Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1688/21.4T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PREVPAP
REGULARIZAÇÃO DE VÍNCULOS PRECÁRIOS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
SEGURO SOCIAL VOLUNTARIO
CATEGORIA PROFISSIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - No âmbito do PREVPAP não podia a Universidade X ter optado por fixar a retribuição da trabalhadora com referência ao valor por aquela auferido em 2017, nele se incluindo os subsídios de férias e de natal, por tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n.3 da lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos mais elementares princípios de direito laboral que proíbem a diminuição da retribuição, excepto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva do trabalho, nos termos do art.º 129.º nº1 al. d) do Cód. do Trabalho e que impõe que a retribuição seja acrescida dos subsídios de férias e de natal.
II – Tendo por certo que com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré-existente, é de considerar que a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, e consequentemente são devidos os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual, que nunca tendo sido liquidados pela Recorrente terá agora de o fazer.
III – A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola o n.º 2 do artigo 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efectuada de acordo com o estabelecido no programa PREVPAP (o qual constitui uma excepção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública), não impondo este que os critérios de regularização sejam efectuados tendo apenas em conta o período a que alude o art.º 3 da Lei n.º 112/2017, a que acresce o facto do artigo 14.º da referida lei impor que caso se verifiquem os respectivos requisitos se reconheça a existência de contrato de trabalho, que se deverá reportar à data do seu início e não a qualquer outra ficcionada.
IV - o seguro social voluntário cujo pagamento era liquidado pela Ré à autora mensalmente, enquanto bolseira, tem natureza de taxa similar às taxas contributivas obrigatórias pagas diretamente pelos empregadores à Segurança Social, não se tratando assim de uma contrapartida pelo trabalho prestado, não integra o conceito de retribuição.
V - Exercendo o trabalhador diversas atividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a atividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efetivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atribuição deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTES: UNIVERSIDADE X e S. M.
APELADAS: S. M. e UNIVERSIDADE X

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga -J1

I – RELATÓRIO

S. M., residente na Rua …, em Braga, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra UNIVERSIDADE X, com sede no Largo …, em …, pedindo que se:

A. A ré seja condenada a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a autora com efeitos a partir do dia 2 de Fevereiro de 2004 e a antiguidade reportada a esta data;
B. Seja declarada a nulidade das cláusulas 1ª nº1 e 3 e 5ª nº1 do contrato de trabalho por tempo indeterminado que foi celebrado;
C. Seja estabelecida a retribuição mensal da autora no montante líquido de € 1.694,65 ou, caso assim não seja entendido, a retribuição base de € 1.824,54;
D. A ré seja condenada a pagar à autora a diferença entre a retribuição mensal que tem vindo a pagar após a celebração do contrato de trabalho e a que venha a ser estabelecida;
E.A ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 38.757,58, a título de subsídios de férias e de Natal relativos ao período entre o dia 2 de Fevereiro de 2004 e o dia 31 de Janeiro de 2020;
F.A ré seja condenada a pagar os juros de mora sobre estas quantias;
G.A ré seja condenada atribuir à autora a categoria profissional de assessor, consultor, auditor.
Para tanto, alega a Autora em resumo que no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) foi reconhecido que exercia funções que correspondiam a uma necessidade permanente da ré e que o vínculo precário ao abrigo do qual exercia estas funções devia ser regularizado. A regularização do vínculo foi realizada através da celebração de um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado. A ré atribuiu-lhe a retribuição base mensal de 1.268,57€ o que se traduz numa diminuição do montante que auferia em data anterior à da celebração do contrato de trabalho e reconheceu a antiguidade a partir de 1 de Dezembro de 2014, quando esta deveria reportar a data anterior.
A Ré contestou alegando que a retribuição base mensal e a antiguidade da autora respeitam os termos do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) e que não ocorreu qualquer diminuição de retribuição, já que o regime em causa não determina que se considere que toda a relação contratual que existiu com o beneficiário da actividade é uma relação laboral. Apenas impõe o reconhecimento, imediatamente e para a frente, da existência de um contrato de trabalho.

Prosseguiram os autos os seus regulares termos e por fim foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
1.Condeno a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a autora com efeitos a partir do dia 2 de Fevereiro de 2004 e a antiguidade reportada a esta data;
2.Condeno a ré a estabelecer a retribuição mensal ilíquida da autora no montante de € 1.694,65;
3.Condeno a ré a pagar à autora a diferença entre esta retribuição mensal e a que tem vindo a pagar após a celebração do contrato de trabalho;
4.A esta quantia acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que devia ter sido paga cada retribuição até integral pagamento;
5.Condeno a ré a pagar à autora os subsídios de férias e de Natal relativos ao período entre o dia 2 de Fevereiro de 2004 e o dia 31 de Janeiro de 2020, os quais devem ser calculados por referência à quantia que recebia mensalmente enquanto bolseira em cada um dos anos em que devia ter ocorrido o pagamento, mas sujeita ao tratamento fiscal e para a Segurança Social que é aplicável aos trabalhadores;
6.A esta quantia acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que deviam ter sido pagos cada um dos subsídios de férias e de Natal até integral pagamento;
7.No mais, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados.
Custas a cargo da autora e da ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes:
CONCLUSÕES:
A. A Recorrente, enquanto fundação pública sujeita ao regime de direito privado, está obrigada a observar os princípios constitucionais respeitantes à administração pública, nomeadamente a prossecução do interesse público e os princípios da igualdade, imparcialidade, justiça e proporcionalidade.
B. A Recorrente, não obstante ter poder para celebrar contratos de trabalho sujeitos ao direito privado, nomeadamente ao Código do Trabalho, está obrigada a observar um procedimento público, imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher.
C. O PREVPAP (criado pela Lei 112/2017, de 29 de Dezembro) permitiu à Recorrente celebrar contratos de trabalho sem observância do procedimento imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher, desde que observados os limites e requisitos ali vertidos.
D. O PREVPAP destina-se a regularizar os vínculos contratuais existentes, passando a ser qualificados como contratos de trabalho, das pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro. que. exerçam ou tenham exercido as funções em causa no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização;
E. O regime de excepção à exigência de procedimento concursal (ainda que simplificado) a que a Recorrente está sujeita que é o PREVPAP impõe à mesma que a mesma celebre contratos de trabalho de acordo com as circunstâncias levadas a apreciação na CAB e pela mesma qualificadas como contrato de trabalho a regularizar.
F. Por conseguinte, as funções e categoria profissional, e a retribuição a figurar no contrato de trabalho a celebrar no âmbito do PREVPAP devem ter por referência o período temporal avaliado pela CAB, ou seja, o ano de 2017.
G. Nos casos em que o vínculo existente, previamente à regularização via PREVPAP, não é um vínculo laboral, a definição da retribuição deve obedecer ao disposto no artigo 14.º/3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro.
H. No caso dos autos, a determinação da retribuição da Recorrida por referência à retribuição anual da mesma no ano de 2017 obedece às normas e princípios vindos de observar,
I. Sendo assim inatacável a fixação de uma retribuição que corresponde à divisão por 14 do incremento patrimonial da Recorrida no ano de 2017 no âmbito do contrato de prestação de serviços.
a. Caso se entenda que o valor a considerar seria o do valor da bolsa mensal recebida pela Recorrida entre 01/01/2017 e 01/05/2017 concluir-se-á o que o máximo devido será de €1.630,00.
J. Ao contrário do vertido na douta sentença, tal decisão não corresponde à diminuição da retribuição da Recorrida, uma vez que a mesma não tinha vínculo contratual laboral com a Ré no ano de 2020, sendo antes uma bolseira.
K. Por violar o disposto no artigo 14.º/3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, e no artigo no artigo 134.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro, requer-se seja revogada a douta sentença de que se apela quanto aos pontos 2, 3 e 4 do dispositivo.
L. Não existe equiparação entre a antiguidade reconhecida à Recorrida no âmbito do contrato de trabalho celebrado na sequência do PREVPAP e a existência de um contrato de trabalho desde o início dessa antiguidade.
M. O regime jurídico do PREVPAP não pretende que sejam retiradas tais consequências da regularização do vínculo, pelo contrário:
a. nos casos em que a antiguidade apresenta relevo jurídico, o legislador disse-o, como foi o caso do artigo 13.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro.
b. Nos termos da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, a regularização produz efeitos de natureza laboral para diante; havendo a possibilidade do tempo anterior à regularização ter influência na carreira do trabalhador.
N. Entendimento distinto violaria a igualdade entre os trabalhadores da Recorrente: os opositores do PREVAP, sem lei que o preveja claramente, são qualificados como trabalhadores dependentes, sem sujeição a concurso, sem escrutínio, sem comparação com os demais candidatos, em período de tempo não considerado no PREVPAP, com a consequência de receberem subsídios de férias e de Natal.
O. Já os trabalhadores da Recorrente, que foram sujeitos a concurso, que viram os seus salários serem fixados por referência a uma tabela (aplicável face à sua categoria profissional – o que não aconteceu com prestadores de serviços, como é o caso da Recorrida) recebem valores inferiores.
P. Não são assim devidos subsídios de férias e subsídios de Natal respeitantes ao período de tempo em que entre a Recorrente e a Recorrida vigoraram contratos de bolseira..
Q. Pelo exposto, atenta a violação do artigo 14.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, e o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e o princípio de que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso (artigo 47.º/2 da CRP), requer-se seja revogada a douta sentença a quo, relativamente aos pontos 5 e 6 do dispositivo, e que em consequência seja a Recorrente absolvida do correspondente pedido.
R. O entendimento de que à Recorrida deveria ter sido assegurada uma antiguidade respeitante a um período de tempo que não foi alvo de avaliação por parte da CAB [pois, note-se, no limite, a CAB pôde pronunciar-se sobre a realidade contratual da Recorrida que se encontra em vigor no intervalo de tempo que mediou entre 01/01/2017 e 01/05/2017], cai no vazio jurídico, logo, na violação do artigo 47.º, número 2 da CRP, que prevê que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
S. Por consequência, o mesmo ocorre também no que respeita ao peticionado quanto aos subsídios de férias e de Natal.
T. Assim, por se encontrarem feridos de inconstitucionalidade, atenta a violação do artigo 47.º, número 2 da CRP, sempre deveriam ter disso declarados improcedentes os pedidos deduzidos pela Recorrida.
U. Da mesma inconstitucionalidade padece a decisão respeitante ao valor da retribuição mensal a fixar (ou seja, os €1.694,65).
V. Porquanto à Recorrida apenas foi franqueada, via PREVPAP, a possibilidade de celebração de contratos de trabalho sem concurso prévio nos termos avaliados pela CAB, assumindo-se as condições ali apreciadas – ou seja, as condições respeitantes a categoria profissional e retribuição que se verificavam no intervalo temporal previsto na Lei 112/2017, de 29 de Dezembro (entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, retribuição esta que deve ser definida por referência ao valor anual pago à Recorrida, ou seja, os €12.000,00
W. Assim, a perspectiva adoptada pelo douto Tribunal a quo encerra uma interpretação do artigo 14.º, números 2 e 3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro que viola o artigo 47.º, número 2 da CRP, uma vez que permite que a Recorrida beneficie dos efeitos de um contrato de trabalho que não foi alvo de celebração nos termos legais (por um lado, porque a Lei do PREVPAP não abrange o período de vigência da relação precária anterior à janela temporal do ano de 2017 prevista no seu regime jurídico; por outro lado, porque qualquer reconhecimento de antiguidade por via do regime do PREVPAP só visa produzir efeitos no âmbito da progressão da carreira, e não no âmbito dos efeitos laborais como sejam os de pagamentos de subsídios de férias e de Natal).
X. Esta decisão encerra assim a aplicação do artigo 14.º, números 2 e 3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro em violação da regra do artigo 47.º, número 2 da CRP e coloca a Recorrida numa posição de privilégio face aos demais cidadãos, pois estes não poderiam aceder à relação contratual pública com a Recorrente sem um concurso, e muito menos aos efeitos de um contrato de trabalho.
Y. As normas em referência, artigo 14.º, números 2 e 3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, não podem, assim, ser aplicadas ao caso concreto, quando interpretadas no sentido de que a Recorrente podia, e deveria, ter celebrado com a Recorrida, oponente do PREVPAP, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, no qual reconhecesse a existência de um contrato de trabalho com início a momento anterior a 01/01/2017 (no caso, reportada a 02/02/2004), com as legais consequências daí decorrentes, nomedamente o pagamento de subsídios de férias e de Natal, e bem assim reconhecesse como retribuição devida o valor igual ao que à Oponente era pago, no caso, a título de bolsa, no mês anterior à celebração do contrato de trabalho, por ser este posterior a 04/05/2017.
Z. Estas normas devem ser entendidas no sentido de que em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro a retribuição a ser fixada deve ter em consideração o valor que era pago ao opositor o no período de tempo determinado no artigo 3.º, número 1, alínea a) da indicada Lei, assim como é esse o intervalo de tempo a considerar para efeitos de determinação da antiguidade do opositor, sem que dessa antiguidade decorra qualquer consequência laboral, nomeadamente de obrigação de pagamento de subsídios de férias ou Natal, por não existir qualquer menção expressa nesse sentido no texto da lei.”
Termina a Recorrente pugnando pela revogação da sentença e da sua substituição por outra que a absolva de todo o peticionado.
A Autora/Recorrida não respondeu ao recurso.

