usucapião (do “Pinhal”) – nunca tendo o facto justificado e registado sido impugnado.
U. A Autora/Recorrida não logrou provar, porém, que a parcela de terreno por si reivindicada – a “Avenida” – é parte componente do “Pinhal”, e esse, no caso em concreto, era o facto que tinha de ser previamente provado para que os pedidos formulados na ação de reivindicação, por si proposta, pudessem ser julgados procedentes.
V. No caso em concreto, a Autora afirma que a “Avenida” é parte componente do “Pinhal” de que é proprietária e titular registal, mas os Réus, não só o negam, como consideram que a “Avenida” é, e sempre foi, parte componente da “Quinta”, de que são proprietários e titulares registais.
W. Precisamente, pelo acabado de afirmar, o Tribunal a quo declarou que o objeto do presente processo consiste «em apurar as áreas e os limites dos prédios correspondentes às descrições ... e … de ... – ...» e reconheceu que existe uma duplicação parcial das descrições registais dos referidos prédios – pois ambas “contêm” a parcela de terreno em disputa –, ao afirmar que «se confrontarmos os documentos de fls. 75 e de fls. 157 claramente percebemos a incompatibilidade entre eles».
X. Chegado a esta conclusão, não podia, obviamente, de seguida, o Tribunal a quo ter julgado procedentes os pedidos formulados pela Autora, com base no simples facto de a Autora haver provado que adquiriu o “Pinhal” e que ainda é a sua proprietária.
Y. Tendo-o feito inquinou a sua decisão de petição de princípio, pois fundou a decisão a que chegou na premissa que tinha de decidir.
Z. A Sentença Recorrida enferma, assim de ambiguidade e obscuridade, que a tornam ininteligível, sendo, por consequência, nula, nos termos do artigo 615.º, número 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
AA. Acresce que o Tribunal acabou por utilizar dois pesos e duas medidas, pois os Réus/Recorrentes também provaram que adquiriram a “Quinta”, permanecendo seus proprietários e, não obstante, o Tribunal considerou, corretamente, que não provaram ser proprietários da “Avenida”, por a terem adquirido derivadamente.
BB. A “Avenida” integra a descrição predial do “Pinhal” que está registado a favor da Autora/Recorrida, mas também integra a descrição predial da “Quinta” que está registada a favor dos Autores/Recorrentes e, portanto, existe uma duplicação parcial das descrições.
CC. Havendo repetição da descrição, total ou parcial, do mesmo prédio acompanhada de situações jurídico-tabulares incompatíveis ou conflituantes, obviamente, a fiabilidade do sistema de registo é posta em causa pois, como é evidente, o verdadeiro problema que existe por detrás da dupla descrição trata-se da publicidade por parte do Registo de uma situação contraditória acerca da propriedade de um imóvel: publicita-se que duas pessoas distintas são proprietárias de um imóvel, ou de parte dele, no mesmo momento.
DD. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2017 – pronunciando-se sobre a questão jurídica de se saber: “perante o caso de duplicação de descrições prediais e linhas de registo incompatíveis, qual o valor a atribuir ao registo derivado do acto mais antigo?” – uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”.
EE. Como se pode ler no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2017, o princípio da prioridade refere-se “às inscrições que forem lançadas na mesma descrição do prédio, pressupondo, por conseguinte, que foi respeitada a pedra angular do registo, a existência de uma descrição para cada prédio (n.º 2 do artigo 79.º do Código do Registo Predial) suscetível de o identificar.”; “a prioridade a que se atende no artigo 6.º é a prioridade das inscrições no mesmo registo, mas não a prioridade das descrições, não constituindo a prioridade na data da descrição critério adequado para resolver os problemas.”; “se a solução resultasse da aplicação simples e literal do artigo 6.º e do princípio da prioridade no registo então mal se compreenderia a solução provisória e cautelosa do n.º 1 do artigo 86.º do Código do Registo Predial.”
FF. Mesmo no caso de os interessados serem titulares de direitos registados incompatíveis, definitivamente, adquiridos do mesmo causante e sobre a mesma coisa, se esta tiver sido indevidamente objeto de duas descrições registais e tal tenha possibilitado a existência de registos incompatíveis, o “conflito” não pode ser solucionado pelo art. 5.º do Cód. Reg. Pred.. Neste caso, em virtude da duplicação das descrições, a final, as regras do registo, não serão aplicáveis, sendo irrelevante, portanto, o princípio da prioridade registal, resolvendo-se o conflito através do direito substantivo.
GG. De facto, “na pendência da duplicação de tais situações jurídicas, o sistema não está em condições de envolver a tutela dos interesses daqueles que fundam os seus atos na realidade registal e, portanto, acha-se comprometido na sua função e na eficácia e funcionamento dos seus princípios”, consequentemente, não é razoável utilizar o critério cronológico ou o princípio da prioridade para determinar qual das presunções se deve manter – uma vez que um dos direitos de propriedade só tabularmente se apresenta como válido e esse pode, perfeitamente, ser o segundo inscrito.
HH. Também não é plausível afirmar que deve prevalecer o interessado que se integre no trato sucessivo mais antigo, além do mais, porque como se pode ler no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência: “não está afastada a possibilidade de ser um dos titulares que consta do trato sucessivo mais antigo quem criou a duplicação da descrição” e o facto de que uma inscrição ser mais antiga que outra “não implica necessariamente que a primeira seja o reflexo no registo da verdade extra registal e que a segunda represente sempre a fraude ou o erro constitutivos da dupla descrição”.
II. A Autora/Recorrida não beneficia da prioridade registal, nem goza da presunção de que o direito de propriedade sobre a “Avenida” lhe pertence por ser titular registal do “Pinhal”.
JJ. Mal andou, portanto, o Tribunal a quo ao declarar que a atualização/retificação da descrição registal da “Quinta”, ocorrida, em 15 de Outubro de 2008 – com base na declaração do Réu/Recorrente, acompanhada de levantamento topográfico –, é inoponível à Autora/Recorrida, por esta beneficiar de prioridade registal, bem como ao decidir julgar procedentes os pedidos reais formulados pela Autora/Recorrente em virtude da alegada prioridade registal, e, consequentemente, ao determinar a anulação e cancelamento dos averbamentos referidos na Ap. 6 de 2008/10/15 e Ap. 1808 de 2018/11/05 relativas ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 373, violando, assim, os artigos 5.º, 6.º e 7.º do Código do Registo Predial.
KK. Mesmo que inexistisse duplicação parcial das descrições prediais, a Autora/Recorrida, enquanto titular registal do “Pinhal”, não gozaria da presunção de ser a proprietária da “Avenida”, porquanto, como o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, unanimemente, a presunção da titularidade do direito de propriedade constante do artigo 7.º do Código do Registo Predial não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo.
LL. A presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, na parte em que se refere ao objeto do direito, só faz presumir que o facto inscrito incide sobre a coisa identificada na descrição, já não que tal coisa tenha as características descritas. Porque assim é, obviamente, a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial não pode servir de critério identificador da titularidade de uma parcela de terreno de que duas pessoas se arroguem proprietárias, enquanto titulares de dois prédios distintos, quando haja dúvidas sobre se a tal parcela se localiza num ou noutro prédio – mesmo inexistindo duplicação de descrições prediais. Ao decidir em sentido contrário, violou a Sentença a quo, mais uma vez o artigo 7.º do Código do Registo Predial.
