Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4125/15.0T8STB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A condenação da parte como litigante de má fé integra-se na sentença que julga a causa e não pode ser proferida depois desta.
II - Caso seja necessário ouvir as partes sobre a questão, o juiz deverá interromper a elaboração da sentença para, com o exercício do contraditório, ficar cabalmente esclarecido sobre ela e para a poder decidir na sentença.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4125/15.0T8STB.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) e marido, (…) propuseram a presente acção declarativa, de condenação, contra:
(…) e marido, (…),
(…) – Mediação Imobiliária, Lda. e
(…) Seguros, SA,
Peticionando que os Réus sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhes a importância total de € 87.583,10 acrescida de juros de mora, sendo € 67.500,00 a título de restituição do preço que pagaram pelo imóvel cuja anulação peticionam, € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais que alegam ter sofrido e € 1.083,10 por conta das despesas em que incorreram pela celebração do contrato de compra e venda cuja anulação pretendem.
Mais peticionam a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhes todas as rendas que, mensalmente, venham a ter que suportar no arrendamento de habitação que reúna as condições de acessibilidade próprias que garantam à A. mulher a recuperação da doença de que padece e da intervenção cirúrgica a quem tem que ser submetida.
Alegam, para o efeito, e em síntese, que:
Por virtude de doença incapacitante de locomoção de que a A. padece, tiveram de procurar casa em Setúbal que lhes permitisse maior facilidade de acessibilidade e melhores condições de auxílio quando aquela tenha que ser socorrida pelos Bombeiros, bem como boa localização quanto a serviços públicos, médicos e centros de diagnóstico;
Para tal, foi-lhes indicado que uma fracção reunia as condições pretendidas, encontrando-se a Ré (…), enquanto mediadora imobiliária, encarregue da comercialização do imóvel;
Depois de a visitarem, os AA. decidiram comprá-la aos 1.ºs RR.., o que fizeram.
Porém, após a escritura, vieram os AA. a tomar conhecimento de que existia pendente processo de contra-ordenação instaurado pela Câmara Municipal de Setúbal, por irregularidades graves, nomeadamente, relativas a construções realizadas sem autorização/ licença camarária e à ampliação da área construída no terraço posterior da fracção, que aumentou ilegalmente a área construída do mesmo em cerca de 37,5 m2, com ordem de demolição já notificada ao R. (…) para proceder à demolição das construções não autorizadas, repondo o imóvel no seu estado original;
Ao contratarem com os AA. da forma descrita, omitindo as ilegalidades existentes quanto à construção e à pendência do processo de contra-ordenação pendente, os RR. provocaram-lhes um erro-vício na formação da vontade, sem o qual não teriam decidido concluir o negócio caso lhes tivessem sido apresentadas as reais condições da fracção.
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Os RR. contestaram pugnando pela improcedência da acção.
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Depois de realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, datada de 14 de Novembro de 2016, cuja parte decisória é a seguinte:
Julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção interposta pelos AA., (…) e marido, (…), e, em consequência:
1. Declaro anulado e de nenhum efeito o contrato de compra e venda celebrado por escritura pública de (…), no Cartório Notarial do Notário António José Alves Soares, sito na Avenida da República, 15, em Lisboa, mediante o qual os AA. compraram aos RR. (…) e (…) a fracção autónoma designada pela letra Z, correspondente ao décimo andar direito, para habitação, do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Av. (…), nº 25-A, 25-B, 25-C, 25-D e 25-E, em Setúbal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº (…), da freguesia de (…), e inscrita na matriz predial urbana da união de freguesias de Setúbal sob o artigo (…);
2. Condeno os RR. (…) e (…), solidariamente, a restituir aos AA., (…) e (…), o preço por estes entregue pela referida compra e venda, no montante de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;
3. Condeno os RR. (…), (…), (…) – Mediação Imobiliária, Lda., e (…) Seguros, SA, solidariamente, a pagar aos AA., (…) e (…), a quantia de € 1.083,10 (mil e oitenta e três euros e dez cêntimos), a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, a título de despesas que estes suportaram pela realização do contrato referido em 1.;
4. Condeno os RR. (…) e (…), solidariamente, a pagar aos AA., (…) e (…), a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, a título de ressarcimento dos danos morais que a estes provocaram;
5. Condeno as RR. (…) – Mediação Imobiliária, Lda., e (…) Seguros, SA, solidariamente, a pagar aos AA., (…) e (…), a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros), a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, a título de ressarcimento dos danos morais que a estes provocaram;
6. Absolvo os RR. do demais peticionado, na presente acção, pelos AA..
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Depois da sentença, por despacho de 16 de Fevereiro de 2017, foram os 1.ºs RR. condenados como litigantes de má fé em multa.
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Desta sentença recorrem os RR. (…) e (…) defendendo que deverá, em consequência, revogar-se parcialmente a douta sentença impugnada e, em sua substituição, reduzir o montante a restituir pelos Apelantes (…) e (…), solidariamente, aos Apelados (…) e (…), pela anulação da escritura pública, e julgar-se improcedente na parte em que condenou os Apelantes, a título de ressarcimento dos danos morais aos AA. e da litigância de má fé que se afigura terem praticado.
As conclusões das suas alegações são as seguintes:
1.A douta sentença impugnada conhece sobre questões de que não podia conhecer, por já se encontrar extinto o poder jurisdicional;
2.Tendo-o feito, violou o Tribunal a quo o estatuído no artigo 613º, nº 1 e 3, do CPC por já se encontrar esgotado o poder jurisdicional do Tribunal de 1ª instância.
3.Não devendo os apelantes serem condenados como litigantes de má fé.
4.No julgamento de facto, concluiu o Tribunal a quo, após análise à declaração de parte do A. marido (…) e do depoimento das testemunhas (…) e do depoimento da (…) que os AA/Apelados não foram informados das divergências de áreas, real e das constantes da matriz e registo predial.
5.Salvo melhor, opinião não considerou o depoimento de parte do Apelante (…) no concerne à informação verbal prestada por este, relativamente às divergências de áreas, real, constante da matriz e do registo e das explicações dadas sobre as obras ilegais, nomeadamente, a marquise.
6. Porém, cremos, tais conclusões, que resultam dos factos provados nºs 6 e 45 (1ª parte) não têm sustentação na prova salientada pelo Tribunal a quo na fundamentação de facto da douta sentença, tendo incorrido em erro de julgamento;
7. Na verdade, extrai-se de tais depoimentos que os AA tiveram conhecimento de tais divergências de áreas e da ilegalidade da obra (marquise).
8. Analisado o teor dos depoimentos das testemunhas Pedro Dinis e Neide Martinho se conclui que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
9. Do teor de tais depoimentos resulta que os AA/Apelados foram informados pelo (…) da divergência de áreas e que obteve esta informação em conversa prévia com o Apelante (…).
10. As testemunhas revelaram conhecimento directo dos factos depondo de modo coerente.
11. Ou seja, o Tribunal a quo não poderia ter considerado provado, com fundamento nos meios de prova expressos na douta sentença, em concreto os depoimentos das testemunhas (…) e (…) que os AA não tinham conhecimento da divergência de áreas, entre a real e a que consta da caderneta predial e registo e da obra ilegal (marquise).
12. Concluem os Apelantes face às regras de experiência comum, aos factos provados constantes dos pontos 33º, 45º (1ª parte) e 46º, e à prova produzida, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas (…) e (…) que deverá considerar-se como provada a matéria vertida nos pontos 1 (1ª parte) e ponto 3 (1ª parte) [dos factos não provados] tendo como consequência a não prova do facto provado nº 33, considerando-se provado que (…) informou os Apelados da divergência de áreas, real e a que consta da matriz e do registo predial e da obra ilegal, marquise.
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Foram colhidos os vistos.
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O n.º 6 e o n.º 45 da exposição da matéria de facto têm o seguinte teor:
6. Nessa medida, os AA. visitaram o imóvel, acompanhados do referido (…), de (…) e do R. (…), tendo verificado que o mesmo era composto por sala, sala de refeições, cozinha, dois quartos, “closet” e casa de banho, para além de terraço no qual existia um telheiro com churrasqueira, sendo a área coberta de 72,78 m2, tal como constava do certificado energético;
45. Na visita à fracção, supra aludida em 6., o comercial (…) referiu que existia uma diferença de área entre a real e a que constava do registo predial, motivada pela existência de uma marquise na cozinha, mas salientou que tal questão se encontrava resolvida por ter sido paga uma coima junto da Câmara Municipal de Setúbal, que arquivou o processo;
Pretendem os apelantes que o tribunal não podia dar estes factos como provados. Mas o que está provado, parece-nos, é o que os recorrentes querem. Com efeito, o tribunal aceitou que havia divergências de área entre a realidade e os documentos e que tinha que ver com a construção de uma marquise. Mas, uma vez que o problema estava resolvido, deixou de ter relevância.
Por isso, o tribunal deu por não provado que (…) tenha informado os AA. de que a área da mesma não correspondia com a que consta da caderneta predial e do registo, não tendo aqueles feito qualquer objecção. É que qualquer objeção não tinha sentido dado que o problema (desta diferença de áreas resultante da construção da marquise) tinha sido resolvido. É que nem sequer é crível que o comercial (conforme o seu depoimento) informasse os potenciais compradores que estariam a comprar uma parte legalizada da fracção. É duvidoso que um agente imobiliário fizesse uma afirmação destas como o é que alguém comprasse o apartamento nessas condições.
Assim, mantém-se esta parte tal como se mantém o facto não provado n.º 1.
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O n.º 33 é este:
33. Os AA., ao contratarem com os RR. (…), (…) e (…), encontravam-se convencidos de que a fracção era constituída por toda a área que lhes foi apresentada e mostrada.
Não cremos que haja aqui qualquer erro de julgamento nem os depoimentos poderiam contrariar tal facto. Com efeito, tendo visitado a casa, é óbvio que os recorridos se convenceram que o que viram era o que iriam comprar. Seria absolutamente contra as regras da experiência comum que alguém comprasse um apartamento mas sem a marquise ou qualquer outra parte. Um apartamento é uma fracção delimitada, bem delimitada por paredes. Uma varanda, esteja ou não fechada, é parte integrante do apartamento e está à vista de todos que assim é.
Não vemos, pois, qualquer prova que implique que aquele facto deveria se não provado. Factos extraordinários requerem provas extraordinárias e estas os recorrentes não apresentam.
Assim, não se altera.
*
Em relação ao facto não provado n.º 3 (os RR. (…) e (…) deram à Ré (…) informação das obras existentes no terraço e às obras pendentes de legalização e entregue toda a documentação relativa ao imóvel), é patente que tal impugnação não pode proceder.
Com efeito, e como se nota na sentença recorrida (pp. 19-20), os RR. confessaram tal facto na audiência de julgamento, o que foi reduzido a escrito na respectiva acta. Tal confissão tem força probatória plena contra o confitente (art.º 358.º, n.º 1, Cód. Civil) sendo certo que não se produziu prova que mostrasse não ser verdadeiro o facto confessado (art.º 347.º).
Assim, também aqui nada se altera.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. A A. mulher sofre de doença incapacitante de locomoção, tendo recomendação médica para cirurgia;
2. Quando tal acontecer, não poderá subir ou descer escadas, tendo de ser auxiliada pelos bombeiros, dado que a idade e compleição física do A. marido não permitem suportar o peso da mesma;
3. Em face das limitações físicas de que a A. mulher padece, os AA. decidiram procurar, para comprar, uma casa no centro da cidade de Setúbal, compatível com as facilidades de locomoção daquela, e com boa localização quanto a serviços públicos, médicos e centros de diagnóstico, já que habitavam num terceiro andar sem elevador;
4. Para facilitar essa procura, os AA. recorreram à agente de mediação imobiliária (…), que prestava funções para a sociedade denominada (…) 21, e que lhes indicou que reunia os requisitos pelos mesmos exigidos a fracção designada pela letra Z, correspondente ao décimo andar direito, para habitação, do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Av. (…), nº 25-A, 25-B, 25-C, 25-D e 25-E, em Setúbal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº (…), da freguesia de (…), e inscrita na matriz predial urbana da união de freguesias de Setúbal sob o artigo (…);
5. A mediação da venda da referida fracção estava a cargo da Ré (…) – Mediação Imobiliária, Lda., sendo o seu empregado (…) o responsável pela respectiva comercialização;
6. Nessa medida, os AA. visitaram o imóvel, acompanhados do referido (…), de (…) e do R. (…), tendo verificado que o mesmo era composto por sala, sala de refeições, cozinha, dois quartos, “closet” e casa de banho, para além de terraço no qual existia um telheiro com churrasqueira, sendo a área coberta de 72,78 m2, tal como constava do certificado energético;
7. Dado que o imóvel reunia as condições de espaço, localização e acessibilidade e se encontrava dentro dos limites do preço, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, em 21.01.2015, pelo qual os AA., na qualidade de promitentes-compradores, prometeram comprar, pelo preço de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros) a dita fracção aos RR. (…) e (…), que intervieram na qualidade de promitentes-vendedores, nos seguintes termos:
– A título de sinal e princípio de pagamento, os AA. entregaram aos referidos RR., no acto da celebração do referido contrato-promessa, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);
– O remanescente do preço (€ 57.500,00) seria pago pelos AA. na data da outorga da escritura pública de compra e venda;
8. Do teor do contrato-promessa não constava a área da fracção nem a sua composição, nem foi junto ao mesmo o teor da descrição predial nem da matriz;
9. Os AA. não necessitaram de recorrer a financiamento bancário porquanto, para adquirir a referida fracção, tinham vendido um imóvel que possuíam no Concelho de Montemor-o-Novo pelo preço de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros);
10. O produto da venda do referido imóvel sito em Montemor-o-Novo destinou-se, na íntegra, à aquisição da fracção supra referida em 4.;
11. Os AA. abdicaram, com mágoa, do referido imóvel que possuíam em Montemor-o-Novo, mas para tal sobrepôs-se a necessidade de adquirir uma habitação compatível com as necessidades de acessibilidade da A. mulher;
12. Na sequência do contrato-promessa supra referido em 7., em (…), no Cartório Notarial do Notário António José Alves Soares, sito na Avenida da República, 15, em Lisboa, foi outorgada a escritura de compra e venda da referida fracção;
13. Previamente à outorga da referida escritura não foi efectuado registo provisório da aquisição, nem os AA. prepararam ou agendaram a escritura, não tendo também reunido a documentação necessária à sua realização, já que tudo isso foi tarefa da Ré (…);
14. Após a realização da escritura, o A. marido deslocou-se à fracção, na companhia do supra mencionado (…), para uma explicação sumária sobre o funcionamento dos electrodomésticos e para preparar a mudança;
15. Nessa ocasião, foi o A. marido abordado pela porteira do prédio, que lhe comunicou que a fracção apresentava problemas de construção, e que os RR. (…) e (…) foram alvo de multas autuadas pela Câmara Municipal de Setúbal;
16. Face a tal abordagem, vieram os AA. a apurar que, junto da Câmara Municipal de Setúbal, pendia processo de contra-ordenação por violação das regras urbanísticas e por a construção da fracção apresentar irregularidades graves;
17. Tais irregularidades consistiam na existência de obras executadas no terraço da cobertura do edifício, levadas a cabo pelo R. (…), sem autorização camarária para o efeito, tendo este construído, na fracção, um telheiro em madeira no terraço anterior e procedido à ampliação da área construída no terraço posterior com instalação de “marquise” envidraçada;
18. Efectivamente, com data de 30.01.2007, o Departamento de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de Setúbal, no âmbito do processo nº (…), levantou auto de notícia pelas construções referidas em 17. e, em 27.03.2009, notificou o R. (…) para, em 30 dias, proceder à demolição da obra;
19. Em resposta à notificação de 27.03.2009, o R. (…) apresentou defesa, em 03.04.2009, e requereu a regularização da obra executada, tendo o Município respondido que a possibilidade de licenciamento das obras dependia de formalização, pelo referido R., de pedido de informação prévia, dado que o edifício se encontrava abrangido por servidão a imóvel de interesse público, tendo notificado o mesmo, por ofício de 25.06.2009, para, em 30 dias, formalizar tal pedido;
20. Nessa sequência, o R. (…) solicitou, em 22.07.2009 e 22.03.2010, a prorrogação do referido prazo, o que lhe foi concedido;
21. Tendo sido constatado que, não obstante tais prorrogações do prazo, o R. (…) não solicitou o licenciamento das construções, foi aquele notificado, por ofício de 17.11.2010, para proceder à demolição das obras, em 40 dias;
22. Em resposta, o R. solicitou novo prazo de 60 dias para apresentar projecto de legalização das obras, tendo a Câmara Municipal de Setúbal participado a actuação daquele ao Ministério Público, por não ter cumprido a ordem administrativa que anteriormente lhe foi dirigida;
23. Tal participação deu origem ao processo nº 2729/11.9TASTB, que culminou na prolação de despacho de arquivamento do inquérito;
24. A 09.02.2012, o R. (…) foi notificado, por mandado pessoal, para, em 40 dias, proceder à demolição das obras supra referidas em 17., repondo a fracção no seu estado original;
25. Nessa sequência, a 10.02.2012, o R. solicitou esclarecimento sobre o referido mandado, tendo a Câmara Municipal de Setúbal informado que a legitimidade do município decorre das normas legais no mesmo invocadas;
26. Os RR. (…) e (…) não solicitaram o licenciamento das construções nem procederam à demolição das obras;
27. Por visita ao local solicitada pelos AA., os serviços de fiscalização da Câmara Municipal de Setúbal constataram, a 10.04.2015, que as obras de alteração dos espaços interiores e de ampliação da fracção levadas a cabo pelos RR. (…) e (…) determinaram um aumento de área construída em cerca de 37,5m2;
28. Nessa sequência, os serviços de informação técnica da Câmara Municipal de Setúbal propuseram, a 15.04.2015, que os AA., enquanto actuais proprietários da fracção, sejam notificados para, em 60 dias, procederam à demolição das obras de alteração/ ampliação, repondo-a no seu estado original ou, em alternativa, submeterem à apreciação dos serviços técnicos camarários um pedido de informação prévia tendente à legalização de tais obras;
29. Os AA. já tinham contratado uma empresa de mudanças para proceder à transferência do recheio do terceiro andar em que habitam para a fracção objecto dos autos, que tinham acabado de adquirir;
30. Após o conhecimento do estado de ilegalidade em que se encontrava o imóvel, os AA. já não aceitaram mudar de residência, tendo os RR. (…) e (…) e a Ré (…) rejeitado qualquer responsabilidade, já que a venda estava concretizada;
31. A fracção supra identificada, por força das obras descritas em 17., encontra-se implantada sobre parte do edifício considerado parte comum dos demais condóminos (terraço);
32. Aquando da negociação entre os AA. e os RR. (…), (…) e (…), não foi esclarecido que parte da área apresentada como sendo da fracção não fazia parte da mesma, por não se encontrar licenciada e aprovada a sua utilização;
33. Os AA., ao contratarem com os RR. (…), (…) e (…), encontravam-se convencidos de que a fracção era constituída por toda a área que lhes foi apresentada e mostrada;
34. Os RR. (…) e (…) ocultaram dos AA. a pendência do processo camarário e a ordem de demolição supra referidos;
35. Caso os AA. tivessem tido conhecimento da ampliação não licenciada, da ordem de demolição e da falta de correspondência da área licenciada, não teriam adquirido a fracção;
36. A A. mulher nasceu em 04.05.1947 e o A. marido nasceu em 26.04.1937;
37. O A. marido foi militar de profissão, encontrando-se reformado, sendo a A. mulher doméstica;
38. Uma vez que não foram habitar a fracção que adquiriram aos RR. (…) e (…), os AA. residem, actualmente, numa habitação pela qual pagam, de renda, € 350 mensais;
39. Os AA., por força da ilegalidade das construções que a fracção apresenta, atenta a ordem de demolição camarária anteriormente emitida e o facto de terem tido a necessidade de interpor a presente acção, vivem com desgosto e amargura;
40. Os AA., quando tiveram conhecimento da ilegalidade das construções existentes na fracção, sofreram desilusão e desgosto, já que a decisão de aquisição foi motivada pelos problemas de saúde da A. mulher;
41. Pelo acto de transmissão da fracção, designadamente, pelas despesas notariais, pelo registo de aquisição e imposto de selo devido, pagaram os AA. a importância total de € 1.083,10;
42. Entre os RR. (…) e (…) e a Ré (…) foi celebrado acordo pelo qual esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da fracção supra identificada, mediante o preço que aqueles estipularam;
43. Através de contrato de seguro titulado pela apólice (…), a Ré (…) Seguros, S.A., assumiu a responsabilidade de indemnizar terceiros em virtude de danos causados pela Ré (…) no exercício da sua actividade de mediação, até ao montante máximo, por sinistro, de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), ficando a cargo da segurada uma franquia de 10% da indemnização, no mínimo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);
44. A A. mulher, para aceder ao interior da fracção que adquiriu, teria de subir um lanço de escadas, mas era possível colocar, no corrimão, um dispositivo de transporte, semelhante a uma cadeira, adequado às suas dificuldades de locomoção;
45. Na visita à fracção, supra aludida em 6., o comercial (…) referiu que existia uma diferença de área entre a real e a que constava do registo predial, motivada pela existência de uma marquise na cozinha, mas salientou que tal questão se encontrava resolvida por ter sido paga uma coima junto da Câmara Municipal de Setúbal, que arquivou o processo;
46. Tal informação foi obtida, pelo referido (…), em conversa prévia que manteve com o R. (…), seu conhecido de infância;
47. A Ré (…) não foi informada pelos RR. (…) e (…) do processo camarário e ordem de demolição supra referidos em 16. a 26.;
48. A Ré (…) não se inteirou, junto da Câmara Municipal de Setúbal, da situação relativa à fracção, designadamente, quanto à veracidade e completude da informação supra referida em 45;
49. A presente acção foi intentada em 11.05.2015.
*
Quase toda a alegação dos recorrentes incide sobre a matéria de facto (n.ºs 4 a 12 das respectivas conclusões).
Mas mantendo-se exactamente a mesma a matéria de facto que o Tribunal de 1.ª instância considerou, e não havendo qualquer argumento jurídico contra a sentença, esta deve ser mantida.
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Resta o problema da condenação dos recorrentes como litigantes de má fé, ou melhor, a questão do momento dessa condenação.
Pode ela ser proferida depois da sentença que julga o mérito da causa?
O despacho que contém tal condenação teve boa noção do problema e, com o argumento de que o «que está já apreciado, e não pode voltar a ser objecto de decisão, é o mérito da causa, nos termos da sentença proferida, e é nessa amplitude que o poder jurisdicional se mostra esgotado (art. 613º, nº 1, do CPC)», proferiu a referida condenação. E acrescentou: «não dispondo os autos, à data da prolação da sentença, de todos os elementos que possibilitassem a apreciação da litigância de má fé dos Réus, não poderia tal matéria ter sido conhecida, e decidida, nessa sede. E os elementos em falta eram, como é evidente, a pronúncia das partes, maxime, dos visados, sobre tal questão, a qual, conforme resulta claramente dos autos, não havia sido colocada nem discutida até tal momento».
Sem dúvida que a audição das partes é obrigatória, nos termos do art.º 3.º, Cód. Proc. Civil (veja-se o ac. do STJ, de 11 de Setembro de 2012), mas tal não significa logo que o contraditório tenha de ser exercido depois da sentença.
O juiz quando prepara a sentença vai-se apercebendo melhor e com mais atenção das diversas questões que tem que resolver, sendo uma delas a da litigância de má fé. E é nesta fase que encontra fundamento para a condenação.
Que deverá o juiz fazer?
Uma resposta é que o juiz deve interromper a elaboração da sentença para ouvir as partes sobre o assunto. Assim, em vez de assentar a sua decisão de cumprir o contraditório com base em factos firmes (no que à sua instância diz respeito; e isto apenas por causa da possibilidade de impugnação da matéria de facto), assentá-la-á no conhecimento que tem do processo e dos termos em que se preparava para elaborar a sentença. O juiz não afirma que, com base nos factos provados, pode haver uma condenação; afirma antes que lhe parece, face à análise que já fez da prova (e que as partes não conhecem, é claro), que a condenação é pertinente ou, pelo menos, possível. Depois de ouvir as partes, profere a sentença onde consta, também, a condenação por litigância de má fé.
A outra resposta é a que a 1.ª instância seguiu: firmar os factos provados incluídos na sentença, decidir o mérito da causa e, só então, e depois de convidar as partes a se pronunciar, proferir a condenação. Esta solução tem o mérito de a eventual condenação assentar em factos já provados e do conhecimento das partes (uma vez que a sentença lhes foi notificada).
No entanto, a lei manda julgar na sentença tudo o que tenha de o ser: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, podendo ocupar-se das questões que são de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, Cód. Proc. Civil).
Daqui resulta que a questão da litigância de má fé é uma das que o tribunal tem sempre de conhecer, seja porque é de conhecimento oficioso, seja porque as partes assim o requereram.
*
[Quando afirmamos que é uma questão que há-de ser sempre julgada não queremos dizer que o juiz tenha sempre que se pronunciar sobre ela; apenas o fará se o problema surgir (ou seja, não tem que afirmar, só porque é de conhecimento obrigatório, que as partes não litigaram de má fé).]
*
Sendo assim, isto é, sendo a litigância de má fé uma questão a julgar, a par de outras, ela deve ser julgada na sentença.
Em nada choca que a elaboração da sentença seja interrompida: no caso de o juiz não se considerar suficientemente esclarecido, a lei permite tal interrupção (art.º 607.º, n.º 1). Ora, nesta questão em que o princípio do contraditório é imperativo, parece-nos claro que só após a sua observância o juiz se poderá considerar esclarecido sobre o assunto. Não que se lhe exija que reabra a audiência para resolver esta situação mas tão só que proceda às diligências necessárias (no caso, ouvir as partes).
Por isso, concordamos com os recorrentes quando afirmam que o poder jurisdicional já se encontrava esgotado aquando da prolação do despacho que os condenou (cfr., no meso sentido, os acs. desta Relação, de 12 de Março de 2015, e da Relação de Guimarães, de 2 de Junho de 2016).
Assim, esta decisão não se pode manter.
*
Uma vez que não foi deduzida oposição ao pedido de revogação da dita condenação, os recorridos não decaíram no recurso.
Assim, a totalidade das custas será a cargo dos recorrentes.
*
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e revoga-se a condenação em litigância de má fé.
No mais, mantém-se o decidido.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 23 de Novembro de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho

Sumário:
I - A condenação da parte como litigante de má fé integra-se na sentença que julga a causa e não pode ser proferida depois desta.
II - Caso seja necessário ouvir as partes sobre a questão, o juiz deverá interromper a elaboração da sentença para, com o exercício do contraditório, ficar cabalmente esclarecido sobre ela e para a poder decidir na sentença.