Por seu turno, a Autora também não se conformou com a sentença recorrida e veio interpor recurso de apelação apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
CONCLUSÕES:
1.ª Com o presente recurso, a Recorrente visa questionar a apreciação da prova feita do que resulta o aditamento de novos factos ao elenco de factos provados.
2.ª Com efeito, a Recorrida pagava à Recorrente mensalmente uma quantia fixa para reembolso das despesas desta com o Seguro Social Voluntário - facto alegado no art.º 21º da PI e cuja prova documental corresponde ao Doc. 3 e tem suporte, ainda, nas declarações de parte da Recorrente que serviram para fundar a convicção do julgador.
3.ª E, assim, do confronto entre a declaração da parte e a prova documental resulta que a A. tinha aderido ao SSV, suportando mensalmente a contribuição devida à Segurança Social e era, todos os meses, reembolsada desse pagamento pela Recorrida.
4.ª Nos termos do art.º 258º /3 do CT presume-se que constitui retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
5.ª Pelo que se imporia - e se imporá ao Venerando Tribunal - dar como provado que: «Além das quantias mensais pagas referidas no n.º 14, a Ré pagava à A. uma quantia mensal relativa ao reembolso das contribuições para a Segurança Social e que à data da formalização do vínculo correspondia a 129,89€.»
6.ª O que deverá ser corrigido por este Venerando Tribunal em correta interpretação do 662º/1 do CPC.
7.ª Além disso, a Recorrente foi convidada pelos seus superiores a aperfeiçoar as suas habilitações académicas e profissionais efetuando um MBA - Master in Business Administration, na Universidade Y, conforme resulta da prova documental - DOC. 2B - e do depoimento inequívoco das Professoras C. L. e F. C., ouvidas na sessão de julgamento de forma a preparar-se para uma gestão científica no CBMA ao nível da gestão de empresas.
8.ª Pelo que se imporia - e se imporá ao Venerando Tribunal - ter dado como provado que: “A Autora, no âmbito das suas funções na Ré e por solicitação dos seus superiores, concluiu um MBA - Master in Business Administration na Universidade Y.”
9.ª E ainda, os depoimentos das mesmas testemunhas, juntamente com o da Professora M. C., foram claros no sentido de demonstrar o grau de exigência das funções da Recorrente no planeamento da estratégia do CBMA, destacando a elevada complexidade das funções pela necessidade de domínio das questões científicas, de gestão e de política científica, mas também os impactos desse trabalho na avaliação de desempenho deste centro de investigação da Recorrida.
10.ª E, por conseguinte, é patente que o Tribunal deveria ter dado como provado que: “A Autora desempenhava funções de investigação, conceção, consultoria, apoio e suporte no planeamento estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Recorrida e funções que exigiam um elevado nível de especialização técnica, cargo esse previsto desde início pelos fundadores do Centro.”
11.ª O PREVPAP consiste no reconhecimento de que a situação dos trabalhadores abrangidos correspondia a uma relação laboral pré-existente, não representando a criação de uma nova relação contratual.
12.ª Daquela asserção extraiu o Tribunal recorrido diversas consequências: obrigatoriedade do pagamento de todos os subsídios em falta e a manutenção da retribuição auferido à data da formalização do vínculo (janeiro de 2020).
13.ª Porém, o Tribunal a quo, não retirou todas as consequências do princípio da irredutibilidade da retribuição, comando previsto no art.º 129º /1 d) do CT.
14.ª A retribuição da Recorrente à data da formalização do vínculo integrava duas parcelas cujo pagamento era efetuado mensalmente pela Recorrida à Recorrente: a quantia paga a título de bolsa e a quantia paga a título de reembolso dos encargos com as contribuições para a Segurança Social (SSV).
15.ª Isto é, uma retribuição mensal ilíquida de 1824,54€ (1694,65 + 129,89€) e sobre a qual incidiam os descontos legais.
16.ª Tendo aderido a Recorrente ao SSV, a empregadora estava obrigada contratualmente a reembolsá-la das quantias suportadas mensalmente - cfr. a título de exemplo a cláusula 7ª do contrato de 28/11/2014 - DOC. 2C junto com a PI.
17.ª Daqui decorre que a manutenção da quantia que a Recorrente auferia, implica, agora, fixar a remuneração base mensal em 1824,54€, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
18.ª Sobre esta quantia global incidirão todos os descontos relativos ao tratamento fiscal e para a Segurança Social que são aplicáveis a todos os trabalhadores.
19.ª O mesmo sucede com os subsídios de Férias e de Natal e as diferenças salariais em falta - a base que serve de cálculo para o montante dos subsídios em dívida tem de corresponder à quantia ilíquida total efetivamente paga à data do vencimento de cada um deles (bolsa e encargos com o SSV) e, apenas sobre esse montante global, poderão incidir os descontos dos impostos e as contribuições para a Segurança Social.
20.ªO entendimento sustentado pelo Tribunal a quo conduz a uma ilegal porque dupla incidência dos descontos: à quantia global recebida à data da formalização do vínculo (1694,65€), bem como à data de vencimento de cada um dos subsídios de férias e de Natal, o Tribunal a quo entendeu subtrair a quantia relativa ao pagamento do SSV e sobre essa quantia diminuída deliberou que se processassem os novos descontos.
21.ª O Tribunal recorrido incorreu, assim, considerando que a retribuição anterior não incluía a parcela auferida relativa aos encargos com a Segurança Social (SSV), mas sujeitando-a aos descontos decorrentes do tratamento fiscal e para a Segurança Social, quer quanto à fixação da retribuição base, quer quanto às diferenças salariais e aos subsídios em dívida, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma do artigo 129º /1 d) do CT.
22.ªEntendeu ainda o Tribunal recorrido que a Recorrente não devia ser integrada na carreira unicategorial de Assessor, Consultor, Auditor prevista no Regulamento de Carreiras da Recorrida mas sim na carreira de técnico superior.
23.ª Ora, não se aceita que o núcleo essencial das funções desempenhadas pela trabalhadora seja o equivalente ao de uma “funcionária administrativa do Centro” - o que, com o devido respeito, é até vexante da exigência intelectual, académica e profissional solicitada à Recorrente.
24.ª A Recorrente complementou a sua formação académica, concluindo o MBA por solicitação dos seus superiores, de forma a estar dotada dos conhecimentos técnicos necessários à gestão e planeamento estratégico de alta complexidade técnica e obtendo um grau equivalente ao de mestrado, o que lhe permitiu ascender ao grau quatro de Complexidade Funcional - art.º 9 al. d) no RCUM.
25.ªPara aferir a categoria de um trabalhador, é decisivo o núcleo essencial das funções ou tarefas por si exercidas de forma predominante.
26.ª Resulta da prova produzida que as funções que lhe foram atribuídas desde a criação do CBMA em 2007, requeriam uma elevada especialização técnica, cruzando os domínios científicos e da gestão empresarial de topo de forma a garantir o planeamento estratégico do Centro a 5 e a 10 anos ou no resumo do Tribunal recorrido a Recorrida “distinguia[-se] dos técnicos superiores, uma vez investigava e idealizava estratégias para o centro. [...] a autora 'pensa estratégias'.” - cfr. pág. 8.
27.ª Desconhece-se, porém, em que factos se baseia o Tribunal para à frente concluir, em sentido precisamente contrário ao dos factos provados, designadamente que a Recorrente era, afinal, uma indistinta “funcionária administrativa do Centro”.
28.ªOra, resulta de toda a prova produzida, seja a já constante da sentença (ponto 7 dos factos provados), seja a que há de o Tribunal aditar no âmbito do presente recurso, que a Recorrente foi escolhida para um cargo único, de elevada responsabilidade, especialização e complexidade, sendo equiparada a um CEO de uma empresa e referida como uma “peça-chave” ou uma “assessora na excelência da palavra”.
29.ª O trabalho de investigação de fontes de financiamento para o Centro, de conceção e definição de estratégias enquadradas em políticas científicas europeias e nacionais a cada momento, da orientação de tomada de decisões de fundo da Direção do Centro, corresponde, sem ressalvas, ao que RCUM identifica como “funções de investigação, concepção, consultoria, apoio e suporte no planeamento” e ao mesmo tempo, as tarefas desempenhadas são de elevada especialização técnica,
30.ª É este o núcleo essencial das funções da Recorrente ao serviço da Recorrida, tal como foi concebido aquando da criação do CBMA, e não é o eventual desempenho de outras tarefas que altera a categoria, conforme se encontra de forma cristalina sumariado nos pontos III e IV do Ac. STJ de 2010/02/03, no processo 436/06.3TTSTS.S1 - “exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante, sendo que, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria mais favorável ao trabalhador.”
31.ª Por conseguinte, situando-se a Recorrente no nível de complexidade funcional de grau 4, e desempenhando funções de planeamento estratégico do CBMA e com elevada especificidade, a Recorrente, no âmbito da formalização do vínculo laboral preexistente, deveria ter sido integrada na carreira unicategorial de Assessor, Consultor, Auditor, prevista no artº 12º e anexo I do RCUM.
32.ª O Tribunal recorrido incorreu, assim, considerando que a Recorrente não deveria ser integrada na carreira unicategorial de Assessor, Consultor, Auditor, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma dos art.ºs 115º /2 e 129º /1 e) do CT e o art.º 12º do RCUM.
pelo exposto e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser concedido provimento ao presente recurso, condenando-se a apelada na totalidade do pedido, com o que se fará JUSTIÇA33!”
A Ré/Recorrida não respondeu ao recurso.
Admitidos os recursos na espécie própria e com os adequados regimes de subida e respectivos efeitos, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), as questões que se impõe apreciar são as seguintes:

Recurso da Ré:

- Da retribuição devida à Autora;
- Do início da relação de natureza laboral para efeitos de pagamentos de subsídio de férias e de natal.
- Da inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 47.º da CRP.

Recurso da Autora:
- Da impugnação da matéria de facto;
- O valor do seguro social voluntário é ou não de incluir na retribuição da autora;
- Da categoria profissional a atribuir à autora
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Estão provados os seguintes factos:

1.A ré é uma fundação pública com regime de direito privado;
2.No dia 2 de Fevereiro de 2004, a autora começou a desempenhar funções ao serviço da ré no Centro de Biologia Molecular e Ambiental;
3.A autora exerceu estas funções ao serviço da ré ininterruptamente desde o dia 2 de Fevereiro de 2004 até ao dia 31 de Janeiro de 2020;
4.A partir do dia 2 de Fevereiro de 2004 a autora exerceu estas funções no âmbito de contratos de bolsa de gestão de ciência e tecnologia;
5.No período entre o dia 2 de Fevereiro de 2004 até ao dia 31 de Janeiro de 2020, a autora exerceu as mesmas funções no Centro de Biologia Molecular e Ambiental que continuou a exercer posteriormente, designadamente nas instalações e com instrumentos da ré, estando obrigada a cumprir as orientações que lhe eram transmitidas e a realizar as tarefas que lhe eram atribuídas, com horário de trabalho e tendo que solicitar autorização para se ausentar no período de trabalho e para a marcação das férias;
6.As funções da autora consistiam no seguinte:
­Apoio na gestão de projetos, em especial a consultoria que envolve a pesquisa de oportunidades de financiamento e desenvolvimento, assim como a programação e execução financeira e técnica e o acompanhamento de programas e projetos que é fundamental para o desenvolvimento e sustentabilidade do centro de investigação;
­Apoio ao desenvolvimento de atividades do centro de investigação;
­Gestão estratégica, administrativa e financeira de projetos e programas de investigação.
7.A partir do ano de 2008, as funções da autora passaram a consistir também no seguinte:
­Consultoria sobre os instrumentos e mecanismos de financiamento nacional e internacional de IDI adequados à investigação desenvolvida no centro;
­Elaboração e preparação de candidaturas incidindo sobre os requisitos administrativos e financeiros, a estratégia do centro e a expertise da equipa;
­Suporte às atividades de planeamento estratégico do centro através da pesquisa e análise das políticas e estratégias de IDI, de tendências e impactos, e na concepção de relatórios de apoio e suporte à decisão;
­Assessoria à valorização das atividades e resultados de IDI através da identificação de oportunidades, do apoio e suporte à negociação e do acompanhamento técnico em processos de patentes e de criação de spin offs;
­Monitorização da execução dos projetos de investigação a decorrer no centro de forma a garantir o cumprimento das normas e regras e os objetivos propostos.
8.No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP) foi emitido parecer favorável à regularização do vínculo que a autora mantinha com a ré;
9.Este parecer foi homologado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho e da Solidariedade e Segurança Social;
10.No dia 24 de Janeiro de 2020, para a regularização do vínculo, a autora e a ré celebraram o contrato individual de trabalho por tempo indeterminado que consta de fls. 34 e 35 e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
11.Ficou acordado o seguinte:
- O contrato de trabalho tinha início no dia 1 de Fevereiro de 2020;
- A autora era integrada na categoria de técnico superior;
- A autora auferia a retribuição base mensal de € 1.268,57, correspondente entre a 2ª e 3ª posição retributiva da categoria e ao nível retributivo entre 15-A e 19-A da tabela retributiva única constante do anexo III do Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade X, em conformidade com o art. 37º nº5;
- Sobre a retribuição incidiam os descontos legalmente previstos;
- Era reconhecida a antiguidade da autora com efeitos a partir do dia 1 de Dezembro de 2014
12.A retribuição da autora foi calculada nos termos da deliberação do Conselho de Gestão da Universidade X nº17/2019 de 31 de Outubro;
13.Esta deliberação estabeleceu a seguinte fórmula de cálculo:
- A retribuição base mensal é determinada de acordo com o valor bruto anual relativo a 2017, sem Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nos casos em que era legalmente devido, e corresponderá ao valor mensal que o trabalhador auferia multiplicado por doze, respeitante aos meses de serviço efectivo, e dividido por catorze, respeitante às prestações mensais devidas.
14.A autora auferia as seguintes quantias mensais:
Período
Valor
Início Fim
2 de Fevereiro de 2004 30 de Novembro de 2008 € 745,00
1 de Dezembro de 2008 31 de Maio de 2010 € 1.100,00
1 de Junho de 2010 30 de Novembro de 2014 € 1.245,00
1 de Dezembro de 2014 31 de Agosto de 2015 € 1.600,00
1 de Setembro de 2015 30 de Março de 2018 € 1.630,00
1 de Abril de 2018 31 de Dezembro de 2018 € 1.680,00
1 de Janeiro de 2019 31 de Janeiro de 2020 € 1.694,65
15 – Além das quantias mensais referidas no n.º 14, a Ré pagava à Autora uma quantia mensal relativa ao reembolso das contribuições para Segurança Social (seguro social voluntário), que à data da formalização do vínculo correspondia ao montante de €129,89 – aditado em conformidade com o decidido em IV 1.
16 – Em 2010 a autora concluiu na Universidade Y um Masters In Business Administration (MBA), pós graduação destinada a administradores executivos das áreas de gestão de empresas e gestão de projectos - aditado em conformidade com o decidido em IV 1.
17 - A Autora desempenhava funções de investigação, conceção, consultoria, apoio e suporte no planeamento estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Recorrida, funções estas que exigem um elevado nível de especialização técnica - aditado em conformidade com o decidido em IV 1.

IV – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

Antes de mais incumbe, desde já referir, que este Tribunal da Relação de Guimarães já teve a oportunidade de se pronunciar sobre questões idênticas às suscitadas nos presentes autos pela Ré/Recorrente designadamente nos Acórdãos proferidos em 15/06/2021, 21/10/2021, 4/11/2021, 16/12/2021, 3/02/2022, 2/06/2022 nos processos n.º 1782/20.9T8BRG.G1, n.º 3078/20.7T8BRG.G1, n.º 3369/20.7T8BRG.G1, n.º 5940/20.8T8BRG.G1, n.º 6204/20.2T8BRG.G1, n.º 3079/20.5T8BRG.G1, n.º 6296/20.4T8BRG.G1, n.º 6158/20.5T8BRG.G1, n.º 3080/20.9T8BRG.G1, n.º 3235/20.6T8BRG.G1 n.º1718/20.7T8BRG.G1; n.º 6496/20.7T8BRG.G1 disponíveis os dois primeiros em www.dgsi.pt, e ainda nos Acórdãos proferidos por este mesmo colectivo em 16/12/2021, no processo n.º 6149/20.6T8BRG.G1, em 20/01/2022 no processo n.º 4626/20.8T8BRG.G1, em 3/02/2022 no processo n.º 6269/20.7T8BRG.G1 e em 15-06-2022 no processo n.º 485/21.1T8BRG.G1, bem como sobre a maioria das questões suscitada pela Autora/Recorrente, designadamente no Acórdão de 02-06-2022, proferido no processo n.º 6496/20.7T8BRG.G1, razão pela qual iremos seguir de perto as posições aí assumidas, por se concordar com as mesmas, a que acresce ainda dizer que os pressupostos fáticos nesta e naquelas acções são idênticos e a alegação/argumentação quer da Ré, quer da Autora também é praticamente a mesma, razão pela qual a decisão não poderá deixar de ser similar.

A – Da impugnação da matéria de facto

Insurge-se a Autora/apelante quanto à factualidade apurada pretendendo que se proceda ao aditamento aos factos provados da factualidade alegada no artigo 21.º da petição inicial, do qual consta o seguinte:

«Além disso, a A. recebia mensalmente o reembolso relativo ao pagamento mensal que efectuava à Segurança Social a título de Seguro Social Voluntário (regime contributivo de carácter facultativo) e que em Janeiro de 2020 correspondia a 129,89€.»
Quer porque tal factualidade é aceite pela Ré no artigo 1.º da contestação, estando ainda comprovada por documento (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.) e atestada pelas declarações de parte da autora, quer porque consideramos que a mesma tem interesse para a boa da causa, mais não resta do que determinar o seu aditamento à factualidade provada.

É assim de deferir a pretensão da recorrente nesta parte, razão pela qual será aditado no local próprio o ponto 15 dos factos provados com a seguinte redacção:
«Além das quantias mensais referidas no n.º 14, a Ré pagava à Autora uma quantia mensal relativa ao reembolso das contribuições para Segurança Social (seguro social voluntário), que à data da formalização do vínculo correspondia ao montante de €129,89»

Pretende a Recorrente que se adite à factualidade provada o seguinte:
1 - «A autora, no âmbito das suas funções na Ré e por solicitação dos seus superiores, concluiu um MBA – Master in Business Administration na Universidade Y»
2 - «A Autora desempenhava funções de investigação, conceção, consultoria, apoio e suporte no planeamento estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Recorrida e funções que exigem um elevado nível de especialização técnica cargo esse previsto desde início pelos fundadores do Centro.”
Sustenta a Recorrente a sua pretensão no DOC 2B (email de 25-02-2009 enviado pela Professora C. L.) e nos depoimentos, cujos trechos relevantes transcreveu das testemunhas C. L., F. C. e M. C..
No que respeita ao aditamento da factualidade mencionada sob o n.º 1 incumbe dizer, que lidos e relidos os articulados, designadamente a petição inicial resulta que tal factualidade não foi articulada, razão pela qual não pode relevar em sede de recurso, uma vez que este, como é consabido não pode ser aditada nova factualidade à margem das regras processuais e dos mecanismos que existem para o efeito.
Com efeito, resulta do disposto no art.º 72.º do Código de Processo do Trabalho, na redação introduzida pela Lei n.º 107/2019, de 09/09, que, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art.º 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no art. 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão (n.º 1); se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias (n.º 2).
Daqui resulta inequívoco a admissibilidade do tribunal de utilizar factos essenciais não alegados pelas partes em termos ainda mais amplos dos que os admitidos pelo art.º 5.º do Código de Processo Civil, desde que sejam considerados de relevantes para a boa decisão da causa, estando bem explicitado o procedimento e as garantias das partes a observar, em ordem ao estrito cumprimento do princípio do contraditório. Ou seja, estando verificados os requisitos legais impostos pelo art.º 72.º do CPT. torna-se imperativo observar e cumprir o princípio do contraditório.
Ora, da acta de audiência de julgamento nada consta a este propósito, o que significa que nem por iniciativa do juiz a quo, nem a requerimento das partes foi determinada/deferida a ampliação da factualidade relevante para a decisão da causa, de modo a abranger os factos não alegados pelas partes que agora se pretende que sejam aditados.
Os concretos pontos de facto submetidos a julgamento foram os alegados pelas partes nos respectivos articulados e foi sobre estes que incidiu a decisão do tribunal de os considerar como provados ou não provados. Sendo estes os únicos factos sobre que se pronunciou o tribunal recorrido e cuja decisão podia ser objecto de impugnação e alteração nos termos dos referidos arts. 640.º, n.º 1 e 662.º do Código de Processo Civil, já que os factos que se pretendem agora aditar por não terem sido oportunamente alegados pelas partes ou enunciados pelo tribunal a quo, nos termos do prescrito no citado art.º 72.º do Código de Processo do Trabalho, ficaram subtraídos do objecto da decisão do mesmo tribunal sobre a matéria de facto provada e não provada, o que impossibilita a sua impugnação e reapreciação.
Como se refere no Acórdão deste Tribunal de 31-03-2022, proferido no proc. n.º 6817/20.2T8VNF.G1 (consultável em www.dgsi.pt) a propósito de idêntica questão «…o tribunal da relação, no conhecimento do recurso respeitante à matéria de facto, não pode substituir-se ao tribunal recorrido no uso do poder previsto no art. 72.º do Código de Processo do Trabalho, precisamente por respeito ao princípio do contraditório, nem pode anular o julgamento para que o tribunal de primeira instância o observe devidamente, se a nulidade decorrente da omissão não tiver sido tempestivamente arguida, por respeito ao princípio da preclusão.»
Em face do exposto não se admite o aditamento à factualidade provada do ponto 1.

Contudo e porque resulta suficientemente provado quer do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas C. L., M. C. e F. C., quer do teor dos documentos juntos a fls. 16, 27 e 32, a factualidade que consta do art.º 3 da petição inicial, que consideramos de relevante para a boa decisão da causa, ao abrigo do disposto no art.º 662.º n.º 1 do CPC decide-se aditar aos factos provados o seguinte facto que passará a constar do local próprio:

“16 – Em 2010 a autora concluiu na Universidade Y um Masters In Business Administration (MBA), pós-graduação destinada a administradores executivos das áreas de gestão de empresas e gestão de projectos.”
Quanto ao aditamento da factualidade referente às funções concretamente exercidas pela autora apraz dizer que estas se encontram exaustivamente elencadas nos pontos 6 e 7 dos pontos de facto provados, contudo as mesmas ficam aquém do que foi afirmado de forma credível pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, actual Diretora e anteriores Diretoras do Departamento no qual a Autora desempenha funções. Dos depoimentos das três testemunhas resultou inequívoco não só a complexidade como elevado nível de especialização técnica das funções desempenhadas pela autora, como também resultou patente que as funções da Autora são as de um gestor de topo no que respeita à gestão de projectos e domínio dos requisitos e politicas que subjazem aos financiamentos nacionais e internacionais. Tal como afirmou a Prof.ª C. L. (1ª Diretora do Centro de Biologia Molecular e Ambiental) a Autora “faz um trabalho que, imaginem só, se fosse uma empresa e não um centro de investigação seria o CEO”. A autora não só aconselha a par e passo a tomada de decisões da Direcção do Centro como orienta os seus investigadores através da definição de estratégias e das politicas cientificas que o Centro deve em cada momento adotar. A autora não só pensa a estratégias do Centro a médio prazo, permitindo que a Direcção do Centro tenha acesso aos conhecimentos e às contingências e às dificuldades permitindo traçar o caminho para o Centro sobreviver cientificamente. Como afirmou a actual Directora do Centro Prof.ª F. C. “A S. M. faz, ou ajuda a fazer, toda a gestão do Centro. Gestão quer dos recursos humanos, quer gestão financeira, seguindo os projectos.” E mais à frente afirma “a S. M. é uma assessora na excelência da palavra.” Por fim, a Prof.º M. C., Diretora do Centro entre 2014 e 2016 também explicou a elevada complexidade técnica das funções exercidas pela Autora explicando e concretizando as funções de acessória e coordenação desempenhadas por aquela que se revelam de imprescindíveis à Direcção do Centro. Trata-se assim de uma Coordenadora que ajuda, apoia e orienta as decisões tomadas pela Direcção do Centro (CBMA), designadamente fazendo o planeamento estratégico do Centro.
Em suma, a prova produzida impõe que se proceda ao aditamento da factualidade que passará a constar do local próprio com a seguinte redacção.
«17 - A Autora desempenhava funções de investigação, conceção, consultoria, apoio e suporte no planeamento estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Recorrida, funções estas que exigem um elevado nível de especialização técnica.»
Procede nesta parte a impugnação da matéria de facto

B – Da impugnação da decisão de direito

RECURSO DA RÉ

1. Da retribuição devida à Autora

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de o tribunal a quo ter fixado a retribuição da autora no valor de €1.694,65, por ser o valor que a autora auferia à data da regularização e celebração do contrato de trabalho, em 24/01/2020, acrescida do respectivo subsídio de férias e de Natal de igual montante, insistindo que o valor da retribuição deve ser o por si fixado tendo por referência o valor auferido pela autora no ano de 2017, com a subsequente multiplicação por 12 e divisão por 14.
Defende assim, a Recorrente que a retribuição da Autora deve ser fixada com referência à importância por aquela auferida em 2017, multiplicada por 12 e dividida por 14, apesar da regularização do contrato só ter ocorrido para produzir efeitos em 2020, altura em que a autora recebia €1.694,65 por mês. Subsidiariamente pede que se atenda ao valor de 1.630,00€ correspondente à média mensal auferida em 2017.
Vejamos.
No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), regulado pela Lei n.º 112/2017 de 29/12 foi reconhecido que a autora exercia há vários anos funções que correspondiam a necessidades permanentes da Ré, tendo por isso o seu vínculo precário sido regularizado.
Ora, o PREVPAP foi o mecanismo criado pelo Estado, para combater a precaridade criada pelo próprio Estado, ao permitir a contratação com vínculo precário para satisfazer necessidades permanentes quer na Administração Central e Local, quer no sector empresarial do Estado. Este programa de regularização dos vínculos precários dos colaboradores do Estado visou a eliminação progressiva do recurso ao trabalho precário como forma de colmatar necessidades de longa duração para que os serviços do Estado pudessem funcionar de forma regular.
Tal como a Lei n.º 63/2013, de 27/08 ao instituir a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, visou combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado (sem fazer qualquer distinção entre empresas públicas ou do sector empresarial do Estado e empresas privadas), o PREVPAP foi mais um mecanismo criado pela Estado para combater a precaridade no sector publico (nele se incluindo também sector empresarial do Estado). Ambos os procedimentos foram criados no âmbito da estratégia de combate à precaridade e constituem dois procedimentos distintos - um de cariz administrativo, que tramita de acordo com o programa PREVPAP e outro de cariz judicial - que têm tramitações distintas, mas que visam a obtenção do mesmo resultado jurídico, ou seja o reconhecimento da existência de contrato de trabalho que em ambos os procedimentos é feita mediante o preenchimento dos pressuposto previstos no art.º 12.º do CT, ou seja aqueles que permitem presumir a existência de uma relação laboral.
Importa salientar que o programa PREVPAP [regularização dos vínculos precários na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado], previsto inicialmente na Portaria nº 150/2017 de 03/05 e posteriormente previsto na Lei n.º 112/2017 de 29.12 mais não veio do que regular a matéria atribuída aos tribunais pela Lei n.º 63/2013, de 27/08 com o objectivo de resolver uma situação de precaridade laboral que se vinha arrastando no tempo no que respeita ao sector publico. Este mecanismo/procedimento não se destinou a criar um novo vínculo, mas sim destinou-se apenas a reconhecer o que já existia.
Assim sendo, tal nunca se poderia traduzir do ponto de vista do trabalhador numa situação pior do que aquela em que estavam investidos antes da regularização.
Tudo isto para concluir que a Autora ao ver reconhecido o seu vínculo laboral não poderia ter passado a auferir uma retribuição inferior aquela que até então tinha auferido, tal como a Recorrente entendeu.
Se por um lado de acordo com o disposto no art.º 14.º n.ºs 1,al. b) e n.º 3 da Lei nº 112/2017, (dos quais resulta que nas situações em que é reconhecida a existência de contrato de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes e que a retribuição será determinada de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis), nos parece correto para efeitos de fixação do valor da retribuição o recurso ao valor/preço que era pago à autora enquanto bolseira. Por outro lado, o valor a atender para efeitos de fixação da retribuição tem de ser determinado de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis, pretendendo assim o legislador salvaguardar a situação anterior dos trabalhadores, de forma que não ficassem prejudicados ou em situação pior do que a anterior, tendo em mente o respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, de forma a eliminar qualquer discriminação que pudesse existir entre trabalhadores nas mesmas condições.
Daqui resulta que de forma a acautelar a situação anterior da trabalhadora e respeitando o critério que a recorrente de alguma forma utilizou (atendeu ao montante que recebia mensalmente como bolseira) a retribuição a atender deverá ser aquela que a autora auferia antes de se ter procedido ao reconhecimento da existência do vínculo e não qualquer outro reportado a um ano cujo valor era substancialmente inferior aquele que auferia em momento imediatamente anterior ao do reconhecimento do vínculo, sob pena de a autora ver a sua retribuição diminuída com o reconhecimento do vínculo.
Por outro lado, o critério encontrado pela recorrente de multiplicar o valor mensal encontrado, por 12 para posteriormente dividi-lo por 14 para assim apurar e nele fazer incluir o subsídio de férias e de natal desvirtua o sentido da lei e afigura-se-nos até violador do regime imperativo previsto no Código do Trabalho no que respeita a estes subsídios, pois como é consabido quer os prestadores de serviço, quer os bolseiros em regra não recebem subsídios nem de férias, nem de natal, pelo que a Recorrente ao pretender incluir tais subsídios no montante liquidado à Autora enquanto prestadora de serviços, tentou contornar com tal estratégia o regime imperativo, o que não nos parece aceitável, pois trata-se de uma clara violação aos direitos dos trabalhadores.
Como é consabido das normas de natureza imperativa que constam do Código Trabalho respeitantes à retribuição do trabalhador resulta quer a proibição da diminuição da retribuição, quer a obrigatoriedade do pagamento dos subsídios de férias e de natal, que correspondem a montantes que acrescem a retribuição – cfr. artigos 129.º n.º 1 al. d), 263.º n.º 1 e 264.º n.º 2 todos do CT.
Ora, não tendo a Recorrente antes da regularização do vínculo procedido ao pagamento dos respectivos subsídios ao pretender agora fazê-lo incluir no valor da prestação mensal que liquidou ao longo dos anos à autora iria também por esta via diminuir a prestação que mensalmente a autora recebia.
Não podemos assim deixar de concordar quer com argumentação expendida pelo Tribunal a quo, quer com a argumentação que se fez constar nos Acórdãos deste Tribunal, a propósito de idêntica questão, dos quais destacamos o Acórdão proferido em 15-06-2021, proc. n.º 1782/20.9T8BRG.G1 (relatora Maria Leonor Barroso), no qual a este propósito se refere o seguinte:
“Quanto ao modo de fixar a retribuição, não havendo uma vínculo laboral formal pré-existente Como acontecia com os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a termo resolutivo ou ao abrigo de trabalho temporário-14º, 1, c, d, da referida Lei., sendo a autora uma prestadora de serviços e bolseira, as retribuições seriam “… determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salarias das convenções colectivas aplicáveis” nº 3, do artigo 14º, da Lei 112/2017, de 29-12.
Considerou-se na decisão recorrida que “a referência às convenções colectivas deve ser interpretada em sentido amplo, por forma a incluir os regulamentos que foram elaborados pelas universidades, como aconteceu com o Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE X.”
Mas, na verdade não existe controvérsia entre autora e ré quanto ao facto de a base de referência ser a remuneração daquela enquanto bolseira. Não sendo, assim, necessário dissecar, em demasiado, o que se entende por “critérios gerais”. Sempre se dirá que estes serão os previstos no código do trabalho, legislação a que a ré está sujeita, segundo a qual a retribuição é toda a prestação que o trabalhador recebe como contrapartida do trabalho, conforme o acordado, a lei e os usos, abrangendo-se todas as retribuições que sejam regulares e periódicas – 258º CT/09. Naturalmente abrange-se também dentro dos critérios gerais o Regulamento 4095/2017, DR de 12-05-2017, referente, entre o mais, a carreiras e níveis retributivos aprovados pela ré.
A questão é que a recorrente quer socorrer-se de uma remuneração com referência a um período temporal desactualizado e sem qualquer correspondência com a realidade subjacente aquando o da formalização do vínculo laboral. Se a ré só regularizou o vínculo em 2020 e não antes, tal não pode ser imputado à autora e a fixação das condições tem de ter por reporte a actualidade, sob pena de a autora ficar mais prejudicada do que beneficiada, desvirtuando-se o objectivo da lei de combate à precariedade laboral.
Não vemos, assim, como se possa defender que a referência deva ser uma remuneração que já não está em vigor, afigurando-se ser um critério desrazoável e injustificado. Ao contrário do que pretende a recorrente a lei não referencia a remuneração a atribuir ao período de 1-01-017 a 4-05-2017. Este período serve apenas para, juntamente com outros requisitos, balizar o âmbito da regularização extraordinária dos vínculos- artigo 3ºArt. 3º( Âmbito da regularização extraordinária) 1 — A presente lei abrange as pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º que exerçam ou tenham exercido as funções em causa: a) No período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização; b) Nos casos de exercício de funções no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ao abrigo de contratos emprego -inserção, contratos emprego -inserção+, as que tenham exercido as mesmas funções nas condições referidas no proémio, durante algum tempo nos três anos anteriores à data do início do procedimento concursal de regularização; c) Nos casos de exercício de funções ao abrigo de contratos de estágio celebrados com a exclusiva finalidade de suprir a carência de recursos humanos essenciais para a satisfação de necessidades permanentes, durante algum tempo nos três anos anteriores à data do início do procedimento concursal de regularização. da Lei 112/2017, de 29-12. A posterior regularização do processo e definição dos termos concretos do contrato cabe à ré, segundo a lei do procedimento e não às CABs.
Ademais, há que ter presente, como sublinhado na decisão recorrida, que a formalização do vínculo não representa a criação de uma nova relação contratual, mas um mero reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado por se tratar de necessidades que as CABs já reconheceram como permanentes 14º, 1, b), da referida lei. Tratando-se do reconhecimento de uma situação pré-existente, há que retirar as necessárias consequências de que o montante recebido pela autora tem as garantias legais (excepto se se provasse que o recebia em circunstâncias extraordinárias, o que não é o caso), sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição-129º, 1, d), CT/09.
Concorda-se, também, que a divisão da retribuição por 12, seguida de divisão por 14, obedece a um critério que desvirtua o sentido da lei que é o de dar maior e não menor protecção. Sabe-se que os prestadores de serviços e bolseiros não recebem subsídios de natal e de férias, enquanto os trabalhadores subordinados ao abrigo de contrato de trabalho têm direito aos mesmos. O que a ré fez com esta fórmula de cálculo foi contornar os direitos legais.
A autora como bolseira ganhava 24.000,00€ anuais e líquidos. Com a fórmula de cálculo proposta pela recorrente passaria a auferir anualmente apenas 17.999,94€ e ilíquidos (1.285,71 x 14). O que representaria uma diminuição salarial decorrente do valor que é objectivamente inferior, acrescendo o facto de a quantia passar a ser ilíquida. Realce-se que o valor de 2.000,00 x 14 ilíquidos origina uma retribuição liquida que, após descontos, se situará perto do valor que recebia anualmente enquanto bolseira, pelo que, no fundo, se assegurará não mais que a situação equivalente.”
Com efeito, a recorrente ao fixar a retribuição da Autora em €1.268,57, reduziu de forma objectiva e sem que nada o justificasse a retribuição da autora, já que para além da mesma ter sido calculada nela se incluindo os subsídios de férias e de natal (ou seja retirou do valor base mensal o montante referente aos subsídios), à data da regularização do vínculo auferia uma prestação mensal superior que se cifrava em €1.694,65.
Não vislumbramos qualquer razão para alterar a decisão recorrida a este propósito, sendo certo que a alegação da recorrente de que a manutenção do valor da retribuição da autora pode gerar situação de desigualdade relativamente a outros trabalhadores, não é argumento que justifique uma mudança de posição, pois nos autos não foi produzida qualquer prova que nos permitisse concluir nesse sentido, ou seja que que haja trabalhadores que recebam importância diversa, não obstante desempenharem as mesmas funções em termos de quantidade, qualidade e com a mesma antiguidade.
Por outro lado, também não releva a invocação do Despacho n.º 1896/2018, de 21 de fevereiro, relativo à gestão das carreiras de pessoal não docente em regime de contrato de trabalho, uma vez que o aqui está em causa não é a mudança de categoria e alteração da posição retributiva por promoção ou progressão, mas sim a fixação inicial da retribuição neste caso específico e extraordinário de reconhecimento de contrato de trabalho de vínculos precários e ao abrigo de um regime próprio, mormente regulado no artigo 14.º, da Lei 112/2017, de 29-12.
Em suma, no âmbito do PREVPAP não podia a Universidade X ter optado por fixar a retribuição da trabalhadora com referência ao valor por aquela auferido em 2017, nele se incluindo os subsídios de férias e de natal, por tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n.º 3 da Lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos mais elementares princípios de direito laboral que proíbem a diminuição da retribuição, excepto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva do trabalho, nos termos do art.º 129.º nº1 al. d) do Cód. do Trabalho e que impõe que a retribuição seja acrescida dos subsídios de férias e de natal.
Tendo presente a finalidade do PREVPAP, bem como o critério estabelecido no art.º 14.º n.º 3 da Lei nº112/2017 de 29 de Dezembro e em concordância com o prescrito na decisão recorrida, é de fixar a retribuição da Autora no valor que a autora recebia mensalmente como prestadora de serviços no ano de 2020 (ano em que foi reconhecido o contrato de trabalho) e a este valor deve acrescer os subsídios de férias e de Natal, assim se confirmando nesta parte a sentença recorrida.

2. Do início da relação de natureza laboral para efeitos de pagamentos de subsídio de férias e de natal.

Insurge-se ainda a Recorrente quanto ao facto do Tribunal a quo quanto à antiguidade ter reconhecido o seu início coincidente com o início das funções prestadas pela autora que deram lugar à regularização do vínculo, ou seja, reportada a 2 de Fevereiro de 2004, tendo por isso condenado a recorrente no pagamento dos subsídios de férias e de natal devidos desde essa data, uma vez que os montantes respeitantes a tais subsídios nunca foram liquidados à recorrida. Importa deixar claro que a Ré/Recorrente apenas reconhece a antiguidade da autora anterior a 1/02/2020 para efeitos de progressão na carreira.
Conforme já acima deixámos expresso com a criação do programa PREVPAP [regularização dos vínculos precários na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado], não foi intenção do legislador criar uma nova relação contratual de natureza laboral, mas sim teve como finalidade impor à entidade beneficiária do trabalho precário a obrigação de reconhecer a pré existência do vínculo laboral, nas situações em que se verificassem os requisitos para o efeito – cfr art.º 14.º n.º 1 b) da Lei n.º 112/2017. Só se reconhece aquilo que já existe assim partindo do pressuposto que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento (cfr. artigo 9.º do Código Civil), é manifesto que a sua intenção foi a de que a entidade beneficiária assuma que a relação existente antes da regularização do vínculo precário era já uma relação de natureza laboral, pois, só assim se explica o recurso à figura da presunção do contrato de trabalho e da expressão “reconhecer”.
Tal tem sido entendido em paridade com o que sucede na ARECT relativamente ao sector privado, salvaguardando assim o princípio da unidade do ordenamento jurídico.

Como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2019, processo n.º 6132/17.9T8FNC.L1-4, disponível em www.dgsi.pt, a propósito do reconhecimento da antiguidade por força da Lei PREVPAP:

“I- Sendo a ré uma entidade abrangida pelo art.º. 2º-1 da Lei nº 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários – PREVPAV), ao celebrar com a autora o contrato de trabalho sem termo, tal implicou, necessariamente e “ope legis”, o reconhecimento de que a relação existente antes da celebração deste contrato, configurava um contrato de trabalho
II- Sendo a Lei PREPAV de carácter imperativo, não podiam autora e ré estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade. III- É nula a parte da cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAV de onde conste que “somente” será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento de carreira.
III- Ainda que a cláusula fosse válida e consubstanciasse uma remissão abdicativa a mesma também não seria válida por outro motivo, pois havendo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde data anterior, por força da Lei PREVPAV, aquando da declaração da renúncia, estava-se em plena vigência de um contrato de trabalho entre autora e ré.”
E como tem sido defendido por este Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente nos mencionados Acórdãos 15/06/2021, 21/10/2021, 4/11/2021, 16/12/2021, 20/01/2022, 3/02/2022, 2/06/2022 e de 15/06/2022 que temos seguido de perto, voltamos a salientar, que a formalização do vínculo não representa a criação de uma nova relação contratual, mas um mero reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado por se tratar de necessidades que as CABs já reconheceram como permanentes cfr. art.º 14º, 1, b), da referida Lei. Estamos assim perante o reconhecimento de uma situação pré-existente.
Em suma, tendo por certo que com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré-existente, é de considerar que a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, e consequentemente são devidos os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual, que nunca tendo sido liquidados pela Recorrente terá agora de o fazer.
Acresce dizer que não vislumbramos que com esta decisão se viole o princípio da igualdade, conforme é defendido pela recorrente, sem concretizar tal violação, pois que os trabalhadores que foram admitidos ao seu serviço que não os precários, por força das normas imperativas a este respeito terão decerto auferido os respectivos subsídios de férias e de natal.

3. Da inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 47.º da CRP

Importa agora fazer uma pequena referência à invocada inconstitucionalidade da interpretação e aplicação das normas que constam da sentença recorrida, já que a Recorrente defende que por força da Lei PREVPAP só estava autorizada a regularizar a relação contratual que mantinha com a recorrida, que se encontrava em vigor no intervalo de tempo que mediou entre 01.01.2017 e 01.05.2017, pelo que, ao fazer-se reportar a antiguidade da Autora a Fevereiro de 2004, e ao estabelecer-se que a mesma tinha direito a receber os valores dos subsídios de férias e de natal respeitantes ao período compreendido entre Fevereiro de 2004 e Janeiro e 2020, está-se a atuar fora do regime jurídico do PREVPAP e, consequentemente, em violação do disposto no artigo 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, não foi aberto qualquer procedimento concursal.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar com a Recorrente, pois a posição assumida na sentença recorrida a propósito quer da antiguidade, quer do direito a receber os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual estabelecida entre as partes tem acolhimentos na Lei n.º 112/2017, de 29-12.
Na verdade, da Lei do PREVPAP não é possível concluir que a CAB só pôde pronunciar-se sobre a realidade contratual da recorrida que se encontrava em vigor entre 01.01.2017 e 01.05.2017, já que aquele período temporal apenas serve para determinar quais são os vínculos que estão abrangidos por este programa. Tal resulta também da análise de funções levada a cabo pelo CAB que não se cingiu apenas aquele período de tempo.

Por último remetemos mais uma vez para o Acórdão deste Tribunal de 15-06-2021, cuja posição subscrevemos e no qual se refere o seguinte a propósito do período compreendido entre 01-01-2017 e 01-05-2017:
“serve apenas para, juntamente com outros requisitos, balizar o âmbito da regularização extraordinária dos vínculos- artigo 3º5 da Lei 112/2017, de 29-12. A posterior regularização do processo e definição dos termos concretos do contrato cabe à ré, segundo a lei do procedimento e não às CABs.”
A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola o n.º 2 do artigo 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efectuada de acordo com o estabelecido no programa PREVPAP (o qual constitui uma excepção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública), não impondo este que os critérios de regularização sejam efectuados tendo apenas em conta o período a que alude o art.º 3 da Lei n.º 112/2017, a que acresce o facto do artigo 14.º da referida lei impor que caso se verifiquem os respectivos requisitos se reconheça a existência de contrato de trabalho, que se deverá reportar à data do seu início e não a qualquer outra ficcionada.
É de confirmar nesta parte a sentença recorrida a qual não é merecedora de reparo e consequentemente é de negar provimento ao recurso da Ré.

Do Recurso da Autora

- O valor do seguro social voluntário é ou não de incluir na retribuição da autora

Insurge-se a Autora quanto ao facto de o tribunal a quo não ter considerado que o valor que a Ré custeava mensalmente a título de seguro social não é de incluir na retribuição da autora.
Resulta da factualidade provada que a Ré pagava à Autora uma quantia mensal relativa ao reembolso das contribuições para Segurança Social (seguro social voluntário), que à data da formalização do vínculo correspondia ao montante de €129,89.
Cumpre desse já referir que não podemos dar razão à recorrente, pela simples razão de que a importância em causa de forma alguma integra o conceito de retribuição, já que tal valor não constitui qualquer contrapartida pelo trabalho prestado.
Como se refere no recente Acórdão deste Tribunal de 15/06/2022, proferido no proc. 6496/20.7/8BRG.G1, que se pronunciou sobre esta mesma questão “O conceito de retribuição implica, entre o mais, que o valor pago ao trabalhador seja contrapartida do trabalho, sendo este o seu primeiro elemento essencial - 258º, 1, CT. Sem que este elemento se verifique, não vale a pena avançar para os demais elementos (2- carácter regular e periódico 3- a sua natureza patrimonial).
A autora era bolseira. Nessa qualidade, a legislação da segurança social permitia-lhe aderir ao seguro social voluntário. A autora aderiu ao mesmo e a ré custeava-o. Pese embora seja um benefício para autora, o mesmo não era pago em razão do valor e da quantidade do seu trabalho.
O Seguro Social Voluntário é um regime contributivo facultativo que dá acesso a benefícios atribuídos pela Segurança Social. O seu funcionamento é muito semelhante ao regime geral da Segurança Social. O contribuinte desconta uma percentagem do salário todos os meses e, em troca, recebe proteção em situações de fragilidade (ver site www.seg-social.pt).
No caso a autora pagava uma percentagem à SS e a ré reembolsava-a. Trata-se, portanto, de custear uma taxa contributiva para a Segurança Social com vista a beneficiar de um regime de protecção. Na sua natureza é similar às taxas contributivas obrigatórias pagas directamente à SS pelas entidades patronais com fins lucrativos (23,75%) no caso de trabalhadores por conta de outrem. Atenta a natureza de ambas (taxas contributivas), estas não integram o conceito de retribuição.
Em suma, o seguro social voluntário cujo pagamento era liquidado pela Ré à Autora mensalmente, enquanto bolseira, tem natureza de taxa similar às taxas contributivas obrigatórias pagas diretamente pelos empregadores à Segurança Social, não se tratando assim de uma contrapartida pelo trabalho prestado, não integra o conceito de retribuição.
Improcede nesta parte o recurso da autora.

- Da categoria profissional a atribuir à autora

Por fim insurge-se a recorrente quanto ao facto de lhe ter sido reconhecida pelo Tribunal a quo a categoria profissional de Técnico Superior ao invés da categoria profissional de Assessor, Consultor, Auditor prevista no Regulamento de Carreiras Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não investigador da Universidade X.
Como ensina Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 12ª edição, pág. 193 «A categoria constitui um fundamental meio de determinação de direitos e garantias do trabalhador – ou, noutros termos, de caraterização do seu estatuto profissional na empresa. É ela que define o posicionamento do trabalhador na hierarquia salarial, é ela que o situa no sistema de carreiras profissionais, é também ela que funciona como referencial para se saber o que pode e o que não pode a entidade empregadora exigir ao trabalhador.»
Daí que se revele de essencial no que toca à função do trabalhador que se apure a função correspondente ao conjunto de tarefas que, de facto, o trabalhador realiza e não a uma determinada designação formal, pois no apuramento da categoria em que o trabalhador deve enquadrar é a função efectiva e não a função nominal que prevalece, por isso se diz que a categoria profissional deve obedecer ao princípio do reconhecimento do desempenho efectivo com a categoria-estatuto.
A questão que se coloca é a de apurar se as funções concretamente exercidas pela Autora se inserem na categoria de Assessora prevista no Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não docente e não investigador da Universidade X
Importa relevar que no apuramento da categoria não se torna necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria, mas sim que o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador se enquadre nessa categoria.
Assim, exercendo o trabalhador diversas atividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a atividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efetivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atribuição deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.

No conhecimento da pretensão formulada pela Autora na decisão recorrida teceram-se as seguintes considerações:

“A ré atribuiu à autora a categoria profissional de assistente técnico.
A autora considera que esta categoria não está correcta porque as funções que desempenhava correspondiam à categoria profissional de assessor, consultor, auditor.
A categoria profissional consiste no estatuto jurídico do trabalhador na hierarquia organizacional do empregador. Este estatuto é determinado pelas funções concretas que são desempenhadas pelo trabalhador em conjugação com as normas legais aplicáveis, o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou o regulamento interno da empresa que indiquem as funções próprias de cada categoria profissional.
A este propósito, pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2012, de acordo com o qual ‘a categoria profissional do trabalhador afere-se em razão das funções efectivamente por ele exercidas, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão.
O Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade X estabelece que a categoria de técnico superior corresponde a funções consultivas, de estudo, planeamento, programação, avaliação e aplicação de métodos e processos de natureza técnica e ou científica que fundamentam e preparam a decisão; elaboração, autonomamente ou em grupo, de pareceres e projetos com diversos graus de complexidade, e execução de outras atividades de apoio geral ou especializado nas áreas de atuação comuns, instrumentais e operativas dos órgãos e serviços; funções exercidas com responsabilidade e autonomia técnica, ainda que com enquadramento superior qualificado; funções exercidas com responsabilidade e autonomia técnica, ainda que com enquadramento superior qualificado; representação do órgão ou serviço em assuntos da sua especialidade, tomando opções de índole técnica enquadradas por diretivas ou orientações superiores.
A categoria de assessor, consultor, auditor corresponde a funções de investigação, concepção, consultoria, apoio e suporte no planeamento, organização, execução e controlo de acções de auditoria e outras de elevado nível de especialização técnica.
Confrontando estas definições, constata-se que tanto a categoria de técnico superior como a de assessor, consultor, auditor incluem funções consultivas, de estudo, planeamento, programação e elaboração de projectos. O que distingue estas categorias é que enquanto os técnicos superiores desempenham funções de natureza administrativa nos órgãos em que se inserem, os assessores, consultores e auditores limitam-se ao planeamento, à organização, à execução e ao controlo através de acções de auditoria, estando afastados da actividade administrativa diária.
Analisando as funções que eram desempenhadas pela autora, entendemos que não se verificam estas características. A autora desempenhava funções muito abrangentes, mas a sua situação não era distinta da dos demais técnicos superiores que desempenhavam funções nos restantes centros de investigação da ré. No essencial, tratava-se da funcionária administrativa do Centro de Biologia Molecular e Ambiental, pese embora como resultado da sua reconhecida competência e da forma como os superiores hierárquicos organizavam o funcionamento do centro lhe fossem atribuídas funções de elevada complexidade e lhe fosse permitida uma elevada autonomia.”
Tudo ponderado, desde já diremos que subescrevemos no essencial as considerações transcritas, contudo não podemos concordar com o juízo decisório enunciado, pois o núcleo essencial das funções desempenhadas pela Autora não corresponde ao de um funcionário administrativo.
Mas vejamos:
Reza o Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade X Anexo I relativamente às carreiras.
SECÇÃO I
Carreiras
Artigo 7.º
Carreiras
1 — Os trabalhadores em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado exercem as suas funções, integrados em carreiras, e dentro destas em categorias profissionais, de acordo com o anexo I ao presente Regulamento, e que dele faz parte integrante.
2 — As carreiras da Universidade X são as seguintes:
a) Assessor, Consultor, Auditor;
b) Técnico superior;
c) Especialista de informática;
d) Técnico de informática;
e) Assistente técnico;
f) Assistente operacional.
3 — A caracterização, estruturação e os respetivos graus de complexidade das carreiras referidas no número anterior, bem como os requisitos mínimos de acesso, constam no anexo I ao presente Regulamento, e que dele faz parte integrante.
Artigo 8.º
Funções desempenhadas pelo trabalhador
1 — O trabalhador em regime de contrato de trabalho deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, determinada por remissão para uma carreira e/ou categoria profissional, de acordo com o anexo I ao presente Regulamento, e que dele faz parte integrante.
2 — A atividade contratada referida no número anterior compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3 — A entidade empregadora pode, quando o interesse da entidade o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na atividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador, nos termos do Código do Trabalho.
Artigo 9.º
Graus de complexidade funcional
1 — Em função da titularidade do nível habilitacional em regra exigido para a integração em cada carreira, estas classificam -se em quatro
graus de complexidade funcional.
2 — Os graus de complexidade funcional são os seguintes:
a) Grau 1, quando são exigidas a titularidade do 11.º ano ou competências profissionais equivalentes ou escolaridade mínima obrigatória acrescido de requisitos específicos para a função;
b) Grau 2, quando são exigidas a titularidade do 12.º ano de escolaridade ou equivalente, curso que lhe seja equiparado ou curso técnico- -profissional ou competências profissionais equivalentes;
c) Grau 3, quando são exigidas a titularidade de licenciatura ou competências profissionais equivalentes;
d) Grau 4, quando são exigidas formação superior mínima de 5 anos ou competências profissionais equivalentes e experiência comprovada.
Artigo 10.º
Categorias
1 — As carreiras são unicategoriais ou pluricategoriais.
2 — São unicategoriais as carreiras a que corresponde uma categoria.
3 — São pluricategoriais as carreiras a que corresponde mais do que uma categoria.
Artigo 11.º
Posições retributivas
As categorias encontram -se estruturadas em distintas posições retributivas que constam no anexo II ao presente Regulamento e que dele faz parte integrante.
Artigo 12.º
Assessor, consultor e auditor
1 — A carreira de assessor, consultor e auditor compreende a caracterização descrita no anexo I ao presente Regulamento, e que dele faz parte integrante.
2 — A carreira é unicategorial.
3 — A complexidade funcional é de grau 4.
4 — À categoria da carreira de assessor, consultor e auditor correspondem catorze posições retributivas.
Artigo 13.º
Técnico superior
1 — A carreira de técnico superior compreende a caracterização descrita no anexo I ao presente Regulamento e que dele faz parte integrante.
2 — A carreira é unicategorial.
3 — A complexidade funcional é de grau 3.
4 — À categoria da carreira de técnico superior correspondem catorze posições retributivas.”

Por fim importa salientar que a caracterização da carreira de assessor, consultor, auditor compreende as funções de investigação, conceção, consultoria, apoio e suporte no planeamento, organização, execução e controlo de ações de auditoria e outras de elevado nível de especialização técnica, sendo a complexidade funcional de grau 4

O acervo fático que releva é o seguinte:
- As funções da autora consistiam no seguinte:
­Apoio na gestão de projetos, em especial a consultoria que envolve a pesquisa de oportunidades de financiamento e desenvolvimento, assim como a programação e execução financeira e técnica e o acompanhamento de programas e projetos que é fundamental para o desenvolvimento e sustentabilidade do centro de investigação;
­Apoio ao desenvolvimento de atividades do centro de investigação;
­Gestão estratégica, administrativa e financeira de projetos e programas de investigação.
.A partir do ano de 2008, as funções da autora passaram a consistir também no seguinte:
­Consultoria sobre os instrumentos e mecanismos de financiamento nacional e internacional de IDI adequados à investigação desenvolvida no centro;
­Elaboração e preparação de candidaturas incidindo sobre os requisitos administrativos e financeiros, a estratégia do centro e a expertise da equipa;
­Suporte às atividades de planeamento estratégico do centro através da pesquisa e análise das políticas e estratégias de IDI, de tendências e impactos, e na concepção de relatórios de apoio e suporte à decisão;
­Assessoria à valorização das atividades e resultados de IDI através da identificação de oportunidades, do apoio e suporte à negociação e do acompanhamento técnico em processos de patentes e de criação de spin offs;
­Monitorização da execução dos projetos de investigação a decorrer no centro de forma a garantir o cumprimento das normas e regras e os objetivos propostos.
- A Autora desempenhava funções de investigação, conceção, consultoria, apoio e suporte no planeamento estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Recorrida, funções estas que exigem um elevado nível de especialização técnica.
– Em 2010 a autora concluiu na Universidade Y um Masters In Business Administration (MBA), pós graduação destinada a administradores executivos das áreas de gestão de empresas e gestão de projectos.
Atenta a factualidade dada como provada podemos concluir que as funções exercidas pela Autora enquadram na Categoria de Assessor, Consultor, Auditor cujo núcleo essencial compreende a área da investigação, consultoria, apoio e suporte no planeamento, organização, execução e controlo de ações de auditoria e outras que impõem um elevado nível de especialização técnica.
Assim, as funções desempenhadas pela autora referentes à investigação de fontes de financiamento para o Centro, a conceção e definição de estratégias enquadradas nas políticas científicas europeias e nacionais, bem como a orientação na tomada de decisões de fundo da Direcção a que está afecta correspondem precisamente às funções de investigação, conceção e consultadoria, apoio e suporte no planeamento identificadas no Regulamento da Ré como sendo as caracterizadoras da categoria de Assessor.
Com efeito, a autora logrou provar que não desempenhava apenas funções de natureza administrativa nos órgãos em que se inserem os assessores e consultores, no Centro de Biologia Molecular e Ambiental ao qual estava afeta, mas sim ela própria era quem investigava, fazia consultadoria, apoiava e delineava o planeamento estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Recorrida, funções estas que exigem um elevado nível de especialização técnica, do qual era detentora pois, para além de ser engenheira concluiu em 2010 uma pós graduação destinada a administradores executivos das áreas de gestão de empresas e gestão de projectos (MBA).
O acervo fático apurado permite concluir que a autora desempenha funções que requerem elevada especialização técnica quer nos domínios científicos, quer nos domínios de gestão empresarial, que permitem garantir o planeamento estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental a médio prazo, uma vez que é quem investiga, idealiza estratégias para o Centro, tratando-se de uma verdadeira assessora da direcção daquele Centro e não uma mera técnica administrativa.
Em suma, a Autora desempenha funções com complexidade funcional de nível 4 que respeitam ao planeamento e estratégico do Centro de Biologia Molecular e Ambiental com elevada especificidade técnica devendo por isso de ser integrada na carreira unicategorial de Assessor, Consultor, Auditor, prevista no art.º 12.º do Regulamento das Carreiras da Universidade X, quer porque o núcleo essencial das funções que desempenha ali se enquadra, quer porque esta é a carreira que lhe é mais favorável.
Procede nesta parte o recurso da Autora

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em:
- conceder parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela Autora S. M. e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida que nesta parte é substituída pelo presente acórdão em que se decide reconhecer que Autora deve ser integrada na carreira unicategorial de Assessor, Consultor, Auditor, prevista no art.º 12.º do Regulamento das Carreiras Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade X.
- negar provimento à apelação interposta pela Ré Universidade X,
Custas do recurso da Apelante Universidade X a cargo desta.
Custas do recurso da Autora a cargo de Autora e Ré na proporção de 1/3 a cargo da Apelante e 2/3 a cargo da Apelada
Notifique.
13 de Julho de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga