Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1456/20.0T8VRL.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ATROPELAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CULPA
PERDA DO DIREITO À VIDA
DANO NÃO PATRIMONIAL SOFRIDO PELO FALECIDO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS DA ESPOSA E FILHOS
JUROS MORATÓRIOS
PEDIDO DE REEMBOLSO DA CGA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS AUTORES IMPROCEDENTE. APELAÇÃO SUBORDINADA DA RÉ IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DA CGA IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. É processualmente legítimo formular um pedido correspondente aos danos sofridos até ao momento, com referência a: “sem prejuízo de no decurso da audiência vir a actualizar o respectivo pedido com o valor das prestações pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os respectivos juros de mora legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento”.
2. Tal forma de actualização tem a cobertura do art. 611º,1 CPC.
3. E assim, se a parte fizer juntar aos autos o documento que comprova a efectivação de mais prestações no decurso da audiência de julgamento, antes sequer do início das alegações orais, não é necessário alterar nem a causa de pedir nem o pedido, para que a sentença deva ter em conta esses novos factos, já abrangidos no pedido inicial.
4. Justifica-se a distribuição da culpa em 70% para o peão e 30% para o automobilista num caso de atropelamento mortal, em que se provou que o local do atropelamento é uma curva assinalada como perigosa, o veículo circulava a cerca de 60 km/h, era noite cerrada, havia má iluminação pública, e o peão iniciou a travessia da faixa de rodagem da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha, do veículo, em plena curva, não obstante a aproximação do veículo que era visível a uma distância superior a 100 metros.
5. A pensão de sobrevivência atribuída pela CGA (contrariamente à pensão equivalente da Segurança Social) não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, mas antes é atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição, pensão essa que só cessa nas situações previstas no citado artigo 47.º do mencionado diploma legal. Daí que a Caixa Geral de Aposentações não seja titular de direito de regresso quanto a terceiro responsável civil quanto aos montantes pagos a título de pensão de sobrevivência aos familiares da vítima.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

M. M., C. M. e L. M. instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros X, S.A., agora designada Y Seguros, S.A.

Invocaram que:
São, respectivamente, esposa e filhos de J. P., que foi atropelado, por um veículo seguro na ré, quando atravessava a rua.
Em consequência desse atropelamento, ocorrido por culpa do condutor do veículo seguro na ré, sobreveio a sua morte.
Antes de falecer, J. P. teve sofrimentos. Os autores também tiveram sofrimentos com a morte daquele.
Por força do referido óbito, ocorreu também uma perda de rendimentos de € 13.441,08 anuais.
Pediram que:
Fosse a ré condenada a pagar-lhes o montante de € 365.989,72, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Contestou a ré.
Invocou a violação do princípio da adesão e a ilegitimidade dos autores.
Impugnou parte da factualidade invocada pelos autores e imputou o sinistro a culpa da vítima.

A Caixa Geral de Aposentações deduziu pedido de reembolso contra a ré.
Invocou que:
Pagou à viúva do sinistrado, beneficiário da CGA, a quantia de € 70.214,03, até Janeiro de 2020, a título de pensões de sobrevivência por morte do marido; assim como lhe pagou € 1.263,96, a título de subsídio por morte.
Pediu que:
Se condenasse a ré a pagar-lhe as quantias de € 70.214,03 e de € 1.263,96, acrescidas das prestações que se vencessem e fossem pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento.

Contestou a ré Y Seguros, S.A.
Alegou a inexistência do direito da CGA, por não estar o mesmo legalmente consagrado.
Invocou ainda a prescrição do direito exercido pela CGA. Impugnou a factualidade invocada pela CGA.

Notificada a CGA para, em 10 dias, se pronunciar sobre as excepções invocadas pela ré seguradora, não o fez.

Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual, designadamente, se julgou improcedente a excepção de violação do princípio da adesão/incompetência, assim como a excepção de ilegitimidade activa, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, e a final foi proferida sentença que:
a) julgou improcedente o pedido de reembolso formulado pela Caixa Geral de Aposentações contra a ré, absolvendo-a do pedido;
b) julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar aos autores a quantia total de € 54.718,82 (cinquenta e quatro mil setecentos e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo a R. do demais peticionado.

Inconformadas com esta decisão, todas as partes interpuseram recurso, sendo que o da ré é recurso subordinado (art. 633º CPC), que foram recebidos como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

A. Os autores terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
I. Por sentença proferida nos presentes autos, em 25-01-2022, foi decidido “a) julgo improcedente o pedido de reembolso formulado pela Caixa Geral de Aposentações contra a R., absolvendo-a do pedido; b) julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a R. a pagar aos A.A., a quantia total de € 54.718,82 (cinquenta e quatro mil setecentos e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo a R. do demais peticionado. “,
II. decisão com a qual não se concorda e de que se recorre.
III. Não se concordando, desde logo, quanto à matéria de facto,
IV. com o facto que resultou provado em 17 dos factos dados como provados que, onde resultou que “A recta que antecede o local do embate era dotada de postes de iluminação pública, do lado direito.”,
V. e em conformidade com o mesmo resultou não provado, no ponto 5 dos factos dados como não provados que “Os postes de iluminação pública do lado direito estavam colocados de 25 em 25 metros.”
VI. O qual não se concorda ter resultado não provado,
VII. Pois, não atendeu ao auto de inspecção ao local e registo fotográfico, juntos a fls 153 e 154, do processo-crime apensado aos presentes autos, com o nº 108/17.3GAMSF,
VIII. onde se constata a existência de postes do lado direito,
IX. Pelo que, na sentença em proferida no processo em causa resultou provado no ponto 6 dos factos dados como provados que “Atento ainda o mesmo sentido de marcha, no local, existiam e existem postes de iluminação pública do lado direito, em bom estado de funcionamento, sensivelmente de 25 em 25 metros.”,
X. Fundamentando a decisão em causa que, o mesmo resultou provado “(…) consideramos a nossa deslocação ao local (registada a fls. 320 e ss.), bem como o auto de inspecção ao local de fls. 253 e ss. E relatório fotográfico de fls. 154. Elaborado na noite do acidente por J. S., militar da GNR, da Brigada de Trânsito da GNR de Vila Real, pertencente ao NICAV, e por ele enquadrado em audiência de julgamento.”
XI. Pelo que, atento o auto de inspecção ao local e registo fotográfico e o que resultou já provado na sentença proferida no processo-crime em causa deveria ter resultado provado, na sentença de que ora se recorre que os postes de iluminação pública do lado direito estavam colocados de 25 em 25 metros.
XII. Mais devendo ter resultado provado, com base nos mesmos documentos, que um daqueles postes de iluminação encontrava-se e encontra-se junto da habitação de J. P., portanto, do outro lado da rua em frente ao local onde o ofendido iniciou o atravessamento, outro poste de 25 metros mais adiante, no local da posição final do peão, bem como postes de iluminação 25 metros antes daquele primeiro
XIII. Devendo assim, resultar provado no ponto 17 dos factos dados como provados na sentença recorrida que, “A recta que antecede o local do embate era dotada de postes de iluminação pública, do lado direito, em bom estado de funcionamento, sensivelmente de 25 em 25 metros.”.”,
XIV. Eliminando-se o ponto 5 dos factos dados como não provados. XV. E, consequentemente, acrescentar-se como facto dado como provado, o facto dado como provado em 7 dos factos dados como provados na sentença proferida no processo-crime apenso aos presentes autos,
XVI. E resultar provado na sentença recorrida que, Um daqueles postes de iluminação encontrava-se e encontra-se junto da habitação de J. P., portanto, do outro lado da rua em frente ao local onde o ofendido iniciou o atravessamento, outro poste 25 metros mais adiante, no local da posição final do peão, bem como outros postes de iluminação 25 metros.
XVII. E, consequentemente, ser retirado dos factos dados como não provados na sentença recorrida, o ponto 6 onde se afirma que “Um dos postes de iluminação pública situa-se em frente ao local onde o peão iniciou a travessia.”,
XVIII. Atento até o referido pelo próprio condutor do veículo, M. C., que confirmou existirem no local, aos 00:15:46 minutos a 16:24 minutos do seu testemunho.
XIX. Mais se recorre do ponto 20 dos factos dados como provados, na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância que decidiu “Quando o condutor do veículo começou a descrever a curva, avistou o peão J. P., cujo vulto começava a ser avistável a cerca de 32 metros, em movimento, da hemifaixa de rodagem esquerda da via, para a hemifaixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua;”
XX. Porém, resulta dos documentos juntos aos autos, nomeadamente do estudo de velocidade junto aos autos a fls. 147 e seguintes, do processo-crime apenso aos presentes autos e dos testemunhos que o Tribunal a quo afirma terem sido essenciais para formar a sua convicção quanto à dinâmica do acidente, o condutor do veiculo M. C. e J. S., que o condutor não se percebeu a cerca de 32 metros da existência do peão na via,
XXI. quando muito a 10/12 metros da existência de um vulto que não associou ser uma pessoa,
XXII. percepção que teve a apenas a 1, 5 metros e meio do mesmo,
XXIII. como o próprio condutor refere no seu testemunho (ver testemunho M. C. aos 00:06:10 minutos a 00:06:44 minutos, aos 00:15:05 minutos a 00:15:13 minutos; 00:21:14 minutos a 00:21:16 minutos
XXIV. Pelo que, não pode resultar provado que quando o condutor do veículo começou a descrever a curva, avistou o peão,
XXV. quando muito deveria ter resultado provado que este avistou um vulto, quando começou a descrever a curva a 10/12 metros, aproximadamente, do ponto de impacto e apenas se apercebeu que era uma pessoa a 1,5 metros de o colher já na sua faixa de rodagem,
XXVI. pese embora o peão fosse avistável a 32 metros,
XXVII. motivo pelo qual não travou antes de o colher, para evitar o atropelamento, ver testemunho J. S. aos 00:16:52 minutos a 00:17:12 minutos,
XXVIII. facto dado como provado em 20 dos factos dados como provados na sentença recorrida que está, até, em contradição com a fundamentação do Tribunal a quo quando refere na sentença recorrida que “No que respeita à ausência de travagem do condutor antes do embate, a convicção do tribunal decorre, nomeadamente, do depoimento do condutor do veículo que, a este respeito, disse que o peão ia a cerca de 1,5 metros à sua frente, quando o avistou (querendo significar a uma pequena distância), que ainda conseguiu travar e desviar-se para a direita, mas que, ao mesmo tempo que travou se deu o embate.
Ora, desde logo, deste depoimento, fica clara sensação de que, o condutor a ter travado, só o fez quando se deu o embate (como disse: ao mesmo tempo que travou deu-se o embate) e não antes (desde logo porque, quando avistou o peão ele já estava tão perto de si, que já não lhe foi possível reagir antes do embate). Tenha-se também em conta as declarações da A., quanto ao que o condutor lhe disse logo imediatamente após a ocorrência do sinistro: “Eu nem o vi”. Se não o viu, não fazia sentido que tivesse travado.”
XXIX. Pelo que, no ponto 20 dos factos dados como provados deveria ter resultado provado que Quando o condutor do veículo começou a descrever a curva, avista um vulto a cerca de 10/12 metros, o qual era avistável a cerca de 32 metros, em movimento e, da hemifaixa de rodagem esquerda da via, para a hemifaixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Amarante – Peso da Régua;
XXX. Aliás em conformidade com o resultou provado no ponto 24 dos factos dados como provados,
XXXI. E que fundamenta que nos factos dados como provados em 29, deveria ter resultado provado que ao deparar-se com o peão a cerca de 1, 5 metros, o condutor do veículo desviou-se para a sua direita, ocorrendo logo o embate. Pelo que não evitou colher o peão, com a frente esquerda do veículo.
XXXII. E não apenas que “Ao deparar-se com o peão, o condutor do veículo desviou-se para a sua direita, não tendo, porém, evitado colher o peão, com a frente esquerda do veículo.”
XXXIII. Mais se discordando que tivesse resultado provado no ponto 42 dos factos dados como provados, na sentença recorrida, que “J. P. sentiu dores com o impacto e nos breves instantes imediatos.”
XXXIV. Atendendo, desde logo, ao testemunho do condutor do veículo que o atropelou,
XXXV. que não permite concluir que a vítima tivesse apenas sentido dores nos breves instantes imediatos,
XXXVI. os quais poderão ter durado alguns minutos,
XXXVII. Atento até o testemunho da médica do INEM que o socorreu, A. R. que afirmou que o INEM apenas foi ativado ás 22h e 50m e só 10 minutos depois e quando estavam a caminho do local, receberam uma nova chamada a informar que a vitima já estava em paragem cardiorrespiratória, ver testemunho A. R. aos 00:03:06 minutos a 00:03:35 minutos,
XXXVIII. Sendo que, como resultou provado no ponto 1 dos factos dados como provados, na sentença recorrida, o acidente ocorreu ás 22h e 45 minutos
XXXIX. Pelo que, é de concluir que a vítima terá estado com dores ainda alguns minutos e não nos breves instantes imediatos, como a sentença proferida pelo Tribunal a quo fez resultar provado no ponto 42 dos factos dados como provados,
XL. Pelo que, assim sendo deveria ter resultado provado que J. P. sentiu dores com o impacto e nos minutos seguintes.
XLI. No que concerne à matéria de direito de que se recorre,
XLII. desde logo, não se concorda que a indemnização atribuída aos A.A. seja reduzida em 70% correspondendo apenas a 30%,
XLIII. Isto porque, resultou provado, nos presentes autos, que o condutor do veículo automóvel que atropelou o peão circulava em excesso de velocidade no local onde ocorreu o acidente,
XLIV. Pois, o mesmo circulava a uma velocidade superior ao limite máximo permitido para o local em causa, uma localidade, cuja estrada era ladeada de casa sinalizada como curva perigosa
XLV. e pese embora tenha resultado provado que circulava a uma velocidade intermédia entre os 50 km/h e os 70km/h,
XLVI. a testemunha J. S., militar da GNR, da Brigada de Trânsito da GNR de Vila Real, pertencente ao NICAV, que realizou o estudo da velocidade, referiu categoricamente no seu testemunho que dúvidas não possui, atento o estudo por si efectuado que, atendendo ao local onde o peão embateu no veículo, no para brisas, à sua projecção e danos por ele sofridos, não possui qualquer dúvida que o Condutor do veículo conduzia a uma velocidade superior a 50 km/h e de cerca de 60 km/h, mas não superior a 70 km/h, ver testemunho J. S. aos 00:12:00 minutos a 00:12:12 minutos, aos 00:12:47 minutos a 00:12:59 minutos, aos 00:13:43 minutos aos 00:14:00 minutos, aos 00:42:05 minutos aos 00:42:50 minutos.
XLVII. 10km/h acima do limite de velocidade que fazem muita diferença, nomeadamente na produção do dano morte de um peão que é atropelado,
XLVIII. Sendo que, a testemunha em causa, foi categórico ao afirmar, por mais que uma vez, no seu testemunho, que, se o condutor do veículo em causa fosse com a atenção devida na condução, visualizando o peão à distância que lhe era possível no local em causa, que o mesmo analisou com as concretas circunstâncias existentes no dia do acidente, nomeadamente de luminosidade, e circulasse a uma velocidade de 50 km/h, e dado tratar-se de uma profissional da condução, taxista, o qual deverá ser tido em conta, por possuir maior habilidade na condução, e circulasse a 50km/h no local em causa, teria evitado o acidente por conseguir imobilizar o veículo antes de interceptar o peão,
XLIX. ou mesmo que não conseguisse imobilizar totalmente o veículo os danos produzidos no peão seriam muitíssimo menos, nomeadamente uma perna partida, como exemplificou, ver testemunho J. S. aos 00:16:52 minutos a 00:17:12 minutos, aos 00:37:26 minutos a 00:37:37 minutos, aos 00:19:27 minutos aos 00:19:39 minutos.
L. Concluindo, a testemunha em causa que, no acidente a causa 1ª para a produção do dano morte é a velocidade, como foi o caso neste acidente em discussão nos presentes autos, ver testemunho J. S. aos 00:37:46 minutos aos 00:37:57 minutos.
LI. Sendo que, a acrescer à velocidade, o condutor do veículo encontrava-se desatento,
LII. por só ter visto o peão a 1,5 metros quando o devia ter visto a 32 metros,
LIII. devendo apercebesse, logo, que de uma pessoa se tratava, por o local em causa se tratar de uma localidade onde era previsível circularem pessoas,
LIV. a que os condutores dos veículos devem estar particularmente atentos e serem capazes de imobilizar o veículo em segurança para não lhe provocarem danos,
LV. dado estes serem perigosos,
LVI. O que mais se impunha para um profissional da condução, taxista como é o caso dos autos,
LVII. num local assinalado como curva perigosa.
LVIII. Como também o refere a testemunha J. S., ver testemunho J. S. aos 00:16:52 minutos a 00:17:12 minutos, aos 00:34:46 minutos a 00:35:00 minutos, aos 36:24 minutos a 00:36:39 minutos, aos 00:14:23 minutos a 00:14:50 minutos.
LIX. Pelo que, o condutor do veículo circulava em excesso de velocidade e com desatenção e descuido,
LX. como também o conclui o estudo de estudo de velocidade junto aos autos a fls. 147 e seguintes, do processo-crime apenso aos presentes autos,
LXI. pelo que, é de concluir que o atropelamento do peão se deveu à forma descuidada, imprudente e contra-ordenacional do condutor do veículo, por ter omitido as cautelas que o dever geral de cuidado aconselha, bem como as regras especiais de uma segura condução estradal, que podia e devia ter adoptado e que seriam idóneas a evitar a produção de tal acidente, mormente ter moderado a velocidade do seu veículo, designadamente para a velocidade horária não superior a 50km/h, ter efectuado a aproximação ao peão nas condições desaconselháveis em que o fez, não ter accionado os travões, não ter feito sinais de luzes, em suma, não ter efectuado qualquer manobra a fim de o evitar.
LXII. nunca poderia concluir a sentença de que se recorre ser de reduzir a indemnização a atribuir aos A.A., nos presentes autos, a 70 %,
LXIII. nunca se devendo entender, como na sentença de que se recorre, que “Foi a actuação gravemente culposa do peão que, essencialmente deu causa ao acidente e suas consequências.”,
LXIV. sendo de concluir, com base no estudo da velocidade já referido e com o testemunho de J. S. que se mostrou bem fundamentado quanto a tal questão, e inultrapassável em relação a qualquer outra testemunha, dado ser essa a sua actividade profissional, o estudo dos acidentes, que se o condutor do veículo circulasse até 50km/h e atento como deveria, avistando o peão e percepcionando o mesmo, como tal, a 32 metros, teria tido tempo para abrandar ou até mesmo imobilizar o veículo, de modo a que o peão pudesse ter concluído a travessia em segurança, sem que tivesse sido surpreendido pela aproximação repentina de um veículo que não respeitava as normas estradais,
LXV. ou mesmo que não conseguindo o condutor imobilizar totalmente o veículo, não teria provocado o dano morte ao peão mas danos muitíssimos mais leves,
LXVI. Devendo, resultar facto provado que o atropelamento em causa ficou a dever-se à forma imprudente e descuidada de condução do condutor do veículo que, não respeitou as normas legais previstas no Código da Estrada aqui analisadas, e omitiu o dever geral de cuidado que lhe é imposto, e ainda o dever especial de cuidado a que está adstrito enquanto motorista de táxi,
LXVII. Devendo ter entendido a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância que foi a actuação gravemente culposa do condutor do veículo que, essencialmente deu causa ao acidente e suas consequências.
LXVIII. E, caso se entenda ter havido um facto ilícito culposo do peão, concorrente para a ocorrência do acidente – e já tendo presente, ao lado da gravidade da conduta do peão, a dimensão e potencialidade danosa do veículo – nunca se poderá considerar a contribuição causal do peão para a eclosão do acidente inferior a 30%.
LXIX. Sendo que, quanto à repartição da culpa há que atender aos casos semelhantes já julgados, nunca os mesmos tendo atribuído um grau de culpa tão elevado ao peão,
LXX. nesse sentido são exemplos Acórdão do STJ, de 08/06/2021, no Processo nº 2261/17.7T8PNF.P1.S1, Relator Maria João Vaz Tomé,
LXXI. e Acórdão do STJ, de 8 de Março de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 209/13.7TBTMR.E1.S1,
LXXII. violando, a sentença recorrida, o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 505.º e 570.º do Código Civil.
LXXIII. Já no que se refere ao direito à vida que os AA. peticionam na petição inicial que sejam indemnizados, dada a perda da vida do peão,
LXXIV. o Tribunal a quo, na sentença recorrida, decidiu fixar no valor de 60.000,00 €,
LXXV. Sendo que, os AA. entendem que o valor mais justo e mais conforme o que a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a fixar é o valor pelos mesmos peticionado na sua petição inicial, 65.000,00 €,
LXXVI. atenta a idade da vítima, quase a completar 69 anos e não ter problemas de saúde graves,
LXXVII. motivo pelo qual discordam do valor fixado pelo Tribunal de 1ª instância e pugnam pela fixação do valor de 65.000,00 €,
LXXVIII. Nesse sentido Acórdão do STJ, de 23 de Maio de 2019 (Pinto de Almeida), no proc. n.º 1580/16.4T8AVR.S1, para uma vítima de 72 anos, activa, de boa saúde fixou a indemnização pela perda ou violação do direito à vida em € 70 000,00, Cfr. Acórdão do STJ, de 08/06/2021, no Processo nº 2261/17.7T8PNF.P1.S1, Relator Maria João Vaz Tomé, para uma vítima de 83 anos, que possuía já problemas de saúde graves, fixou-se o valor da indemnização em € 60.000,00, Acórdão do STJ, de 8 de Março de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 209/13.7TBTMR.E1.S1, em que também se distribuíram as responsabilidades concorrentes do condutor do veículo e do peão para a produção do acidente na proporção de 60% para o primeiro e de 40% para o segundo, tendo o peão falecido com 79 anos de idade, fixou-se a indemnização em € 65.000,00, mas resultou provado que a vítima era saudável e jovial,
LXXIX. Já no que se refere ao valor de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima no acidente em discussão nos presentes autos, o Tribunal na sentença recorrida entendeu provado o dano e fixou o valor do mesmo em 5.000,00 €,
LXXX. valor que os Recorrentes entendem também demasiado diminuto,
LXXXI. pugnando que lhe seja atribuído o valor não inferior a 10.000,00 €,
LXXXII. dado que a vítima terá estado em sofrimento durante alguns minutos, devendo concluir-se que teve consciência do ocorrido e do perigo iminente da sua morte, durante um período de tempo, minutos que não se conseguiram precisar.
LXXXIII. Por sua vez e no que concerne à indemnização pelos não patrimoniais sofridos pelos AA, aqui Recorrentes, enquanto Esposa e Filhos da vítima, entendeu, na sentença recorrida, fixar a quantia de 24.000,00 € à Esposa e Filha da mesma e o valor de 18.000,00 € para o Filho,
LXXXIV. atendendo a que este com a mesma já não residia encontrando-se autonomizado.
LXXXV. Ora, os valores atribuídos também se entendem abaixo do que deveria ter sido atribuído,
LXXXVI. desde logo à Esposa e Filha,
LXXXVII. atendendo à relação de proximidade que tinha com as mesmas, com quem residia e a quem prestava apoio,
LXXXVIII. Sendo que, a Filha possui problemas graves de saúde que, como resultou provado na sentença de que se recorre, se agravaram em virtude da morte repentina e dramática do Pai,
LXXXIX. Pai que lhe prestava ajuda e auxílio na doença e de quem dependia até economicamente, pese embora maior de idade,
XC. Cuja morte se mostra para a mesma inultrapassável,
XCI. Como sucede com Sua Esposa com quem era casado desde o ano de 1971.
XCII. Pelo que, o caso concreto deveria ser de comparar ao decidido nos Acórdãos do STJ, quanto ao quantum indemnizatório para circunstâncias de maior sofrimento, como disso é exemplo o Acórdão do STJ de 21-03-2019, citado na sentença recorrida,
XCIII. nunca devendo ser de estabelecer ás A.A., Esposa e Filha da vítima, um valor inferior a 35.000,00 € para cada uma, pelos danos não patrimoniais pelas mesmas sofridos,
XCIV. e ao Filho o valor nunca inferior a 25.000,00 €, atento o sofrimento que a morte do Pai, comprovadamente nos presentes autos, lhe causou.
XCV. Em conformidade com o decidido no Acórdão do STJ, de 23 de Maio de 2019 (Pinto de Almeida), Proc. n.º 1580/16.4T8AVR.S1,
XCVI. Por último e quanto aos juros de mora e desde que data se vencem, a sentença recorrida decidiu que apenas eram calculados desde a data da decisão e até integral pagamento,
XCVII. Decisão com a qual não se concorda,
XCVIII. Por violar o disposto no art. 805.º, n.º 2, al. b), do CC e o art. 566.º, n.º 2, do CC,
XCIX. Pois a sentença recorrida não fixa o montante indemnizatório com base em valores actualizados ou em critérios contemporâneos da decisão,
C. sendo que, o crédito dos A.A., nos presentes autos, não era ilíquido e com a sentença tornou-se líquido.
CI. Pelo que, os juros de mora na sentença de que se recorre, em conformidade com o estabelecido no nº 3 do art.º 805º do C.C. devem ser contabilizados desde a data da citação da Ré e até efectivo e integral pagamento.
CII. Face ao exposto, e muito que será suprido por Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e a sua substituição Acórdão que condene a Ré/Recorrida a pagar, para além das quantias não impugnadas neste recurso, as seguintes quantias:
a) - € 65.000,00, pela perda do direito à vida;
b) - € 10.000,00, pelo dano não patrimonial próprio da vítima
c) - € 35.000,00, pelo dano não patrimonial próprio das Autoras/ Recorrentes Esposa e Filha e o valor de € 25.000,00 € pelo dano não patrimonial próprio do Autor/ Recorrente, Filho,
d) às quantias em causa e às não impugnadas neste recurso acresçam juros de mora, à taxa legal de 4%, calculados desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento.

B. A Caixa Geral de Aposentações termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

Em função da prova produzida, o ponto 63 da matéria provada deverá ser corrigido. Onde se lê “Até Janeiro de 2020” deverá ler-se “Até Dezembro de 2020”.
Em função da prova produzida, designadamente a declaração apresentada em 4 de Outubro de 2021 (ref. citius: 40029764), deve ser acrescentado um novo ponto à matéria de facto – o 68 – com a seguinte redacção: “Até Setembro de 2021, a título de pensão de sobrevivência, a CGA pagou à A. M. M. o montante de €85 379,53”.
Foram considerados provados os demais factos enunciados pela Caixa Geral de Aposentações (61 a 67 da matéria de facto).
O tribunal considerou que a culpa de J. P. foi superior, ou mais grave, do que a culpa do condutor do veículo segurado pela Ré.
Fixou por isso em 30% a responsabilidade do condutor do veículo segurado pela Ré.
O artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, bem como o nº 4 do Decreto-Lei nº 59/89 de 22 de Fevereiro, são aplicáveis à Caixa Geral de Aposentações.
A Caixa Geral de Aposentações é uma instituição de segurança social.
Nos termos do artigo 17º da Lei nº 4/2009, de 29 de Janeiro, ao regime de protecção social convergente, por isso à CGA, aplicam-se princípios e restantes disposições referentes ao sistema previdencial, constantes designadamente dos capítulos iii, iv e vi da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.
Contrariamente ao decidido pelo tribunal de primeira instância, o regime de protecção social convergente integra o sistema de segurança social português, sendo-lhe aplicável a Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, em consequência, também o disposto no artigo 70º de tal diploma.
10ª Atento o regime legal aplicável, a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, e o previsto no art.º 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, atenta a matéria considerada provada, aquela que, por força do presente recurso, deverá considerar-se provada, também em função da responsabilidade apurada, em termos proporcionais, a CGA tem direito de regresso sobre a Ré, aqui demandada, em relação às quantias que pagou a título de pensão de sobrevivência e subsídio por morte (€ 85 379,53 + € 1263,96).

C. A termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1. O primeiro motivo que nos força a subir até à Justiça de Vossas Exas. prende-se com a matéria de facto que o Tribunal a quo fez inscrever no ponto 42. dos Factos Provados.
2. Crê a ora apelante que a prova produzida nos autos – com particular destaque para os depoimentos prestados pelas testemunhas M. C. e A. R. (as únicas que depuseram sobre esta matéria) e para os relatórios elaborados pelos Bombeiros Voluntários de ... e pelo I.N.E.M. – impõe uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo no que à aludida matéria de facto diz respeito.
3. Do depoimento prestado pela testemunha M. C. – que, em parte, se transcreveu e que aqui se dá por integralmente reproduzido, juntamente com as passagens indicadas no corpo das alegações – não resulta que o peão J. P. manifestasse dor, ou tivesse reagido de tal forma que impusesse concluir que o mesmo estaria a sentir alguma espécie de dor.
4. De resto, a testemunha M. C. chegou mesmo a referir que teria ficado com a sensação de que o mencionado J. P. não estaria totalmente consciente, por ter perdido os sentidos.
5. Objectivamente, decorre apenas do depoimento da testemunha M. C. que o peão J. P. falava, sem que se percebesse o que o mesmo dizia, o que, por si só e sem mais, não permite concluir que, naquele momento, o mesmo sentisse dor, ou que tivesse a percepção de dor.
6. Por outro lado, resulta do relatório elaborado pelos Bombeiros Voluntários de ..., que, à sua chegada ao local, cerca de 9 minutos após o acidente, o referido J. P. não tinha pulso, nem respiração, situação que não foi possível reverter.
7. Essa circunstância leva a supor que as lesões sofridas pelo indicado J. P. o terão conduzido de imediato a um estado de inconsciência, ou de semiconsciência, que dificilmente lhe permitiria sentir dor.
8. A testemunha A. R. – cujo depoimento, em parte, se transcreveu e que aqui se dá por integralmente reproduzido, juntamente com as passagens indicadas no corpo das alegações – médica do I.N.E.M., que se deslocou ao local do acidente, esclareceu que, cerca das 23h do dia do acidente, lhe foi transmitido que o peão J. P. estava em paragem cardiorrespiratória, ou seja, morto.
9. Esta testemunha confirmou também que as manobras de reanimação que foram levadas a cabo não lograram reverter a situação em que o indicado J. P. se encontrava, ou seja, sem pulso e sem respiração, razão pela qual não poderia o mesmo sofrer dor.
10. Acresce ainda que, aquando do acidente, o peão J. P. encontrava-se alcoolizado, apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l, acusando ainda benzodiazepinas em dose terapêutica, sendo que, vários estudos têm vindo a revelar que o excesso de álcool no corpo, para além de reduzir a percepção da realidade, tem, bem assim, efeitos analgésicos.
11. Decorre de tudo quanto acima se deixou exposto que a prova produzida nos autos não permite concluir que o peão J. P. tivesse sentido dores com o impacto e nos breves instantes imediatos que se lhe seguiram.
12. Pelo contrário, os meios de prova supra indicados levam antes a concluir que o mencionado J. P. não terá sentido dor, na sequência do embate, pois a sua reacção, nos instantes que se lhe seguiram, não sugere, nem faz supor que o mesmo sentisse dor.
13. Deste modo, deverá a sentença ser nesta parte revogada e substituída por outra que faça incluir a factualidade vertida no ponto 42. dos Factos Provados no elenco dos Factos Não Provados, o que, desde já, se requer.
14. Perante a factualidade que deverá ser dada como demonstrada, deve ser revogada a sentença na parte em que condenou a aqui apelante a pagar aos recorridos a quantia de 1.500,00€ (5.000,00€ x 30%), a título de danos morais próprios do J. P., e substituída por outra que a absolva desta parte do pedido.
15. Ainda que assim se não entenda – o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio – sempre a indemnização a arbitrar aos recorridos a este título deverá ser reduzida.
16. A Portaria 679/2009, de 25 de Junho, que contém tabelas indemnizatórias aplicáveis em sede extrajudicial – as quais, embora não vinculativas, constituem também um padrão de referência e orientação para os Tribunais – fixa o quantum indemnizatório relativo aos danos morais próprios da vítima que sobrevive até 24 horas em 2.052,00€.
17. Atenta a escassa factualidade que vem dada como demonstrada a este respeito e considerando ainda o curto espaço de tempo durante o qual o falecido poderia ter sentido dores, afigura-se à aqui recorrente que a compensação pelo dano moral próprio do falecido J. P. não deveria ser quantificada em mais de 2.500,00€.
18. Deste modo, a ser considerado este dano, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que fixe em quantia não superior a 750,00€ (2.500,00€ x 30%, atenta percentagem de contribuição do falecido para a ocorrência do acidente) a indemnização a arbitrar aos recorridos pelos danos morais próprios de J. P..
19. Ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, não pode a aqui recorrente concordar também com a parte da decisão da primeira instância que a condenou a pagar aos recorridos uma indemnização a título de dano patrimonial futuro/alimentos, por óbito de J. P..
20. A este propósito cumpre começar por relembrar que o pedido deduzido pelos recorridos, no que a esta matéria respeita, reconduz-se muito claramente a um prejuízo de natureza patrimonial por lucros cessantes, assente na expectativa de uma obtenção de rendimentos pelo inditoso J. P. ao longo do período expectável de vida deste último.
21. Assim, a causa de pedir respeitante a esta pretensão dos recorridos radica na perda de rendimentos do falecido J. P., em consequência da sua morte.
22. Ora, como é sabido, a personalidade jurídica, que se adquire com o nascimento com vida, cessa com a morte (cfr artigos 66º n.º 1 e 68º n.º 1 do Cód. Civil), a qual impede a aquisição de direitos, não se podendo radicar no património da vítima direitos que nasceriam com a sua morte.
23. Assim, nem à vítima (e, consequentemente, aos seus herdeiros), nem directamente aos seus herdeiros, é reconhecido o direito a indemnização por perda futura de rendimentos decorrentes da morte, a não ser os excepcional e expressamente previstos no n.º 3 do artigo 495º do Código Civil. (nesse sentido veja-se, entre muitos outros, o decidido no Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.09.2011, relatado pelo Sr. Desembargador Teles Pereira, proferido no processo 1478/07.7TBFIG.C1 e no Acórdão do S.T.J., de 18.09.2012, relatado pelo Sr. Conselheiro Azevedo Ramos, no âmbito do Proc. N.º 973/09.8TBVIS.C1.S1”).
24. Não existindo este concreto direito que os recorridos esgrimem nesta acção, não pode o mesmo ser reconhecido pelo julgador, o que impõe a revogação da douta sentença na parte em que condenou a aqui apelante a pagar-lhes a quantia de 15.418,62€ (51.395,40€ x 30%, atento grau de contribuição do falecido J. P. para a ocorrência do acidente, fixada em 70%), o que se requer, com a consequente absolvição desta parte do pedido.
25. Ainda que se admitisse estar contido na causa de pedir e no pedido formulado pelos recorridos o reconhecimento de indemnização por frustração de prestação alimentar, não lhes seria devida qualquer quantia a este título.
26. Com efeito, os artigos 495.º e 496.º do Código Civil tratam de um caso especial de reparação, que surge como uma excepção ao princípio geral de que só o lesado goza do direito de ser indemnizado.
27. Este direito assenta obviamente numa norma de carácter excepcional (o n.º 3 do artigo 495.º do C.C.), a qual – nos termos da lei é, em princípio, insusceptível de aplicação analógica.
28. Por isso, não bastava aos recorridos (nem à sentença recorrida) a simples invocação das qualidades de cônjuge sobrevivo e de filhos do mencionado J. P. para que, de pronto e de modo automático, lhes fosse atribuída uma indemnização a título de alimentos.
29. Neste sentido, aponta-se o douto acórdão do STJ datado de 14-07-2009, proferido na revista n.º 1541/06.1TBSTS.S1-1.ª, onde se refere expressamente: «tratando-se de alimentos, há que alegar e provar a necessidade dos alimentados e a indispensabilidade do “quantum” prestado».
30. Cumpre fazer notar que não se provou nos presentes autos que os recorridos não dispõem de outras fontes de rendimentos – pelo contrário, decorre das informações trazidas aos autos pela Autoridade Tributária que os mesmos têm rendimentos próprios – para viverem condignamente, sendo o processo totalmente omisso relativamente à necessidade destes da prestação de alimentos, e na afirmativa, em que concreta medida.
31. Por outro lado, o elenco dos factos provados é omisso quanto ao eventual contributo que o falecido J. P. pudesse prestar para as despesas dos recorridos, nada se referindo a esse respeito, nem sequer que o mesmo prestasse tal contributo, nada se provando tão pouco quanto às concretas despesas dos recorridos.
32. O pretenso direito a alimentos dos recorridos assume um carácter restritivo, pois acha-se tal direito circunscrito ao que assuma carácter indispensável (artigo 2003.º do CC), de acordo com as necessidades (artigo 2004.º do CC) dos lesados – É uma decorrência óbvia do carácter excepcional da regra inscrita no artigo 495º do C.C.
33. A concreta necessidade dos recorridos da prestação de alimentos e a indispensabilidade da quantia a arbitrar a este título traduziam-se na alegação e prova de factos, não sendo os mesmos de presumir para efeitos da concessão de uma indemnização desta natureza.
34. Assim sendo, não se mostram os autos habilitados para permitirem reconhecer aos recorridos o direito a alimentos, tal como decidido na sentença, o que de resto sai reforçado pela consideração do facto de que a recorrida M. M. se encontra a receber uma pensão de sobrevivência que lhe vem sendo paga pela Caixa Geral de Aposentações, por morte do seu marido, o que infirma a alegada carência de alimentos concedidos pela sentença recorrida, sendo até de presumir o contrário.
35. Não se tendo provado que os recorridos careciam de alimentos, nem tão pouco que o falecido lhos prestava, não se mostram verificados os pressupostos essenciais de que sempre dependeria a atribuição de uma indemnização a este título, razão pela qual a sentença recorrida deve ser revogada neste segmento e substituída por outra que absolva a recorrente do pagamento aos recorridos de qualquer indemnização a este título, o que, desde já, se requer.
47. Ainda que assim se não entendesse, sempre pelo menos no que tange os recorridos C. M. e L. M., de modo algum estariam reunidos os pressupostos para que lhes pudesse ser reconhecido o direito a indemnização por alimentos, por óbito de J. P..
48. Note-se que, à data do acidente, os recorridos C. M. (nascida em -.12.1977, conforme certidão de nascimento de fls. …) e L. M. (nascido em 22.08.1972, conforme certidão de nascimento de fls.…), contavam já, respectivamente, 39 anos e 45 anos, não sendo de presumir que carecessem de alimentos a ser prestados pelo seu pai.
49. Face ao estabelecido nos artigos 1879.º e 1880.º do Código Civil, impõe-se concluir que, no presente caso, inexiste fundamento que permita sustentar a atribuição aos recorridos C. M. e L. M. de uma indemnização a título de alimentos.
50. Na verdade, à data do seu falecimento, o mencionado J. P. não estava obrigado a prestar alimentos ou a sustentar os recorridos C. M. e L. M., nada se tendo demonstrado nos autos que imponha uma conclusão diferente.
51. Como tal, sempre se impõe a revogação da sentença nesta parte e a sua substituição por outra que absolva a aqui recorrente do pedido deduzido pelos recorridos C. M. e L. M. a título de dano patrimonial futuro, por óbito do seu pai, com as necessárias consequências legais.
52. No que tange a recorrida M. M., ainda que se entendesse que lhe assiste o direito a uma indemnização a título de alimentos – o que apenas se equaciona por cautela e dever de patrocínio – não tendo resultado provado qual o contributo efectivo do falecido J. P. para as suas despesas, não pode a aqui apelante concordar que esse contributo se fixe em 2/3.
53. Note-se que, decorre das declarações de rendimentos da recorrida M. M. que esta tinha rendimentos anuais próprios brutos próximos dos 40.000,00€.
54. Por outro lado, se o Tribunal considera que o falecido gastaria cerca de 1/3 do seu rendimento com as suas próprias despesas, não é razoável supor que as necessidades da recorrida M. M. – que também aufere os seus rendimentos próprios – sejam superiores às do seu falecido marido.
55. Face ao acima exposto, concede-se, quando muito, que, à data do seu falecimento, o falecido J. P. pudesse contribuir com 1/3 do seu rendimento líquido (712,19€) para as despesas da recorrida M. M..
56. Considerando que a recorrida M. M. vem recebendo uma pensão de sobrevivência mensal no valor inicial de 1.016,47€, por óbito do seu marido, impõe-se concluir que a mesma não sofre qualquer prejuízo a este título, já que o valor daquela pensão se destina a compensar aquela pretensa perda, de valor inferior (712,19€).
57. Assim, salvo melhor opinião, não se mostram preenchidos os pressupostos de que dependeria a atribuição à recorrida M. M. de uma indemnização a título de alimentos, pelo que se impõe a revogação da decisão da primeira instância nesta parte e a sua substituição por outra que absolva a aqui recorrente do pedido deduzido pela recorrida M. M. a título de dano patrimonial futuro, por óbito do seu marido, com as necessárias consequências legais.
58. De todo o modo, sempre, no pior dos cenários, o Tribunal deveria ter considerado que o falecido contribuiria com 50% da sua pensão de reforma para as despesas da recorrida, tanto mais que esta última tem rendimentos próprios.
59. Ora, nessa hipótese o pretenso prejuízo mensal da recorrida M. M. seria de apenas 51,81€ (1.068,28€ - 1.016,47€), atento o valor da pensão de sobrevivência que lhe vem sendo paga pela Caixa Geral de Aposentações.
60. Considerando a esperança média de vida dos homens (78 anos), o prejuízo futuro da recorrida M. M. ascenderia nesse caso a 5.595,48€ (51,81€ x 12 x 9).
61. A este propósito crê a aqui recorrente que no cálculo desta indemnização deverão ser apenas considerados 12 meses – e não os 14 meses a que o Tribunal atendeu – na medida em que se está perante uma prestação alimentícia que deverá ser assegurada mensalmente e o ano conta apenas com 12 meses.
62. O valor a que se chegar através desse cálculo deverá ainda ser capitalizado, posto que a recorrida irá receber a indemnização de uma só vez e não fraccionadamente ao longo dos anos, sob pena enriquecimento ilícito daquela.
63. Se é certo que até há pouco tempo houve a necessidade de diminuir as taxas de juro, com vista a incentivar o investimento, neste momento deparamo-nos com um período em que se perspectiva um aumento dessas mesmas taxas de juro, tendo em vista o controlo do consumo e da inflação.
64. Assim, entende a aqui recorrente que se impõe efectuar a capitalização (ou redução) da indemnização que vier a ser fixada, pelo menos durante 4 dos 9 anos considerados naquele cálculo, devendo ser tida em conta uma taxa de juro não inferior à de 1%.
65. Deste modo, alcança-se o montante indemnizatório de cerca de 5.000,00€, o qual deverá ser reduzido para a quantia de 1.500,00€ (5.000,00€ x 30%), por via do contributo do falecido J. P. para a eclosão do acidente, fixando-se, assim, a indemnização a arbitrar à recorrida M. M., na quantia de 1.500,00€.
66. A admitir-se que assiste a recorrida M. M. uma indemnização a este título, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que condene a recorrente a pagar-lhe apenas a quantia de 1.500,00€.
67. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342.º, 483.º, 495.º, 496.º, 562.º, 563.º, 566.º, 1879.º e 1880.º do Código Civil.

D. A Y SEGUROS, S.A respondeu ao recurso interposto pelos autores, defendendo a total improcedência do mesmo.

E. A mesma ré apresentou contra-alegações no recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações, e requereu, ao abrigo do disposto no artigo 684.º A do C.P.C, a AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
Quanto ao recurso interposto pela CGA, afirma que parece assistir razão à autora apenas na parte em que decorre do documento n.º 5 junto com o requerimento inicial que, até Dezembro de 2020, foi liquidada à autora a quantia global de 70.214,03€, razão pela qual se impõe a rectificação da factualidade vertida nos Factos Provados.

Quanto à ampliação do objecto do recurso, apresenta as seguintes conclusões, caso o recurso interposto pela apelante venha a merecer provimento, ainda que parcialmente – o que apenas se admite como hipótese meramente académica:

1. Caso venha a ser considerado que assiste à apelante o direito de sub-rogação relativamente às quantias que pagou à autora M. M., a título de pensão de sobrevivência e de subsídio por morte, por óbito do seu marido J. P. – o que apenas se admite para efeitos do presente raciocínio – sempre se dirá que jamais poderá a aqui recorrida ser condenada no pedido que contra ela vem dirigido, como pretende a recorrente.
2. Isto porque o eventual direito unitário da apelante relativo ao reembolso das pensões de sobrevivência liquidadas à autora M. M., por óbito do seu marido, se mostra prescrito.
3. Com efeito, vem dado demonstrado que entre a data em que a recorrente iniciou o pagamento à autora M. M. das pensões mensais de sobrevivência (31.11.2017) e data em que em que a ora recorrida foi notificada desse pedido (19.01.2021), decorreram mais de 3 anos.
4. As sobreditas prestações são pagas mensalmente à autora M. M., correspondendo assim a prestações periódicas, para os efeitos do disposto no artigo 307.º do Código Civil, o qual estabelece que “tratando-se de renda perpétua ou vitalícia ou de outras prestações periódicas análogas, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.”
5. Pelo menos, a partir de 31.11.2017 – data em que iniciou o pagamento das pensões de sobrevivência – a apelante tomou conhecimento do seu alegado direito contra a ora recorrente, estando assim em posição de o exercer, podendo pedir a condenação da aqui recorrida não só no que já tinha pago, como também nas prestações futuras.
6. Deste modo, forçoso é concluir que o direito unitário da apelante a receber as mencionadas prestações periódicas prescreveu no dia 31.11.2020, pois que tendo a mesma iniciado os pagamentos da pensão de sobrevivência à autora em 31.11.2017, não cuidou, nos três anos seguintes, de exigir da alegada responsável civil o seu reembolso.
7. Deverá, como tal, ser declarado prescrito o direito unitário relativo às pensões de sobrevivência que vêm sendo pagas mensalmente pela recorrente à autora M. M., com a consequente improcedência do pedido deduzido pela mesma a esse título, no valor de 70.214,03€, acrescido das prestações futuras, o que desde já se requer.
8. Salvo melhor opinião, está também prescrito o alegado direito da apelante ao recebimento da quantia de 1.263,96€ paga à autora M. M., em 05.01.2018, a título de subsídio por morte.
9. Com efeito, desde a data em que a apelante liquidou tal verba (05.01.2018) à autora M. M. até à data em que a ora recorrida foi notificada do pedido deduzido pela recorrente (19.01.2021), decorreram mais de três anos, sem que esta última tivesse, entretanto, promovido pela realização de qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a sua intenção de exercer o seu alegado direito contra a aqui apelada.
10. Assim, forçoso é concluir que o alegado direito da recorrente a receber da recorrida tal montante – 1.263,96€ – está prescrito, o que, desde já, se requer seja declarado para todos os efeitos legais.
11. Ainda que se entendesse que o direito unitário da recorrente a receber as prestações relativas às pensões de sobrevivência não se mostra prescrito – o que não se admite, mas apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio – sempre se dirá que, pelo menos, as pensões pagas pela apelante à autora M. M., no período compreendido entre os dias 30.11.2017 e 31.12.2017, no valor de 6.660,23€, estariam irremediavelmente prescritas.
12. Na verdade, desde as datas em que foram pagas à autora M. M. as sobreditas pensões, no valor de 6.660,23€ – sempre em data anterior a 31.12.2017 – até à data em que a ora recorrida foi notificada do pedido deduzido pela apelante – 19.01.2021 – decorreram mais de três anos, sem que a recorrida tenha, entretanto, sido citada ou notificada judicialmente de qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a intenção da apelante de exercer o seu direito.
13. Assim, sempre se encontraria prescrito o alegado direito da apelante de obter da aqui apelada o reembolso daqueles montantes, no total de 6.660,23€, devendo a aqui apelada ser absolvida desta parte do pedido, o que, desde já, se requer.
14. Contudo, face ao acima exposto, sempre deverá o pedido deduzido pela recorrente ser julgado improcedente, o que desde já se requer.
15. A posição defendida pela recorrida na presente ampliação do objecto do recurso assenta no disposto nos artigos 307.º e 498.º do Código Civil.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:
a) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
b) ocorreu erro na determinação da culpa no atropelamento
c) ocorreu erro na fixação dos valores da indemnização
d) saber se a Caixa Geral de Aposentações tem direito de sub-rogação pela quantia a título de pensão de sobrevivência e subsídio por morte que pagou à viúva de vítima de acidente de viação que não foi ao mesmo tempo acidente de serviço.

III
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1- No dia ..-09-2017, pelas 22.45 horas, o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula TB, conduzido por M. C., circulava pela hemifaixa de rodagem direita da E.N. 101, na Avenida ..., ao km 161,3, em ..., no sentido de marcha Amarante - Peso da Régua;
2- Quando atropelou o peão J. P., numa altura em que este atravessava a via, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo, com vista a alcançar a sua habitação, situada desse lado direito da via;
3- Não havendo, no local ou até a 50 metros de distância, passadeira para travessia de peões.
4- A Avenida ... era composta por duas hemifaixas de rodagem, com uma largura total de aproximadamente de 7,30 metros, sendo uma destinada ao sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, com uma largura de 3,55 metros, e outra ao sentido inverso, separadas entre si por duas linhas contínuas paralelas, de cor branca, assinaladas no eixo da via.
5- O local onde ocorreu o atropelamento é uma localidade, marginalizada por algumas habitações.
6- Nesse local, a faixa de rodagem da E.N. 101 desenvolve-se em curva, para a direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua;
7- Estando tal curva assinalada como sendo perigosa.
8- Nesse local, a faixa de rodagem da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, é ladeada, pelo lado direito, por um passeio para peões em cimento e, do lado esquerdo, por uma berma, com 1,35 metros de largura, a qual é seguida de um rail de protecção metálico.
9- No início da curva onde veio a ocorrer o atropelamento, existe um poste de iluminação pública, implantado do lado direito da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, encostado ao muro que ladeia o passeio para peões ali existente.
10- O referido poste de iluminação encontra-se afastado, em número indeterminado de metros, do local onde se deu o embate e emitia luz de fraca intensidade.
11- Do lado esquerdo da faixa de rodagem da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, inexistia, à data dos factos, qualquer tipo de iluminação, tanto na curva onde se deu o acidente, como antes e depois dela;
12- Sendo essa parte da via ladeada por terrenos agrícolas e vegetação, inexistindo habitações ou estabelecimentos comerciais, à face da estrada.
13- O pavimento no local era betuminoso, em regular estado de conservação e, à data, estava limpo e seco e o tempo estava “bom”.
14- O veículo circulava a uma velocidade intermédia entre os 50 km/h e os 70 km/h.
15- Atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua e, antes da curva onde ocorreu o atropelamento, a E.N. 101 desenvolve-se em recta, com o comprimento superior a 80 metros e, havendo, a meio da mesma, um viaduto.
16- A cerca de 198,40 metros antes do local do embate, existia um entroncamento.
17- A recta que antecede o local do embate era dotada de postes de iluminação pública, do lado direito.
18- Na altura em que se deu o acidente, era já noite escura.
19- O veículo circulava com os faróis dianteiros acesos, na posição de médios.
20- Quando o condutor do veículo começou a descrever a curva, avistou o peão J. P., cujo vulto começava a ser avistável a cerca de 32 metros, em movimento, da hemifaixa de rodagem esquerda da via, para a hemifaixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua;
21- Que trajava camisa azul-clara e calças de ganga azuis;
22- E que havia dado início à travessia da E.N. 101, da esquerda para a direita, atento o indicado sentido de marcha, em plena curva e, não obstante a aproximação do veículo;
23- A partir de um local em que, a E.N. 101 é ladeada, pelo lado esquerdo, atento o sentido de marcha Amarante / Peso da Régua por um rail de protecção metálico;
24- E, mesmo com o veículo a 10/15 metros de distância, prosseguiu a sua marcha, em passo apressado, com o objectivo de alcançar o passeio existente do outro lado da via;
25- Sem que tivesse parado antes do eixo da via ou no eixo da via, por forma a deixar passar o veículo pela sua hemifaixa de rodagem, tendo atravessado na frente do veículo, quando este ia a passar.
26- O peão, ou não atentou na aproximação do veículo ou não avaliou correctamente a distância a que este se encontrava, colocando-se em rota de colisão com o mesmo.
27- Olhando para o lado de Amarante, antes de iniciar a travessia da E.N. 101, o peão poderia avistar o veículo, a circular pela hemifaixa de rodagem direita da via, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, a uma distância superior a 100 metros.
28- Na altura em que ocorreu o sinistro, o peão apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l +/- 0,22g/l e benzodiazepinas (Lorazepan) em dose terapêutica.
29- Ao deparar-se com o peão, o condutor do veículo desviou-se para a sua direita, não tendo, porém, evitado colher o peão com a frente esquerda do veículo;
30- Sem que tivesse travado antes de colher o peão.
31- O embate ocorreu na hemifaixa de rodagem direita da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante / Peso da Régua, a cerca de 1,10 metros do eixo da via.
32- Mercê da colisão, o corpo do peão J. P. caiu em cima do capot do TB e sua cabeça atingiu a parte inferior do pára-brisas do lado esquerdo do veículo, tendo o mesmo sido projectado, a cerca de 26 metros, vindo a ficar caído junto ao eixo da via.
33- Após o embate e fruto da manobra de desvio/recurso efectuada pelo condutor do veículo, o TB acabou por subir com o respectivo rodado dianteiro direito o passeio que ladeia a E.N. 101, pelo lado direito, atento o indicado sentido de marcha, onde ficou imobilizado, a cerca 20 metros do local de embate.
34- Mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ..........25, a proprietária do veículo com a matrícula TB, a PB. & CA, LDA., havia transferido a responsabilidade civil decorrente do da circulação do veículo, para a R.
35- Como consequência directa e adequada do atropelamento (embate, projecção e queda) resultaram para o peão J. P., as seguintes lesões: equimose malar à direita de cerca de 7x2,5 cm, escoriação por abrasão na face antero-lateral do hemitorax direito de limite superior abaixo do sulco mamário e prolongando-se para a parede abdominal de cerca de 52x12 cm, escoriação na face lateral esquerda do abdómen por abrasão de cerca de 10x7 cm, no membro superior direito ferida linear de cerca de 4,5 cm de comprimento, vertical no 1/3 médio do braço, feridas lineares verticais em número de duas na face posterior do cotovelo de cerca de 7 e 2 cm de comprimento, no membro superior esquerdo escoriação por abrasão de cerca de 12x3 cm na face posterior do punho, no membro inferior direito duas feridas arredondadas uma de cerca de 5x2 cm e outra de cerca de 5x3 cm de maiores dimensões na face anterior do joelho, no membro inferior esquerdo, feridas na face anterior da joelho e da perna, no joelho de cerca de 9x3 cm e várias na face anterior na perna, a maior das quais de cerca de 5x2cm da face dorsal do pé e anterior do tornozelo; a nível da cabeça: fractura do rochedo direito e base do esfenóide, meninges hemorrágicas, hemorragia sub-dural mais abundante à direita; a nível da coluna vertebral e medula: factura cominutiva da vertebra C4 com listesis de C4 sobre C5, meninges hemorrágicas, medula com sinais de contusão, sem laceração ao nível da factura de C4.
36- Tais lesões foram a causa directa e necessária da sua morte, que veio a ocorrer.
37- J. P. estava casado com a 1ª A. M. M., desde 1971.
38- J. P. era pai dos 2º e 3º A.A. - C. M. e L. M.-;
39- Sendo aqueles os seus únicos e universais herdeiros.
40- J. P. nasceu em ..-09-1948.
41- J. P. tinha sofrido um AVC, ficando com sequelas na fala.
42- J. P. sentiu dores com o impacto e nos breves instantes imediatos.
43- As A.A. M. M. e C. M., que residiam com o sinistrado, acorreram de imediato ao local do embate.
44- Confrontaram-se com o choque de ver o seu marido e pai caído e inanimado, numa poça de sangue, no meio da estrada.
45- Porque residiam, e residem, em frente ao local onde ocorreu o sinistro, as A.A., todos os dias revivem a imagem de ver o seu marido e pai morto no meio da estrada.
46- As A.A. têm sofrido um grande desgosto, que não têm conseguido ultrapassar, com a morte do seu marido e pai.
47- A A. C. M., recusou-se a festejar o primeiro Natal sem o pai, tendo-se isolado no seu quarto, de onde não saiu.
48- Tinha uma relação muito próxima com o pai, com quem partilhava uma grande cumplicidade.
49- Um ano antes da morte do pai, foi-lhe diagnosticada a doença de Crohn e síndrome do colon irritado, o que a afectava, e afecta, na sua vida diária;
50- Tendo passado, então, a residir com os pais, para que lhe prestassem o apoio que necessitava/necessita.
51- Era o seu pai que se deslocava consigo às consultas médicas.
52- Após a morte do pai, viu agravada a depressão de que já padecia e que ainda hoje não conseguiu ultrapassar.
53- Após a morte do seu pai, a doença de colon irritável, de que já padecia, piorou, chegando a impossibilitá-la de sair de casa durante vários dias.
54- Actualmente, as A.A. residem sozinhas.
55- Sendo a mãe, que presta à filha, a grande maioria dos cuidados de que necessita.
56- A A. M. M., muitas vezes, sente-se deprimida, tendo já pedido apoio psicológico, por se sentir sem vontade de viver.
57- O A., no dia do acidente, também acorreu ao local onde o mesmo ocorrera.
58- O A. é casado e vive de forma autónoma dos pais, tendo o seu próprio agregado familiar.
59- A morte do pai também o afectou, e afecta, psicologicamente, tendo-se sentido triste.
60- Passou a sentir-se responsável por apoiar a mãe, muitas vezes em substituição do pai.
61- À data da sua morte, J. P. encontrava-se reformado, auferindo, mensalmente, uma reforma, paga pela Caixa Geral de Aposentações, de que era beneficiário, no valor bruto de € 2.987,75 e líquido de € 2.136,56.
62- Por óbito do seu marido, a CGA atribuiu à A. M. M., uma pensão de sobrevivência, no valor mensal líquido inicial de € 1.016,47.
63- Até Janeiro de 2020, a esse título, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 70.214,03.
64- A CGA também atribuiu à A. M. M., um subsídio por morte do marido, no montante de € 1.263,96.
65- A CGA iniciou o pagamento das prestações mensais da pensão de sobrevivência à A. M. M., em 31-11-2017 ou em data anterior a 15-01-2018.
66- As pensões pagas à autora até 31-12-2017 ascendem à quantia total de €6.660,23.
67- O subsídio por morte do marido, foi pago à A. em 05-01-2018.

Factos não provados:

1- No início da curva, os condutores que circulem na E.N. 101, tanto no sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, como no sentido inverso, não conseguem avistar a faixa de rodagem, em toda a sua largura, numa extensão de 50 metros.
2- O peão não olhou para ambos os lados da E.N. 101 antes de efectuar a travessia da faixa de rodagem.
3- Ao avistar o peão, o condutor do veículo ainda travou antes do atropelamento.
4- Atento o sentido de marcha do veículo, existiam dois entroncamentos, um a 150 metros do local do atropelamento e outro a pouco mais de 5 metros desse mesmo local.
5- Os postes de iluminação pública do lado direito estavam colocados de 25 em 25 metros.
6- Um dos postes de iluminação pública situava-se em frente ao local onde o peão iniciou a travessia.
7- J. P. não padecia de problemas “graves” de saúde.
8- J. P. sofreu e sentiu pânico, ao perceber que estava a ser colhido por um veículo automóvel.
9- Em Julho de 2019, na Unidade de Psiquiatria do Hospital de …, foi diagnosticado à 2ª A., luto patológico e stress pós-traumático.
10- É A A. M. M. que conduz a filha às consultas, ainda que não o deva fazer, por padecer de deformações congénitas na coluna que já por diversas vezes a paralisaram temporariamente.

IV
Conhecendo do recurso.
A. Vamos começar por apreciar o recurso dos autores, e, como mandam as regras, começando por apreciar a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Como é sabido, há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto.

Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No caso concreto, os recorrentes indicam de forma clara quais os pontos de facto que consideram mal julgados e quais as respostas que entendem que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indicam em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.

Podemos pois conhecer desta parte do recurso.

1. Começam por impugnar o facto provado 17, cujo teor é: “a recta que antecede o local do embate era dotada de postes de iluminação pública, do lado direito”, em conjugação com o facto não provado nº 5, onde se lê que “os postes de iluminação pública do lado direito estavam colocados de 25 em 25 metros”.
E pretendem que o facto provado 17 tenha a seguinte redacção: “a recta que antecede o local do embate era dotada de postes de iluminação pública, do lado direito, em bom estado de funcionamento, sensivelmente de 25 em 25 metros”, e que seja eliminado o ponto 5 dos factos dados como não provados. E ainda que se acrescente como provado o seguinte facto: “um daqueles postes de iluminação encontrava-se e encontra-se junto da habitação de J. P., portanto, do outro lado da rua em frente ao local onde o ofendido iniciou o atravessamento, outro poste 25 metros mais adiante, no local da posição final do peão, bem como outros postes de iluminação 25 metros”.
Invocam essencialmente o auto de inspecção ao local e registo fotográfico, juntos a fls 153 e 154 do processo-crime apensado aos presentes autos, com o nº 108/17.3GAMSF, o que fez com que nesse processo fosse dado como provado na sentença que “atento ainda o mesmo sentido de marcha, no local existiam e existem postes de iluminação pública do lado direito, em bom estado de funcionamento, sensivelmente de 25 em 25 metros”.
Ora bem.
Quase que podíamos dar aqui por reproduzida a resposta constante das contra-alegações da ré Seguradora.
Com efeito, vê-se com clareza que aquilo que os autores pretendem com este pedido de alteração dos factos sobre a iluminação pública existente no local é fazer passar a ideia que no local do atropelamento havia uma boa iluminação que permitia ao condutor do veículo ver o peão a atravessar a rua com muita antecedência, e evitar o embate.
Mas assim não é.
Em primeiro lugar, as testemunhas ouvidas nestes autos não sustentam a tese dos recorrentes. M. C. declarou que lhe apareceu o peão a atravessar da esquerda para a direita, num sítio escuro. Que só há iluminação do lado direito no sentido Amarante - Régua. Que havia um poste de iluminação quase em frente à casa, mas não em frente. Um antes da casa e outro depois da casa. O embate foi a meio destes dois postes. Do lado direito esses dois postes estavam a funcionar. Eles iluminam mais ou menos do lado esquerdo. Do outro lado não. E a luz deles é fraca. Do lado esquerdo há quintais, que estão a uma cota inferior à da estrada, e não têm iluminação. C. G. (GNR) declarou que quanto a iluminação, tem luz pública, mas não sabe onde estão os postes. Remete para a participação, onde está escrito “iluminação insuficiente”. Os postes não estão todos seguidos. Naquela zona a iluminação era pouca. J. N. (GNR - NICAV) declarou que era um local escuro. Só os veículos é que iluminavam aquele local. Havia um poste de iluminação mais à frente, atento o sentido de marcha do veículo. Penso que 10/20 metros mais à frente. Há um rail de protecção metálica do lado esquerdo. Do outro lado não havia qualquer iluminação. Só me lembro de dois postes de iluminação. S. P. (Averiguador de Sinistros) declarou que existe iluminação artificial, mas é insuficiente para o local. E finalmente a Autora declarou que para quem vem de Amarante para a Régua, a via ali fica toda iluminada. No princípio da sua casa há um poste de iluminação e quase no fim há outro. Os postes hoje estão no mesmo sítio, mas mudaram as lâmpadas. A estrada ali é bem iluminada.
Assim, a tese da boa iluminação aparece-nos apenas avançada pela autora, e, manifestamente não nos convence, quando comparada com toda a restante prova, sendo que foi manifesta a parcialidade das declarações da autora, a qual tem um interesse, óbvio e legítimo, no desfecho da acção.
Acresce que as fotografias juntas aos autos e a participação do acidente feita pela GNR não confirmam a existência dos postes de iluminação que os recorrentes pretendem acrescentar ao acervo dos factos provados.
Por outro lado, a existirem tais postes, não foi produzida qualquer prova minimamente sólida sobre o seu bom funcionamento, nem sobre a potência da luz por eles produzida.
Finalmente, não podemos deixar de dizer que esta questão acaba por não ser relevante, atento o depoimento inteiramente credível do militar da GNR J. S.. Este explicou que no próprio dia do acidente, quando foi ao local, colocou-se dentro do carro e um colega colocou-se na via, para simular o acidente; ligou os médios, observou o que era visível à sua frente, e calculou que um condutor normal veria o peão a 32 metros, se estivesse a atravessar. O peão teria muito mais facilidade em ver o carro, que vinha com as luzes ligadas, pelo que o veria a 100/150 metros, se olhasse para a direita.
Esta parte do depoimento deste militar, que exerce funções no núcleo de investigação criminal dos acidentes de viação, supera qualquer descrição do número de postes existentes no local. O número de postes de iluminação no local e a proximidade deles ao local do atropelamento são elementos de prova indiciária, que se destinam a tentar perceber a que distância um condutor normal e diligente se teria apercebido de um peão a atravessar a faixa de rodagem. Mas, felizmente, no caso dos autos, temos a informação pretendida obtida por prova directa, tal como foi transmitido pelo depoimento do militar J. S..
Assim, torna-se irrelevante estar a discutir se havia no local 2, 4 ou 6 postes de iluminação, e se eles davam uma boa luz, ou davam luz fraca, etc.
A prova trazida pelo militar J. S. diz-nos aquilo que queríamos saber, de forma o mais objectiva possível. E não foi contraditado por ninguém, sendo que o Tribunal recorrido valeu-se desse depoimento para dar como provado o facto 20. E bem. Assim, ainda que quiséssemos dar como provado que havia postes de 25 em 25 metros, isso não iria rebater em nada o depoimento de J. S..
Assim, nesta parte, o recurso, além de improceder, é inútil.

2. Seguidamente, os recorrentes insurgem-se contra o ponto 20 dos factos dados como provados: “quando o condutor do veículo começou a descrever a curva, avistou o peão J. P., cujo vulto começava a ser avistável a cerca de 32 metros, em movimento, da hemifaixa de rodagem esquerda da via, para a hemifaixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua”.
É pacífico que este facto provado assenta no depoimento da testemunha J. S., o qual foi inteiramente convincente.
E também aqui nos apetece dar por reproduzido o teor das contra-alegações da ré Seguradora, com total concordância.
Assim, e dando total credibilidade ao depoimento de J. S., apenas se pode discutir quando é que o condutor se apercebeu de que havia alguém a atravessar a faixa de rodagem. M. C., o condutor, declarou que quando viu o peão este estava a 1,5 metros de distância. Ainda pôs o pé no travão, e travou, e guinou para a direita, mas não conseguiu evitar. Ora, não podemos aceitar esta versão dos factos pois naquelas circunstâncias, se o peão só fosse avistado a 1,5 metros de distância, o condutor não teria sequer tempo para reagir, nem travando nem guinando o veículo. Já o militar da GNR J. S. declarou que na altura o condutor lhe disse que avistou o peão a 10/12 metros.
Sem elementos mais seguros quanto a este aspecto, parece-nos que a formulação usada pelo Tribunal no ponto 20 é a mais correcta, e como tal deve manter-se.

3. Quanto ao ponto 29 dos factos provados, o seu teor é este: “Ao deparar-se com o peão, o condutor do veículo desviou-se para a sua direita, não tendo, porém, evitado colher o peão, com a frente esquerda do veículo”.
Os recorrentes afirmam que deveria antes ter resultado provado que “ao deparar-se com o peão a cerca de 1,5 metros, o condutor do veículo desviou-se para a sua direita, ocorrendo logo o embate. Pelo que não evitou colher o peão, com a frente esquerda do veículo”.
Só que, como já vimos, a prova produzida não permite dar-lhes razão.
Assim, também esta parte do recurso improcede.

4. Os recorrentes entendem ainda que o facto provado 42 (J. P. sentiu dores com o impacto e nos breves instantes imediatos”, deve ser alterado para “J. P. sentiu dores com o impacto e nos minutos seguintes”.
Esta alteração é, bem vistas as coisas, meramente impressionista.
Atenta a prova produzida, o que é que este Tribunal pode ter como seguro ?
A testemunha e condutor atropelante M. C. declarou que quando saiu do carro apercebeu-se que a vítima estava deitada no chão, de costas, tinha os olhos abertos e mexia-se, queria falar, mas não se entendia o que ele dizia. A esposa também tentou falar com ele mas ele não falava.
A autora M. M. declarou que o marido estava caído na estrada. Deu-lhe a sensação que ele abriu os olhos, e voltou a fechá-los.
Finalmente, sabemos, pelo depoimento da médica A. R. que quando chegou ao local já a vítima estava em paragem cardio-respiratória. E os bombeiros disseram-lhe que ele já estava parado há 20 minutos, sempre em assistolia.
Daqui, a única coisa que podemos retirar de seguro é justamente aquilo que o Tribunal fez constar como provado. Que J. P. sentiu dores com o impacto e nos breves instantes imediatos. Que sentiu dores é uma conclusão incontornável do facto de ter sistema nervoso central e periférico e ter estado pelo menos com algum grau de consciência após o embate. Já quanto à medição do tempo em que terá sentido dores, não temos elementos para fazer essa quantificação com o mínimo de segurança. Queriam os recorrentes que se fixassem essas dores pelo menos nos minutos seguintes ao impacto. Mas não o sabemos. O malogrado J. P. pode ter perdido a consciência antes de ter decorrido um minuto após o embate.
Assim, a formulação adoptada na sentença recorrida parece-nos equilibrada e prudente, pelo que é de manter.
Improcede assim o recurso dos autores quanto à matéria de facto.

B. Vejamos agora o recurso da ré Y, quanto à matéria de facto.

Impugna ela a matéria de facto que o Tribunal a quo fez inscrever no ponto 42 dos Factos Provados.
Acabámos agora mesmo de analisar o recurso dos autores sobre esse mesmo ponto da matéria de facto. Que improcedeu.
O que a ré pretende, agora, é que a factualidade vertida no ponto 42 seja incluída no elenco dos Factos Não Provados. Ou seja, pretende a ré que não podemos saber se J. P. sentiu dores com o impacto e nos breves instantes imediatos.
Porém, sem qualquer razão.
Já dissemos supra, ao analisar o recurso dos autores, o essencial sobre esta matéria.
Vem agora a ré argumentar que do depoimento prestado pela testemunha M. C. não resulta que o peão manifestasse dor, ou tivesse reagido de tal forma que impusesse concluir que o mesmo estaria a sentir alguma espécie de dor. Afirma ainda que tudo leva a supor que as lesões sofridas pela vítima o terão conduzido de imediato a um estado de inconsciência, ou de semiconsciência, que dificilmente lhe permitiria sentir dor.
Ora bem: aqui não se trata tanto de uma questão de prova da dor, mas sim de uma presunção que decorre do que a ciência médica sabe sobre a dor, para se poder concluir que o peão atropelado sentiu necessariamente dores. Sem sermos médicos neurologistas, podemos, no entanto, recorrer ao que é do conhecimento comum: a dor é um experiência sensorial e emocionalmente desagradável, que decorre de actual ou potencial dano corporal.
Em primeiro lugar, sabemos que mercê da colisão, o corpo do peão J. P. caiu em cima do capot do TB e sua cabeça atingiu a parte inferior do pára-brisas do lado esquerdo do veículo, tendo o mesmo sido projectado, a cerca de 26 metros, vindo a ficar caído junto ao eixo da via. Como consequência directa e adequada do atropelamento (embate, projecção e queda) resultaram para o peão J. P., as seguintes lesões: equimose malar à direita de cerca de 7x2,5 cm, escoriação por abrasão na face antero-lateral do hemitorax direito de limite superior abaixo do sulco mamário e prolongando-se para a parede abdominal de cerca de 52x12 cm, escoriação na face lateral esquerda do abdómen por abrasão de cerca de 10x7 cm, no membro superior direito ferida linear de cerca de 4,5 cm de comprimento, vertical no 1/3 médio do braço, feridas lineares verticais em número de duas na face posterior do cotovelo de cerca de 7 e 2 cm de comprimento, no membro superior esquerdo escoriação por abrasão de cerca de 12x3 cm na face posterior do punho, no membro inferior direito duas feridas arredondadas uma de cerca de 5x2 cm e outra de cerca de 5x3 cm de maiores dimensões na face anterior do joelho, no membro inferior esquerdo, feridas na face anterior da joelho e da perna, no joelho de cerca de 9x3 cm e várias na face anterior na perna, a maior das quais de cerca de 5x2cm da face dorsal do pé e anterior do tornozelo; a nível da cabeça: fractura do rochedo direito e base do esfenóide, meninges hemorrágicas, hemorragia sub-dural mais abundante à direita; a nível da coluna vertebral e medula: factura cominutiva da vertebra C4 com listesis de C4 sobre C5, meninges hemorrágicas, medula com sinais de contusão, sem laceração ao nível da factura de C4.
Dizer que um homem que foi atropelado e sofreu todas estas lesões, as quais lhe vieram a causar a morte, não sentiu dores no momento do impacto é, salvo o devido respeito, desligado da realidade.
E quanto aos instantes após o embate, como já dissemos, a vítima ainda manifestava consciência, pois tentou falar, embora não se percebesse nada do que dizia. E só por isso, podemos também concluir, ou melhor, presumir, que nesses instantes, em que ainda havia consciência, também estava a sentir dores, ainda que pudessem estar (ou não) atenuadas pelo efeito das substâncias ingeridas.
Assim, esta parte do recurso improcede também.

C. Finalmente, a Caixa Geral de Aposentações afirma que, em função da prova produzida, o ponto 63 da matéria provada deverá ser corrigido. Onde se lê “Até Janeiro de 2020” deverá ler-se “Até Dezembro de 2020”. E ainda que em função da prova produzida, designadamente a declaração apresentada em 4 de Outubro de 2021 (ref. citius: 40029764), deve ser acrescentado um novo ponto à matéria de facto – o 68 – com a seguinte redacção: “Até Setembro de 2021, a título de pensão de sobrevivência, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 85.379,53”.
A recorrida afirmou que assiste razão à recorrente, na primeira parte da pretensão, mas já não assiste de todo quanto à segunda parte. Afirma a recorrida, com efeito, que decorre do documento nº 5 junto com o requerimento inicial que até Dezembro de 2020, foi liquidada à autora a quantia global de € 70.214,03, razão pela qual se impõe a rectificação da factualidade vertida neste item dos Factos Provados.
Já quanto à necessidade de inclusão nos Factos Provados de um novo ponto, contendo a indicação de que “até Setembro de 2021, a título de pensão de sobrevivência, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 85.379,53”, tal facto não foi alegado pela apelante nos autos. Por outro lado, a apelante tão pouco requereu a ampliação do pedido inicialmente deduzido, em função de outros pagamentos que tivesse efectuado à autora na pendência da causa. Como tal, deverá esta pretensão da apelante ser julgada improcedente.
Vejamos. De acordo com o documento nº 5 junto ao pedido da CGA, “por despacho proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 2017-11-13, foi atribuída à pensionista n.º 1534641/01, M. M., uma pensão de sobrevivência, nos termos do art. 40º do Decreto-Lei n.º 142/1973, de 31/3, por óbito de J. P., tendo-lhe sido abonado, até à presente data, os montantes ilíquidos, que a seguir se discrimina:
De 2017-09-07 a 2017-12-31 --- € 6 660,23
De 2018-01-01 a 2018-12-31 --- € 21 067,76
De 2019-01-01 a 2019-12-31 --- € 21 149,66
De 2020-01-01 a 2020-12-31 --- € 21 336,38
TOTAL --- € 70 214,03
É incontroverso que assiste razão à recorrente, tendo havido aqui um lapso, que importa corrigir.

Assim, o facto provado nº 63 passa a ter a seguinte redacção:

“63- Até Dezembro de 2020, a esse título, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 70.214,03”.
E deve ser acrescentado um novo facto provado, o 68, com a seguinte redacção: “até Setembro de 2021, a título de pensão de sobrevivência, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 85.379,53” ?
Da consulta dos autos via Citius verifica-se que a recorrente fez juntar em 4.10.2021 um documento que comprova que até Setembro de 2021, a título de pensão de sobrevivência, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 85.379,53”.
Sabemos que o requerimento apresentado pela CGA deu entrada nos autos em 15.1.2021.
E nele a recorrente pediu que a ré Y fosse condenada a pagar-lhe o valor de € 70.214,03, correspondente às pensões de sobrevivência pagas até Janeiro de 2020, bem como o valor de € 1.263,96, correspondente ao subsídio por morte pago, sem prejuízo de no decurso da audiência vir a actualizar o respectivo pedido com o valor das prestações pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os respectivos juros de mora legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Salvo melhor opinião, esta é uma situação a que o art. 611º,1 CPC dá resposta global.

Aí se dispõe:
Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
Como se escreve em anotação a este artigo no CPC anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, “a alegação de factos jurídicos supervenientes está regulada nos artigos 588º e 589º, aí se limitando a apresentação de articulados supervenientes ao encerramento da discussão na audiência final, momento esse que corresponde ao termo das alegações orais dos advogados das partes (art. 604º, nº 3, al. e)). Estabelecendo-se que o conteúdo possível da sentença deve ser definido pelo estado dos autos no momento do encerramento da discussão, trata-se de levar o mais longe possível o intuito de assegurar a actualidade da sentença, no sentido da sua adequação à realidade existente na situação submetida a juízo, sem descurar, contudo, a necessidade de isso ser feito segundo um critério objectivo, previsível e controlável pelas partes (o encerramento da discussão), o que já não ocorreria se o critério fosse o da data da prolação da sentença”.
O caso dos autos encaixa na perfeição em todos os requisitos legais, pois a CGA fez juntar aos autos o documento que comprova a efectivação de mais prestações por morte no decurso da audiência de julgamento e antes sequer do início das alegações orais.
E a solução é do mais elementar bom senso. Não é necessário alterar a causa de pedir, a qual se mantém inalterada. E quanto ao pedido, já vimos que a autora teve o cuidado de, ao formular o mesmo, nele abranger o valor das prestações pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder. Donde, também não há uma alteração do pedido.
Se esta conduta não fosse processualmente admissível, estaríamos perante um absurdo, em que a autora se veria obrigada a instaurar uma nova acção para ser totalmente ressarcida, com base na mesma causa de pedir, e com uma ampliação do pedido inicial, e a ré novamente citada para contestar, sendo que além do absurdo e da perda de tempo de tudo isto ainda temos as maiores reservas sobre se tal acção não cairia no âmbito de aplicação do caso julgado material.
Mas felizmente a lei é clara em permitir esta actualização do objecto do processo, tomando em consideração os factos modificativos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, tal como sucedeu nestes autos, de modo a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Assim, assiste razão à recorrente, devendo ser acrescentado um novo facto provado, o 68, com a seguinte redacção: “até Setembro de 2021, a título de pensão de sobrevivência, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 85.379,53”.

Vamos agora, por uma questão de facilitar a leitura dos factos provados, reproduzir a lista total dos mesmos, com as alterações agora introduzidas.

FACTOS PROVADOS

1- No dia ..-09-2017, pelas 22.45 horas, o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula TB, conduzido por M. C., circulava pela hemifaixa de rodagem direita da E.N. 101, na Avenida ..., ao km 161,3, em ..., no sentido de marcha Amarante - Peso da Régua;
2- Quando atropelou o peão J. P., numa altura em que este atravessava a via, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo, com vista a alcançar a sua habitação, situada desse lado direito da via;
3- Não havendo, no local ou até a 50 metros de distância, passadeira para travessia de peões.
4- A Avenida ... era composta por duas hemifaixas de rodagem, com uma largura total de aproximadamente de 7,30 metros, sendo uma destinada ao sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, com uma largura de 3,55 metros, e outra ao sentido inverso, separadas entre si por duas linhas contínuas paralelas, de cor branca, assinaladas no eixo da via.
5- O local onde ocorreu o atropelamento é uma localidade, marginalizada por algumas habitações.
6- Nesse local, a faixa de rodagem da E.N. 101 desenvolve-se em curva, para a direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua;
7- Estando tal curva assinalada como sendo perigosa.
8- Nesse local, a faixa de rodagem da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, é ladeada, pelo lado direito, por um passeio para peões em cimento e, do lado esquerdo, por uma berma, com 1,35 metros de largura, a qual é seguida de um rail de protecção metálico.
9- No início da curva onde veio a ocorrer o atropelamento, existe um poste de iluminação pública, implantado do lado direito da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, encostado ao muro que ladeia o passeio para peões ali existente.
10- O referido poste de iluminação encontra-se afastado, em número indeterminado de metros, do local onde se deu o embate e emitia luz de fraca intensidade.
11- Do lado esquerdo da faixa de rodagem da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, inexistia, à data dos factos, qualquer tipo de iluminação, tanto na curva onde se deu o acidente, como antes e depois dela;
12- Sendo essa parte da via ladeada por terrenos agrícolas e vegetação, inexistindo habitações ou estabelecimentos comerciais, à face da estrada.
13- O pavimento no local era betuminoso, em regular estado de conservação e, à data, estava limpo e seco e o tempo estava “bom”.
14- O veículo circulava a uma velocidade intermédia entre os 50 km/h e os 70 km/h.
15- Atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua e, antes da curva onde ocorreu o atropelamento, a E.N. 101 desenvolve-se em recta, com o comprimento superior a 80 metros e, havendo, a meio da mesma, um viaduto.
16- A cerca de 198,40 metros antes do local do embate, existia um entroncamento.
17- A recta que antecede o local do embate era dotada de postes de iluminação pública, do lado direito.
18- Na altura em que se deu o acidente, era já noite escura.
19- O veículo circulava com os faróis dianteiros acesos, na posição de médios.
20- Quando o condutor do veículo começou a descrever a curva, avistou o peão J. P., cujo vulto começava a ser avistável a cerca de 32 metros, em movimento, da hemifaixa de rodagem esquerda da via, para a hemifaixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua;
21- Que trajava camisa azul-clara e calças de ganga azuis;
22- E que havia dado início à travessia da E.N. 101, da esquerda para a direita, atento o indicado sentido de marcha, em plena curva e, não obstante a aproximação do veículo;
23- A partir de um local em que, a E.N. 101 é ladeada, pelo lado esquerdo, atento o sentido de marcha Amarante / Peso da Régua por um rail de protecção metálico;
24- E, mesmo com o veículo a 10/15 metros de distância, prosseguiu a sua marcha, em passo apressado, com o objectivo de alcançar o passeio existente do outro lado da via;
25- Sem que tivesse parado antes do eixo da via ou no eixo da via, por forma a deixar passar o veículo pela sua hemifaixa de rodagem, tendo atravessado na frente do veículo, quando este ia a passar.
26- O peão, ou não atentou na aproximação do veículo ou não avaliou correctamente a distância a que este se encontrava, colocando-se em rota de colisão com o mesmo.
27- Olhando para o lado de Amarante, antes de iniciar a travessia da E.N. 101, o peão poderia avistar o veículo, a circular pela hemifaixa de rodagem direita da via, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, a uma distância superior a 100 metros.
28- Na altura em que ocorreu o sinistro, o peão apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l +/- 0,22g/l e benzodiazepinas (Lorazepan) em dose terapêutica.
29- Ao deparar-se com o peão, o condutor do veículo desviou-se para a sua direita, não tendo, porém, evitado colher o peão, com a frente esquerda do veículo;
30- Sem que tivesse travado antes de colher o peão.
31- O embate ocorreu na hemifaixa de rodagem direita da E.N. 101, atento o sentido de marcha Amarante / Peso da Régua, a cerca de 1,10 metros do eixo da via.
32- Mercê da colisão, o corpo do peão J. P. caiu em cima do capot do TB e sua cabeça atingiu a parte inferior do pára-brisas do lado esquerdo do veículo, tendo o mesmo sido projectado, a cerca de 26 metros, vindo a ficar caído junto ao eixo da via.
33- Após o embate e fruto da manobra de desvio/recurso efectuada pelo condutor do veículo, o TB acabou por subir com o respectivo rodado dianteiro direito o passeio que ladeia a E.N. 101, pelo lado direito, atento o indicado sentido de marcha, onde ficou imobilizado, a cerca 20 metros do local de embate.
34- Mediante contrato de seguro titulado pela apólice n º ..........25, a proprietária do veículo com a matrícula TB, a PB. & CA, LDA., havia transferido a responsabilidade civil decorrente do da circulação do veículo, para a R.
35- Como consequência directa e adequada do atropelamento (embate, projecção e queda) resultaram para o peão J. P., as seguintes lesões: equimose malar à direita de cerca de 7x2,5 cm, escoriação por abrasão na face antero-lateral do hemitorax direito de limnite superior abaixo do sulco mamário e prolongando-se para a parede abdominal de cerca de 52x12 cm, escoriação na face lateral esquerda do abdómen por abrasão de cerca de 10x7 cm, no membro superior direito ferida linear de cerca de 4,5 cm de comprimento, vertical no 1/3 médio do braço, feridas lineares verticais em número de duas na face posterior do cotovelo de cerca de 7 e 2 cm de comprimento, no membro superior esquerdo escoriação por abrasão de cerca de 12x3 cm na face posterior do punho, no membro inferior direito duas feridas arredondadas uma de cerca de 5x2 cm e outra de cerca de 5x3 cm de maiores dimensões na face anterior do joelho, no membro inferior esquerdo, feridas na face anterior da joelho e da perna, no joelho de cerca de 9x3 cm e várias na face anterior na perna, a maior das quais de cerca de 5x2cm da face dorsal do pé e anterior do tornozelo; a nível da cabeça: fractura do rochedo direito e base do esfenóide, meninges hemorrágicas, hemorragia sub-dural mais abundante à direita; a nível da coluna vertebral e medula: factura cominutiva da vertebra C4 com listesis de C4 sobre C5, meninges hemorrágicas, medula com sinais de contusão, sem laceração ao nível da factura de C4.
36- Tais lesões foram a causa directa e necessária da sua morte, que veio a ocorrer.
37- J. P. estava casado com a 1ª A. M. M., desde 1971.
38- J. P. era pai dos 2º e 3º A.A. - C. M. e L. M.-;
39- Sendo aqueles os seus únicos e universais herdeiros.
40- J. P. nasceu em ..-09-1948.
41- J. P. tinha sofrido um AVC, ficando com sequelas na fala.
42- J. P. sentiu dores com o impacto e nos breves instantes imediatos.
43- As A.A. M. M. e C. M., que residiam com o sinistrado, acorreram de imediato ao local do embate.
44- Confrontaram-se com o choque de ver o seu marido e pai caído e inanimado, numa poça de sangue, no meio da estrada.
45- Porque residiam, e residem, em frente ao local onde ocorreu o sinistro, as A.A., todos os dias revivem a imagem de ver o seu marido e pai morto no meio da estrada.
46- As A.A. têm sofrido um grande desgosto, que não têm conseguido ultrapassar, com a morte do seu marido e pai.
47- A A. C. M., recusou-se a festejar o primeiro Natal sem o pai, tendo-se isolado no seu quarto, de onde não saiu.
48- Tinha uma relação muito próxima com o pai, com quem partilhava uma grande cumplicidade.
49- Um ano antes da morte do pai, foi-lhe diagnosticada a doença de Crohn e síndrome do colon irritado, o que a afectava, e afecta, na sua vida diária;
50- Tendo passado, então, a residir com os pais, para que lhe prestassem o apoio que necessitava/necessita.
51- Era o seu pai que se deslocava consigo às consultas médicas.
52- Após a morte do pai, viu agravada a depressão de que já padecia e que ainda hoje não conseguiu ultrapassar.
53- Após a morte do seu pai, a doença de colon irritável, de que já padecia, piorou, chegando a impossibilitá-la de sair de casa durante vários dias.
54- Actualmente, as A.A. residem sozinhas.
55- Sendo a mãe, que presta à filha, a grande maioria dos cuidados de que necessita.
56- A A. M. M., muitas vezes, sente-se deprimida, tendo já pedido apoio psicológico, por se sentir sem vontade de viver.
57- O A., no dia do acidente, também acorreu ao local onde o mesmo ocorrera.
58- O A. é casado e vive de forma autónoma dos pais, tendo o seu próprio agregado familiar.
59- A morte do pai também o afectou, e afecta, psicologicamente, tendo-se sentido triste.
60- Passou a sentir-se responsável por apoiar a mãe, muitas vezes em substituição do pai.
61- À data da sua morte, J. P. encontrava-se reformado, auferindo, mensalmente, uma reforma, paga pela Caixa Geral de Aposentações, de que era beneficiário, no valor bruto de € 2.987,75 e líquido de € 2.136,56.
62- Por óbito do seu marido, a CGA atribuiu à A. M. M., uma pensão de sobrevivência, no valor mensal líquido inicial de € 1.016,47.
63- Até Dezembro de 2020, a esse título, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 70.214,03.
64- A CGA também atribuiu à A. M. M., um subsídio por morte do marido, no montante de € 1.263,96.
65- A CGA iniciou o pagamento das prestações mensais da pensão de sobrevivência à A. M. M., em 31-11-2017 ou em data anterior a 15-01-2018.
66- As pensões pagas à autora até 31-12-2017 ascendem à quantia total de €6.660,23.
67- O subsídio por morte do marido, foi pago à A. em 05-01-2018.
68- Até Setembro de 2021, a título de pensão de sobrevivência, a CGA pagou à A. M. M. o montante de € 85.379,53”.

Aplicação do Direito

A. Recurso dos autores

Afirmam os autores que não concordam que a indemnização que lhes foi atribuída seja reduzida em 70% correspondendo apenas a 30%. Mas a argumentação que apresentam não assenta nos factos provados, antes vai acolher-se quase em exclusivo ao depoimento da testemunha J. S., Militar da GNR-NICAV. Ora, já não estamos na fase de analisar os depoimentos, mas sim de aplicar o direito aos factos provados.
Não obstante, sempre diremos que acompanhamos na íntegra o raciocínio exposto na sentença recorrida.

Vejamos porquê.
Está em causa determinar a culpa neste acidente.
A sentença recorrida enquadrou naturalmente a pretensão dos autores no instituto da responsabilidade civil extracontratual, emergente da prática de facto ilícito, regulamentado, nomeadamente, no art. 483º, do C.C.
Começou por afirmar que os autores estavam onerados com a prova da culpa do lesante, já que, no caso dos autos, sobre a condutor do veículo não impendia nenhuma presunção de culpa. O que é inteiramente correcto.
De seguida conclui que da matéria de facto provada decorre que o condutor do veículo violou o disposto nos arts. 24º,1, 25º,1,c,l e 27º do Código da Estrada, isto porque conduzindo numa localidade onde havia casas nas margens da via, e sendo a curva em causa assinalada como sendo perigosa, impunha-se àquele que, circulasse com velocidade especialmente moderada, precisamente por, nomeadamente, haver um risco elevado/acrescido de poder deparar-se com um peão a atravessar a via e a necessidade de evitar o seu atropelamento (o que é facilitado por uma velocidade especialmente moderada, uma vez que permite uma mais rápida imobilização do veículo). Porém, o condutor não circulava com velocidade especialmente moderada, antes, circulava a uma velocidade intermédia entre os 50 km/h e os 70 km/h, desde logo superior ao limite máximo de velocidade abstractamente permitido para o local, 50 km/h. E o condutor só avistou o peão quando já estava “junto” dele, apesar de se ter provado que, pese embora houvesse pouca visibilidade no local, o vulto do peão começava a ser avistável a cerca de 32 metros de distância. Daí conclui a sentença recorrida que o condutor não vinha com toda a atenção devida à via, contrariamente ao que poderia e deveria ter feito.
Também é conclusão que só podemos secundar.
E assim, a sentença recorrida deu como assente uma actuação culposa do condutor do veículo automóvel, causal do acidente.
Mas de seguida foi igualmente, atento o disposto no art. 572º do CC, averiguar da existência de culpa do peão.

E aqui também só podemos concordar com a sentença, quando afirma que:
J. P. também violou preceitos estradais, mais concretamente, o disposto nos arts. 99º, n 2, a) e 101º, n º 1, do Código da Estrada. E tais normas também pretendem evitar eventos como o ocorrido e suas consequências. Não fosse a violação dos mencionados preceitos por parte do peão e o acidente não teria certamente ocorrido. E assim sendo, também a conduta de J. P. foi culposa e causal do acidente. Havendo concurso de culpas do lesante e do lesado, há que aplicar o disposto no art. 570º, do C.C., cabendo assim ao tribunal determinar, com base na gravidade dessas culpas e das consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída. Afigura-se-nos que, a culpa do peão é superior, ou mais grave, do que a culpa do condutor do veículo.
Como, desde logo, se diz no relatório elaborado pelo NICAV (fls. 170 verso do processo-crime), a causa principal do acidente deveu-se ao facto de o peão efectuar o atravessamento da faixa de rodagem sem se ter certificado que o poderia efectuar em segurança.
O peão podia ter facilmente avistado, a mais de 100 metros, o veículo que vinha na direcção de onde se propunha atravessar a via.
Podia e devia ter colocado a hipótese (face à distância a que ele viria quando iniciou a travessia) de não ter tempo suficiente para atravessar a via em segurança e, assim sendo, podia e devia ter esperado alguns segundos, deixar passar o veículo e, depois atravessar a via em segurança.
Mais assim lhe era imposto, pelo facto de ser de noite e o local onde fazia a travessia da via ter uma iluminação muito deficiente, especialmente do lado onde a ia iniciar (sendo previsível que o condutor pudesse não o ver senão quando já estivesse muito próximo de si), ser uma curva e ter iniciado a travessia vindo de uma berma separada da via por um rail de protecção metálica (e o condutor pudesse não contar com a realização de uma travessia da via naquele local).
Mas mesmo tendo iniciado a travessia da via, se minimamente cuidadoso tivesse sido, durante o início da travessia da hemifaixa de rodagem onde a iniciou, ter-se-ia apercebido da grande aproximação do veículo e de que já não tinha tempo para atravessar a seguinte hemifaixa, antes da chegada do veículo e que, se ainda assim persistisse em continuar a travessia, se colocaria em perigo.
E, nesse circunstancialismo, se medianamente diligente tivesse sido, teria interrompido a travessia antes de atingir o eixo da via, deixando livre a hemifaixa de rodagem onde o veículo circulava e assim teria evitado o sinistro.
Afigura-se-nos que a conduta do peão foi temerária (colocou-se em rota de colisão com o veículo), e que, muito provavelmente, por tão temerária que foi, se terá devido à sua incapacidade para tudo avaliar, muito provavelmente provocada pela TAS que tinha, associada às benzodiazepinas.
Foi a actuação gravemente culposa do peão que, essencialmente deu causa ao acidente e suas consequências.
A culpa do condutor e consequências dela decorrentes, parecem-nos bem menos gravosas que as do peão, pois, por um lado, a) circularia a uma velocidade que se situaria muito pouco acima do limite do máximo legalmente permitido (poderia circular a apenas 51 km/h); por outro lado, b) a visibilidade no local era muito deficiente, especialmente do lado onde o peão iniciou a travessia - tendo sido este factor que foi decisivo para a ocorrência do sinistro -tendo dificultado extremamente a possibilidade de o condutor avistar atempadamente o peão e poder reagir atempadamente à sua presença na via (como disse a A., nas suas declarações de parte, logo após o acidente, o condutor disse-lhe que, nem tinha visto o peão e, atente-se na fotografia n º 2, de fls. 155, tirada a 35 metros do local de embate e da qual decorre quase não se conseguir ou não se conseguir mesmo vislumbrar qualquer vulto); e a travessia do peão foi iniciada em local onde é pouco previsível aos condutores que se possa iniciar (berma marginalizada por rail metálico de protecção) e em local com muito deficiente iluminação.
Atento o exposto, entendemos que, a indemnização que seja de atribuir aos A.A., deve ser reduzida em 70%, correspondendo apenas a 30%”.
Como dissemos, esta decisão, assim fundamentada, não merece censura.
E para explicar porquê, vejamos umas noções básicas que nos ajudam a descortinar a culpa nos acidentes de viação.
Um acidente de viação é um embate de dois objectos, que se deslocavam no espaço-tempo, e cujas trajectórias se cruzaram a determinado momento. Isto, claro, de um ponto de vista puramente físico/naturalístico. Deste ponto de vista não faz sequer sentido falar-se em culpa.

Então, o que significa perguntar de quem foi a culpa no acidente ?
Significa, numa primeira abordagem, perguntar qual dos intervenientes é que, pela sua conduta, que poderia ter sido evitada, deu origem ao mesmo. Mas assim, considerando e assumindo que os dois intervenientes actuaram de forma livre e consciente, voluntariamente dirigindo-se para o ponto de intercepção, não ficamos mais esclarecidos.
Falar em culpa implica falar em violação de regras de conduta.
A condução de veículos motorizados é uma actividade intrinsecamente perigosa, devido à proximidade a que todos os veículos circulam uns dos outros, e à velocidade que eles são capazes de atingir, e finalmente à inércia, que impede que um veículo em movimento pare instantaneamente.
Sendo a actividade em causa a condução de veículos e a circulação de peões, a forma encontrada para obstar a esse perigo permanente foi a definição de um conjunto de regras de conduta e de cautela a que todos os condutores e peões devem obedecer (o Código da Estrada). Logo, em abstracto podemos dizer que um condutor ou um peão que respeite todas as regras estradais, sejam as normas específicas seja o dever geral de cuidado, jamais pode ser visto como culpado de um acidente. Pelo contrário, o culpado de um acidente de viação será sempre aquele condutor que imediatamente antes do mesmo violou uma ou mais regras estradais ou o dever geral de cuidado.
E, como a realidade é sempre mais rica que as previsões normativas que sobre ela possam ser feitas, existem com frequência situações em que os dois intervenientes violaram imediatamente antes do acidente normas estradais. E nesses casos estaremos perante culpas repartidas. Que levantam o problema da quantificação das culpas. Mais: situações podem ocorrer em que houve da parte dos dois condutores violações das regras do código da estrada, mas umas foram causais do acidente e outras não. Imagine-se um condutor que circula numa recta a 200 Km/h e quando se cruza com outro condutor que circula a 90 Km/h, este guina para a sua esquerda, sem qualquer razão, galgando o risco contínuo, invadindo a faixa de rodagem do outro condutor e embatendo de frente com este. Aqui, a culpa na ocorrência do acidente é exclusiva do condutor que seguia a 90 Km/h, embora já o mesmo não se possa dizer quanto à extensão dos danos.
Aplicando estas noções básicas aos factos provados, o que é que se pode e deve concluir ?
Já sabemos que o veículo automóvel, conduzido por M. C., atropelou o peão J. P. quando este atravessava a via, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo, com vista a alcançar a sua habitação, situada desse lado direito da via.
O local do atropelamento é uma curva para a direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua, estando tal curva assinalada como sendo perigosa.
O veículo circulava a uma “velocidade intermédia entre os 50 km/h e os 70 km/h”. O que significa, para todos os efeitos, 60Km/h.
Na altura em que se deu o acidente era já noite escura, e o veículo circulava com os faróis dianteiros acesos, na posição de médios.
No local do embate a iluminação pública era muito deficiente, como resulta da matéria de facto provada.
Quando o condutor do veículo começou a descrever a curva, avistou o peão J. P., cujo vulto começava a ser avistável a cerca de 32 metros, em movimento, da hemifaixa de rodagem esquerda da via, para a hemifaixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Amarante - Peso da Régua.
Da perspectiva do peão, este havia dado início à travessia da E.N. 101, da esquerda para a direita, atento o indicado sentido de marcha, em plena curva e, não obstante a aproximação do veículo, o qual ele poderia ter visto a uma distância superior a 100 metros.
Aqui já podemos constatar que há uma grande diferença entre a postura do condutor e do peão. É que, enquanto o condutor ia a descrever uma curva num local mal iluminado, e onde não era expectável que um peão se lhe atravessasse à frente, sendo certo que o peão não emite ruído nem luz, já do ponto de vista do peão, a aproximação de um veículo automóvel era mais que notória, não só pela luz que o mesmo emitia como pelo som que o seu motor também emitia (sendo que não era um carro eléctrico, os quais, como é do conhecimento geral, não emitem ruído, a não ser o das rodas no pavimento).
Dizendo de outra forma: é compreensível, à luz das regras da experiência, que o condutor só tenha visto o peão demasiado tarde, ao ponto de não ter conseguido evitar embater-lhe. Até podemos dizer mais: para um condutor médio, colocado no lugar deste condutor, a última coisa que seria expectável era que um peão, apesar da luz e do motor do carro, se fosse atravessar-lhe à frente.
Já o inverso não é verdadeiro. Não é de todo compreensível a postura do peão, que não pode ter deixado de ver as luzes de um automóvel aproximar-se a grande distância, e de ter ouvido o motor do mesmo, o que, de noite e num sítio sossegado como aquele é um ruído bastante significativo, e ainda por cima, atento o efeito “Doppler”, indicativo de uma aproximação da fonte do som, e mesmo assim avançou com a travessia, indo colocar-se exactamente na frente do automóvel. Como se afirma na sentença, tal só pode entender-se atento o teor de álcool que tinha ingerido, conjugado com a medicação também supra referida.
Aquele veículo, àquela velocidade, que apesar de ser superior ao limite máximo permitido, não era uma velocidade que possamos considerar claramente exagerada para o local, e que se deslocava na sua mão de trânsito, não teria causado qualquer acidente, não fora o facto de um peão se ter atravessado à sua frente, de noite, num sítio mal iluminado.
É que situação não é simétrica, como já referimos. Para o condutor o peão era muito pouco visível ou expectável, mas para o peão era intensamente evidente a aproximação do veículo automóvel.
Pensamos, pois, que foi a conduta do peão, temerária, de atravessar no exacto momento em que sabia que se aproximava um automóvel, audível e visível, que deu causa ao atropelamento. E esta conduta do peão é tão anómala que só se torna compreensível quando verificamos que o mesmo apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l +/- 0,22g/l e benzodiazepinas (Lorazepan) em dose terapêutica. Para ter uma ideia da influência que 1,72 g/l de álcool no sangue afectam os sentidos e o discernimento de uma pessoa, basta recordar que conduzir automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l é considerado crime (art. 292º,1 CP).
E a parcela da culpa a atribuir ao condutor emerge apenas da velocidade a que seguia, ligeiramente superior àquela que era em abstracto permitida no local, e ao facto de, apesar de ser possível ter avistado o peão a 32 metros de distância, apenas o avistou quando já estava muito mais próximo dele, o que só pode ser levado a título de distracção.
Se quisermos resumir tudo isto numa só frase, diremos que o peão foi responsável pelo acidente, e o condutor foi responsável apenas por não ter adoptado a conduta que lhe permitiria, talvez, evitar o embate ou minorar os danos.
Assim, consideramos que a distribuição de culpas feita na sentença recorrida é razoável, e merece ser confirmada.
Os recorrentes, depois de citar por várias vezes o processo penal onde este acidente foi também analisado, querem fazer crer que “o atropelamento do peão se deveu à forma descuidada, imprudente e contraordenacional do condutor do veículo, por ter omitido as cautelas que o dever geral de cuidado aconselha, bem como as regras especiais de uma segura condução estradal, que podia e devia ter adoptado e que seriam idóneas a evitar a produção de tal acidente, mormente ter moderado a velocidade do seu veículo, designadamente para a velocidade horária não superior a 50km/h, ter efectuado a aproximação ao peão nas condições desaconselháveis em que o fez, não ter accionado os travões, não ter feito sinais de luzes, em suma, não ter efectuado qualquer manobra a fim de o evitar”.
Porém, omitiram que tal processo penal terminou com a decisão de absolver o arguido M. C. do crime de homicídio por negligência por que vinha pronunciado, decisão confirmada por este Tribunal da Relação.
Em conclusão, confirma-se a fixação da repartição de culpas em 30% para o condutor e 70% para o peão.

Afirmam ainda os recorrentes que “no que se refere à perda da vida do peão o Tribunal a quo decidiu fixar no valor de € 60.000,00, sendo que eles entendem que o valor mais justo e mais conforme o que a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a fixar é o valor pelos mesmos peticionado na sua petição inicial, 65.000,00 €, atenta a idade da vítima, quase a completar 69 anos e não ter problemas de saúde graves.
E quanto ao valor da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima no acidente em discussão nos presentes autos, o Tribunal na sentença recorrida entendeu provado o dano e fixou o valor do mesmo em € 5.000,00, mas os recorrentes entendem que é demasiado diminuto, pretendendo a fixação do mesmo em valor não inferior a € 10.000,00.
E ainda, no que concerne à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, enquanto Esposa e Filhos da vítima, entendem que os mesmos estão abaixo do que deveria ser atribuído. A sentença fixou a quantia de € 24.000,00 à Esposa e Filha da mesma e o valor de € 18.000,00 para o Filho, atendendo a que este com a mesma já não residia encontrando-se autonomizado. Mas os recorrentes entendem que para a esposa e filha do falecido não pode ser fixado um valor inferior a € 35.000,00 para cada uma, e ao filho um valor nunca inferior a € 25.000,00.

A sentença recorrida, em síntese, ponderou o seguinte:

a) quanto à perda do direito à vida, a jurisprudência tem oscilado entre os € 50.000,00 e os € 80.000,00, com ligeiras oscilações para menos ou para mais, como se constata da análise das decisões jurisprudenciais nesta matéria e como se diz expressamente, nomeadamente nos Ac. do STJ de 31-01-2012, 31-05-2012 e 18-06-2015, em www.dgsi.pt, embora alguns dos arestos mais recentes tenham atingido o valor de € 100.000,00. E, tendo por referência os referidos valores e, mais em concreto, o valor fixado no Ac. do STJ de 24-09-2020, na dgsi, para uma vítima mortal de 75 anos, no valor de € 54.000,00 e, o valor fixado no Ac. da RG de 30-09-2021, na dgsi, para uma vítima de 65 anos, no valor de € 65.000,00; no concreto caso dos autos, atendendo aos factos provados, essencialmente aos 68 (faltavam-lhe poucos dias para perfazer 69) anos de idade da vítima, entendemos por adequado, face aos montantes habitualmente fixados na jurisprudência, fixar a título de indemnização pela perda ou violação do direito à vida de J. P., a quantia de € 60.000,00.
A recorrida contra-alega, dizendo que na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem sendo fixado com frequência o montante de entre €50.000,00 a €60.000,00 como indemnização pela perda do direito à vida, dando em seguida vários exemplos concretos. E acrescenta que, no caso dos autos, para efeitos da fixação desta concreta indemnização, não pode deixar de se atender ainda a que resultou demonstrado que o falecido J. P., na altura do acidente, apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l + 0,22g/l de benzodiazepinas em dose terapêutica. Por se encontrar alcoolizado e a transitar na via pública, o falecido J. P. colocou-se voluntariamente em situação de maior risco, já que, como é sabido – os estudos científicos assim o indicam – a referida taxa aumenta substancialmente o risco de acidentes. Ora, quando se trata de indemnizar o bem “vida”, não pode naturalmente deixar de se atender a todos os sinais existentes nos autos que possam indiciar os cuidados, ou a ausência deles, que as vítimas emprestavam à sua própria vida.
Assim, a recorrida defende que o montante indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo aos recorridos é adequado ao ressarcimento do dano referente à perda do direito à vida do falecido J. P..
Que dizer ?
Primeiro, não estamos perante situação na qual se possa dizer que este valor está certo, e aquele está errado.
É uma questão de ponderação do caso concreto, e dos critérios seguidos na jurisprudência.
Importa pois ver que valores têm vindo a ser aceites pelo STJ.
De acordo com o Acórdão do STJ de 22/02/2018 (Manuel Braz -Relator), “a vida é o bem mais precioso, sendo que, na procura do valor da compensação devida pela mesma não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, etc. No caso, a vítima era um jovem de 25 ano de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, sendo piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira. Tendo em vista a necessidade de uniformização de critérios, que é uma decorrência do princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se como referência o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos comparáveis. O STJ vem atribuindo indemnizações pela perda do direito à vida que, na maioria dos casos, oscilam entre 50.000,00€ e 100.000,00€. Pelo que, tudo ponderado, considera-se adequado o valor de 120.000,00€.
Ou, como decidido pelo Acórdão do STJ de 3 de Novembro de 2016 (António Piçarra - Relator), “a reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100 000,00. Ponderadas a idade da vítima (52 anos) e as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de €60 000,00, a título de dano morte. Essa indemnização é atribuída, em bloco, às pessoas a quem cabe, nos termos do art.º 496º, n.º 2, do Cód. Civil, e repartida entre elas, mesmo que relativamente a alguma destas haja que operar redução, nos termos do art.º 570º, n.º 1, do Cód. Civil”.
Ou, num caso em que o falecido tinha 33 anos, era uma pessoa saudável, exercia funções como militar, e veio a falecer em consequência das lesões e sequelas que sofreu em acidente de viação, para o qual em nada contribuiu, e que antes é de imputar à negligência grosseira do condutor do veículo seguro, entendeu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019 (Oliveira Abreu - Relator), fixar em €80.000,00 a compensação da perda do direito à vida.
Acrescentem-se aqui igualmente os acórdãos mencionados na decisão recorrida.
Ou seja, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sedimentar valores da indemnização pela perda da vida que não são fixos, antes variam na proporção inversa da idade do falecido. E, diga-se, bem se compreende que assim seja.
Sem pretensões de entrar no ramo da análise filosófica sobre o conceito de vida, e mais concretamente, da vida humana, podemos partir do postulado de que toda e qualquer vida humana tem a mesma dignidade e o mesmo valor, de um ponto de vista ético ou moral. A essa luz, poder-se-ia defender que o valor a atribuir a título de indemnização pela perda da vida deveria ser sempre o mesmo independentemente da idade do falecido. Porém, compreende-se que os Tribunais tenham enveredado por outro caminho. Quando se fala em indemnização, está-se a falar de uma forma de ressarcimento por um dano concreto sofrido. À primeira vista esse dano é a perda da vida. Mas podemos olhar para a situação de outro prisma, mais concreto. A vida, temos de o reconhecer, é um bem temporário, que apenas vai durar um determinado período de tempo. Nenhuma vida humana é eterna. Donde, quando alguém morre podemos considerar que, verdadeiramente o que aquela pessoa perdeu não foi a vida, foi tempo de vida. A vida, iria sempre perdê-la. E assim, para a abordagem judicial da questão, que tem de atribuir um valor a título de indemnização, e partindo de um valor de esperança de vida média, é possível entender que quanto mais nova era a pessoa falecida, maior foi o dano sofrido, em termos de tempo de vida perdido, ergo maior deve ser a indemnização. E inversamente, quanto mais idosa era, menor foi o dano e menor deverá ser o valor a ressarcir.
Daqui retiramos, conjugados com os vários casos retirados da Jurisprudência citada, a que poderíamos acrescentar muitas outras decisões, que, considerando a idade do falecido (69 anos), a decisão recorrida não merece censura.

b) quanto ao dano não patrimonial sofrido pelo falecido antes de morrer: naturalmente que os recorrentes pretendem um valor superior ao fixado pela sentença, manifestando uma maior sensibilidade.
A verdade, porém, é que é muito difícil encontrar aqui pontos concretos e sólidos nos quais se possa ancorar um raciocínio de concordância ou de discordância com a decisão. Não obstante isso, considerando que, tal como se provou, o período em que o peão ainda esteve minimamente consciente após o embate se resumiu a “instantes”, e que os seus sentidos estavam claramente atenuados ou embotados pelo álcool e medicação ingeridos, não vemos razão para alterar o valor fixado pela sentença recorrida.

c) Danos não patrimoniais sofridos pelos apelantes: aqui, recordemos, a sentença fixou a quantia de € 24.000,00 à esposa e filha da vítima e o valor de € 18.000,00 para o filho, atendendo a que este com a mesma já não residia encontrando-se autonomizado. Os recorrentes entendem que para a esposa e filha do falecido não pode ser fixado um valor inferior a € 35.000,00 para cada uma, e ao filho um valor nunca inferior a € 25.000,00.

Quid iuris ?
A recorrida, como também era previsível, crê que os valores indemnizatórios defendidos pelos apelantes no seu recurso pecam por excesso, apesar de nunca pôr minimamente em causa o sofrimento e a dor que a morte do malogrado J. P. representa e provoca nos apelantes. E defende a confirmação da decisão.

Vejamos a ponderação que é feita na sentença recorrida.
Os A.A. pedem também uma indemnização, no valor de € 60.000,00 para cada um (esposa e dois filhos), pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com a morte de seu marido e pai. Como decorre do disposto no art. 496º, n º 3, 2ª parte, do C.C., no caso de morte, podem ser atendidos os danos não patrimoniais sofridos pela pessoa com direito a indemnização nos termos do n º 2, do citado preceito. Assim, no caso dos autos, faleceu J. P.. Os A.A., esposa e filhos da vítima, pessoas que se enquadram nas mencionadas no art. 496º, n º 2, do C.C., sofreram danos não patrimoniais em decorrência da morte de seu marido e pai. Assim sendo, assiste-lhes o direito a serem indemnizados por tais danos não patrimoniais, que eles mesmos sofreram, conforme decorre do art. 496º, n º 3, 2ª parte, do C.C. Importa agora avançar para a fixação do quantum indemnizatório de tais danos. Da análise da jurisprudência de há alguns anos do STJ, parece-nos que, maioritariamente e normalmente, o dano sofrido pela perda de um dos progenitores tem vindo a ser compensado com quantias que rondam os € 20.000,00, sendo o que expressamente também se consignou no Ac. da RL de 21-06-2011, em www.dgsi.pt, onde se referem várias decisões do STJ em que se fixara tal valor indemnizatório, também fixado, a título de exemplo, nos Ac. do STJ de 18-11-2008, 31-05-2011 e 10-07-2012, em jurisprudência temática do STJ, no site do STJ.
Porém, em casos específicos, designadamente em circunstâncias de maior sofrimento, vêm-se fixando valores que oscilam habitualmente entre os € 25.000,00 e os € 30.000,00, como aconteceu, a título de exemplo, nos Acs. do STJ de 12-07-2011 e 30-10-2012, em jurisprudência temática do STJ, no site do STJ.
O Ac. do STJ de 21-03-2019, na dgsi, dá conta de que, como compensação pelos sofrimentos próprios dos familiares devidos à morte da vítima directa, a jurisprudência do STJ tem fixado valores que têm variado, em razão das especificidades do caso, entre € 7.500,00 e € 30.000,00, havendo, porém, decisões que fixaram valores mais elevados, devido a uma especial situação de fragilidade dos filhos em causa.
Importa, agora, atentar nos valores indemnizatórios fixados em acórdãos mais recentes.
No Ac. do STJ de 25-02-2021, na dgsi, onde estava em causa uma vítima com 53 anos, fixou-se, pelos sofrimentos tidos pelo filho da vítima e pela pessoa com quem a mesma vivia em união de facto, uma indemnização de € 35.000,00 para cada um; no Ac. do STJ de 21-03-2019, na dgsi, onde, estando em causa uma vítima de 55 anos, se fixou pelo sofrimento tido pelos filhos, o montante de € 30.000,00; no Ac. da RG de 30-09-2021, na dgsi, em que a vítima tinha 65 anos, fixou-se o valor indemnizatório aos filhos em € 25.000,00; no Ac. da RG de 29-06-2021, na dgsi, onde, para uma vítima de 46 anos, se fixou ao marido, uma indemnização de € 30.000,00 e a cada um dos filhos maiores, o montante de € 20.000,00; no Ac. da RG de 13-04-2021, na dgsi, em que a vítima tinha 59 anos, fixou-se o valor indemnizatório ao filho de 21 anos de idade que com ela vivia, no montante de € 20.000,00; o Ac. da RG de 25-06-2020 que, relativamente a uma vítima de 77 anos, fixou aos filhos uma indemnização de € 15.000,00; o Ac. da RG de 16-06-2019, na dgsi, relativamente a vítima de 53 anos, fixou ao seu marido o valor indemnizatório de € 35.000,00.
Na fixação do quantum indemnizatório, a este título, afigura-se-nos relevar essencialmente a intensidade do sofrimento tido pela esposa e filhos da vítima (relacionado, em grande parte, com a maior ou menor proximidade pessoal da vítima com a esposa e cada um dos filhos), devendo fixar-se um valor indemnizatório tanto mais alto quanto mais elevado for o sofrimento causado pela morte, relevando também, subsidiariamente, para o efeito, a idade da vítima (sendo natural que, em termos de normalidade, a morte de uma pessoa mais jovem possa causar mais sofrimento do que a morte de uma pessoa já próxima do limite da esperança média de vida). Tendo em conta os valores supra referidos e a idade da vítima (68, quase 69 anos, portanto, já relativamente próximo do limiar de anos médios de vida), assim como, por um lado, o estreito relacionamento existente entre o falecido e a sua esposa e a filha, que viviam na mesma casa, e essencialmente o elevado sofrimento destas com a morte do marido e pai e, por outro lado, o facto de o filho da vítima já haver constituído a sua própria família, não viver com o pai, e de haver muito poucos elementos alegados/provados quanto à estreiteza da relação existente entre pai e filho e quanto ao grau de sofrimento tido por este (a este respeito, os factos provados apontam para graus de sofrimento diferentes entre as A.A., por um lado e o A., por outro lado, o que terá de reflectir-se no quantum indemnizatório), temos por adequado fixar, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelas A.A., a quantia de € 24.000,00 para cada uma (entendemos não haver que diferenciar entre elas, porque não logramos saber se alguma delas terá sofrido mais do que a outra) e a quantia de € 18.000,00 para o A”.
Não só não vislumbramos qualquer erro nesta apreciação, como a mesma se nos afigura prudente e assente em critérios retirados da jurisprudência.
Assim, só nos resta confirmar a decisão.

d) Da contagem dos juros moratórios: sustentam os apelantes que, face ao disposto no n.º 2 al. b) do artigo 805.º do CC, os juros de mora fixados na sentença devem antes ser contabilizados desde a data da citação da ré e não desde a data da prolação da decisão.
A ré discorda, e junta argumentação simples e linear, a qual damos aqui por reproduzida.
Essencialmente, basta-nos recordar que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002 fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”
E a existência da referida actualização pode resultar expressa ou tacitamente da decisão. Ocorrerá esta última hipótese quando o montante da indemnização for fixado através de juízos de equidade, pois, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2008 (relator: Bettencourt de Faria), “uma quantia fixada segundo a equidade, é-o, atendendo aos padrões actuais de justiça do julgador.
Assim, como lembra a recorrida, no caso em apreço, o Meritíssimo Juiz declarou expressamente na sentença que as indemnizações arbitradas aos apelantes foram todas elas fixadas com recurso à equidade, tendo sido objecto de cálculo actualizado.
Improcede também esta parte do recurso.

B- Recurso da Caixa Geral de Aposentações
Como já vimos, o recurso da matéria de facto apresentado pela CGA foi julgado procedente.
Quanto à aplicação do direito, recordemos que a sentença recorrida julgou improcedente o pedido formulado pela CGA, de condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 70.214,03 (a título de pensões de sobrevivência que pagou à A., na sequência da morte do seu marido) e a quantia de € 1.263,96 (a título de subsídio por morte, que também pagou à A., na sequência da morte do seu marido), acrescidas das prestações que se vencessem e fossem pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento.
Tal decisão assentou em a sentença não reconhecer à CGA qualquer direito de sub-rogação voluntário, nem qualquer direito de sub-rogação legal relativamente às quantias peticionadas. Considerou a sentença que não pode retirar-se dos arts. 70º da Lei 4/2007, de 16/11 e 4º do DL 59/89, de 22/02, um direito de sub-rogação da CGA, pois que o direito de sub-rogação legal em causa, está apenas previsto para a segurança social (seus organismos) e não para a CGA.
Inconformada, vem a CGA agora dizer que o artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, bem como o nº 4 do Decreto-Lei nº 59/89 de 22 de Fevereiro, são aplicáveis à Caixa Geral de Aposentações, pois esta é uma instituição de segurança social. E nos termos do artigo 17º da Lei nº 4/2009, de 29 de Janeiro, ao regime de protecção social convergente, por isso à CGA, aplicam-se princípios e restantes disposições referentes ao sistema previdencial, constantes designadamente dos capítulos iii, iv e vi da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.
Pretende assim que seja reconhecido o seu direito de regresso sobre a Ré, aqui demandada, em relação às quantias que pagou a título de pensão de sobrevivência e subsídio por morte (€ 85.379,53 + € 1.263,96).
Já a recorrida reforça o que foi dito na sentença, ou seja, que nenhuma das citadas disposições legais (artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, e art. 4º do Decreto-Lei nº 59/89 de 22 de Fevereiro) confere à Caixa Geral de Aposentações o direito ao reembolso das sobreditas prestações. Com efeito, o disposto no artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, diz expressamente respeito às instituições de segurança social e não à Caixa Geral de Aposentações, não conferindo, como tal, à recorrida qualquer direito de sub-rogação, contrariamente ao que a mesma defende.
Também o Decreto-Lei 59/89, de 22 de Fevereiro se reporta às instituições de segurança social, não estando nele em parte alguma consagrado o direito que a apelante aqui pretende fazer valer contra a ora recorrida.
O direito da Caixa Geral de Aposentações ao reembolso dos montantes pagos a título de pensão de sobrevivência apenas está previsto nos casos de acidente de trabalho ou profissional, tal como vem estabelecido no artigo 47.º do DL 503/99, de 20.11.

Quid iuris ?
A CGA formulou o pedido de reembolso sustentando-o no instituto jurídico da sub-rogação legal prevista no art. 70º, da Lei n º 4/2007, de 16-01 e no art. 4º, n º 1, do DL n º 59/89, de 22-02.
A sentença negou que assim fosse.
Temos de olhar para as disposições legais citadas, pois é delas que irá emergir a solução.
Dispõe o art. 70º da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro), sob a epígrafe “Responsabilidade civil de terceiros”, que “no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.
O Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro regula o reembolso de prestações feitas pela Segurança Social quando os beneficiários se vejam privados de rendimentos do trabalho por eventos dos quais sejam responsáveis terceiros.
O art. 4º, sob a epígrafe “responsabilidade solidária”, dispõe no nº 1 que “os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições”.
E ainda, com relevo para estes autos, dispõe o art. 3º do diploma em causa que: “no caso de morte, ou se a incapacidade para o trabalho revestir a forma de invalidez, é ainda citado ou informado, conforme os casos, o Centro Nacional de Pensões”.
Ora, como bem se afirma na sentença recorrida, destas normas não emerge o direito que a recorrente pretende fazer valer.
E quando a decisão recorrida está correcta, não há muito mais a acrescentar.
Vejamos.
Começa a sentença por chamar a atenção para que a sub-rogação, consagrada no art. 589º e ss do CC, configura uma transferência de créditos, que tem como pressuposto o cumprimento de uma obrigação por terceiro, que adquire os direitos que competiam ao credor, na medida em que satisfez os interesses dele, conforme decorre do art. 593º do CC. Dessa forma, o crédito que antes era pertença do credor pago ou indemnizado, transmite-se para o sub-rogado, que assim se coloca na posição que o credor satisfeito antes detinha, e continua a ser o mesmo que pertencia ao primitivo credor.
Acrescenta que a sub-rogação pode ser voluntária (quando decorre da vontade do credor e do devedor) ou legal (quando decorre da lei).
No caso é evidente que não estamos perante qualquer direito de sub-rogação voluntário.
E legal ?
Como vimos, a CGA funda o seu direito de sub-rogação legal no art. 70º da Lei 4/2007, de 16-01 e no art. 4º, nº 1, do DL 59/89, de 22-02.
O primeiro preceito legal prevê que no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.
E, como se afirma na sentença, tal preceito legal não é aplicável à CGA, porquanto tal não decorre da sua letra. E explica-se: “o diploma legal em questão aprova as bases gerais do sistema de segurança social, sistema este que é distinto (sujeito a distinta regulamentação) do regime de protecção social da função pública (ao qual pertence a CGA). Logo, o art. 70º, da Lei n º 4/2007, parece referir-se apenas às instituições de segurança social, não abrangendo, assim, as específicas instituições de protecção social da função pública, como é o caso da CGA”. Donde, até aqui, não temos qualquer direito de sub-rogação da CGA emergente da lei.
E, como vimos, também não se nos afigura que do art. 4º,1 do DL 59/89, de 22-02 surja o pretendido direito de sub-rogação. Recordemos: “os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições”.
A sentença recorrida afirma com razão que “no preâmbulo do referido DL nº 59/89, de 22-02, diz-se que existem eventos que provocam a perda de remunerações, pelas quais há terceiros responsáveis, e, face a tal situação, a segurança social assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos. Decorre do referido preâmbulo que o mencionado diploma legal diz respeito à segurança social e não também, nomeadamente, à CGA. Do art. 1º, emerge também que, adjectivamente, são as instituições de segurança social, e não a CGA, que podem deduzir o pedido de reembolso de montantes que tenham pago. E, para o caso de morte -que é o que está aqui em causa-, diz-se no art. 3º, do diploma em causa, que: “No caso de morte, ou se a incapacidade para o trabalho revestir a forma de invalidez, é ainda citado ou informado, conforme os casos, o Centro Nacional de Pensões”.
E de seguida afirma-se: “se acaso se tivesse querido “abarcar” nesta norma a CGA, e sabendo-se que é esta a entidade competente para pagar prestações por morte dos seus beneficiários, então faria todo o sentido que o legislador determinasse também a citação/informação deste organismo. Não o tendo feito e, presumindo-se legalmente que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados -art. 9º,3 CC-, então é porque quis excluir desta citação/notificação, ou não quis nela incluir, a CGA”.
Depois acrescenta-se “não haver outro diploma legal que determine expressamente a citação da CGA, para exercer qualquer direito de reembolso em circunstâncias como a dos presentes autos”.
E com efeito também não o encontramos.
Mais: “porém, já no âmbito do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da administração pública -DL 503/99, de 20/11- , concretamente no art. 47º,1, determinou-se que, nas acções cíveis em que fosse formulado pedido de indemnização por danos decorrentes de acidente em serviço ou de doença profissional, sendo o autor subscritor da CGA, se notificasse essa mesma CGA, para vir deduzir pedido de reembolso das quantias a que se refere o art. 46º, do mencionado diploma legal”. Mais um argumento no sentido de o art. 1º do DL 59/89, de 22-02 não abranger a CGA.
Subscrevemos toda esta argumentação.
No acórdão do Tribunal Central Administrativo de 26-01-2012 (ANA CELESTE CARVALHO) pode ler-se: “a Caixa Geral de Aposentações, I.P., é um instituto público, integrado na administração indirecta do Estado e tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras de natureza especial, tendo por atribuições, de entre outras, assegurar a gestão e atribuição de pensões e prestações devidas no âmbito do regime de segurança social do sector público e de outras de natureza especial, nos termos da lei e propor ou participar na elaboração de projectos de legislação da segurança social do sector público”.
Afirma-se ainda na sentença recorrida que “as pensões de sobrevivência da segurança social são prestações pecuniárias que têm por objectivo compensar os familiares de beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste; e o subsídio por morte da segurança social destina-se a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário, tendo em vista facilitar a reorganização da vida familiar - art. 4º, do DL n º 322/90, de 18-10. Já a pensão de sobrevivência atribuída pela Caixa Geral de Aposentações parece não visar a mesma finalidade, antes parecendo ser atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou da reforma que corresponderia ao tempo de inscrição”.
E logo a seguir: “contrariamente ao que acontece com a segurança social, parece-nos que o pagamento pela CGA da pensão de sobrevivência não assume uma posição de provisoriedade e subsidiariedade, face à obrigação de indemnização de que é titular passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil”.
Esta solução seguida pela decisão recorrida, que nós também secundamos, corresponde aliás à jurisprudência actual do STJ, como se pode ver pela leitura do Acórdão do STJ de 10 de Abril de 2019 (Relator: Raul Borges), proferido no âmbito do processo n.º 73/15.1PTBRG.G1.S1, também ele citado na decisão recorrida.
Nesse Acórdão colocou-se a questão de saber se devem ou não considerar-se para efeitos de fixação das indemnizações por perda de alimentos ou lucros cessantes as pensões de sobrevivência que os demandantes passaram a receber por causa do acidente que causou a morte da vítima e que, por seu turno, importa em primeiro lugar atender a que as pensões de sobrevivência são sujeitas a um regime jurídico diferenciado, consoante o beneficiário falecido estivesse inscrito na CGA, ou no regime geral da segurança social.
Com relevo para estes autos, começa-se por registar que, nesse processo, a Caixa Geral de Aposentações declarou abster-se de deduzir pedido de reembolso de quantias pagas à ofendida por a situação descrita nos autos parecer “não corresponder a um acidente em serviço”.
Seguidamente, depois de analisar variada jurisprudência daquele Supremo Tribunal, escreve-se no Acórdão citado: “basicamente nos mencionados acórdãos o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo sistematicamente a salientar que a pensão de sobrevivência é uma prestação social pecuniária que visa compensar determinados familiares do falecido, beneficiário da segurança social, da perda do rendimento do trabalho determinada pela morte (artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro), que nada tem que ver (como o subsídio por morte) com a contrapartida dos descontos ou das contribuições dos beneficiários, sua medida directa, mas que é consequência da inscrição no regime da Segurança Social. Por isso, a sua finalidade coincide, verificados os respectivos pressupostos, com a da obrigação de indemnização pelo dano de lucro cessante. Na sua estrutura, a pensão de sobrevivência traduz-se numa prestação pecuniária social, ou seja, sem o carácter indemnizatório das prestações relativas à perda de rendimento do trabalho do beneficiário da segurança social. (…) Não são, pois, cumuláveis o valor da pensão de sobrevivência, por um lado, e o valor indemnizatório devido pela recorrente Seguradora, no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito, por ela assumida, em razão da perda do rendimento do trabalho, por outro.
(…)
Em consonância, estabeleceu-se no Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, que sendo função da Segurança Social “substituir-se à entidade pagadora de rendimentos do trabalho recebidos pelos seus beneficiários quando os mesmos se vejam deles privados por ocorrência de alguma das eventualidades que integram o respectivo esquema de prestações do regime geral”, certo é que “existem eventos que provocam a mesma consequência, traduzida na perda de remunerações, pelas quais há terceiros responsáveis, embora tal situação não signifique que a Segurança Social a ela seja alheia, pois, ao invés, assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos”.
Quer dizer, havendo responsabilidade de terceiro, a protecção do lesado pela Segurança Social é meramente provisória e subsidiária, assistindo a esta o direito de exigir do terceiro responsável o reembolso do que houver pago, apenas se justificando tal protecção (com as respectivas prestações) enquanto não for tornada efectiva, no plano indemnizatório, a responsabilidade do terceiro causador do evento lesivo. Assim, pela sua natureza e função, esta garantia da Segurança Social só operará, em termos justificados, enquanto tal se mostrar necessário para suprir a demora na definição e atribuição da indemnização por terceiro. Pelo que, no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos vários regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder. Daí que as próprias instituições de segurança social são havidas como lesadas para fins desse mecanismo de reembolso, para efeitos de legitimação de intervenção no processo civil e penal – artigos 1.º e 2.º, n.º 2, do citado Decreto-Lei n.º 58/89.
Com efeito, no caso de concorrência no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe conceder [artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (que aprovou as bases gerais do sistema de Segurança Social].
A sub-rogação legal abrange assim a pensão de sobrevivência paga no quadro do Sistema de Segurança Social.
No desenvolvimento do referido regime de sub-rogação legal, o legislador estabeleceu os mencionados mecanismos tendentes a facilitar às instituições de segurança social o reembolso do valor por elas despendido a título de prestações sociais, na medida do efectivamente pago, sem distinção de natureza, à custa dos responsáveis pelo pagamento de indemnizações derivadas de factos que originaram o evento delas determinante – artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro.
E porque de sub-rogação se quis tratar, não se conferiu qualquer direito ao lesante para do lesado vir a receber essas importâncias, fora do condicionalismo legal.
Pelo que, caso as pensões de sobrevivência auferidas pelos demandantes fossem pagas pela Segurança Social no caso concreto, não restariam dúvidas que teria que haver lugar ao desconto de tais pensões de sobrevivência, sob pena de existir uma duplicação de pagamento de valores pela Seguradora.
Acontece que no caso concreto, a pensão auferida pelos demandantes é uma pensão de sobrevivência da Caixa Geral de Aposentações decorrente da inscrição do falecido como beneficiário enquanto agente da Polícia de Segurança Pública.
(…)
Ora, a Caixa Geral de Aposentações, I. P. (abreviadamente designada por CGA, I. P.), é um instituto público de regime especial, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio. Tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial – artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de Junho. A pensão de sobrevivência que é outorgada (inicialmente pelo M. dos Servidores do Estado, e actualmente pela Caixa Geral de Aposentações [ver artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 277/93, de 10 de Agosto]) no âmbito do funcionalismo público está regulada no Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, Decreto-Lei n.º 192/83, de 17 de Maio, o Decreto-Lei n.º 214/83, de 25 de Maio; o Decreto-Lei n.º 61/84, de 24 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 283/84, de 22 de Agosto; o Decreto-Lei n.º 40-A/85, de 11 de Fevereiro; o Decreto-Lei n.º 198/85, de 25 de Junho; o Decreto-Lei n.º 20-A/86, de 13 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 343/91, de 17 de Setembro, o Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de Março, o Decreto-Lei n.º 71/97, de 3 de Abril, o Decreto-Lei n.º 8/2003, de 18 de Janeiro, o Decreto-Lei n.º 309/2007, de 7 de Setembro, a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (que alterou e republicou a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que estabelece medidas de protecção das uniões de facto), o Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro e o Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho) e regulamentada na Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro (alterada pelas Leis n.º 52/2007, de 31 de Agosto, n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro, n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e n.º 11/2014, de 6 de Março).
De acordo com o artigo 27.º, n.º 1, do citado Estatuto das Pensões de Sobrevivência “A pensão de sobrevivência consiste numa prestação pecuniária mensal, cujo montante, salvo nos casos do n.º 3 do artigo 28.º, é função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição no M. sujeito ao pagamento de quota.”
De acordo com o artigo 2.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a CGA (que assume actualmente a posição inicialmente assumida pelo M. dos Servidores do Estado) “tem como finalidade assegurar o pagamento de pensões de sobrevivência aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes”.

Estabelecendo-se no artigo 26.º do citado diploma legal que:
“1. O M. obriga-se a pagar uma pensão de sobrevivência aos herdeiros hábeis do contribuinte quando este à data da sua morte tiver o mínimo de cinco anos completos de inscrição, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 25.º e no n.º 3 do artigo 28.º”.
São havidos como herdeiros hábeis nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alíneas a) e b) do citado diploma legal: “Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código Civil”; e os filhos, incluindo os nascituros e os adoptados plenamente;”
Quanto aos filhos prevê-se no artigo 42.º, n.º 1, do citado diploma legal que “Têm direito à pensão os filhos solteiros de qualquer dos sexos menores de 18 anos ou que, tendo completado 18 anos, frequentem com aproveitamento, até aos 21 anos, o ensino médio ou equiparado e, até aos 24 anos, o ensino superior ou equiparado.”
Prevê-se no artigo 30.º, n.º 2, do mencionado Estatuto que “A pensão de sobrevivência é sempre devida até ao último dia do mês em que se extinguir a qualidade de pensionista.”
No artigo 47.º do mencionado diploma legal, prevêem-se as seguintes causas de extinção da qualidade de pensionista: “1. A qualidade de pensionista, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 30.º, extingue-se: a) Pelo casamento, salvo quanto aos pensionistas abrangidos pelo n.º 2 do artigo 42.º e pelo artigo 44.º; b) Pelo facto de os pensionistas perfazerem as idades previstas no n.º 1 do artigo 42.º; c) Pelo facto de os pensionistas deixarem de ter o aproveitamento escolar a que se refere o mesmo preceito; d) Pela cessação do estado de incapacidade a que alude o n.º 2 do artigo 42.º, bem como da situação exigida para aplicação do n.º 2 do artigo 41.º, do referido n.º 2 do artigo 42.º e dos artigos 43.º e 44.º; e) Pela indignidade do pensionista, resultante do seu comportamento moral, declarada por sentença judicial em acção intentada por qualquer dos herdeiros hábeis; f) Pela renúncia do direito à pensão; g) Pela prescrição do direito unitário à pensão; h) Pela condenação do pensionista como autor, cúmplice ou encobridor do crime de homicídio voluntário praticado na pessoa do contribuinte ou de outra pessoa que concorra à pensão; i) Pela morte do pensionista. (…)”.
Como emerge da leitura articulada do regime legal aplicável, a pensão de sobrevivência atribuída pela CGA (contrariamente à pensão equivalente da Segurança Social) não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, mas antes é atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição, pensão essa que só cessa nas situações previstas no citado artigo 47.º do mencionado diploma legal.
Ou seja, o pagamento pela CGA da pensão de sobrevivência não assume uma posição de provisoriedade e subsidiariedade face à obrigação de indemnização de que é titular passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil, ao contrário do que sucede com a pensão de sobrevivência paga pela Segurança Social.
Daí que, contrariamente ao que sucede com a Segurança Social, não exista um diploma legal que preveja a possibilidade da Caixa Geral de Aposentações exercer o direito de regresso quanto a terceiro responsável civil quanto aos montantes pagos a título de pensão de sobrevivência.
Com efeito, a Caixa Geral de Aposentações apenas tem direito de regresso quanto a terceiro responsável pelo reembolso dos valores pagos nos casos em que ocorra um acidente de trabalho ou doença profissional.
A esse respeito, prevê-se no artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro (que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública) que em caso de acidente de trabalho: “1- Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas. 2- O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho. 3- Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. 4- Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável. 5- Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída. 6- Nos casos em que tenha havido lugar à atribuição de prestações de carácter indemnizatório simultaneamente pela Caixa Geral de Aposentações, I. P., e pelo regime geral de segurança social, o valor a deduzir pela Caixa nos termos do n.º 4 corresponde à parcela da indemnização por danos patrimoniais futuros paga pelos terceiros responsáveis na proporção que o montante das suas prestações represente no valor global atribuído por ambos os regimes.”

Estabelece o artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro:

“1 - Nas acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização por danos decorrentes de acidente em serviço ou de doença profissional, o autor, se se tratar de trabalhador da Administração Pública ou de subscritor da Caixa Geral de Aposentações, deve indicar na petição inicial a respectiva qualidade, sendo notificado o organismo ou serviço no qual ocorreu o acidente, ou a Caixa Geral de Aposentações, conforme os casos, para, no prazo da contestação, deduzir pedido de reembolso das quantias a que se refere o artigo anterior.
2- Quando o acto de terceiro dê origem a processo crime e o Ministério Público deduza acusação ou se pronuncie sobre acusação particular, deve ser indicado o vínculo do trabalhador à Administração Pública e a sua eventual qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
3- O serviço ou organismo ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional e a Caixa Geral de Aposentações são tidos como lesados nos termos e para os efeitos do artigo 74.º do Código de Processo Penal, observando-se, nesta matéria, o disposto nos artigos 71.º a 84.º do mesmo diploma”.
Quer dizer, fora dos mencionados condicionalismos legais, ou seja, caso não se trate de um acidente em serviço não existe diploma legal que preveja a possibilidade da Caixa Geral de Aposentações exercer o direito de regresso quanto a terceiro responsável civil por conta dos quantitativos pagos a título de pensão de sobrevivência.
No caso concreto, nada nos factos dados como provados nos permite afirmar que o acidente de viação que vitimou HH tenha ocorrido em serviço. Daí que, no caso concreto, a Caixa Geral de Aposentações, face ao pedido de intervenção principal provocada formulado pela seguradora, para deduzir pedido de reembolso dos montantes pagos à viúva, invocando o artigo 46.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, tenha manifestado nos autos que se abstinha de deduzir qualquer pedido de reembolso, na medida em que a situação descrita nos autos “parece não corresponder a um acidente de serviço”.
Desta forma, tudo ponderado, não faz qualquer sentido, no caso concreto, proceder ao desconto no montante indemnizatório dos quantitativos pagos aos demandados pela CGA a título de pensão de sobrevivência, na medida em que não haverá qualquer duplicação de valores a pagar pela recorrente Seguradora, pois não existe direito de regresso (ou de sub-rogação) da CGA face à Seguradora quanto aos montantes pagos aos demandantes.
Fizemos esta longa citação do Acórdão citado porque, salvo melhor opinião, ele esgota a questão suscitada nestes autos, e a orientação superior que dele se retira permite-nos, sem qualquer dúvida, confirmar a decisão recorrida.
Recordemos agora que se provou que à data da sua morte, J. P. encontrava-se reformado, auferindo, mensalmente, uma reforma, paga pela Caixa Geral de Aposentações, de que era beneficiário, no valor bruto de € 2.987,75 e líquido de € 2.136,56. E pelo seu óbito, a CGA atribuiu à sua viúva M. M., uma pensão de sobrevivência, no valor mensal líquido inicial de € 1.016,47.
Ou seja, por causa do falecimento de J. P., a CGA deixou de lhe pagar a reforma no valor mensal líquido de € 2.136,56 e passou a pagar à respectiva viúva uma pensão de sobrevivência no valor sensivelmente de 50% daquele valor.
Perante esta realidade, não vemos como se poderia justificar que a CGA ainda fosse recuperar os valores que pagou a título de pensão de sobrevivência, demandando a Seguradora do responsável pelo acidente. Tendo aqui presente a argumentação certeira do Acórdão do Supremo acabado de citar, repare-se: se não tivesse ocorrido o trágico acidente e J. P. continuasse vivo, continuaria a CGA a pagar-lhe a respectiva pensão de aposentação. Tendo J. P. falecido, na prática tudo se passou como se essa pensão de aposentação que lhe era paga se tivesse transformado em pensão de sobrevivência a pagar à viúva. Que fundamento poderia haver para a CGA ainda ir recuperar esses valores junto da Seguradora ? Não vislumbramos.
Em conclusão, também o recurso da CGA improcede.
E assim, não há que conhecer do recurso subordinado da Y.

Sumário:
1. É processualmente legítimo formular um pedido correspondente aos danos sofridos até ao momento, com referência a: “sem prejuízo de no decurso da audiência vir a actualizar o respectivo pedido com o valor das prestações pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os respectivos juros de mora legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento”.
2. Tal forma de actualização tem a cobertura do art. 611º,1 CPC.
3. E assim, se a parte fizer juntar aos autos o documento que comprova a efectivação de mais prestações no decurso da audiência de julgamento, antes sequer do início das alegações orais, não é necessário alterar nem a causa de pedir nem o pedido, para que a sentença deva ter em conta esses novos factos, já abrangidos no pedido inicial.
4. Justifica-se a distribuição da culpa em 70% para o peão e 30% para o automobilista num caso de atropelamento mortal, em que se provou que o local do atropelamento é uma curva assinalada como perigosa, o veículo circulava a cerca de 60 km/h, era noite cerrada, havia má iluminação pública, e o peão iniciou a travessia da faixa de rodagem da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha, do veículo, em plena curva, não obstante a aproximação do veículo que era visível a uma distância superior a 100 metros.
5. A pensão de sobrevivência atribuída pela CGA (contrariamente à pensão equivalente da Segurança Social) não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, mas antes é atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição, pensão essa que só cessa nas situações previstas no citado artigo 47.º do mencionado diploma legal. Daí que a Caixa Geral de Aposentações não seja titular de direito de regresso quanto a terceiro responsável civil quanto aos montantes pagos a título de pensão de sobrevivência aos familiares da vítima.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar os recursos totalmente improcedentes e confirma, com excepção da referida alteração na matéria de facto provada, a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 13.7.2022

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)