MM. Em todo o caso, ainda quando assim não fosse, qualquer presunção de registo que pudesse existir (mas não existe) foi ilidida por força do alegado na Conclusão C. e, por consequência, o artigo 7.º do Código do Registo Predial, nunca seria aplicável.
NN. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, a posse exercida, pelos ex-proprietários da “Quinta”, sobre a parcela de terreno em disputa, não foi interrompida em virtude do contrato de compra e venda celebrado em 2003, entre M. R. e J. L., porquanto, não se pode confundir o direito de propriedade e a posse.
OO. Perante o contrato de compra e venda celebrado em 2003, mesmo quem (ainda que incorretamente) parta do pressuposto de que M. R., na qualidade de proprietária do “Pinhal” foi a titular da “Avenida” –, apenas pode concluir que, por força do princípio da consensualidade (art. 408.º do Código Civil que a douta Sentença Recorrida viola), J. L. adquiriu a propriedade, nunca que adquiriu derivadamente a posse (do “Pinhal” ou deste e da “Avenida”).
PP. Isto, porque, desde logo, nem sempre aquele que transmite a propriedade transmite a posse. Ou, por outra via, nem sempre aquele que adquire a propriedade adquire a posse da coisa.
QQ. Não basta um negócio jurídico para que a posse se transmita, é necessária a “traditio”, ou seja, um ato que materialize ou sensibilize essa transmissão.
RR. No caso em concreto, J. L., apenas poderia ter adquirido derivadamente a posse, de M. R., mediante tradição real explícita, se tivesse havido “traditio”, o mesmo é dizer, um ato de empossamento. Em suma, J. L., apenas poderia ter adquirido a posse se houvesse passado a exercer poderes de facto sobre a “Avenida” ou a ter a possibilidade empírica de os exercer, e tal nunca ocorreu ou, pelo menos, não foi alegado e, consequentemente, não foi provado.
SS. Também não se pode afirmar que J. L. adquiriu a posse da “Avenida” com base no facto de todos os confinantes do “Pinhal” terem assinado a planta do prédio que suportou o pedido de atualização da descrição registal, por si efetuado, a 20 de novembro de 2003. De facto, tal comportamento dos proprietários dos prédios confinantes, não assumiu, nem podia assumir, qualquer relevância em matéria de aquisição de posse da “Avenida”.
TT. Mais: se é inequívoco que M. R. ao assinar a referida planta – na qualidade de proprietária da “Quinta” – declarou e reconheceu que a Avenida era parte do Pinhal, também é absolutamente inquestionável que através de tal assinatura não transmitiu a posse que era exercida sobre a “Avenida”. Para que a posse se transmita, é necessária a “traditio”, ou seja, um ato que materialize ou sensibilize essa transmissão; só adquire posse quem exerce poderes de facto sobre a coisa, com intenção de atuar como titular de um direito real.
UU. Dos factos provados, não resulta que J. L. tenha, algum dia, exercido poderes de facto sobre a “Avenida” – ou tido a possibilidade empírica de os exercer –, com intenção de atuar como proprietário da mesma. Nunca, sequer, na presente ação foi alegada, uma qualquer posse de J. L..
VV. Sublinhe-se, por fim, que J. L., não só não adquiriu derivadamente, de M. R., em janeiro de 2003, a posse da “Avenida”, como nunca a poderia ter adquirido, uma vez que a posse da “Avenida” passou a ser exercida pelo Tribunal de Matosinhos, a partir de dezembro de 2002, quando decretou o arresto da Quinta, que mais tarde foi convertido na penhora que deu aso à venda da “Quinta”.
WW. Contra o acabado de afirmar, em abstrato, poder-se-ia argumentar que o Tribunal de Matosinhos, através do Arresto, apenas passou a possuir a “Quinta” e não a “Avenida”, no entanto tal não é o que resulta do documento junto a fls. 525, referido supra, na Conclusão J, que faz parte do processo judicial número 3607/03.0TBMTS-5 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e do mais referido naquela Conclusão.
XX. Portanto, daquele documento, resulta, claramente, que Tribunal de Matosinhos passou a exercer posse da “Avenida”, com o arresto da “Quinta”, ocorrido em dezembro de 2002.
YY. Porque assim foi, apenas se pode colocar a questão de saber se, através do arresto, o Tribunal de Matosinhos terá privado, indevidamente, o proprietário da “Avenida” da sua posse, o que só poderá ter ocorrido se a “Avenida” fosse parte componente do “Pinhal” e não da “Quinta”.
ZZ. Não se consegue responder a tal questão, mas é certo que, M. R. − à data do arresto, proprietária quer da “Quinta” arrestada, quer do “Pinhal” −, na qualidade de proprietária e possuidora do “Pinhal”, não reagiu contra a eventual usurpação do Tribunal, nunca foi restituída da sua posse e, portanto, em janeiro de 2003, não a poderia ter transmitido a J. L., pois não a tinha.
AAA. Não tendo M. R. reagido contra a eventual usurpação do Tribunal de Matosinhos, perdeu a posse, definitivamente, ao fim de um ano e um dia, nos termos da alínea d) do art. 1267.º do Código Civil, porquanto a posse do Tribunal foi adquirida de modo a poder ser conhecida pelos interessados – art. 1262.º do Código Civil – e sem coação física ou moral – art 1261.º do Código Civil –, ou seja, de forma pública e pacífica. Ao ignorar esta evidência a Sentença a quo violou aquele artigo 1267.º, alínea d), do Código Civil.
BBB. O Tribunal a quo violou os artigos 342.º, número 1, do Código Civil e 581.º, número 4, do Código de Processo Civil, uma vez que devia ter julgado improcedente a ação de reivindicação, dado que a Autora/Recorrida não provou, como lhe competia, um qualquer facto constitutivo do direito que se arrogou, nem foi, sequer, privada da sua posse. Porquanto:
CCC. A Autora/Recorrida não provou que é proprietária da “Avenida”, uma vez que não provou que a “Avenida” é parte componente do “Pinhal”.
DDD. A Autora/Recorrida não goza da presunção registal de que o direito de propriedade sobre a “Avenida” lhe pertence pelo facto de ser a titular registal do “Pinhal”.
EEE. A Autora/Recorrida não foi privada da posse sobre a “Avenida”, uma vez que nunca a adquiriu derivada ou originariamente.
FFF. A Autora/Recorrida não adquiriu derivadamente a posse, sobre a “Avenida”, de J. L. – pessoa que lhe transmitiu a propriedade do “Pinhal” –, pois este nunca adquiriu a posse da “Avenida”. Nem adquiriu (a Autora/Recorrida) a posse derivadamente do Tribunal de Matosinhos – o qual passou a exercer posse sobre a “Avenida”, com o arresto –, porque este nunca lha transmitiu, mas, sim, aos Réus/Recorrentes.
GGG. A Autora/Recorrida também não adquiriu originariamente a posse, pois nunca exerceu de forma estável poderes de facto sobre a “Avenida”, nem teve a possibilidade empírica de os exercer. Para ocorrer a aquisição da posse – originária ou derivada –é essencial, em regra, que os atos praticados se dirijam ao estabelecimento de uma relação de facto duradoura com a coisa, não bastando um contacto fugaz, passageiro.
HHH. E, no caso em apreço, apenas ficou provado que a Autora/Recorrida colocou uma vedação (através de malha sol e estacas de madeira cravadas no terreno) e uma fechadura nova no portão, depois de a “Quinta” ter sido adjudicada aos Réus/Recorrentes e, portanto, depois de 24 de abril de 2007.
III. Acresce que, tal vedação e fechadura apenas impediram que os Réus/Recorrentes acedessem à “Avenida” durante um curto espaço de tempo (menos de um ano) e, portanto, tais atos da Autora/Recorrida não conduziram à perda da posse pelos Réus/Recorrentes.
JJJ. Não prova a aquisição da posse, pela Autora/Recorrida, o facto de esta, em março de 2008, ter intentado procedimento cautelar de restituição provisória da posse contra o esbulho violento, alegadamente, praticado pelos Réus/Recorridos, uma vez que tal procedimento cautelar foi indeferido e arquivado.
KKK. Acresce que, como resulta provado, tal procedimento cautelar – para os quais os Réus/Recorrentes não foram citados – não conduziu a que os Réus deixassem de exercer posse sobre a “Avenida”.
LLL. A Autora/Recorrida – porque nunca foi possuidora – nunca foi titular do direito potestativo de adquirir originariamente a propriedade da “Avenida” mediante a invocação da usucapião.
MMM. O Tribunal a quo devia ter reconhecido que os Réus/Recorrentes adquiriram, por usucapião, a parcela de terreno em disputa, porquanto:
NNN. Da factualidade que deve ser dada por provada, resulta, claramente, por um lado, que os Réus/Recorrentes adquiriram, derivadamente do Tribunal de Matosinhos, posse titulada sobre a “Avenida”, pois a mesma fundou-se em um título – a venda judicial –, em abstrato idóneo à aquisição do direito real em cujos termos passaram a possuir (propriedade) e tal título não padeceu de vício de forma (art. 1259.º do Código Civil). E, por outro, que tal posse foi adquirida de modo a poder ser conhecida pelos interessados, sem coação física ou moral e ignorando estar a lesar o direito de outrem. Ou seja, de forma pública, pacífica e de boa-fé (cfr, art. 1260.º, 1261.º e 1262.º do Código Civil).
OOO. Portanto, dúvidas não podem existir que os Réus/Recorrentes, à data da propositura da presente ação – maio de 2020 –, tinham o direito potestativo de usucapir e que tal direito foi exercido, uma vez que os Réus/Recorrentes invocaram a usucapião.
PPP. Efetivamente, havendo título de aquisição e registo deste, sendo a posse de boa-fé, a usucapião tem lugar decorridos 10 anos do exercício da posse após a data do registo. Portanto, os Réus/Recorrentes, tendo obtido o registo do seu título a 2 de abril de 2008, passaram a ter o direito potestativo de usucapir a partir de 2 de abril de 2018.
QQQ. Por conseguinte, mesmo que a “Avenida”, algum dia, tenha sido parte componente do prédio agora pertencente à Autora/Recorrida – o “Pinhal”, foi dele separado, em virtude da usucapião, sem que se tenha tornado um prédio autónomo, mas parte componente da “Quinta”, pois tal é o que corresponde à posse sobre si exercida e que conduziu à aquisição originária.
RRR. Consequentemente, retrotraindo-se os efeitos da usucapião ao início da posse, deveria o Tribunal a quo ter declarado que a “Avenida” é parte componente da “Quinta”, desde 2 de abril de 2008, e ter reconhecido que os Réus/Recorrentes são os seus proprietários.
SSS. Sem conceder, sublinha-se que, mesmo que a posse dos Réus/Recorrentes, à data da propositura da presente ação – maio de 2020 –, não tivesse durado o tempo suficiente para que estes pudessem invocar a usucapião, como também invocarem a posse dos seus antecessores e, assim, manifestaram pretender beneficiar da acessão da posse – ou seja, revelaram querer exercer a faculdade de juntar ao seu tempo de posse o tempo de posse dos seus antecessores –, o Tribunal a quo, sempre, deveria ter reconhecido a sua aquisição originária por usucapião, pois tendo Réus/Recorrentes adquirido posse derivadamente e inter vivos, efetivamente, podiam recorrer à acessão (cfr. art.1256.º do Código Civil).
TTT. Ora, estando provada a boa-fé dos Réus/Recorrentes e inexistindo dúvidas sobre a boa-fé do Tribunal de Matosinhos – uma vez que a boa ou má-fé se afere por um critério psicológico e não por um critério ético-jurídico –,é manifesto que, caso a usucapião não tivesse ocorrido decorridos dez anos de posse sobre a data do registo do título de aquisição dos Réus/Recorrentes, sempre poderia ocorrer, nos termos do art. 1296.º do Código Civil, decorridos 15 anos após a data da aquisição da posse pelo Tribunal de Matosinhos – Dezembro de 2002 -, o mesmo é dizer, em Dezembro de 2017.
UUU. Portanto, os Réus/Reconvintes, na presente ação sempre tiveram o direito potestativo de usucapir e, tendo-o exercido, mediante a invocação, tornaram-se proprietários da “Avenida”.
VVV. Consequentemente, devia o Tribunal a quo, ter julgado procedentes os pedidos, de natureza real, formulados pelos Réus/Recorrentes na reconvenção, violando, ao não o fazer, os artigos 1287.º e 1294.º do Código Civil.
WWW. Acresce que deslindada a questão de se saber de que prédio era parte componente a parcela de terreno em disputa - “Avenida”, sabendo o Tribunal a quo que esta estava “C.da” não só na descrição predial da “Quinta” da qual, efetivamente, é parte componente, mas ainda da descrição predial do “Pinhal”, deveria ter declarado nulo o averbamento referido na apresentação 02/201103 (violando, ao não o fazer, a alínea b) do art. 16.º do Código do Registo Predial), através do qual foi atualizada/retificada a descrição registal do prédio n.º ..., e, consequentemente, ter ordenado o seu cancelamento, de modo a eliminar a duplicação de descrições existente.
XXX. Por fim, mesmo que os Réus Recorrentes não tivessem o direito potestativo de invocar a usucapião, o Tribunal a quo deveria ter julgado procedentes os pedidos, de natureza real, deduzidos na reconvenção, porquanto:
YYY. O Tribunal a quo deu por provada, e bem, a posse adquirida pelos Réus/Recorrentes, desde que compraram a “Quinta”, a 24 de abril de 2007, e, como se sabe, a posse gera a presunção da titularidade do direito (cfr. art.1268.º do Código Civil).
ZZZ. Não tendo a presunção da titularidade do direito sido ilidida, uma vez que a Autora/Recorrida não provou ser proprietária da “Avenida”, nem tendo cessado em virtude de presunção concorrente fundada no registo registal, o Tribunal a quo tinha de presumir que os proprietários da “Avenida” eram os seus possuidores, ou seja, os Reús/Recorrentes.
AAAA. Em consequência, o Tribunal a quo deveria ter condenado a Autora/Recorrida a reconhecer que os Réus/Recorrentes eram titulares do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em disputa e a abster-se, no futuro, de perturbar tal direito, violando o mencionado artigo 1268.º do Código Civil, ao não o fazer.
BBBB. Ademais, o Tribunal a quo ter declarado nulo o averbamento referido na apresentação 02/201103 (cfr. al. b) do art. 16.º do Código do Registo Predial), através do qual foi atualizada/retificada a descrição registal do prédio n.º ..., e, consequentemente, ter ordenado o seu cancelamento, de modo a eliminar a duplicação de descrições existente.
CCCC. Deve agora o Tribunal ad quem julgar procedentes todos os pedidos reconvencionais, de natureza real, deduzidos pelos Réus/Recorrentes, declarar nulo o averbamento referido na apresentação 02/201103 (cfr. al. b) do art. 16.º do Código do Registo Predial) e ordenar o seu cancelamento.
DDDD. Ainda, porém, quando nada assim fosse - mas é, colocando-se aqui a hipótese contrária a título meramente subsidiário, por simples espírito académico e dever de patrocínio – o ato isolado da Autora ao colocar uma vedação de arame que os Réus logo removeram, nunca mais, durante quase década e meia, tendo a Autora reagido ou pretendido voltar a exercer o direito a que se tinha arrogado, gerou no espírito dos Réus/Recorrentes a convicção e legítima expectativa de serem os titulares absolutos, inquestionados e inquestionáveis da parcela de terreno que a Autora reivindica na presente ação.
EEEE. Deste modo, o exercício do direito à parcela reivindicada nos presentes autos, após quase década e meia de passividade e inação totais e de silêncio, rigoroso e absoluto – se direito tal direito existisse, e não existe – implicaria uma violação grosseira do artigo 334.º do Código Civil, configurando um abuso de direito, na modalidade doutrinária da supressio.
FFFF. Que, como declarou o Supremo Tribunal de Justiça no douto Acórdão proferido em 5 de Junho de 2018, no âmbito do processo número 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, «[se], verifica com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.».
GGGG. Face ao todo o exposto, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, revogar a, aliás, douta Sentença do Tribunal a quo, substituindo-a por decisão que absolva completamente os Réus do Pedido e condene a Autora nos pedidos Reconvencionais por aqueles formulados
Assim se fazendo, como sempre, inteira e sã
Justiça!
*
Os Recorridos contra-alegaram, concluindo da seguinte forma:

I Após a retificação de áreas ocorrida a 20/11/2003, instruída com planta assinada por todos os confrontantes e Presidente da Junta de Freguesia, a “Avenida” está registada como parte do prédio “Pinhal”.
II Este requerimento foi assinado pela proprietária do prédio a “Quinta” e proprietário anterior do “Pinhal”, e, nessa qualidade, sujeito indicado para determinar e reconhecer o destino da “Avenida”.
III. As confrontações indicadas em ambos os prédios sugerem que a “Avenida” faz parte integrante do “Pinhal” e não da “Quinta”. Embora as confrontações não façam parte da presunção do registo (art. 7.º CRP), constituem mais um elemento a ser valorado livremente pelo julgador (art. 607.º n.º 5 CPC). Com este entendimento, Ac. STJ de 11/2/2016, (6500/07.4TBBRG.G2.S3), (Lopes do Rego).
IV. O atual titular registado do “Pinhal” (incluindo a “Avenida”) é a Autora, por aquisição do direito a J. L., ocorrida a 6/3/2006 e oportunamente registada.
V. Os réus não verteram para o processo qualquer facto que permitisse inverter a presunção a favor da Autora na qualidade de titular registado (art. 7.º CRP), funcionando essa presunção em toda a sua plenitude.
VI. Quem invoca a simulação deve demonstrar os seus factos constitutivos, como decorre das regras gerais do direito probatório. Ora, não foi vertida para o processo qualquer prova sobre esta matéria, como, de resto, é reconhecido pelo Tribunal a quo.
VII. Ainda que outra conclusão fosse possível o que não se concede, sempre se pode afirmar que a Autora não desempenhou qualquer papel na compra e venda entre M. R. e J. L., devendo ser qualificada, portanto, como terceiro de boa fé, merecendo total proteção do ordenamento jurídico conferida pelos arts. 291.º CC e 17.º n.º 2 CRP.
VIII. Os réus, ainda que possuidores da “Avenida” desde a aquisição da “Quinta” em venda judicial (24/4/2007) não podem beneficiar da presunção de titularidade do art. 1268.º CC, uma vez que essa presunção cede em razão do registo em favor da Autora, anterior ao início da posse (15/3/2006).
IX. O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial que se traduz numa “apreensão judicial e jurídica” do bem. Deve seguir as regras relativa à penhora (art. 391.º n.º 2 CPC). Concretamente, o arresto de coisa imóvel far-se-á “por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita.” (art. 755.º n.º 1 CPC).
X. Concretizando-se o arresto de imóvel por registo, facilmente se compreende e aceita que o prédio arrestado apenas pode ser aquele que consta desse mesmo registo. Não podem os credores ou qualquer outro terceiro interessado contar ou expectar que o arresto tenha por base qualquer outra realidade predial. Concluindo, será objeto de arresto, nem mais nem menos, a realidade predial constante do respetivo registo.
XI. Da descrição predial da “Quinta” e dos elementos aí constantes resulta não estar a “Avenida” integrada nesse prédio. Assim, o arresto da “Quinta” não abrangeu e nem podia abranger a parcela de terreno conhecida por “Avenida”.
XII. A retificação de áreas requerida pelos Réus, desprovida de qualquer elemento adicional (como a concordância dos confrontantes) não pode produzir qualquer efeito do ponto de vista do direito substantivo.
XIII. Verifica-se uma nulidade do registo, uma vez que foi “lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado” [art. 16.º, al. b) CRP]. Andou bem o Tribunal a quo quando determina a anulação e cancelamento dos averbamentos referidos na Ap. 6 de 2008/10/15 e na Ap. 1808 de 2018/11/05 relativas ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ….
XIV. De acordo com a jurisprudência uniformizada no AUJ n.º 1/2017, a situação de dupla descrição predial, ainda que parcial, impede ambos os titulares registrais de invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções.
XV. Os Réus/Recorrentes são responsáveis diretos pela duplicação de descrições, uma vez que essa duplicação não existia até à retificação de áreas que concretizaram. E fizeram-no com evidente má-fé, uma vez que conheciam já a existência de uma pretensão contrária (da Autora) relativamente à parcela de terreno conhecida por “Avenida”.
XVI. Demonstrada a fraude, não se verifica o efeito da inutilização das descrições, “repristinando-se” as regras de direito registral. Prevalece, assim, a descrição mais antiga, de acordo com o art. 7.º CRP, ou seja, a descrição em favor da Autora.
XVII. Seria absolutamente inaceitável que através de uma mera retificação de áreas apresentada pelo próprio interessado, desprovida de qualquer elemento adicional, se pudesse inutilizar outra descrição registral, constituída de acordo com as regras …
XVIII. A posse dos Réus sobre a “Avenida” é de boa fé e não registada, necessitando de 15 anos para a usucapião (art. 1296.º). Adquirindo a posse com a aquisição por venda judicial do prédio (a 24/4/2007), não estão reunidos os pressupostos para a invocação da usucapião.
XIX. A união de posses (acessão) pode ser concretizada com benefícios na contagem do prazo para a usucapião quando a posse tenha sido adquirida derivadamente.
XX. A proprietária anterior cedeu a posse a J. L. que a adquiriu por tradição. A tradição do imóvel basta-se com a colocação pelo vendedor da coisa à disposição do comprador, não impedindo que este tome para si essa coisa.
XXI. No caso em apreço, verifica-se também a tradição da posse através do requerimento apresentado por vendedora e comprador. Trata-se de uma tradição simbólica (na modalidade de traditio chartam), admitida, de modo expresso, na lei [art. 1263.º, al. b) CC].
XXII. J. L. transmitiu a sua posse à Autora e não aos Réus. Estes adquiriram a sua própria posse de modo originário, por apossamento [art. 1263.º, al. a) CC], o que impede qualquer acessão.
XXIIII. Em momento algum, em sede de 1ª instância, os Réus alegaram a possibilidade de aceder a uma eventual posse do Tribunal. A acessão não é uma matéria de conhecimento oficioso pelo que o Tribunal de recurso está impedido de apreciar essa questão.
XXIV. O Tribunal, no âmbito de um arresto sobre imóvel, não se torna possuidor. Não tem corpus (o arresto implica apenas apreensão jurídica e não material) e, sobretudo, não tem animus (não age como beneficiário do direito real ou como titular desse direito). Os poderes do Tribunal sobre a coisa decorrem da aplicação da lei e não de um estatuto de possuidor. Esse possuidor parece C.nuar a ser o titular do direito real (o arrestado), embora limitado pelos referidos poderes atribuídos por lei ao Tribunal.
XXV. O arresto de imóvel faz-se por comunicação ao registo. Na descrição registral da “Quinta” não existe qualquer menção à “Avenida”, pelo que se deve entender que o arresto não abrangeu a parcela de terreno.
XXVI. A eventual inclusão da “Avenida” no arresto torna-o ilícito. Ao não cuidar de saber qual a razão da divergência entre a realidade registral e a aparência material do prédio, o arresto é efetuado com negligência.
XXVII. A posse só será qualificada de boa fé se o desconhecimento for não censurável. A posse do Tribunal originada por arresto concretizado nas condições descritas deve ser qualificada de má fé.
XXVIIII. A acessão na posse só pode operar dentro dos limites da posse de menor âmbito. A acessão pelos Réus à posse do Tribunal implica que toda a posse seja de má fé e passe a exigir 20 anos para usucapir. Tendo o arresto ocorrido em 23/12/2002, não pode ser invocada qualquer usucapião sobre a “Avenida”.
XXIX. A supressio (ou “neutralização do direito”) constitui uma modalidade de abuso de direito que pode ser assim descrita: uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante certo tempo, já não o poderá ser, senão contra a boa fé. Não se basta com o mero decurso do tempo. São necessários indícios objetivos de que o direito não irá ser exercido.
XXX. Dos factos provados nada permitia aos Réus/Recorrentes concluir que, por parte da Autora/Recorrida, “não mais haveria exercício” do direito de propriedade, pelo que a presente ação de reivindicação constitui exercício legítimo do seu direito.
XXXI. Atentas as considerações vertidas nas páginas anteriores, não nos resta qualquer dúvida sobre o mérito da decisão tomada pelo Tribunal a quo. Com a mesma foi obtida justiça material no perfeito respeito da lei e do ordenamento jurídico português. Em consequência, o recurso intentado pelos Réus/Recorrentes deve ser considerado improcedente pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães.

Devendo manter-se o decidido pelo Tribunal a quo, o que se requer por ser de elementar JUSTIÇA.
Soçobram, portanto, todas as conclusões da alegação da Recorrente, o que terá, necessariamente, que conduzir à improcedência da Revista e à manutenção da douta sentença recorrida.
Bem andou o M. Tribunal “a quo”, pois que, decidindo, como decidiu, interpretou corretamente os factos e aplicou, de forma adequada, o Direito, não violando quaisquer normas jurídicas, designadamente, as invocadas pelos Réus/Recorrentes.

Nestes termos, e nos melhores de direito, negando provimento ao recurso e, em consequência, confirmando, integralmente a douta decisão recorrida, farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
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Questões a decidir:

- Da reapreciação da matéria de facto;
- Do conflito de presunções decorrentes dos registos;
- Do direito de propriedade da A. ou dos RR. sobre a faixa de terreno denominada “Avenida”.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:

1) A A. tem como atividade comercial a construção de imóveis para venda, compra dos prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, prospeção, estudos, comercialização e assistência técnica, no âmbito de construção de imóveis, administração de propriedades próprias ou alheias, compra e venda de bens imóveis, engenharia, arquitetura e projetos e prestação de serviços em geral.
2) No exercício da sua atividade, em 06/03/2006, a A. comprou o prédio rústico composto de Pinhal, sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º.
3) Atualmente, o prédio está inscrito na matriz sob o art. artigo ...º.
4) O prédio composto por PINHAL possui as seguintes confrontações: Norte, estrada nacional; Sul, caminho particular; Nascente, A. A. e Poente, M. R..
5) Antes da aquisição do prédio pela Autora, o prédio possuía as seguintes confrontações: Norte, A. A.; Nascente: caminho público; Sul, M. R. e Poente Estrada Nacional.
6) Tendo a descrição predial do mesmo sido alvo de retificação através de requerimento apresentado pelo proprietário anterior – J. L. – que ficou averbado sob a referência 02 – Ap. 02/201103, de forma que o prédio passou a constar com a área de 5.665,00m2 e as confrontações que ainda hoje possui.
7) E foi com base neste dados e áreas constantes do registo predial que a Autora adquiriu o imóvel.
8) A partir da aquisição, a Autora procedeu, na parte poente do terreno, à sua vedação através de malha sol e estacas de madeira cravadas no terreno - na zona A indicada na planta junta como Documento n.º 6.
9) Bem como à colocação de uma fechadura nova no portão de acesso ao prédio pela Estrada Nacional 302.
10) A Autora pretende urbanizar o referido terreno, construindo um empreendimento urbano de 8/9 moradias unifamiliares isoladas ou geminadas.
11) Dado que o referido terreno, segundo o PDM, pertence ao “Espaço Urbano”.
12) Com vista ao desenvolvimento do empreendimento supra referido, em 27/07/2012, a Autora adquiriu ainda o prédio composto de Moinho ..., sito em Portais ..., com área de 30 m2, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º …, inscrito na matriz sob o artigo atual … (proveio do anterior art. ..º), e registado a seu favor através da inscrição AP. 1576 de 2012/07/27
13) Os Réus adquiriram em hasta pública um prédio, anteriormente pertencente a M. R., descrito na CRP de ... sob o n.º .. da freguesia de ....
14) A referida aquisição ficou registada em 02/04/2008.
15) Os Réus procederam ao derrube da vedação colocada na parte Poente do prédio da Autora e que confina com o prédio dos mesmos.
16) Alteraram o portão, substituindo a malha verde do mesmo por chapa.
17) Junto ao portão de entrada pela Estrada Nacional, junto ao Moinho ..., também implantaram um espigueiro em cimento de cor vermelha.
18) A 24/04/2007, o prédio referido em 13) foi adjudicado ao Réu, numa venda judicial, no âmbito do processo 3607/03.0TBMTS.
19) A faixa de terreno que se discute nos autos está localizada à face da EN 302, e está pavimentada estabelecendo uma ligação entre a habitação dos RR. e a dita EN.
20) A faixa de terreno em causa, trata-se de um caminho que se apresenta uniforme e homogéneo, tendo sido feito com os mesmos materiais utilizados na pavimentação que rodeia a habitação dos RR.
21) A dita pavimentação que rodeia a casa dos RR. e o caminho em causa apresentam os mesmos sinais de desgaste.
22) Há uma clara, visível e demarcada fronteira entre o caminho em causa, a que os RR. chamam “Avenida” e o prédio da Autora, estando, ainda hoje, aquele fisicamente separado deste por um socalco que é preciso saltar para passar de um para o outro.
23) Há mais de trinta anos que o dito caminho é utilizado como via principal de acesso à habitação que hoje é propriedade dos RR.
24) A Avenida foi utilizada de forma ininterrupta e exclusiva por todos os sucessivos proprietários da habitação e por todos os que, por qualquer razão, a frequentavam, desde, pelo menos, 1979 e até à presente data.
25) Sempre de forma pública, pacífica e de boa fé, sem a mais pequena oposição de quem quer que fosse.
26) Era e é a entrada principal para a casa dos RR.
27) A outra entrada que existe nunca foi regularmente utilizada, por força da sua localização, numa curva acentuada e sem visibilidade da EN 302, não garantindo condições mínimas de segurança para quem entrasse e para quem saísse.
28) A faixa de terreno em causa nos presentes autos juntamente com a casa dos Réus e o respetivo quintal apresentam-se como um conjunto arquitetónico uno.
29) Há homogeneidade da pedra utilizada para pavimentar o caminho, o qual está em harmonia perfeita com o chão do espaço que circunda a habitação.
30) Existe uma latada de vinha que se inicia no muro da Avenida junto ao portão, e se prolonga por esse mesmo muro até para lá do caminho ou “Avenida”.
31) Na lateral da parte pavimentada do caminho ou “Avenida” encontram-se uns pilares em pedra que têm no topo encaixados arcos por onde cresce uma vinha.
32) No primeiro arco pode ver-se a data 1959.
33) Estes arcos encontram-se colocados sobre o caminho, “Avenida”, assegurando o seu sombreamento.
34) Na lateral, em pedra, no portão do caminho, “Avenida”, existe uma menção, em azulejo, que diz “Quinta ...”.
35) A mesma menção pode ser encontrada na outra entrada do prédio dos Réus.
36) Os elementos referidos existem há mais de quarenta anos, mostrando sinais de degradação provocada pelo tempo.
37) Em 11/09/1991, M. R. e seu marido, G. C., então proprietários do imóvel que é hoje dos Réus, por escritura pública, adquiriram a A. F. e esposa I. D., os três seguintes prédios:

O Prédio que atualmente pertence aos Réus, sito em ..., lugar da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … de ...;
Um outro prédio composto por moinho ..., pertencente atualmente à Autora e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … de ...;
Prédio localizado a norte do prédio dos Réus, concretamente do outro lado da estrada nacional.
38) Após a aquisição do prédio que atualmente pertence aos Réus, o casal C. realizou nele um conjunto de obras relevantes.
39) Por exemplo, foi colocado, na entrada do prédio (localizada na Avenida), um portão automático cuja eletrificação se localiza na habitação.
40) Foi também no interior da habitação que se colocou (e onde permanece) um dispositivo de abertura autónoma do portão.
41) A campainha colocada nessa entrada tocava e toca dentro da habitação, e permite, pelo intercomunicador, a comunicação entre quem está na habitação e no portão.
42) Toda a Avenida se encontra eletrificada e iluminada, emanando e dependendo da habitação a rede elétrica que serve essa eletrificação e iluminação.
43) Os C. mandaram escavar um poço de água na Avenida para servir a água da habitação.
44) Construindo através da avenida toda a canalização necessária para fazer chegar a água à habitação.
45) O casal C., proprietários do imóvel que hoje é dos Réus, mandou construir um muro a dividir, em toda a respetiva extensão, o prédio onde se situa o caminho em causa e a casa, do prédio que é hoje da Autora e no qual, através da presente ação, estes pretendem integrar a faixa de terreno em causa – “Avenida”.
46) Concretamente, o muro em causa inicia-se na entrada do prédio localizada na dita “Avenida”, separando a entrada do prédio dos Réus da entrada do Pinhal, segue um pouco para cima e depois corta à direita até ao final da “Avenida”.
47) O prédio da A., o “Pinhal”, tem, há mais de 20 (vinte) ou 30 (trinta) anos, acesso por um portão verde, que o liga à estrada nacional, o qual sempre funcionou como o acesso ao mesmo.
48) Os C. sempre usaram a “Avenida” para aceder à sua habitação.
49) Sem que ninguém a isso se opusesse.
50) E sem que ninguém a usasse para aceder a qualquer outro imóvel.
51) Em 29 de março de 2000, M. R. outorgou escritura de justificação notarial relativa ao prédio rústico, composto de pinhal, com a área de quatro mil e cem metros quadrados, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar de norte com A. A., do sul com proprietário, do nascente com caminho público e do poente com estrada nacional, inscrito na matriz sob o art. ...º.
52) Em 21/07/2000 os C., hipotecaram à Caixa … o prédio que hoje é dos Réus, para garantia do montante máximo de 80 mil contos (€399.038,22).
53) Por apresentação 5, de 23 de Dezembro de 2002, o mesmo prédio é objeto de arresto, em virtude de uma sua outra dívida no valor de €184.823,44.
54) Arresto que, por apresentação 4, de 12 de janeiro de 2004, é convertido em penhora.
55) Em novembro de 2003, a senhora C. vende a J. L. o prédio correspondente ao Pinhal – art.... de ....
56) Vindo este J. L., em 20-11-2003, requerer a retificação do prédio do pinhal, alterando a respetiva área de 4.100,00m2, para 5.665,00m2.
57) Suportando essa retificação numa Planta assinada pelos confrontantes da parcela e pela própria senhora C. e em que esta declara, na qualidade agora de proprietária do imóvel da Avenida e da Casa, que ainda lhe pertencia, que a Avenida é parte do Pinhal.
58) O Réu adquiriu a sua propriedade confiando que a Avenida fazia parte do prédio que adquiriu.
59) Em 2005, o Réu R. L., foi informado de que o prédio estaria para venda, tendo, nessa sequência, ido conhecer o aludido prédio.
60) A visita foi realizada com os Senhores M. M. e marido que, juntamente com a funcionária da casa, a Senhora D. R. G., apresentaram o prédio ao Réu.
61) Nessa data, o prédio foi apresentado para venda, ao Réu, com a inclusão da Avenida.
62) O Réu, para visitar o prédio, acedeu pela entrada da Avenida.
63) Mais tarde, aquando da venda judicial, o Réu revisitou o prédio, acedendo novamente à habitação através da Avenida.
64) Mais tarde, após a adjudicação do prédio no processo judicial, foi informado pela mesma D. R. G. de que a Autora estava a vedar a Avenida.
65) Os Réus procederam ao derrube da aludida vedação.
66) Desde a data da adjudicação da proposta do Réu R. L. e até aos dias de hoje, os Réus utilizam a Avenida, dela retirando todas as utilidades, agindo como proprietários e assim considerados por todos os que os visitam, de forma contínua e ininterrupta, à vista e com conhecimento de toda a gente e apenas com oposição da A.
67) Os Réus acedem ao prédio sempre pela Avenida, tal como fazem os seus convidados, fornecedores e toda a gente que os visita.
68) Procedem regularmente à sua limpeza, e aí cultivam vinha e kiwis.
69) Após o registo da aquisição dos RR, em 02/04/2008, procederam estes à retificação da composição e da área do terreno.
70) Tal pedido de retificação à descrição predial foi apresentado pelos RR em 15/10/2008 acompanhado de um levantamento topográfico.
71) Passando, a partir dessa data, a constar do registo predial a atual descrição como possuindo: Área Total – 5. 963 m2 (mais 1 838 m2 do que antes), Área Coberta – 218 m2 (mais 93 m2 do que antes) e Área Descoberta - 5 745 m2 (mais 1 745 m2 do que antes).
72) A Autora, em março de 2008, em defesa da sua propriedade, enquanto proprietária ofendida na sua posse, apresentou providência cautelar de restituição provisória da posse e queixa crime pelos atos praticados pelos RR, descritos na petição inicial.
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Factos considerados não provados na sentença recorrida:

I. Desde a sua aquisição, a A. passou a ocupar o prédio à vista de todas as pessoas, de forma ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja.
II. A normal utilização do prédio de que é proprietária traria à A. um aumento do património de cerca de 105.000,00 €.
III. Os RR. retiraram a fechadura colocada pela Autora e colocaram uma nova.
IV. Os danos causados pelo RR, quer na vedação, quer na fechadura do portão, ascendem a cerca de 1.600,00€.
V. A braços com uma situação económica difícil e para obter uma contrapartida financeira mais elevada pelo Pinhal, a Senhora C. acedeu em transmitir ao adquirente J. L. a Avenida (incluindo os seus socalcos inferiores), que lhe asseguram uma ampla frente de Rua.
VI. Ardilosamente optaram, comprador e vendedora do Pinhal, por proceder a uma retificação de áreas do prédio do Pinhal, deste modo, conseguindo “transferir” a Avenida da descrição a que pertencia, sem necessidade de a transmitir, colocando-a desta forma na descrição do Pinhal, livre de ónus ou encargos.
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Da impugnação da matéria de facto:

Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Analisada a fundamentação do recurso, verifica-se que os Recorrentes cumprem o formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, pelo que se vai conhecer da impugnação da matéria de facto.
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Os Recorrentes não concordam com o teor do ponto 4 dos factos provados no que respeita às confrontações, que são as que resultam da certidão matricial junta aos autos, sem que no ponto em apreço tal resulte suficientemente esclarecido.
Assim, é necessário que no ponto em causa se clarifique que as confrontações aí constantes são as que contam da mencionada caderneta.

Pelo exposto, o ponto 4 passará a ter a seguinte redação:
4 - Na caderneta predial respetiva, o prédio composto por PINHAL possui atualmente as seguintes confrontações: Norte, estrada nacional; Sul, caminho particular; Nascente, A. A. e Poente, M. R..
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Os Réus não concordam com o teor do ponto 64 quando diz que os mesmos foram informados pela pessoa aí indicada de que era a A. que estava a vedar a Avenida.
Têm os RR. razão, pois, analisadas as declarações das testemunhas e designadamente da testemunha R. G., que supostamente lhes terá dado tal informação, verifica-se que em parte alguma das mesmas ela refere que disse aos RR. que era a A. que estava a vedar a “Avenida”, mas sim que foi o Réu que lhe chamou à atenção para tal facto. Por outro lado, o Réu também não referiu que foi a mencionada testemunha que o informou da existência da mencionada vedação. A redação deste ponto não pode, pois, manter-se.
Deste modo elimina-se o ponto 64 dos factos provados e a matéria respetiva passará a fazer parte dos factos não provados.

Os RR. alegam que existe contradição entre o teor dos pontos 24), 25), 49) e 50) por um lado e o teor do ponto 66) por outro.

Para melhor análise, transcrevemos aqui os pontos em causa:

24) A Avenida foi utilizada de forma ininterrupta e exclusiva por todos os sucessivos proprietários da habitação e por todos os que, por qualquer razão, a frequentavam, desde, pelo menos, 1979 e até à presente data.
25) Sempre de forma pública, pacífica e de boa fé, sem a mais pequena oposição de quem quer que fosse.
49) Sem que ninguém a isso se opusesse.
50) E sem que ninguém a usasse para aceder a qualquer outro imóvel.
66) Desde a data da adjudicação da proposta do Réu R. L. e até aos dias de hoje, os Réus utilizam a Avenida, dela retirando todas as utilidades, agindo como proprietários e assim considerados por todos os que os visitam, de forma contínua e ininterrupta, à vista e com conhecimento de toda a gente e apenas com oposição da A.

Aparentemente existe contradição entre estes pontos, mas efetivamente não existe. Na verdade, os pontos 24, 25, 49 e 50 dizem respeito ao que ocorreu antes de a “Quinta” ter sido adquirida pelos RR. e de que forma a “Avenida” era utilizada nessa altura. O ponto 66 diz respeito à realidade pós aquisição por parte dos RR.
Deste modo, nada há a alterar a estes pontos.

Os RR. pretendem o aditamento aos factos provados de um ponto com a seguinte redação:
“O arresto decretado pelo Tribunal de Matosinhos, no âmbito do processo judicial número 3607/03.0TBMTS-5, abrangeu a faixa de terreno em disputa nos presentes autos que é habitualmente designada por “Avenida””.
Salvo o devido respeito, não pode aditar-se tal ponto. Primeiro porque se trata de uma conclusão, por outro lado, porque da descrição do prédio constante do proc. 3607/03.0TBMTS não pode retirar-se tal juízo.
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O Direito:

A A. entende que, tem a seu favor a presunção derivada do registo, por força da aplicação do disposto no art. 7º do C. R.P., que nos diz que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o define.
Também os RR. têm a seu favor a presunção derivada do registo, mas posterior ao registo da A. e que resultou da retificação de áreas e composição realizada pelos RR ao prédio descrito sob nº …, efetuada em 2/4/2008
A Srª Juíza que elaborou a decisão recorrida entendeu que “A alteração efetuada pelos RR. conflitua com o direito registado pela A. e que goza de prioridade registral, motivo pelo qual é necessário proceder à anulação e cancelamento dos averbamentos referidos na Ap. 6 de 2008/10/15 e Ap. 1808 de 2018/11/05 relativas ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...”
Salvo o devido respeito, o princípio da prioridade do registo, consagrada no art. 6º, nº 1 do C. de Registo Predial diz respeito a inscrições de direitos incompatíveis sobre o mesmo prédio e não sobre prédios distintos, como ocorre no caso em apreço.
De qualquer forma, ainda que se entendesse que tal princípio poderia ter aplicação no nosso ordenamento jurídico quando existe dupla descrição de uma faixa de terreno a favor de dois prédios distintos, tal possibilidade foi afastada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 23/02/2016 de que falaremos adiante.
Tal como refere Oliveira Ascenção (in A desconformidade do registo predial com a realidade e o efeito atributivo, Cadernos de Direito Privado n.º 31, 2010, pp. 3 e ss., p. 20, citado no mencionado Acórdão) “Se do registo constam inscrições paralelas incompatíveis, não pode haver com fundamento em nenhuma delas aquisição pelo registo (…) o próprio registo patenteia a desconformidade. Ninguém pode valer-se da confiança numa inscrição incorreta, quando não está em melhores condições do que aquele que tiver a seu favor uma inscrição verdadeira (…) As posições registais anulam-se, pelo que a realidade substantiva retoma o seu predomínio”
Deste modo, a regra da prioridade do registo nunca poderia ser aplicada ao caso em apreço, pelo que a pretensão da A. nunca poderia proceder com tais fundamentos.

Analisemos então as pretensões de A. e RR. à faixa de terreno denominada “Avenida”, correspondente à zona identificada no Doc. nº 6 como C.

No caso, estamos perante uma ação em que se discute a propriedade sobre uma parcela de terreno que fica na confrontação do prédio dos AA. com o dos RR.., ou seja, uma ação de reivindicação.
Na ação de reivindicação compete ao Autor provar que é proprietário do imóvel ou de parte dele e que este está na posse ou detenção do réu e compete a este, se for o caso, provar que é titular de um direito que legitima a recusa de restituição (art. 342º, nº2, do CC). “O ónus da prova respeita aos factos da causa distribuindo-se entre as partes, cabendo ao autor a prova dos momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representa a causa desse direito, sendo que o réu não carece de provar que tais factos não são verdadeiros, competindo-lhe, isso sim, a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito do autor, traduzindo-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantagens de se ter líquido o facto contrário, quando não logrou realizar essa prova, ou sofrer as consequências, se os autos não tiverem prova bastante desse facto» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2020 in www.dgsi.pt ).
Ora, tal como se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 23/02/2016 “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”.
Por outro lado, como vem sendo entendido pela jurisprudência a presunção do art.º 7.º do CRP não abrange os elementos de identificação do prédio constante da descrição predial, ou seja, a sua área e confrontações (v. por todos Acs. do STJ de 11/02/16 e de 12/01/21, ambos in www.dgsi.pt). Assim, da presunção adveniente do registo não se pode retirar o direito de propriedade da Autora (ou dos RR.) sobre a faixa de terreno em causa, mas apenas quanto ao(s) prédio(s) em si mesmo, constante(s) da respetiva descrição predial.

Uma vez que, no caso, não se provou qualquer fraude, designadamente, não se provou a simulação invocada pelos RR. e existe dupla descrição da faixa de terreno disputada nos autos, temos que nos socorrer das normas de direito substantivo para resolver a questão da propriedade sobre a faixa de terreno em causa, designadamente às normas que regulam a aquisição da propriedade por usucapião.
Cumpre referir que, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, a aquisição da propriedade por via de uma venda judicial não é uma aquisição originária, mas sim uma aquisição derivada, pois o direito de propriedade que o arrematante vai adquirir é aquele que pertencia ao executado e a titularidade dos bens passa diretamente do executado para o adquirente, assumindo o Estado apenas a posição de vendedor (v. Ac. do STJ de 7/7/99 in Col. Jur., ano VII, Tomo II, 1999, pág. 164-168; Ac. R.P. de 7/12/05 in www.dgsi.pt ; Miguel Teixeira de Sousa in Sobre a eficácia extintiva da venda executiva, pág.. 59; Vaz Serra in Realização Coactiva da Prestação (execução e regime civil), pág. 281-282) pelo que os RR. podiam e podem suceder na posse dos seus antecessores.
Dos pontos 20 a 36 e ainda dos pontos 38 a 46, 48 a 50 resulta que os proprietários, quer da “Quinta”, quer do “Pinhal” sempre usaram a mencionada porção de terreno como parte da “Quinta”, sendo a mesma, há mais de 30 anos, utilizada como via principal de acesso à sua habitação, que hoje é propriedade dos RR.. Essa via foi utilizada de forma ininterrupta e exclusiva por todos os sucessivos proprietários da habitação e por todos os que, por qualquer razão, a frequentavam, desde, pelo menos, 1979, sempre de forma pública, pacífica e de boa fé. No entanto, aquando da aquisição do “Pinhal” por parte da A. esta colocou lá uma vedação que os RR. retiraram aquando da aquisição da “Quinta” em 2007, sendo certo que não se provou que os RR. sabiam quem tinha colocado essa vedação. Por outro lado, a providência cautelar de restituição da posse intentada pela A. contra os R. foi julgada improcedente e os RR. nunca tiveram intervenção nesse processo.
Desde 2007 que os RR. exercem posse titulada, registada, de boa fé e sem oposição de outrem, até à propositura da presente ação em 2020, posse essa que já era exercida pelos anteriores proprietários da “Quinta”.
Estes factos são suficientes para que se considere que os RR. adquiriram tal faixa de terreno por usucapião (v. arts. 1251º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, 1287º, 1294º - a), todos do C. Civil).

Na decisão recorrida considerou-se que “uma vez que a parcela de terreno em causa não esteve ininterruptamente na posse dos anteriores proprietários, uma vez que estes a venderam, em 13/11/2003 a J. L.. Só passados mais de dois anos, foi realizada a permuta entre este J. L. e a Autora.” Assim, não poderiam os RR. não vir invocar a posse dos ante possuidores.
A mencionada afirmação tem por base a matéria constante do ponto 57 dos factos provados referente à subscrição por parte da anterior proprietária, quer do “Pinhal”, quer da “Quinta” de um documento, em 20/11/03, em que declara que a “Avenida” faz parte do “Pinhal”, declaração essa que esteve na base da alteração da área deste último prédio. A Srª Juiz não explica juridicamente qual o fundamento deste entendimento, mas a A., nas suas alegações refere que através de tal declaração, houve uma tradição simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor (v. art. 1263 – b) do C. Civil).
Como é sabido a tradição material é realizada através de um ato físico de entrega e recebimento da própria coisa e a tradição simbólica é o resultado do significado social ou convencional atribuído a determinados gestos ou expressões.
Ora, a assinatura dessa declaração para efeitos de retificação da área do mencionado prédio no registo, não configura um ato simbólico de transmissão da posse já que, na prática tudo ficou igual no terreno e na sua utilização, nomeadamente o mesmo Continuou a ser usado como único caminho de acesso à “Quinta” e Continuou fisicamente separado do “Pinhal”. A posse sobre a “Avenida” nunca foi transmitida para a A. e esta nunca exerceu poderes de facto sobre a mesma, com intenção de atuar como sua proprietária.
Acresce que, em 2002 foi efetuado o arresto da “Quinta” (convertido em penhora em 2004) e esse arresto, se analisarmos os documentos do processo onde foi efetuado, abrangia a “Avenida”. Na verdade, essa parcela de terreno era a única entrada utilizada para a “Quinta” e, conforme resulta da matéria de facto provada, “a faixa de terreno em causa nos presentes autos juntamente com a casa dos Réus e o respetivo quintal apresentam-se como um conjunto arquitetónico uno.”
Assim, com o arresto e subsequente penhora ocorreu o desapossamento (1) da Srª C. relativamente, não só à “Quinta”, mas também à “Avenida”, portanto, a Srª C., não detendo em 2003 a posse da “Avenida”, não a podia transmitir para o então proprietário do “Pinhal” e este não a podia transmitir para a A..
Não provou, assim, a A., como lhe competia, a aquisição da propriedade da “Avenida”.

Tal prova foi feita, no entanto, pelos RR. que lograram provar a aquisição originária da propriedade sobre a dita parcela de terreno, por usucapião, como acima se referiu.

Em face do que ficou acima exposto, desnecessário se torna analisar se existe ou não abuso de direito por parte da A. ao pretender reivindicar para si a propriedade de tal parcela de terreno.
Procede, assim, o recurso.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando-se parcialmente a decisão recorrida e, em consequência:

- Exclui-se da condenação dos RR. a reconhecer a propriedade da Autora sobre o prédio sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº ..., a faixa de terreno em causa nos autos, designada por “Avenida”, correspondente à zona identificada no Doc. nº 6 como C;
- Reconhece-se que os RR. adquiriram por usucapião a propriedade sobre a faixa de terreno em causa nos autos, designada por “Avenida”, correspondente à zona identificada no Doc. nº 6 como C; condena-se a A. a abster-se de perturbar esse direito; ordena-se o cancelamento da retificação de área registada sob a Ap. 02/201103, sobre o prédio ... de ....
Custas a cargo da Apelada.
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Guimarães, 13 de julho de 2022

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo


1 - v. Manuel Rodrigues in A Posse, Estudo de Direito Civil Português, pág. 165