Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
122/19.4T8BGC.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
- A descaraterização do acidente de trabalho por violação de normas de segurança pressupõe a demonstração da violação dessas regras, sem causa justificativa, e da sua relação causal com o concreto sinistro.
- A atuação do trabalhador deve ser consciente e culposa, deve verificar-se uma negligência grosseira.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

A. O., intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra Seguradoras ..., S.A., pedindo que seja a R. condenada a pagar-lhe:

• O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €1.120,30, desde 07.10.2019;
• €5.029,38 relativo a indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; e
• juros de mora à taxa legal.

Alegou, para tanto e em síntese, que:
a) celebrou com a R. seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho ocorridos no exercício da sua profissão, pelo salário de € 650,00 x 14 meses;
b) sofreu um acidente de trabalho no exercício da sua atividade de trabalhador por conta própria da construção civil, em 06/10/2018, que consistiu em ter caído de um telhado, em consequência do qual sofreu lesões que lhe determinaram incapacidade temporária e permanente para o trabalho;
c) celebrou com a R. um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mas a R. não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho, entendendo que este só aconteceu por violação das regras de segurança por parte do A. e por negligência deste.
Regularmente citada, contestou a R., impugnando parcialmente os factos alegados pelo A., não aceitando a existência e caraterização do evento como acidente de trabalho, por entender que o mesmo ocorreu por negligência grosseira do sinistrado e por violação de normas de segurança.
Mais requereu a R. a realização de exame por junta médica para fixação da incapacidade do A.
*
Realizado julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a ação e, em consequência, condeno a R. Seguradoras ..., S.A. a pagar ao A. A. O.:

a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 764,40 (setecentos e sessenta e quatro euros e quarenta cêntimos), com efeitos a partir de 07/10/2019, a calcular oportunamente, de acordo com as regras fixadas na Portaria 11/2000 de 13/01;
b) A quantia total de €5.029,69 (cinco mil e vinte e nove euros e sessenta e nove cêntimos) relativa a indemnização por incapacidade temporária;
c) Juros de mora sobre todas as prestações em dívida, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.
(…)
*
Inconformada a seguradora interpôs o presente recurso invocando:

- O regulamento de Segurança no Trabalho de construção Civil, D.L. 41.821 de 11/8/1958 seu artigo 44º.
- O trabalhador não implementou as medidas de segurança que se impunham, designadamente linha de vida, violando normas legais sem causa justificativa e de forma voluntária.
- Verifica-se exclusão do direito à reparação.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
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Foi considerado provado:

1- O A. sofreu um acidente em 06 de outubro de 2018, pelas 09H30, em … – Bragança, quando, exercia as funções próprias de construtor civil por conta própria, que consistiu numa queda de um telhado (al. A).
2- O A. contratou com a R. um seguro de "Acidentes de Trabalho Trabalhadores por Conta Própria", titulado pela apólice nº …..30, pela retribuição de € 650,00 x 14 meses, o que perfaz a retribuição anual de € 9.100,00 (al. B).
3- O A. nasceu em .. de maio de 1969 (al. C).
4- O acidente consistiu em o Autor, quando se preparava para verificar um telhado, que precisava de retirar umas telhas e madeiras, para colocação de material novo, após subir ao mesmo por umas escadas, ao colocar o pé numa das chapas de ..., para conseguir chegar às telhas, a mesma partiu e caiu de uma altura de cerca de 3 metros (do quesito 1º).
5- O que lhe provocou fratura da coluna lombar, sem lesão medular (do quesito 2º).
6- Em consequência de tal lesão o A. ficou temporariamente incapacidade para o trabalho (do quesito 3º).
7- E ficou afetado de sequelas que o incapacitam permanentemente para o trabalho (do quesito 4º).
8- O sinistrado encontrava-se sobre o telhado do edifício, parcialmente em fibrocimento, cuja parte mais alta estava a cerca de 4 (QUATRO) metros do solo (do quesito 5°)
9- O sinistrado havia subido para o telhado pela sua parte mais baixa, que ficava a cerca de 2 metros do solo, através de uma escada de encostar e caminhou sobre ele, tratando-se de placas de fibrocimento e de argibetão (telha de cimento) apoiadas em ripas de madeira, já com dezenas de anos de uso (do quesito 6°).
10- A dado momento uma das ripas partiu e o sinistrado caiu desamparado para o solo, onde bateu com as costas (do quesito 7°).
11- O sinistrado não montou uma linha de vida nem utilizou arnês (do quesito 8º).
12- Á data do acidente, o sinistrado era trabalhador independente há cerca de dezoito anos, como construtor civil (do quesito 9º).
13- O telhado oferecia fraca resistência, pela sua natureza (parcialmente em fibrocimento pregado em ripas de madeira) e pelo seu estado (com dezenas de anos de uso), o que aconselhava à utilização de tábuas de rojo que permitissem caminhar em segurança, prevenindo o risco de alguma telha se partir (do quesito 10º).
14- Para além de luvas e botas, o sinistrado não utilizava qualquer outro equipamento de proteção individual (do quesito 11º).
Da decisão proferida no apenso para fixação da incapacidade
15- O sinistrado ficou afetado das seguintes incapacidades:
-ITA desde 7/10/2018 a 31/05/2019 (237 dias);
-ITP 40% desde 1/672019 a 6/10/2019 (128 dias);
-uma incapacidade parcial permanente (IPP) para o trabalho de 12% desde 6/10/2019.
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2. Com relevo para a decisão o tribunal considera não provados os seguintes factos da matéria de facto controvertida:
Do quesito 5º: que o sinistrado se encontrava sobre o telhado a 4 metros do solo, a fim de iniciar o seu restauro;
Do quesito 8°: que o sinistrado sabia que deveria ter montada a linha de vida e
utilizado o arnês.
***
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A ré levanta a questão da descaraterização do acidente como acidente de trabalho, por violação por parte do sinistrado de condições de segurança sem causa justificativa e por culpa grosseira.
***
- Descaraterização do acidente – culpa do autor - alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14º da Lei 98/2009;
À descaraterização reporta-se o artigo 14º da LAT.

Refere o normativo:
Descaraterização do acidente
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

O artigo 17º nº 1 alínea a) do DL 102/2009, de 10 de setembro, refere ser obrigação do trabalhador:

a) Cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador.
A L. 102/2009 de 10/9, Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, refere:
Princípios gerais e sistema de prevenção de riscos profissionais
Artigo 5.º
Princípios gerais
1 - O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida.
(…)
Obrigações gerais do empregador e do trabalhador
Artigo 15.º
Obrigações gerais do empregador
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

f) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;

i) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.

13 - Para efeitos do disposto no presente artigo, e salvaguardando as devidas adaptações, o trabalhador independente é equiparado a empregador.
(…)
Ao sinistrado, como trabalhador independente, e nos termos do nº 13 do artigo 15º da L. 102/2009, competia ter tomado as medidas de segurança que ao caso se impunham.

Como resulta desta norma, máxime, seu nº 3, a lei aponta para um elevado nível de proteção, devendo (al. f do nº 2) a segurança ser adaptada ao estado de evolução das técnicas, na linha do nº 3 do artigo 281º do CT - “Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa” – nº 3 do artigo 281º do CT.
As medidas abrangem todos os trabalhos, todas as fases do processo, incluindo as preparatórias – nº 3 do artigo 15º acima transcrito.
Sustenta a ré que o autor violou de forma injustificada regras de segurança.
O risco em causa era o de queda em altura.

Consta do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, Decreto n.º 41 821, de 11 de agosto de 1958:
Obras em Telhados
Artigo 44.º
No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.
§ 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.
Artigo 45.º
Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis.

O artigo 36º do D.L. 50/2005, de 25 de fevereiro dispõe:
Utilização dos equipamentos de trabalho destinados a trabalhos em altura
Disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura
1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual.
3 - O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança.
4 - A escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização.
(…)

Refere-se na decisão recorrida:
À R. cabia o ónus da prova da factualidade da qual se pudesse extrair o concreto perigo que justificava a necessidade de tomar as especiais medidas de segurança previstas na citada norma, não bastando a alegação de um genérico e abstrato risco de queda em altura pelo facto dos trabalhos decorrerem num telhado e em altura e que não foram adotadas as medidas de segurança estabelecidas na citada disposição legal. Também não basta a mera constatação de que o sinistrado, de facto, sofreu uma queda. Para que se conclua pela existência do concreto perigo de queda que as citadas regras de segurança visam acautelar é necessária a formulação de um juízo de prognose donde resulte que, nas concretas circunstâncias em que a tarefa teria de ser executada, era previsível a verificação desse risco, não bastando a mera existência de um risco abstrato – que sempre existe – nem a sua constatação à posteriori pelo facto de ter ocorrido o sinistro.
Como resulta da matéria de facto apurada, o acidente ocorreu no momento em que o trabalhador se preparava para verificar um telhado, que precisava de retirar umas telhas e madeiras, para colocação de material novo. Trata-se de um trabalho preliminar e não, como alegado pela Ré, do início do trabalho de restauro propriamente dito. Provou-se, no entanto, que o A. não montou uma linha de vida nem utilizou arnês e que para além de luvas e botas, o sinistrado não utilizava qualquer outro equipamento de proteção individual. Mais se provou que se tratava de um telhado cuja parte mais alta estava a cerca de 4 metros do solo e cuja parte mais baixa ficava a cerca de 2 metros do solo, que oferecia fraca resistência, pela sua natureza (parcialmente em fibrocimento pregado em ripas de madeira) e pelo seu estado (com dezenas de anos de uso), sendo aconselhável o uso de tábuas de rojo que permitissem caminhar em segurança, prevenindo a possibilidade de alguma telha se partir, tendo o sinistrado subido por uma escada pela parte mais baixa. Como decorre do art. 44º do RSTCC, as medidas de segurança aí referidas apenas são exigíveis nos casos em que os telhados ofereçam perigo pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas.
No caso concreto, a fraca resistência do telhado aconselhava, pelo menos, à utilização das tábuas de rojo, medida que, porém, não foi observada. Quanto à utilização de linha de vida e arnês, não obstante a altura e inclinação do telhado apontarem para o risco de queda em altura, não ficou demonstrada a viabilidade de implementação de tal medida.

Contudo, é necessário, para a descaracterização do acidente, que essa violação pelo sinistrado seja consciente. Ora, a R. não logrou provar que o sinistrado sabia ou previu que, na concreta situação, deveria ter implementado medidas de segurança adequadas a afastar o perigo de queda, designadamente a linha de vida ou as tábuas de rojo, sendo estas as concretas medidas que a Ré alega terem sido omitidas.
…”
E em apreciação da al. b).
“ Contudo, não assume tal comportamento o grau de temeridade e indesculpabilidade exigido pela lei para que se possa rotular de grosseiramente negligente. A tal obsta o circunstancialismo apurado e já descrito quanto à circunstância de se tratar de um trabalho preliminar e não da efetiva execução de trabalhos de reparação e ao facto do sinistrado ter uma experiência de 18 anos de trabalho como trabalhador independente da construção civil, o que explica o excesso de confiança do sinistrado e a sua imprevidência ao negligenciar o perigo na execução da tarefa concreta.
Está, pois, afastada a negligência grosseira do sinistrado como causa de descaracterização do acidente…”
Vejamos:
A descaraterização por ato ou omissão, por violação sem causa justificativa das condições de segurança estabelecidas pelo empregador, implica por parte da responsável a prova dos requisitos de que aquela depende.

Como se refere no ac. deste tribunal, nº 679/11.8TTVNF.P1.G1, de 12/2/2015, www.dgsi.pt,:
“ A desoneração aqui estabelecida tem na sua origem situações de rebelião a ordens do empregador, podendo, na atualidade, também ocorrer por desobediência à lei. Assenta, contudo, em quatro pressupostos:
1º - existência de específicas condições de segurança, sejam elas estabelecidas pelo empregador, ou pela lei;
2º - violação de tais condições, por ato ou omissão;
3º - inexistência de causa justificativa (sendo esta a que decorre do conceito legal) e
4º - nexo causal entre a violação da regra e o acidente.

Como se sabe, inerente ao ato de violação (por ação ou omissão) é a gravidade da falta cometida. A violação tem que ser consciente…
Não cabem no âmbito de aplicação desta norma – que é uma norma excecional – as condutas emergentes de culpa leve, como sejam a imperícia, a distração, o esquecimento ou qualquer ato involuntário.
…”
Por outro lado, dispõe-se no nº 2 do Artº 14º que existe causa justificativa para a violação da regra se estivermos perante violação que, face ao grau de instrução ou de acesso à informação, o trabalhador dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. Esta parte da norma não tem aplicação ao caso, pois tratando-se de um trabalhador independente, o autor tinha um especial dever de conhecer as regras legais de segurança, as obrigações que recaem sobre a empregadora em matéria de segurança, são-lhe aplicáveis.
Resulta da norma a necessidade de atuação consciente ou culposa.
Refere mais recentemente Pedro Romano Martinez, citado na sentença recorrida, a propósito desta causa de descaraterização, que o legislador “ exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira”, esta “encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito”. Quanto a esta causa, bastaria a consciência do trabalhador de que está a violar uma regra de segurança - Direito do Trabalho, 9ª ed., pág. 903 ss. Parece ter-se aderido a este o entendimento no tribunal a quo. Este entendimento dificilmente permitiria afastar a descaraterização no caso concreto, pois como empresário individual o sinistrado estava obrigado, mesmo nos trabalhos preparatórios, a diligenciar a sua segurança, tendo o dever de se inteirar das obrigações legais.
Não é pacifico o entendimento que prescinde neste caso da “negligência grosseira”, e não tem sido seguido nesta relação (Ac. de 12.2.2015, processo nº 679/11.8TTVNF.P1.G1; de 19 de março de 2020, processo n.º 334/16.2T8VCT.G1; e 21/1/2021, processo nº 1081/17.3T8VRL.G1 – referenciando a necessidade da negligencia grosseira).

No Ac. STJ de 13/10/2021, processo nº 3574/17.3T8LRA.C1.S1, disponível na net, refere-se:
“Não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado, sendo ainda necessário essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação. Neste sentido, vide o acórdão deste Tribunal, proferido em 12.12.2017, no processo n.º2763/15.0T8VFX.L1.S1, também disponível em www.dgsi.pt, «[a] descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na 2.ª parte da alínea a), do nº 1, do art.º 12º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - violação das condições de segurança previstas na lei - exige que o trabalhador atue com culpa grave, que tenha consciência da violação, não relevando os casos de culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração ou ao esquecimento...
Como se refere no acórdão deste Tribunal, proferido em 19.11.2014, no processo n.º 177/10.7TTBJA.E.S1: «Havendo condições de segurança pré-estabelecidas que se mostrem violadas, é mister averiguar, por um lado, da sua adequação causal (o acidente tem de resultar, numa relação de causa-efeito, de ato ou omissão do sinistrado que configure afronta das condições de segurança existentes); por outro, há que indagar se o desrespeito das ditas condições de segurança assenta numa qualquer razão ou motivo que, no contexto, o possa justificar. A violação, por ação ou omissão, há de constituir-se numa atuação voluntária, subjetivamente grave, relativamente à qual a eventual existência de causa justificativa, mais ou menos relevante segundo as circunstâncias, sempre poderá constituir atenuação atendível, se não mesmo desculpar a violação».”
Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado – 2ª edição, Almedina, 2000, página 61, vai no mesmo sentido e ainda Júlio Gomes, O Acidente de trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, 2013, pp. 226 e ss, referindo:
“A diferente redação das alíneas se compreende apenas tendo em atenção a história do preceito e a técnica legislativa empregue (…)”, sendo de sublinhar, “(…) desde logo, que “a prática de atos e omissões que importem a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei” não representa uma alínea autónoma, mas a parte final da alínea a) onde estão igualmente previstos os acidentes dolosamente provocados pelo sinistrado. Este elemento sistemático é importante, porque ilustra bem que estas situações de violação das condições de segurança contempladas pela lei são aquelas suficientemente graves para terem sido quase “equiparadas” ao dolo”, dado que, “(…) historicamente, a violação das regras de segurança foi tratada, entre nós, como um caso de desobediência, de rebelião contra a autoridade – que só depois se estendeu á violação de regras legais – próximo do dolo e por isso tratada na mesma alínea que os comportamentos dolosos.”
E mais adiante defende este autor, que entender-se que o trabalhador que viola condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou resultantes da lei, mesmo que aja sem negligência grosseira, perde o direito à reparação do dano sofrido na sua capacidade de trabalho “é solução de que não conhecemos qualquer paralelo moderno no direito comparado… não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaraterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras “justificações” poderão ser relevantes.”
Na apreciação dessa culpa refere o autor que deve ter-se em consideração “fatores como o excesso de confiança” e outros.

Referiu-se no processo 308/12.2TUBRG.G1:
“ A interpretar-se a norma no sentido de abarcar as situações em que a conduta, embora voluntária decorre de mero descuido, distração, colocar-se-ia o trabalhador numa situação muito precária relativamente à sua segurança infortunística, dada a normalidade dos erros e distrações na execução de qualquer tarefa da vida, como saliente Júlio Gomes. Uma simples distração, uma simples imprudência resultante da habituação ao perigo, violadora de uma regra de segurança, eliminaria a responsabilidade infortunística e cobertura infortunística.
Não se ignora que no cerne do regime está o risco, o que torna não aceitável a responsabilização do responsável por risco, nos casos de culpa por parte do lesado, nem que existe por parte do trabalhador, “um especial dever de observar as condições de segurança que lhe são impostas”. A questão é saber se, face ao conhecimento das regras da vida, dos erros e distrações inerentes a esta, e tendo em conta a natureza deste tipo de responsabilidade, uma imprudência decorrente do hábito, deve em face da norma justificar a descaraterização.
...
A norma pretende desonerar o responsável relativamente a situações cujo risco não será adequado atribuir-lhe. Não deve olvidar-se que quem beneficia da atividade do trabalhador deve assumir os riscos inerentes a essa mesma atividade, considerando que ela é prestada por homens e não por máquinas, sujeitos no seu agir a imprecauções e erros. Os riscos normais, ainda que previsíveis, devem ser suportados pelo empregador, aí se devendo incluir designadamente os decorrentes de alguma imprudência, distração, por parte do trabalhador.
Se é de aceitar que a responsabilidade do empregador seja “temperada” quando ocorram situações que interferem no risco que socialmente se considera deverem assumir (como os atos dolosos do trabalhador, a culpa grosseira, o desrespeito gratuito de ordens e regras), não parece aceitável desresponsabilizá-lo por uma falta do trabalhador cometido por imprudência por imprecaução, decorrentes de habituação ao risco; já que sabemos serem essas falhas inerentes ao próprio agir dos indivíduos.
Voltando aos autos verifica-se que o trabalhador violou as regras de segurança impostas por lei.
Resulta, no entanto, dos factos que a sua atuação foi determinada pelo facto de estar apenas a verificar quais os trabalhos necessários, eram, portanto, trabalhos preparatórios, tendo agido com imprecaução determinada pela habituação ao risco, já que exercia funções há 18 anos. Considerando que se tratava da avaliação das obras necessárias no telhado, considerando o tempo de serviço do sinistrado em tais funções; compreende-se que tenha agido com algum afoiteza, não podendo classificar-se a sua negligência como grosseira. Trata-se de uma imprudência natural decorrente da habituação que o exercício profissional continuado implica. Os desleixos e imprudências resultantes de uma certa insensibilidade ao perigo decorrente da rotina, não devem ser excluídos da proteção legal.
Não resulta por outro demonstrada a ausência de causa justificativa, prova que competia à responsável – artigo 342º do CC.
Como se refere no Ac. STJ de 10/2/2021, processo nº 267/18.9T8LRA.C1.S1; “não basta para essa descaraterização provar que a conduta do sinistrado deveu-se a uma violação das regras de segurança, é ainda necessário alegar e provar que essa violação ocorreu sem causa justificativa o que, pelo menos, exige que tenham de se apurar os factos que determinaram a conduta do trabalhador.”
Assim e em face das circunstâncias provadas, não deve considerar-se excluída a reparabilidade do sinistro, sendo de confirmar a decisão.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente.
13.7.22

Relator - Antero Veiga
Adjuntos - Alda Martins
Vera Sottomayor