Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1402/17.9T8BJA.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: SENTENÇA CÍVEL
REQUISITOS
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em caso de revelia operante do réu, sendo manifesta a simplicidade da causa, o juiz pode proferir a decisão condenatória do réu por mera adesão à argumentação do autor, o que significa que a sentença não tem que discriminar os factos que julgou provados.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1402/17.9T8BJA.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…) e (…), residentes na Rua do (…), Lote 44, (…), Sesimbra, instauraram contra (…) e mulher, (…), residentes na Rua Professor (…), Lote 5, freguesia de (…), em Serpa, ação declarativa com processo ordinário.

Em resumo, alegaram que por acordo, celebrado em 20/11/2009, os RR prometeram vender e os AA prometam comprar, pelo preço de € 135.000,00, um prédio urbano de rés-do-chão, primeiro andar e quintal, a edificar no lote nº 3, sito no loteamento 4/2004 do “(…)”, concelho de Serpa.

Estipularam no contrato que a escritura de compra e venda seria realizada logo que o prédio estivesse concluído e dispusesse de licença de habitação.

Apesar de várias vezes interpelados pelos AA para cumprirem o contrato, os RR têm-se recusado a realizar a escritura de compra e venda e os AA, por notificação judicial avulsa concretizada em 14/12/2015, fizeram notificar os RR para procederem à marcação da escritura pública de compra e venda no prazo de trinta dias, findos os quais considerariam o contrato de promessa resolvido, por incumprimento definitivo e culposo dos RR.

Os RR não procederam à marcação da escritura e, entretanto, os AA já pagaram aos RR, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 105.000,00.

Concluíram pedindo que se reconheça a resolução do contrato e se condenem os RR a pagarem-lhes a quantia de € 210.000,00 acrescida de juros a contar da citação.

Juntaram aos autos cópia do contrato promessa de compra e venda, comprovativos dos pagamentos e cópia do teor da notificação judicial e comprovativo da sua notificação aos RR.

Os RR ofereceram contestação que, por extemporânea, não foi admitida.

2. Foi proferido despacho que certificou a regular citação dos RR, considerou confessados os factos alegados pelos AA e determinou a notificação das partes para alegarem por escrito, faculdade usada exclusivamente pelos AA.

Seguiu-se a prolação da sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a ação procedente por provada e consequentemente:

A) Declara resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os AA. (…) e (…) e os RR. (…) e (…).

B) Condena os RR. a restituir aos AA. a quantia de € 210.000,00 (duzentos e dez mil euros), correspondente ao dobro da quantia recebida título de sinal e princípio de pagamento, acrescida de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento.

3. Os RR recorrem da sentença e concluem assim a motivação do recurso:
“O presente recurso incide sobre a douta decisão proferida nos presentes autos, que julgou confessados os factos alegados pelos AA., por ter sido considerado a apresentação contestação extemporânea.

2. É desta decisão que os RR interpõem recurso.

3. No n.º 3 do art. 267º do CPC: Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.

4. A causa, não obstante se considerarem confessados os factos articulados pelo autor por falta de contestação, tem de ser julgada conforme for de direito.

5. Uma sentença deve obedecer, na sua elaboração, ao estatuído no nº 3 do art.º 607º do CPC, que manda discriminar os factos que o julgador considera provados, o que implica naturalmente uma prévia seleção dos factos articulados pelo autor.

6. Só depois devendo a causa ser julgada conforme for de direito, in Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 4215/13.3TBBRG.G1, Relator Amílcar Andrade, de 03.07.2014.

7. Pois, o julgador não pode apenas referir-se aos factos como um todo, mas deve discriminá-los, já que a petição inicial, considerados todos os seus artigos, não encerra apenas factos, mas também observações, comentários, asserções conclusivas, entre outros.

8. E não compete à Recorrente fazer a seleção do que acha tratar-se de factos a considerar, ou de não factos, para poder saber qual a base para o seu recurso.

9. E apesar da existência de fundamentação de Direito, na verdade a nossa Lei impõe muito mais ao julgador do que fundamentar a sua decisão de Direito, porque deve desde logo se alicerçar nos factos dados como provados, tenham sido eles contestados ou não.

10. E não nos parece que a expressão “julgo confessados todos os factos alegados pelos Autores na Petição Inicial”, seja suficiente para conseguir “escolher” o que foi considerado facto ou não.

11. Não é pelo facto de existir a confissão pela contestação por ter sido considerada extemporânea e não admitida por isso, que as imposições e as exigências legais, de discriminação dos factos provados deixam de ter aplicação, contrariamente a outra qualquer sentença, que tenha tido contraditório, ou mesmo julgamento.

12. Os ora Recorrentes consideram a sentença nula por não especificar os fundamentos de facto e isto porque, aduz, a sentença se limita a julgar confessados todos os factos alegados pelos Autores na Petição Inicial e não compete à Recorrente fazer a seleção do que acha tratar-se de factos a considerar, ou de não factos, para poder saber qual a base para o seu recurso.

13. A seleção dos factos julgados provados é incumbência do juiz.

14. A sentença aqui em vista, na ausência de qualquer especificidade, deverá observar a configuração ou estrutura exigida pelo referido artº 607º e, assim, designadamente discriminar os factos que considera provados aos quais aplicará o direito e concluirá pela decisão final.

15. A decisão que ora se recorre não se limitou à parte decisória e não dá mostras de haver considerado que a resolução da causa se reveste de manifesta simplicidade, atento o cuidado, é justo dizê-lo, revelado na indicação, interpretação e aplicação do direito – Aliás, seguramente a resolução da causa não se reveste de manifesta simplicidade.

16. A sentença recorrida não discriminou os factos que considerou provados no momento lógico anterior à indicação, interpretação e aplicação do direito e, nesta medida, dela não pode dizer-se, a nosso ver, que haja observado estritamente o formalismo previsto no artº 607º, nº 3, do CPC.

17. A lei considera nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto que a justificam (artº 615º, nº 1, al. b), 1ª parte, do CPC).

18. A ausência de motivação de facto que determina a nulidade da sentença é a omissão total ou absoluta, como se infere da expressão “não especifique os fundamentos de facto”.

19. A sentença recorrida não discriminou separadamente os factos que julgou provados, nem especificou em momento lógico posterior, ou seja, aquando da subsunção dos factos ao direito e, assim, a nosso ver, só pode ser considerada nula por omissão da especificação dos fundamentos de facto, e não só, como alias acima se explana.

20. Assim, a douta sentença de que se recorre padece do vício de nulidade, nos termos do artigo 615º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil, devido à falta de especificação dos fundamentos de facto, e dos próprios factos, cuja formalidade era exigida por imposição do artigo 607º, n.º 3, deste mesmo Código.

21. A sentença do Tribunal a quo deve ser anulada, com base no vício de nulidade por falta absoluta de fundamentação de facto expressa, com as legais consequências.

Nestes termos e nos melhores de Direito, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve conceder-se integral provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro nos termos da antecedente motivação e conclusões sendo a ação considerada improcedente.

Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação e sendo estas que delimitam o seu objeto (artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil) importa decidir se a sentença é nula por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão.

III. Fundamentação.
1. Elementos processuais relevantes.
i) A decisão recorrida tem a seguinte estrutura:
I – Relatório; II – Saneamento; III – Fundamentação, 1. De facto, 2. De direito; IV – Decisão
ii) Na “fundamentação de facto”, consta o seguinte:
“Atento o desentranhamento da contestação apresentada pelos réus, e considerando o disposto nos art.ºs 563º e 567, n.º 1, ambos do CPC, foram considerados confessados os factos articulados pelos autores na petição inicial por despacho de 01.02.2018.
iii) Na “fundamentação de direito”, consta o seguinte:
“Estamos perante uma ação declarativa de condenação.

Nos termos do disposto no art.º 567º, nº 3, do CPC, encontrando-se o réu em situação de revelia operante e se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, pode a sentença limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado. Esta fundamentação sumária, nos casos de revelia operante, pode ser feita por mera remissão para os fundamentos contidos na petição inicial, desde que esta contenha as razões de direito que servem de fundamento à ação (neste sentido, cfr. FARIA, Paulo Ramos [et.al.] – Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil, os artigos da reforma, Almedina, 2013. Vol. I, pág. 158).

Nestes termos, e porque a petição inicial contém as razões de direito que servem de fundamento à ação, adere-se aos fundamentos de direito invocados pela autora, concluindo-se pela procedência total da ação.”

2. Direito

2.1. Se a sentença é nula por não especificar os fundamentos de facto.

Os Recorrentes considera a sentença nula por não especificar os fundamentos de facto e isto porque, argumentam designadamente, “não compete à Recorrente fazer a seleção do que acha tratar-se de factos a considerar, ou de não factos, para poder saber qual a base para o seu recurso”.
Em regra, a sentença deve discriminar os factos que julga provados.
A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enuncia depois as questões que cumpre solucionar e seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (artº 607º, nºs 2 e 3, do CPC).
Estrutura que, em princípio, não se altera no caso de revelia operante do R., como, sem controvérsia, se evidencia ser o caso; se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, o processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias e, em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito (artº 567º, nºs 1 e 2, do CPC).
A sentença aqui em vista, como escrevemos no Ac. desta Relação de 8/2/2018 (proc. 111/10.4TBALR.E1) e vem referido pelos Recorrentes, na ausência de qualquer especificidade, deverá observar a configuração ou estrutura exigida pelo referido artº 607º e, assim, designadamente discriminar os factos que considera provados aos quais aplicará o direito e concluirá pela decisão final.
Mas esta regra tem uma exceção, como aliás, no referido acórdão anotámos:
“Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado (artº 567º, nº 3, do CPC).
Ora, os Recorrentes, que claramente se serviram do mencionado acórdão para construir parte do seu recurso, omitem este segmento o qual tem, a nosso ver, a maior relevância para o caso dos autos.
Sob a epígrafe “efeitos da revelia” prevê o artº 567º, do CPC:
“1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

2 - O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.

3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.”

O último número (nº 3) do preceito veio do D.L. nº 242/85, de 9/7, em cujo preâmbulo designadamente se fez constar: “(o) aumento da distribuição de ações cíveis, especialmente nas comarcas mais populosas do País, tem-se acentuado por tal forma e a perturbação causada a vários níveis pelo acréscimo notório de serviço começa a ser tão intensa em alguns tribunais que, de vários lados, se reconhece a necessidade de introduzir, com urgência, certas modificações no direito processual vigente que ajudem a descongestionar a situação (…)”.
A norma insere-se, assim, num desígnio de simplificação processual e permite, nos casos em que a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, que a sentença se limite à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, ou seja, a sentença aqui em vista, diferentemente da sentença prevista no número anterior (artº 567º, nº 2), “não está sujeita ao rigor imposto pelo artº 659º, nºs 1, 2, 3[cfr. Lebre de Freitas, Montalvão machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 2, 2ª ed. pág. 296], a que corresponde o artº 607º, nºs 1 a 3, vigente.
Assim, em caso de revelia operante do réu, sendo manifesta a simplicidade da causa, o juiz pode proferir a decisão condenatória do réu por mera adesão à argumentação do autor, o que significa, com relevância para os autos, que a sentença não tem que discriminar os factos que julgou provados.

In casu, a sentença foi proferida com recurso a estes pressupostos e, como tal, não se reconhece a sua nulidade na parte em que julgou confessados os factos articulados pelos autores, sem os discriminar.

Afirmam os Recorrente queseguramente a resolução da causa não se reveste de manifesta simplicidade” [cclª 15ª], mas este seu afirmado convencimento não se mostra motivado [nem os Recorrentes, apesar de notificados para o efeito, apresentaram alegações antes de proferida a sentença por forma a excluírem a resolução da causa do âmbito da manifesta simplicidade].

As alegações de recurso não comportam qualquer razão ou argumento demonstrativo ou indiciador de tal afirmação, nem a pretendida anulação da decisão se fundamenta nele, bastando assim dizer que o pedido formulado pelos Recorridos se mostra adequadamente apoiado nos factos alegados e constitui o corolário lógico da subsunção destes às razões de direito que indicaram, o que tudo concorre para que a resolução da causa se oferecesse de manifesta simplicidade, como se decidiu.

Improcede o recurso.

2.2. Custas

Vencidos no recurso, incumbe aos Recorrentes o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em manter a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Évora, 20/12/2018 Francisco Matos
José Manuel Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho