Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
101/15.0T8MMN-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: RELAÇÃO CAMBIÁRIA
AVALISTA
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Perante uma cláusula contratual proibitiva de prestar garantias ou adoptada idêntica medida por deliberação dos sócios, face à disciplina integrada no artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais, as limitações que resultem para a actuação do gerente não impedem a vinculação da sociedade pelo acto praticado por este.
2. Tais limitações apenas serão relevantes no quadro da responsabilização do gerente que tenha causado danos no exercício da administração, já que é ele que está vinculado a não exceder tais limitações.
3. Neste caso, recaindo sobre si o ónus da prova inscrito no nº 2 do artigo 342º do Código Civil, a sociedade terá de demonstrar que o terceiro sabia que o acto se não configurava como instrumental à prossecução do objecto social ou que, na realidade, não podia ignorar que existia a correspondente limitação societária, sob pena de incorrer nas consequências negativas do non liquet.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 101/15.0T8MMN-A.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Central de Execução de Montemor-o-Novo – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente oposição à execução mediante embargos, apensa à acção executiva proposta por “Banco Comercial Português, SA” contra “(…) – Reparação e Administração de Propriedades, Lda.”, a sociedade embargante não se conformou com sentença proferida.
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A embargante peticionou que fosse declarada: (i) a nulidade da fiança conferida pela sociedade executada, (ii) a nulidade da fiança por inobservância de forma legal, (iii) a invalidade do título executivo apresentado à execução e (iv) subsidiariamente, a redução da quantia exequenda para € 15.410,72.
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Para o efeito, a embargante invocou a nulidade da fiança prestada, porquanto tal acto de prestação de fiança careceria de autorização da assembleia geral da executada, o que não sucedeu. E, como tal, não ocorrendo deliberação da sociedade executada que autorizasse à prestação da dita fiança, a mesma é nula.
Complementarmente, avançou que o contrato de mútuo invocado foi celebrado com inobservância da forma legal, pelo que o mesmo é nulo.
Por último, a sociedade embargante afirma que a quantia exequenda está erradamente calculada.
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Regularmente notificado, o Banco Exequente apresentou contestação, requerendo que os presentes embargos de executado fossem julgados totalmente improcedentes.
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Foi designada data para a realização da audiência prévia, no âmbito da qual foi elaborado despacho saneador.
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Realizada a audiência final da causa, o Tribunal «a quo» decidiu:
a) julgar improcedentes, por não provados, os embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.
b) julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação da sociedade embargante/executada como litigante de má-fé. *
Inconformados com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
I – O Tribunal errou quanto ao julgamento da matéria de facto ao considerar provado que:
a) A recorrente prestou aval à recorrida, alicerçando a sua convicção num documento extra cartular (carta da Millennium BCP: doc. 1 do requerimento executivo) e em prova testemunhal, sendo que tal prova apenas pode ser realizada por documento autêntico letra ou livrança devidamente preenchido.
b) Serviu de base à execução a confissão de dívida sendo que nenhum dos documentos que a recorrida juntou aos autos, designadamente a carta do Banco Millennium BCP datada de 15 de Abril de 2004 e na Adenda ao Contrato de Reestruturação (requerimento executivo – doc. 1) se pode extrair tal conclusão mas tão somente que a recorrente a sociedade (devedora) se comprometia a juntar aos autos uma livrança, avalizada entre outros pela ora recorrente (ponto 6 das garantias).
c) A acção executiva apenas deve ser instaurada contra o devedor subsidiário desde que se mostre excutido o património do devedor principal, prova que a recorrida não fez, como lhe competia, e tanto assim é que refere no seu requerimento executivo (parágrafo 6) que "reclamou os seus créditos no âmbito do processo nº 17/13.SPBPRL (…). Contudo não foi recebida qualquer quantia até à presente data", nem posteriormente na resposta aos embargos.
d) Nos termos da adenda anexa ao contrato de reestruturação, com data de 17 de abril de 2017, foi convencionado o pagamento ao banco exequente do montante de € 63.633,70 a efectuar em 134 prestações de capital e juros, com início em 13/06/2007 e términus em 15/06/2018, sendo 1ª à 133ª prestação no valor de € 750,00 cada e a última prestação no valor de € 410,00, acrescidas de respetivo imposto de selo e encargos legalmente devidos – doc. 2 junto com o requerimento executivo "... tal documento – uma folha de computador não subscrita – não pode concluir-se qual o montante da dívida.
e) Como decorre da adenda ao contrato de reestruturação que o montante a pagar em 17 de Abril de 2007 era € 100.160,72 (133 prestações x 750 € + 1 prestação x 410 €) abrangendo capital e juros) – cláusula 2ª da adenda ao contrato de reestruturação) e a embargada reconhece (artº 37º da contestação) que apenas ficou em dívida a prestação vencida a 15 de Abril de 2013 e seguintes o que significa que todas as anteriores a essa data (113) foram pagas totalizando – € 84.750 (capital e juros).
f) A quantia em dívida, cifra-se no montante de € 15.410,72 (100.160,72 € – 113 x 750 €), à qual acrescem juros computados até à data em que transitou em julgado a sentença que decretou insolvência da devedora a empresa “(…), Hotelaria e Turismo Lda.”.
g) Qualquer que seja considerado o montante da dívida, o seu pagamento está garantido através de uma hipoteca voluntária que incide sobre o património pessoal da gerente da (…), e pela penhora do mesmo efectuada no âmbito do processo 108/15.0T8MMN ("um imóvel composto por R/C primeiro andar e segundo andar, com área coberta de setecentos e vinte seis metros quadrados e área descoberta de quatrocentos e um metros quadrados" (…), conforme se constata no parágrafo 3 do Requerimento executivo e no doc. 2 junto a este requerimento.
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II – Normas jurídicas violadas:
h) Quanto ao aval, é entendimento pacífico que apenas pode ser provado por documento autêntico, letra ou livrança.
i) Ensina Pais de Vasconcelos in Direito Comercial – Títulos de crédito AADDL, Lisboa, 1988/1989, pág. 74 que "aval é um negócio jurídico cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra" (ou a livrança) "e por função garantia desse pagamento; No mesmo sentido Prof. Dr. Ferrer Correia, pág. 206, in cfr. Lições de Direito Comercial, 1975, vol. III, "não há dúvida que a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo cambiário de maneira expressa ou tácita que se designa na letra…” ou na livrança.
j) Na jurisprudência também assim sufraga «uma vez que o executado “avalista" não obstante ter subscrito o preenchimento da livrança decorrente do incumprimento da sociedade outorgante (…) de título bastante contra o mesmo executado "Avalista" se não apresentou essa livrança, devidamente assinada e completada" Ac. TRL, Proc. 146/13.5TCFUN-A.L1-7, 19/05/2015:
"O aval é um acto jurídico cuja função é garantir o pagamento do crédito cambiário. O aval bancário cumpre uma função de garantia, já que mediante o aval, se incrementa a segurança do documento cambiário. O aval é, pois, uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extra cartular", cfr. Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ proferido no processo 5903/09.4 TV1SB LlLl.S1 – 1 ª Secção 11/12/2012.
No mesmo sentido cfr. Ac. Relação de Coimbra - Proc. 2519/15.0T8CBR-A.C1 de 20/06/2017 (sumário parágrafo v) "está vedado ao Tribunal recorrer a elementos extra cartulares, no domínio das relações imediatas” – Ac. STJ Proc. 2974/04.3TVPRT-A.PLS1 6ª Secção de 12/01/2010.
k) Nos termos do disposto nos artigos 30º, 31º e 77º da LULL, o aval é uma garantia exclusiva das letras e livranças, que para ser considerado válido tem que preencher os requisitos constantes nos artigos 1º e 75º mencionada lei, destarte o Tribunal à quo ao considerar provado que a embargante, conferiu aval ao negócio jurídico de natureza contratual "a carta em que o BCP manifestou a intenção de disponibilizar certa quantia mediante entrega de uma livrança" cuja junção aos autos não foi realizada, violou o disposto nas disposições conjugadas artº 364º, nº 1, do CC e artº 75º e segs. da Lei Uniforme da Letras Livranças LULL, sendo que a livre apreciação não lhe permite proferir tal decisão.
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III – Quanto à fiança:
I) São patentes as diferenças e a natureza jurídica da fiança e do aval elencadas no capítulo VI do Código Civil, in casu importa analisar a sua natureza jurídica e forma.
m) Ambas são garantias de obrigações, mas enquanto o aval se destina a garantir o cumprimento da obrigação cartular, não podendo ser discutido a natureza mediata da obrigação, a fiança destina-se a dar satisfação do direito de crédito, ficando o fiador pessoalmente obrigado perante o credor – artº 627º, nº 1, do CC.
n) Outra característica distintiva da obrigação do fiador é que esta é a acessória à que recai sobre o principal devedor, "sendo lícito renunciar ao cumprimento da obrigação enquanto o credor não tiver excutido os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito (artº. 638º, nº 1, do CC) enquanto no aval a obrigação tem que ser cumprida independentemente da validade da relação jurídica que deu origem à prestação podendo esta até estar ferida de nulidade. Acresce que, a vontade de prestar fiança deve ser declarada pela forma exigida pela obrigação principal e no aval apenas pode ser prestado por documentos. o) In casu, considerando que inexiste documento autêntico que suporte do alegado aval (letra ou livrança], e considerando também que a qualificação que as partes dão aos contratos pode não ter relevância jurídica, parece-nos poder concluir que a obrigação de garantia constante na adenda ao contrato de reestruturação da dívida poderia configurar uma fiança. Não entendeu assim o Tribunal a quo, pelo que julgou erradamente, ainda que tal garantia, fosse nula.
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IV – Da confissão da dívida
p) "Confissão é o reconhecimento de que a parte faz da realidade de um facto desfavorável e favorece a parte contrário" art.º 352º CC. Porém, é eficaz quando feita por pessoa com capacidade de dispor do direito, a que o facto confessado se refere.
q) No caso sub judice, o direito a confessar a dívida – sendo que o devedor principal e principal pagador era a “(…) – Hotelaria e Turismo, Lda.” ou a sua gerente, também executada nos presentes autos – e que depôs como parte nos presentes autos – nada lhe tendo perguntado a tal respeito.
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V – A nulidade da Garantia prestada pela sociedade ora recorrente “(…), Reparação e Administração de Propriedades”:
r) A garantia prestada pela recorrente, salvo melhor opinião, não pode ser qualificada de aval, eventualmente constituiria uma fiança, mas no caso de ter sido prestada é válida? Teria a então gerente da (…) legitimidade para prestar tal garantia em nome da sociedade atento o disposto no artº 6º do parágrafo único do contrato social da Sociedade (…) "é proibido aos gerentes obrigar a sociedade em fianças, abonações letras de favor e outros actos estranhos aos negócios sociais" – ponto 11 da matéria considerada provada.
s) O Tribunal a quo considerou que garantia prestada não é fiança, justificando que “atento o disposto no artº 260º do Código das Sociedades Comerciais os actos praticados pelos gerentes em nome da sociedade e dentro dos limites que a lei lhes confere vinculam-na perante terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou das restantes deliberações dos sócios (...). “A sociedade pode, no entanto, opor as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o ato praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade não assumiu por deliberação expressa ou tácita dos sócios”.
t) Ora o banco sabia ou não podia ignorar que o objecto social da “(…), Hotelaria e Turismo Lda.” se enquadrava na industria hoteleira e turística – prestação de serviços de alojamento e fornecimento de refeições e que a “(…), Lda.” tinha por objeto social a reparação e administração de propriedades e, por isso, a garantia prestada (aval ou fiança) não é válida. Tal "garantia" é nula podendo, nos termos do disposto no artº 286º do CC ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.
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VI – Da deficiente fundamentação da matéria de facto:
u) Considerou erradamente, o Tribunal a quo que os documentos dados à execução têm por base o culminar das negociações encetadas pela executada (“…, Hotelaria e Turismo Lda.”) e o aqui embargado – o que corresponde à verdade – tendo sido a ora embargante (“…, Reparação e Administração de Propriedades, Lda.”), quem solicitou ao embargado a elaboração e aceitação de acordos de pagamentos, com o objectivo de converter os valores devidos ao Exequente em planos de pagamento adaptados ao que seria a sua capacidade financeira! Só que inexiste nos documentos uma linha sequer para alicerçar tal conclusão.
v) As regras da experiência e práticas comerciais apontam em sentido totalmente diverso, salvo quando o devedor confere procuração a terceiros, o que não foi o caso. Pelo que, com o devido respeito, não se alcança como chegou a tal conclusão, que aliás nem sequer foi alegada pela embargante!
x) Face ao exposto, a sentença é nula porquanto viola o disposto na alínea c) do artº 615º do CPC.
Nestes termos e nos mais que doutamente forem supridos por V. Exas
A) Deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, consequentemente,
B) Deve a sentença proferida pelo Tribunal «a quo» ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes e provadas as excepções deduzidas pela embargante.
C) Devem ser indeferidos todos os pedidos formulados pela embargada e finalmente,
D) Deve a recorrida/embargada ser condenada no pagamento das taxas de justiça, custas de parte e tudo o mais legal.
Assim decidindo farão V. Exªs a costumada Justiça».
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A parte contrária não contra-alegou. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de:
a) nulidade da sentença por deficiente fundamentação.
b) erro na apreciação da matéria de facto.
c) erro na apreciação do direito. *
III – Dos factos apurados:
3.1 – Factos provados:
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) Em 15 de Abril de 2004, o “Banco Comercial Português, SA” celebrou com a sociedade “(…) Hoteleira e Turismo Lda.” um contrato de empréstimo cujo cumprimento foi garantido pelos ora Executados (…), (…) e pela sociedade “(…) Reparação e Administração de Propriedades, Lda.”, na qualidade de avalistas, destinado a amortização/reconversão de responsabilidades em dívida – documento junto com o requerimento executivo como documento nº 1, e que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2) Nos termos do denominado “contrato de reestruturação” de 15 de Abril de 2004, o montante em dívida era de € 115.034,37 o capital emprestado seria amortizado da seguinte forma: 65 prestações mensais no valor de € 1.750,00, vencendo-se a primeira em 15/05/2004 e a última em 15/09/2009; 1 prestação no valor de € 1.284,37, vencendo-se em 15/10/2009.
3) No ponto 6 do denominado “contrato de reestruturação” de 15 de Abril de 2004 consta que a sociedade subscritora se compromete a entregar como garantia uma livrança subscrita pela sociedade “(…), Hoteleira e Turismo Lda.” e “avalizada por (…), (…) e pela sociedade (…), Lda.”.
4) No ponto 6 do denominado “contrato de reestruturação” de 15 de Abril de 2004 consta como rescisão que “em caso de mora ou incumprimento de qualquer prestação contratual de reembolso do capital mutuado e/ou liquidação de juros, o Banco pode resolver o presente contrato, comunicando por escrito a V. Exas., vencendo-se de imediato e antecipadamente as restantes prestações e determinando a imediata exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida”.
5) Nos termos da adenda anexa ao denominado “contrato de reestruturação”, com data de 17 de Abril de 2007, foi convencionado o pagamento ao Banco Exequente do montante de € 60.633,70, a efectuar em 134 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, com inicio em 15/05/2007 e términus em 15/06/2018, sendo 1ª à 133ª prestação no valor de € 750,00 cada e uma última prestação (a 134ª prestação) no valor de € 410,72, acrescidas de respectivo imposto de selo e encargos legalmente devidos – documento junto com o requerimento executivo como documento n.º 2, e que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6) Nessa adenda convencionou-se que em caso de mora ou incumprimento de qualquer prestação contratual o Banco pode resolver o presente contrato e declarar antecipadamente vencidas e exigíveis todas as prestações contratuais.
7) Sucede que a sociedade “(…), Hoteleira e Turismo, Lda.” não cumpriu as obrigações emergentes do mencionado contrato, deixando de pagar a partir da prestação que se venceu a 15 de Abril de 2013, não tendo sido efectuado qualquer pagamento posterior por parte dos avalistas.
8) Na sequência da declaração de insolvência da sociedade “(…), Hoteleira e Turismo Lda.”, o Banco ora Exequente reclamou os seus créditos no âmbito do processo nº 17/13.5TBPRL, que corre termos na Comarca de Évora – Évora Instância Local – Secção Cível – J1. Contudo não foi recebida qualquer quantia.
9) Ao capital em dívida no montante de € 30.749,22, acrescem juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa contratual de 6,010%, e a sobretaxa em caso de mora de 4%, a título de cláusula penal, bem como as despesas judicias no montante de € 3.200,00, estipuladas na escritura de hipoteca.
10) A sociedade “(…) – Reparação e Administração de Propriedades Lda.” é uma sociedade por quotas, cujo objecto social consistia à data da concessão do empréstimo à executada “(…), Hotelaria e Turismo Lda.”, na reparação de prédios ou fracções e administração dos mesmos.
11) Decorre do artigo 6.º, parágrafo único, do contrato social da sociedade “(…) – Reparação e Administração de Propriedades Lda.”, o seguinte: “é proibido aos gerentes obrigar a sociedade em fianças, abonações, letras de favor e outros actos ou contratos estranhos aos negócios sociais”.
12) O aval dado ao banco exequente pela sociedade ora embargante foi dado sem que se procedesse a qualquer autorização ou deliberação por parte da Assembleia Geral da sociedade executada “(…) – Reparação e Administração de Propriedades Lda.”.
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3.2 – Factos não provados[1]:
Inexistem.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da falta de fundamentação da decisão de facto:
A recorrente invoca a existência da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º [2][3] do Código de Processo Civil.
As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (artigo 154º, nº 1, do Código de Processo Civil, como corolário da injunção constitucional precipitada no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa).
Seguindo em absoluto a lição de Alberto dos Reis, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»[4]. No mesmo sentido se posicionam Antunes Varela[5] e Lebre de Freitas[6].
A falta de fundamentação só é causa de nulidade quando for absoluta e «o dever de fundamentação da sentença final não se confunde com o dever de motivação previsto no artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil» (versão anterior do CPC)[7].
A recorrente sustenta que se trata de «uma decisão onde apenas de forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta», os elementos constantes do processo, a prova produzida em sede de julgamento e os documentos juntos aos autos.
Em face do exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.
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Em adição, mesmo que se entendesse que a referida omissão assenta na deficiente formulação da justificação fáctica, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre sublinham que «face ao actual código, que integra na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (art. 607º, nºs 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do nº 1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente aplicável o regime do artigo 662º, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d)»[8].
Esta posição doutrinal está sustentada na lição Alberto dos Reis que parte da distinção entre erros de actividade e erros de juízo. Na perspectiva do Catedrático de Coimbra «o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria da decisão, os da segunda categoria são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade de julgador.
Assentemos, pois nisto: por vícios da sentença entende a lei os erros materiais e os erros formais, que se corrigem pelos meios facultados pelos artigos 667º e 669º[9]. Contrapõem-se aos erros substanciais, contra os quais se há-de reagir por via de recursos»[10].
Esta posição é partilhada por Antunes Varela[11] e encontra eco ainda na jurisprudência recente dos Tribunais Superiores[12] [13].
Em síntese, se a sentença omitir a justificação da factualidade apurada, tal não corresponde ao vício consagrado em qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 615º Código de Processo Civil, devendo a questão ser enquadrada como erro substancial, que está sujeito à disciplina estabelecida para a modificabilidade da decisão de facto e ao ónus de impugnação provisionado no artigo 640º do citado diploma, por se estar no domínio do mérito da causa e não se tratar de um simples lapso material de actividade.
Assim a existir algum vício, estar-se-ia perante um erro substancial e não face a uma nulidade da sentença, posto que, assim sendo, carece de fundamento a arguição efectuada, a qual se julga improcedente.
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Todavia, ainda que assim não se entendesse, o dever de motivação das respostas tem como principais objectivos o de aprimorar, na medida do possível, e o de robustecer desse modo a força persuasiva do julgamento dos factos, junto das partes e seus patronos[14].
A fundamentação cumpre assim uma dupla função: de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e controlo das decisões; e de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários[15].
Para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há-de ser expressa, clara e coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão, os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos e a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.
A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não impondo.
Embora referindo-se à jurisdição penal, tem aqui aplicabilidade a afirmação que «o sistema de livre apreciação da prova deve definir-se pelo seu significado positivo que se traduz na valoração racional e crítica que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos e assegurar pelo seu conteúdo as garantias procedimentais concedidas pela lei fundamental. É de salientar que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade»[16].
O núcleo essencial mínimo de motivação demanda que esta seja objectiva e clara e, bem assim, se estruture num raciocínio suficientemente abrangente em relação à apreciação dos problemas fundamentais e necessários à justa decisão da lide[17]. Efectivamente, o exame crítico consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou por outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o Tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica exterior ao processo com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo Tribunal e das razões da sua convicção[18].
De facto, o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o Tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção»[19] [20].
A exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes[21] [22].
Analisada a decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que a motivação individualiza os contributos que entendeu serem fundamentais na formação da convicção relativamente à prova dos factos em conflito.
A descrição efectuada na decisão recorrida é assim claramente suficiente para perfectibilizar os comandos legais destinados a salvaguardar a reconstituição do pensamento do julgador.
E, por isso, à luz dos contributos doutrinais editados a este respeito [23] [24] [25] [26] [27] [28] [29] [30] [31], interligando a resposta do Tribunal e as exigências expressas na lei, não se comunga do entendimento expresso que existem factos deficientemente fundamentados e que a decisão em causa não se adequa às exigências impostas pelo nº4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
Questão diversa é a de saber se existe fundamento para julgar que essa factualidade deveria ter julgada em sentido diverso, mas essa apreciação será feita de seguida.
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4.2 – Erro na apreciação da matéria de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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Nas conclusões das alegações I a) a g) a sociedade recorrente diz discordar da matéria de facto apurada.
Porém, actualmente, nos termos do nº 1 do artigo 640º[32] do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Na realidade, tanto na motivação como nas conclusões de recurso a peça de recurso não cumpre integralmente as exigências legais e a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça estabilizou na interpretação que «a inobservância deste ónus de alegação, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica, como expressamente se prevê, no artigo 640º, nº 1, do NCPC, a rejeição do recurso, que é imediata, como se acentua na al. a), do nº 2, desse artigo.
Nesta sede, foi propósito deliberado do legislador não instituir qualquer convite ao aperfeiçoamento da alegação a dirigir ao apelante. A lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de incumprimento pelo recorrente do referido ónus processual (artigo 640º, nº 2)» [33] [34] [35].
A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras.
A recorrente não cumpre na sua generalidade estas exigências legais. E, deste modo, o Tribunal «ad quem» está inibido de alterar a decisão de facto com base nos elementos probatórios gravados.
A polémica relativa à confissão da dívida não tem a transcendência proposta pelo recorrente. Se é certo que o acto de confissão apenas poderia ter reflexos directos na esfera jurídica do devedor originário, resulta claramente da prova produzida, mormente quando integrada com o testemunho de (…), funcionário do Banco exequente, que existe uma coerência entre a prova produzida e o resultado da operação de fixação de factos, ficando ainda seguro que o cálculo da dívida exequenda foi efectuado de acordo com os critérios acertados entre os subscritores.
E, aliás, tanto o contrato inicial, como a respectiva adenda, a qual contém o reconhecimento da dívida, se encontram subscritos pela sociedade garante. E, mesmo que entenda que esta polémica está indexada não à fixação dos factos mas antes à aplicação do direito o resultado final é exactamente coincidente.
Da verificação dos elementos documentais presentes nos autos não existem motivos para promover alterações ao conspecto factual apurado na extensão proposta, pois aquilo que se alega não assume a virtualidade de modificar o juízo silogístico contido na sentença.
Efectivamente, em função da documentação apresentada, o decisor «a quo» estava legitimado a formular o juízo de facto expresso na decisão recorrida, sendo que, em parte, os contributos jurisprudenciais convocados não têm aplicação à situação concreta, porquanto não existe uma linha de continuidade entre a presente hipótese jurídica e os casos trazidos à colação.
Tudo isto, com uma única ressalva, a correcção do conteúdo do facto provado identificado em 3) que será realizado através da introdução de uma expressão que reflecte melhor o enunciado contratual, a fim de não se incorrer no lapso de avaliação de que a livrança foi efectivamente entregue. Na verdade, a sociedade subscritora apenas se comprometeu a entregar esse título cambiário mas o mesmo não se encontra incorporado nos autos. A alteração é realizada directamente no texto, a negrito, a fim de facilitar a respectiva perceptibilidade.
Em função de tudo isto, entende-se que não se verifica o invocado erro de apreciação da matéria de facto, dado que nada impõe decisão diversa nos termos exigidos no artigo 662º[36] do Código de Processo Civil, ficando assim consolidado o acervo factual apurado pela Primeira Instância, com a excepção acima referenciada.
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4.3 – Da errada interpretação do direito:
Os embargos de executado são uma verdadeira acção declarativa e que visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva[37].
A livrança é um título cambiário, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância em certa data, tal como resulta da simples leitura do artigo 75º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças).
A questão controvertida assenta basicamente na distinção entre fiança[38] e aval, sendo que a denominação contratual sugeridas pelas partes não se impõe ao julgador – que, em abono da verdade, deveria evitar que expressões conclusivas ou de direito constassem do acervo factual apurado.
O aval é, em primeiro lugar, uma garantia pessoal, como a fiança o é, mas distinta desta. Com efeito, como observa Ferrer Correia[39], a teoria da fiança não explica porque é que a nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista (art. 32 II/1ª parte), nem o direito de regresso do avalista contra os signatários da letra anteriores ao avalizado na cadeia cambiária (art. 32 III). O aval é uma garantia pessoal, como a fiança; acessória, como decorre do artigo 32. I e como sucede na fiança; mas a acessoriedade não esgota a sua natureza jurídica. Na verdade, como resulta do art. 32 II, a obrigação do avalista não é senão imperfeitamente acessória relativamente à do avalizado: é uma «obrigação materialmente autónoma», embora dependente da do avalizado quanto ao seu aspecto formal[40].
O aval, sendo uma garantia, não se enquadra rigorosamente no conceito jurídico de fiança e as obrigações do avalista e do avalizado são independentes.
A sentença do Juízo de Execução de Montemor-o-Novo defende que a relação subjacente ao aval só pode ser invocada nas relações entre avalista e avalizado. Nesta perspectiva, «a Embargante, enquanto avalista, não poderia sequer opor ao portador da Livrança ora Exequente/Embargado os meios de defesa que apenas competem à subscritora avalizada».
Todavia, da observação do título apresentado resulta claro que não estamos perante um documento cambiário, mas antes somos confrontados com uma promessa de subscrição de uma livrança que estava prevista no contrato de restruturação financeiro subscrito.
Neste cenário o título apresentado é complexo e é constituído pelo contrato de reestruturação e respectiva adenda e pela escritura de hipoteca, pois a livrança não chegou a ser subscrita. É apenas uma promessa sem qualquer eficácia jurídica – mesmo que a mesma tivesse sido materializada o documento correspondente não está incluso nos autos e assim é processualmente inexistente para efeitos de integração jurídica.
Neste campo ao nível do exame do título executivo é patente que houve um erro de percepção do Tribunal recorrido, porquanto se está perante uma fiança subscrita pelo agora embargante no âmbito de um contrato de reestruturação de dívida e documentos complementares e o título não corresponde a uma livrança avalizada pela sociedade embargante.
No entanto, ao contrário do defendido nas alegações de recurso, essa fiança não é nula por falta de forma e é substantivamente válida para os efeitos pretendidos pela instituição financeira exequente.
Debalde, não obstante esse erro de percepção, que condicionou o desenvolvimento do raciocínio do julgador «a quo», ainda assim, face ao título executivo apresentado dúvidas não se suscitam quanto à bondade da solução sentenciada pelo Tribunal recorrido quanto à existência de título válido e da sua vinculatividade para com o terceiro garante.
E o invocado vício negocial não teria nunca os efeitos reclamados pela sociedade recorrente. Quanto à nulidade da garantia decorrente da cláusula 6ª do contrato societário, é indiscutível que, atento o artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais, os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações de sócios.
É paradigmática a posição de Menezes Cordeiro e de Diogo Pereira Duarte quando sublinham que «as limitações que resultassem para a actuação do gerente, quer do contrato de sociedade, quer de deliberação dos sócios, não impedem a vinculação da sociedade pelo acto praticado pelo gerente, até porque a capacidade da sociedade não é coarctada por essas circunstâncias. Tais limitações apenas serão relevantes no quadro da responsabilização do gerente que tenha causado danos no exercício da administração, já que ele está vinculado a não exceder tais limitações»[41].
Neste caso, recaindo sobre si o ónus da prova inscrito no nº 2 do artigo 342º do Código Civil, a sociedade teria de demonstrar que o terceiro sabia que o acto se não configurava como instrumental à prossecução do objecto social ou que, na realidade, não podia ignorar que existe a correspondente limitação societária, sob pena de incorrer nas consequências negativas do non liquet.
Todavia, o quadro fáctico apurado não permite a construção do referido silogismo e é a partir dos factos provados que o Tribunal de Recurso poderia alterar esse juízo, que não pode assentar em meras petições de princípios, em suposições ou em construções hipotéticas sobre o conhecimento que o exequente poderia ter das vinculações e das limitações societárias impostas estatutariamente à sociedade embargante.
Verificado o título executivo dado à execução e a documentação complementar verifica-se que dele constam quais os juros devidos, o modo como devem ser calculados e as consequências em caso de mora. E, nesse espectro lógico-existencial, ao proceder à liquidação nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido utilizou dos critérios adequados, justos e matematicamente irrepreensíveis, de acordo com os elementos disponibilizados nos autos.
Sublinha-se ainda que a parte remanescente da argumentação aduzida constitui matéria nova, como a do benefício da excussão prévia, que não integrava o objecto inicial dos embargos e, como tal, está subtraída à apreciação do Tribunal de Recurso. De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[42] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento em que a proferiu.
Nesta dimensão, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não poder o Tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao Tribunal recorrido[43] [44] [45] [46].
Com este enquadramento visa-se evitar que o Tribunal seja surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e estas eram simples aqueles que se adiantaram no relatório (invalidade do título executivo, nulidade da fiança, nulidade por inobservância da forma legal do contrato de mútuo e erro de cálculo no apuramento da quantia em dívida), a que acrescem, naturalmente, as outras relacionadas exclusivamente com o conteúdo da sentença recorrida.
Contudo, ainda que assim não fosse, perscrutados os factos e os elementos contidos no processo principal e no apenso de oposição não existem elementos que permitam validar a posição da sociedade recorrente ao nível da paralisação dos efeitos da execução por força da operatividade desse mecanismo da excussão prévia, conforme resulta do facto provado identificado sob o nº 8[47].
Em remate, ao falir a tese da existência de vício formal e substancial no título executivo, não existe qualquer fundamento recursivo que afaste a solução adoptada pela Primeira Instância, confirmando-se, por conseguinte, a decisão recorrida.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 21/11/2019
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário

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[1] Ficou consignado na sentença que: «Os restantes factos alegados pelas partes devem considerar-se como matéria de direito ou meramente conclusiva, sendo que, caso assim não se entenda, dão-se aqui por não provados».
[2] A sociedade recorrente refere-se à alínea c) mas é patente que todo o enunciado recursivo se reporta à alínea b).
[3] Artigo 615.º (Causas de nulidade da sentença):
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
[4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil (Anotado), Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 140.
[5] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição – Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 687.
[6] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 670.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/05/2007, in www.dgsi.pt.
[8] Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 736.
[9] A que actualmente correspondem os artigos 614º e 617º do novo Código de Processo Civil.
[10] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, págs. 124-125.
[11] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, págs. 687-689.
[12] No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/03/2015, in www.dgsi.pt, é afirmado que «não são confundíveis nem têm o mesmo regime o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação e o vício da deficiência da motivação da decisão da matéria de facto».
[13] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/06/2015, in www.dgsi.pt.
[14] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 654.
[15] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, pág. 281, que afirma que «a fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça inerente ao acto jurisdicional».
[16] José Manuel Tomé de Carvalho, Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português, Julgar 21, Setembro-Dezembro 2013, pág. 84.
[17] José Manuel Tomé de Carvalho, obra citada, pág. 83.
[18] José Manuel Tomé de Carvalho, obra citada, pág. 84.
[19] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/01/2006, in www.dgsi.pt.
[20] No mesmo sentido, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/01/2002, in www.dgsi.pt.
[21] Lebre de Freitas e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 628.
[22] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/07/2006, in www.dgsi.pt, é dito que «a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzam a determinadas convicções reflectidas na decisão de pontos de facto sob avaliação. Deve, ela, ainda ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos disponíveis e atendíveis».
[23] Alexandre Pessoa Vaz, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 1-241.
[24] Gonçalves Salvador, Motivação, Boletim do Ministério da Justiça nº 121, págs. 85-117.
[25] Oliveira Martins, Justiça Portuguesa, nº 29, pág. 49.
[26] Gonçalves Pereira, Poderes do juiz em matéria de facto, Justiça Portuguesa, nº 32, pág. 81.
[27] Miguel Corte-Real, O dever da fundamentação da decisão judicial dada sobre a matéria de facto, Vida Judiciária, nº 24, pág. 22-24.
[28] Michele Taruffo, Note sulla garanzia constituzionale della motivazione, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, nº 55, págs. 29-38.
[29] Cláudia Sofia Alves Trindade, A prova de estados subjectivos no processo civil: presunções judiciais e regras de experiência, Almedina, Coimbra, 206, págs. 317-225.
[30] Marta João Dias, A fundamentação do juízo probatório — Breves considerações, Julgar nº 13, Janeiro de 2011.
[31] José Manuel Tomé de Carvalho, Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português, Julgar 21, Setembro-Dezembro 2013, remetendo aqui para as demais referências bibliográficas ali contidas sobre este assunto.
[32] Artigo 640º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636.º.
[33] Acórdão de 14/07/2016, in www.dgsi.pt.
[34] No mesmo sentido pode ser consultado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, in www.dgsi.pt, que sublinha que «para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c), do CPC. Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre».
[35] Na esteira da mais avalizada jurisprudência [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2015, in www.dgsi.pt], também entendemos que «não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado».
[36] Artigo 662.º (Modificabilidade da decisão de facto):
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
[37] Lebre de Freitas, A Acção executiva, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 143.
[38] Artigo 627.º (Noção. Acessoriedade):
1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.
[39] Lições de Direito Comercial, vol. III (Letra de câmbio), Coimbra, 1996, págs. 198 e seguintes.
[40] Paulo Sendim e Evaristo Mendes, A natureza do aval e a questão da necessidade ou não do protesto para acionar o avalista do aceitante, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 30.
[41] Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de António Menezes Cordeiro, comentário de Diogo Pereira Duarte, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 680.
[42] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[43] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, in www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo Tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre».
[44] Também na segunda instância a jurisprudência editada é idêntica: No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, é justamente afirmado que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».
[45] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.
[46] Nuno Andrade Pissara, “O conhecimento de Factos Supervenientes Relativos ao Mérito da Causa pelo Tribunal de Recurso em Processo Civil, Revista da Ordem dos Advogados, vol. I, 2012, págs. 287 e seguintes, acessível no site http://www.fd.ulisboa.pt/professores/corpo-docente/nuno-andrade-pissarra.
[47] Nos termos do facto 8 «na sequência da declaração de insolvência da sociedade “(…), Hoteleira e Turismo Lda.”, o Banco ora Exequente reclamou os seus créditos no âmbito do processo nº 17/13.5TBPRL, que corre termos na Comarca de Évora – Évora Instância Local – Secção Cível – J1. Contudo não foi recebida qualquer quantia».