Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
101/12.2TMBRG.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: DIVÓRCIO
PARTILHA
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECCÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Na fixação do regime provisório (de atribuição da casa de morada de família), antecâmara do definitivo, deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família previstas nos arts. 1793º, nº 1, do CC (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio.
2. E deve ser atribuída uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 101/12.2TMBRG.G1

I – AA…. instaurou a presente ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra BB… pedindo que seja decretado o divórcio entre autora e réu com fundamento na rutura definitiva do casamento por força do comportamento do réu para com a requerente.
Na conferência a que alude o artigo 931º do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), não foi possível a conciliação das partes mas sim a conversão dos autos para divórcio por mútuo consentimento, tendo sido obtidos os acordos relativos a pensão de alimentos e à regulação do poder paternal.
Os autos prosseguiram apenas quanto à atribuição da casa de morada de família e, efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu:

Por tudo quanto ficou exposto, decido:
- julgar a ação procedente e, em consequência,
- decretar a dissolução, por divórcio por mutuo consentimento, do casamento celebrado em 6.12.1981 entre AA e BB.
- atribuir a casa de morada de família ao Réu até à partilha mediante o pagamento de uma renda que se fixa em €170 mensais à Autora.

Inconformada a autora interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
1. Não pode a Apelante concordar com a sentença proferida no que toca à atribuição da casa de morada de família, porquanto com a mesma, o tribunal a quo não fez justiça!
2. O imóvel ora em discussão encontra-se mal identificado, visto que é referido Que o mesmo está inscrito na matriz sob o art, 496.°, quando à data da sentença o mesmo havia dado lugar ao artigo 500 que novamente deu lugar ao art. 800.
3. Não andou bem o tribunal a quo quando atribuiu o estado de casada à filha da Apelante e Apelado, pois que nada nos autos atesta esse estado civil, até porque seria de todo impossível, visto que efetivamente se encontra no estado de unidade de facto.
4. Lê-se ainda na sentença da qual se recorre, que o valor das benfeiforias é de 139.640 €) o que está em perfeita contradição com as conclusões do relatório de avaliação de Eng. Manuel.
5. Não se vislumbra fundamento para que o tribunal a quo dê como provado que o Réu tenha um encargo mensal de 300,00 € com água, luz e gás, porquanto) relativamente à alegada fatura da água, 110 valor de 80,04 €, a mesma diz respeito ao serviço prestado ao longo de 6 meses, fornecimento de água, que dividido em partes iguais perfaz a quantia de 13,34 € mensais.
S. O mesmo se dirá relativamente à fatura de eletricidade que contempla um período de faturação que se localiza entre 15.12.2012 e 15.02.2013, do que resulta que o encargo mensal jamais será superior a 118,21€.
7. É deveras importante atender ao facto da fatura estar incompleta, encontrando-se omissa a faturação discriminada, o que impede obter plena certeza de que nessa data nenhuma fatura anterior se encontrava com pagamento em atraso ou simplesmente tenham ocorrido acertos na contagem.
a. Deste modo, é possivel concluir que o Réu tem um encargo médio mensal com água, luz e gás de 131,55 €, muito aquém dos 300,00 tidos como provados pelo tribunal a quo.
9. O tribunal a quo, se no art. 6.° do elenco dos factos provados escreve que, j. (. • .) O Réu exerce as funções de encarregado de 1. e (. . .) com um salário base de €820, a que acrescem duodécimos do subsídio de natal e férias ( . .) li, na fundamentação pode ler-se "o Réu trabalha como encarregado de obra auferindo €820 já com os subsídios de férias e natal pagos em duodécimos {. .. )", verificando-se assim um erro crasso de apreciação.
10. Verifica-se assim que o tribunal a quo dá como assente que o Réu aufere 820,00 € de salário base acrescido dos subsidias de natal e férias, sendo que posteriormente refere que esse montante já contempla os duo décimos de ambos os subsídios, o que por si só implica concluir que
11Não aceita a Apelante o seguinte entendimento do tribunal a quo: “ (…) a autora já vive há um ano, num apartamento arrendado em nome da irmã, sendo esta que lhe paga a renda do imóvel, acabando assim por resultar que as suas condições económicas resultam superiores às do Réu. (…) ”.
12Se é um facto que uma das irmãs da Autora tem vindo a fazer face às despesas com o arrendamento do imóvel onde a Apelante reside, desse facto não pode resultar que se encontre liberta desse pagamento, porquanto mantém a obrigação de restituir as quantias pagas pela irmã, assim como assumir a posição de arrendatária.
13É inconcebível que estando uma pessoa a viver à custa da caridade alheia, que se possa entender que tem melhores condições económicas do que outra que por si só consegue fazer face às suas despesas.
14A Apelante não acolhe a posição do tribunal a quo quando afirma o seguinte “ (…) Já o Réu vive com a filha e o genro (…) pagando as despesas da casa, no que deverá ser auxiliado pelos ditos membros do agregado. (…) ”. Ora se é auxiliado pela filha e companheiro desta, os encargos mensais que apresenta deverão ser divididos pelos três, bem assim como devem ser incluídos na apreciação os vencimentos de todos os elementos, tendo a Apelante conhecimento de que a sua filha tem um rendimento anual de 6.383,00 € e o seu companheiro um rendimento anual de 5.892,00 €, €, sendo de todo conveniente, a fim de aferir os rendimentos do agregado familiar do Apelado, a junção das declarações de IRS da respetiva filha e do companheiro da mesma, o que desde já se requer.
15 Não pode a Apelante conformar-se com o entendimento consagrado na sentença, quando afirma que “ (…) temos assim por certo que a deslocação do Réu implicará que tenha que arrendar um apartamento maior onde coubessem as três pessoas que compõem atualmente o agregado familiar (…) ”. A Autora em momento algum referiu ou sequer indiciou que o seu regresso para a casa de morada de família teria como consequência “despejar” a própria filha, sobretudo porque não é de todo essa a sua vontade, pelo que não pode utilizar um argumento que não foi objeto de prova nem resulta dos autos.
16.Não pode a Apelante concordar com o entendimento do tribunal a quo no que toca à possibilidade da mesma beneficiar do auxílio da família e não cogitar essa possibilidade relativamente ao Apelado, sobretudo porque tem também uma família alargada, nomeadamente a filha e respetivo companheiro com quem vive, à data, encontrando-se ambos empregados, tal como refere o Apelado no art. 48.º do seu requerimento com a Ref.ª n.º 13173687.
17 Deste modo, não andou bem o tribunal a quo em decidir pela atribuição da casa de morada de família ao Apelado, sendo que a mesma deveria ter sido atribuída à Apelada.
18Ainda que assim não se tivesse entendido, o valor atribuído à renda teria sempre de ser superior ao atribuído, em montante nunca inferior a 300,00€ (Trezentos Euros), atento o facto de se tratar de um prédio misto, com acabamentos de qualidade média, com equipamentos de qualidade e conforto e com uma área de vinha e pomar de 1856 m2.

O recorrido contra-alegou e recorreu subordinadamente apresentando as seguintes conclusões de recurso:

1.º - Os factos provados impõem, quanto à concreta questão objecto do recurso que subordinadamente foi interposto - i.e., atribuição da casa de morada de família ao requerido, como sucedeu, sem a concomitante obrigação de pagamento de qualquer contrapartida à requerente - uma decisão oposta à tomada pelo Tribunal a quo.
2.º - Desde logo, entende o aqui recorrente que do rol dos factos provados deveria constar, além dos demais elencados na sentença revidenda, que foi a requerente e recorrida nesta apelação subordinada quem decidiu, unilateralmente, sair de casa e abandonar a morada de família – como se mostra confessado nos autos e, ademais, consta amiúde da fundamentação da sentença.
3.º - A justificação avançada pela ora recorrida contextualizar tal abandono não existe, como resulta do teor do facto provado n.º 15.
4.º - O abandono e saída por parte da recorrida da casa onde se mostrava instalada a morada da família correspondeu, por isso, a um acto livre, querido e consciente da mesma, que só veio a reclamar judicialmente (porque extra-judicialmente nunca o fez) a atribuição da dita casa volvido mais de 1 ano de tal abandono.
5.º - Invocada fica, portanto, a deficitária decisão da matéria de facto, da qual deveria constar, como vem de se expender, que foi a requerente quem, inesperada e unilateralmente, abandonou a casa de morada de família.
6.º - Esse facto, cujo aditamento vem de se impetrar, conjugado, além do mais, com a circunstância de a propriedade da dita casa de morada de família se encontrar registada a favor do recorrente e essoutro adquirido para os autos no item 7.º do rol da matéria provada, é de molde a impor que nenhuma compensação, seja a que título for, deverá ser paga à requerente.
7.º - É que não poderá perder-se de vista que (1.º) o imóvel encontra-se registado em nome do recorrente, (2.º) auferem as partes salários cujos valores são semelhantes, e (3.º) a recorrida encontra-se devidamente assistida pela sua família alargada, nomeadamente, os seus irmãos, que, inclusivamente, se encontram a pagar-lhe a renda da sua casa, o que não sucede com o recorrente.
8.º - Não parece, portanto, que se possa sustentar ser de deferir ao conjugue que abandona a casa (para habitar um apartamento arrendado por uma irmã e no qual não despende um cêntimo), uma compensação à custa daquele que investido fica no que é seu,
9.º - O que, a admitir-se, implicaria, no caso vertente, uma deslocação patrimonial do aqui apelante subordinado em favor da apelada, à guisa da utilização de um bem que esta enjeitou, quando é certo que o seu legítimo direito à habitação se encontra garantido por via de um arrendamento cuja renda nem sequer é paga por si.
10.º - E essa deslocação patrimonial implicaria, em última instância, um enriquecimento da apelada que careceria de título ou justificação, posto que embolsaria EUR. 170,00€ do recorrente quando não tem, como provado está, de despender qualquer quantia na renda do apartamento que habita e ficaria, até, em melhor situação financeira que este.
11.º - Solução contrária à que vem se sustentar, importaria a valorização do abandono da morada de família em favor de quem foi responsável pela eclosão da situação, num verdadeiro venire contra factum proprium - que fica alegado e invocado.
12.º - Entende, por isso, o recorrente que o Tribunal a quo cometeu, data venia, um erro de julgamento da matéria de facto, que se revela, como acima se sustentou, deficitária, em violação da obrigação expressa na norma contida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do C.P.C..
13.º - Por outro lado, a decisão tomada de impor ao aqui apelante o pagamento de uma renda de EUR. 170,00€ afronta a disciplina do artigo 1793.º do Código Civil e o regime do direito de propriedade consignado nos artigos 1302.º e ss. do Código Civil e 62.º da Constituição da República Portuguesa,
14.º - Porque a imposição de um pagamento, a título de renda ou outro qualquer, no caso vertente, colide com o direito de propriedade do apelante, que, sem haver contribuído para tanto, se vê adstrito a um pagamento que não vai ter outro destino senão o bolso da recorrida (querendo dizer-se, não visará suprir uma necessidade, porque suprida já ela está – e sem custos), quando é certo que o rendimento disponível desta é, até, como se divisa da sentença, superior ao do apelante.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.


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A recorrente impugna a matéria de facto que consta dos n.ºs 2, 3, 6, 10 (da sentença) e ainda quanto ao n.º 1 no que respeita à identificação do prédio.

Nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Para além disso, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 662 “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados
No entanto, a parte que pretender impugnar a matéria de facto tem que cumprir determinados ónus, sob pena da rejeição do recurso.
Tais ónus do recorrente consistem em, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 640 do CPC (cfr, na jurisprudência, embora no domínio do Código revogado, mas inteiramente aplicável ao código actual, os acórdãos do S.T.J. de 7/07/2009 e do TRP de 20/10/2009, entre outros, ambos acessíveis em www.dgsi.pt):
- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (que deverá referir na motivação do recurso e nas conclusões), mencionando o sentido em que, no seu entender, o tribunal deveria ter decidido relativamente a cada um dos concretos pontos de facto impugnado (ver o actual art. 640 n.º 1 al. a) e c) do C. P. Civil);
- fundamentar as razões da discordância, referindo os concretos meios probatórios em que fundamenta a impugnação ( actual art. 640 n.º 1 al. b) do C. P. Civil);
- quando se baseie em depoimentos testemunhais que tenham sido gravados, indicar os depoimentos em que se funda, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se fundamenta, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respectiva transcrição (indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta, diz Abrantes Geraldes na sua obra Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Dec.Lei n.º 303/07 de 24 de Agosto, pág. 136, Almedina, Fevereiro de 2008).
A impugnação da matéria de facto não gera a realização de um novo julgamento integral em segunda instância (cfr., a título de exemplo, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª edição revista e ampliada, p. 263 e 264), constituindo antes um meio de sindicar a decisão da primeira instância quanto à decisão da matéria de facto, relativa a determinados pontos concretos, pelo que não envolve a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida (sem prejuízo de o tribunal, se assim o entender, proceder à audição de todos os depoimentos), incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que ao recorrente compete identificar, indicando em complemento os concretos meios probatórios que, em seu entender, justificam uma diversa decisão.
Os requisitos descritos são cumulativos, não sendo suficiente que o apelante proceda à concreta identificação dos pontos da matéria de facto impugnados e na indicação do sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das respostas dadas pela decisão recorrida, tendo que mencionar, ainda, os concretos pontos de prova relevantes em relação a cada um dos factos impugnados, indicação que terá de ser feita para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada (cfr. o citado Ac. S.T.J. de 7/07/2009), porquanto só deste modo fundamentará as razões da sua discordância sobre a valorização dos elementos probatórios produzidos nos autos, procurando demonstrar que eles deveriam ter conduzido a conclusão diferente da formada na decisão recorrida.
Além disso, com a alínea c) do n.º 1 do art. 640, o recorrente deve expressamente especificar, ao impugnar a decisão sobre determinado facto, se entende que o mesmo deve considerar-se provado, não provado ou parcialmente provado e, neste caso, em que termos (cfr. A. Martins, C.P.Civil Anotações práticas, Almedina, 2013, pág. 295).
Como resulta das alegações e conclusões de recurso, a recorrente não invoca qualquer depoimento, não dá cumprimento cabal ao disposto no artigo 640, limitando-se a invocar os documentos.
Vejamos assim, se os documentos são suficientes para alterar a resposta sob os pontos impugnados .
Assim, no que respeita à inscrição matricial do prédio – facto sob o n.º 3 da sentença, o que consta dos documentos é que o prédio está inscrito na matriz sob o artigo 500. Se, eventualmente, já foi alterada a inscrição matricial, não pode este tribunal dar como provado tal facto, pois não consta de qualquer documento, devendo ser rectificado o referido ponto e onde consta 496, deve passar a constar 500.
De qualquer modo, tal só tem relevância para identificar correctamente o prédio e caso tenha havido alteração matricial deverá oportunamente ser feita a devida correspondência.
Quanto ao ponto sob o n.º 2 alega a recorrente que o mesmo deve ser alterado porque a sua filha não é casada.
Este facto foi alegado pelo recorrido dizendo o mesmo que na casa vivia a filha e o respectivo cônjuge. É certo que não está provado por documento o casamento da filha da recorrente e recorrido. Mas o facto em si não tem relevância para o desfecho da acção. De qualquer modo e como consta da fundamentação da matéria de facto, o tribunal baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas o que não foi impugnado pelo que nada há a alterar nesta matéria, até porque não foi junta pela recorrente qualquer certidão de nascimento da filha para comprovar o por si alegado (o estado civil da sua filha).
O que revela e é importante é o facto de saber quantas pessoas habitam na casa. E está provado que para além do recorrido habita um casal composto pela filha de ambos e o companheiro bem com a neta de ambos.
No que respeita ao facto sob o n.º 3 o facto essencial que se considerou provado é que a autora mandou efectuar uma peritagem e a conclusão da mesma peritagem.
Esse é o facto relevante; quando na mesma se fala em benfeitorias, deduz-se da referida perícia, que se faz referência à construção implantada no terreno, aos arranjos exteriores, agrícolas etc, uma vez que a casa foi implantada num terreno apenas pertencente ao réu.
Conclui a peritagem mandada efectuar pela autora que o valor das benfeitorias é de150.000,00 €.
Como já se referiu, o valor aí referido só pode entender-se em relação à construção implantada no terreno e arranjos.
Quem alegou que o valor da propriedade era de € 139.640,00 foi a recorrente. No entanto, tal facto não está provado documentalmente e o que consta da peritagem que a mesma solicitou, é o valor de € 150.000,00.
Assim é de alterar o artigo da sentença com a seguinte redacção:
Foi mandada elaborar uma peritagem pela Autora que concluiu tratar-se de construção com 14 anos, acabamentos de qualidade média, com equipamentos de qualidade e conforto. É um prédio misto, sendo a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo R 98 e com a área de vinha e pomar de 1856 m2.
Nessa peritagem o perito subscritor conclui que o valor actual das benfeitorias é de €150.000,00.
Também a recorrente no que respeita ao ponto 10 pretende que seja alterada essa matéria.
O documento n.º 2 não espelha qual o gasto da água, pois refere-se a resíduos sólidos e águas residuais e o documento de fls 133 refere-se a factura de electricidade.
Assim, só por força destes documentos nunca este tribunal poderia alterar o facto que foi dado como provado sob o n.º 10º, de acordo com o disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil. E como já se referiu, não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 640º já citado e, por isso, não podem ser apreciados os depoimentos. E o mesmo se diga quanto aos rendimentos do réu.
Deste modo, tendo em conta o supra referido, é a seguinte a matéria de facto a considerar:
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1º A casa de morada de família trata-se de uma moradia unifamiliar composta por cave, rés-do-chão com 5 divisões, cozinha e três quartos de banho, vestíbulos e despensa, com superfície coberta de 174 m2 e logradouro de 626 m2, com o artigo matricial nº 500 da freguesia de Gondizalves e descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número 491/20100512. Tal moradia encontra-se descrita na Conservatória e nas Finanças a favor do Réu
2º Na moradia supra mencionada mora até à presente data o Requerido, a filha do casal e o marido.
3º Foi mandada elaborar uma peritagem pela Autora que concluiu tratar-se de construção com 14 anos, acabamentos de qualidade média, com equipamentos de qualidade e conforto. É um prédio misto, sendo a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo R 98 e com a área de vinha e pomar de 1856 m2.
Nessa peritagem o perito subscritor conclui que o valor actual das benfeitorias é de €150.000,00
5º A Autora Requerente é operária especializada de 1ª na Bosch Car Multimédia Portugal SA, auferindo de salário €683,50 base, a que acresce a diuturnidade, horas nocturnas e sujeita à retenção em termos fiscais, perfazendo no mês de Janeiro de 2014 o montante líquido de €640,94. Aufere ainda nas datas previstas os subsídios de natal e férias.
6º O Réu exerce as funções de encarregado de 1ª na firma ABB- Alexandre Barbosa Borges, SA com um salário base de €820, a que acrescem duodécimos do subsídio de natal e férias. O montante líquido auferido em Dezembro de 2013 foi de €860,92.
7º Pelo apartamento arrendado em que reside a Autora é devida renda no montante de €285 que é paga por uma irmã desta, em nome de quem está o contrato de arrendamento.
8º A requerente é diabética Tipo 2 tendo de se injetar com insulina, três vezes ao dia e ter alimentação regrada. Teve de trocar de óculos e tem gastos de cerca de €80 com água, electricidade e gás .
9º A requerente Autora despende em farmácia €100 mensais.
10º Com a casa de morada de família, o Réu tem um gasto aproximado de €300 em água, electricidade e gás.
11º O casal edificou a casa de morada de família, sobre terreno que fora adquirido pelo Réu antes do matrimónio.
12º É o Réu quem tem mantido a casa e pago os impostos e taxas respeitantes.
13º Nenhuma das partes tem pessoas a seu cargo ou dependentes de si.
14º A requerente e o requerido não têm outra casa na mesma área geográfica ou em zona limítrofe para onde se possam mudar.
15º Por sentença transitada em julgado em 20.4.2012, no âmbito do processo n.º 1135 do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, foi o Réu absolvido da prática de um crime de violência doméstica que lhe era imputado pela Autora.

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A recorrente insurge-se quanto ao facto de ter sido atribuído ao recorrido a casa de morada de família.
Entende que há contradição entre os factos dados como provados e a fundamentação da sentença.
Analisada a sentença não vemos que se verifique qualquer contradição no que respeita aos rendimentos do recorrido.
Na fixação do regime provisório (de atribuição da casa de morada da família), deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família, previstas nos artigos 1793º, nº 1, do Código Civil (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio.
A formulação é praticamente idêntica “…nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal” na 1ª hipótese, e “…necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros factores relevantes”, na 2ª situação.
Como refere P. Coelho (D. Família, Vol. I, 4ª Ed., págs. 680/681) o objectivo da lei não é o de castigar o culpado ou premiar o inocente, como não é o de manter na casa de morada de família, em qualquer caso o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto, mas o de proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, que mais será atingido pelo divórcio ou separação quanto à estabilidade da habitação familiar, cônjuge ou ex-cônjuge ao qual, porventura, os filhos tiverem ficado confiados.
Prosseguindo, elucida que o 1º factor a considerar – a situação patrimonial dos cônjuges ou ex-cônjuges – se trata de saber quais são os rendimentos e proventos de um e outro, assim como os respectivos encargos. No que se refere aos interesses dos filhos, há que saber a qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores no processo de regulação do exercício do poder paternal, e se é do interesse dos filhos viverem na casa que foi do casal com o progenitor a quem foram confiados. Haverá que atender ainda a outros factores relevantes, como a idade e o estado de saúde dos cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e de outro, ou da escola frequentada pelos filhos, acrescentamos nós, de algum deles dispor de outra casa em que possa estabelecer a sua residência (vide págs. 681/682).
No mesmo sentido pode conferir-se, igualmente, A. Varela, CC Anotado, Vol. IV, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 1793º, pág. 570/571, e Vol. II, 4ª Ed., nota 4. ao artigo 84º do antigo RAU, pág. 650/651).
No caso concreto resulta da matéria de facto apurada (factos 2., 5,6, 7, a 14) que a recorrida saiu da casa de morada de família passou a habitar noutro prédio, que na mesma habita o recorrido com a filha, o companheiro desta e uma filha destes, que, como se refere na sentença recorrida, ambos gozam de uma situação económica semelhante, pelo que não se vê qualquer razão para alterar esta situação
Ponderando todos os factores referidos e circunstâncias apontadas ressalta que não se deve alterar a situação de facto que se tem vindo a manter atribuindo a casa de morada de família ao recorrido até à partilha de bens e à decisão definitiva.
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Recurso subordinado
Pretende o réu, aqui recorrente, que deve ser alargada a matéria de facto no sentido de serem acrescentados factos, nomeadamente, que foi a recorrente/autora quem abandonou a casa de morada de família
Pretende ainda ver alterado o valor da renda que lhe foi imposta .
Conforme consta dos autos, a própria recorrente/autora admite que saiu da casa de morada de família.
No entanto, tal facto não tem qualquer relevância para a decisão, uma vez que não estão em causa os factos relevantes para o divórcio, mas apenas a atribuição provisória da casa de morada de família.
E quanto a esta, de acordo com o disposto no citado artigo 1793º, pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
Nos termos do n.º 2 o arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
São questões diferentes a da atribuição provisória da casa de morada de família durante o período da pendência do processo e a relativa à atribuição da casa de morada de família depois do divórcio, regulada no art. 1793.º, caso se trate de casa própria.
A questão que se coloca é se em sede de atribuição provisória da dita casa de morada de família, não se deve fixar qualquer compensação pela sua atribuição exclusiva ao cônjuge que o Tribunal, realizadas as diligências que considerou necessárias, entender dela mais carecer.
Como refere o STJ “ sem embargo de haver agora que se reconhecer que, face ao trânsito em julgado da sentença, na parte que decretou o divórcio, e por efeito deste, cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges (art. 1688.º do CC), o certo é que, até à partilha, se mantém a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva (contitularidade de direitos reais), desaparecida que foi a razão de ser do regime específico instituído para o património comum dos ex-cônjuges, com aplicação à mesma das regras da compropriedade (art. 1404.º do CC) – Ac. do STJ de 26/04/2012, em www.dgsi.pt.
Também e como se refere no Ac da Relação do Porto de 11 de Março de 2014, em www.dgsi.pt “No caso dos autos não se tratará propriamente de uma renda, mas antes de uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence”.
Tendo em conta o que ficou referido, concordamos com a sentença recorrida pois sendo atribuído provisoriamente a casa ao réu, deve este pagar à autora uma compensação, pois a autora vê-se privada desse bem, concordando com o montante fixado.
Improcede, deste modo, o recurso subordinado e o recurso da autora quando pretende que esse montante deve ser superior.
Em síntese: na fixação desse regime provisório, antecâmara do definitivo, deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família, previstas nos arts. 1793º, nº 1, do CC (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio
E deve ser atribuída uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar as apelações improcedentes e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelos apelantes.

Guimarães, 26 de Março de 2015.

Conceição Bucho

Maria Luísa Duarte

Raquel Rego