Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
175/14.1PBPTG.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VALORAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 11/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - É da experiência comum que testemunhas presenciais não apreendem todos os aspetos em que se desdobra o acontecimento observado, nem que, sendo várias as pessoas, o acontecimento percecionado e relatado não coincida em todos os pormenores.

II – Assim, eventuais discrepâncias e incompletudes, devidamente explicadas e contextualizadas, não suportam dúvida séria e inultrapassável sobre a realidade dos factos que pudesse consubstanciar a ocorrência de erro de julgamento por violação do princípio in dubio pro reo ou qualquer outra regra ou princípio norma de direito probatório ou, ainda, regra lógica ou da experiência, que impusesse ao tribunal de recurso decisão diversa da recorrida.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

1. – Nos presentes autos, que correram termos na Secção criminal (J1) da Instância local de Portalegre da Comarca de Portalegre, foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal singular RM, nascido a 26 de Janeiro de 1981, solteiro, estudante, a quem o MP imputara a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do Código Penal, sendo-lhe ainda imputada, em acusação particular deduzida pelo assistente, DR, a prática de um crime de injúria, p. e p. pelos art.ºs 181.º e 183.º, n.º 1 do Código Penal.

2. ULSNA EPE deduziu pedido cível contra o arguido, peticionando o reembolso das despesas relativas aos cuidados hospitalares prestados à ofendida, no montante de €195,87, pedido este que foi reduzido para €91,91.

3. Realizada a audiência de julgamento, o tribunal singular decidiu:
a) Condenar o arguido, RM, como autor material de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita à condição do arguido, em idêntico período, pagar ao demandante a quantia que vier a ser arbitrada em sede de pedido cível;

b) Absolver o arguido RM da prática do crime de injúria, p. e p. pelos art.ºs 181.º e 183.º, n.º 1 do Código Penal que lhe vinha imputado;

c) Condenar o arguido RM pela prática do crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º do Código Penal na pena de quarenta dias de multa, à taxa diária de seis euros, no montante global de duzentos e quarenta euros;

d) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido nas penas supra expostas.

e) Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido pela ULSNA, EPE e, em consequência condenar o demandado no pagamento da quantia de €91,91, acrescido de juros legais contados desde a citação até integral pagamento;

f). Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido por DR e, em consequência, condenar o demandado no pagamento ao demandante da quantia de €800,00, a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença.

3. – O arguido vem interpor recurso daquela sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões,

«CONCLUSÃO

1. O recorrente considera que da prova produzida em sede de audiência e julgamento não pode concluir que tenha praticado os factos pelos quais vem condenado.

2. O tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do arguido parcialmente conjugadas com as declarações do assistente e das testemunhas PM, AC, CA e HM ouvidas em audiência e teor da documentação fls 17-19 e 95.

3. O arguido foi condenado pelo crime de injúrias resultando do depoimento das testemunhas unanimemente que não se aperceberam nem ouviram o teor das expressões proferidas pelo arguido;

4. E num crime de ofensas á integridade física simples resultando do depoimento das testemunhas incongruências e contradições variadas, não resultando cabalmente provado que o arguido praticou o crime.

5. Da documentação clinica junta aos autos não se pode retirar que tal facto tenha resultado da invocada agressão, na medida em que da prova testemunhal é incompatível com o relatório de urgência.

6. Face ao exposto deveria o tribunal presumir a inocência do arguido com respeito ao princípio do in dúbio pro reo.

7. Havendo um erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (Art. 410 alinea a) e c) do CPP

8. E manifestamente um erro de julgamento uma vez que a produção de prova impõe decisão diversa da recorrida

9. Deve a pena de prisão suspensa ser substituída por pena de multa.

Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado revogando-se a douta sentença recorrida substituindo-a por outra que absolva o arguido do crime de ofensas á integridade física simples e do crime de injúrias.

E caso assim não se entenda

DEVE O ARGUIDO SER CONDENADO EM PENA DE MULTA»

4. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, concluindo pela total improcedência do recurso.

5. - Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido depois de analisar as diversas questões suscitadas no recurso.

6. – Notificado da junção daquele parecer, o arguido recorrente nada acrescentou.

7. – A sentença recorrida (transcrição parcial):

«A) Factos Provados
Discutida a causa provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 19 de Junho de 2014, pelas 23 horas, no Pavilhão Polidesportivo do Atalaião, em Portalegre, decorria um jogo de futsal, sendo que o arguido era um jogador da equipa da M. e o ofendido DR era o árbitro do mesmo jogo;

2. A determinada altura do jogo, o arguido proferiu, em voz alta, as expressões “cabrão” e “filho da puta” dirigidas ao ofendido, por ter discordado de uma decisão do mesmo;

3. O ofendido na sequência do comportamento do arguido, mostrou-lhe um cartão vermelho e o arguido aproximou-se do ofendido e desferiu-lhe um murro, com a sua mão direita, atingindo-o no lado direito da cabeça;

4. Com a conduta supra descrita, causou o arguido no ofendido dores e mal-estar;

5. As palavras proferidas pelo arguido magoaram, humilharam e ofenderam o assistente;

6. O assistente é dito como uma pessoa séria, honesta e pacata, e desenvolve a actividade de arbitragem com iguais valores e de forma isenta;

7. O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito concretizado de atingir a saúde e bem-estar do ofendido bem como a sua honra e dignidade, o que quis, bem sabendo que a sua conduta era adequada a causar dores e ferimentos, como efectivamente causou, e a ofender a honra do assistente, como ofendeu;

8. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e mesmo assim não se coibiu de as praticar;

9. No dia 19 de Junho de 2014, pelas 23h52 e na sequência da agressão perpetrada pelo arguido, DR foi assistido na consulta de urgência da ULSNA, EPE;

10. Na realização da assistência supra referida, foram prestados cuidados de saúde cujas despesas, por liquidar, importam o montante de €91,91;

11. Ao assistente foi diagnosticada contusão leve parietal direita;

12. Durante os dois a três dias seguintes à descrita conduta do arguido, e como consequência directa desta, o assistente continuou a sofrer, com intermitência, de dores na cabeça;

13. Em consequência do que careceu de tratamento com analgésicos e gelo;

14. Os factos praticados pelo arguido magoaram física e emocionalmente o assistente, o qual se sentiu envergonhado;

15. O demandante, fruto da agressão em causa, passou momentos de agitação e instabilidade emocional, tendo ponderado abandonar a arbitragem;

16. O arguido está desempregado, auferindo subsídio de desemprego no valor de €400,00 mensais;

17. Vive com a mulher, a qual trabalha, auferindo um salário de cerca de €600,00, e duas filhas, actualmente com 3 e 7 anos de idade;

18. Vivem em casa arrendada pela qual pagam €400,00 mensais;

19. Nas declarações que prestou, o arguido afirmou que o ofendido se quer aproveitar dele, não revelando qualquer juízo crítico em relação aos factos que praticou;

20. O arguido foi condenado, em 13/11/2009, pela prática, em 22/09/2008, de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

21. O arguido foi condenado, em 15/12/2015, pela prática, em 20/07/2013, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º, 184.º e 132.º, n.º 2 al. j), todos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa.
*
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
a) As expressões tenham sido proferidas pelo arguido de forma a serem ouvidas por quem quer que se encontrasse nas imediações, como na verdade aconteceu;

b) As dores descritas em 12 dos factos provados fossem latejantes;

c) Durante cerca de cinco dias, o demandante tenha padecido de dor no coro cabeludo na zona atingida pela agressão e tivesse tido dificuldade em pentear-se;

d) Durante três a cinco dias o demandante tivesse tido dificuldades em dormir, custasse a adormecer e acordasse com frequência, quer em virtude das dores que sentia, quer em sobressalto vivenciando o episódio de que foi vítima;

e) O assistente se tenha sentido angustiado.
*
B) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do arguido, parcialmente, conjugadas com as declarações do assistente e das testemunhas PM, AC, CA e HM ouvidas em audiência, bem como no teor da documentação de fls. 17-19 e 95.

Vejamos.
O Tribunal deparou-se com duas versões dos factos: a apresentada pelo arguido e pela testemunha BC, seu irmão; e a apresentada pelo assistente e corroborada pelas testemunhas PM, AC, CA e HM, as quias não têm nenhuma ligação familiar com o assistente. Sucede que a versão apresentada pelo assistente encontra apoio na documentação clínica, apesar da tentativa do arguido de “lançar confusão” com a agressão que aquele tinha sofrido no dia anterior, e é mais credível que a apresentada pelo arguido. Efectivamente, da documentação clínica resulta que as lesões são em partes diferentes do corpo e as queixas também diferentes, fazendo cair por terra a tese do arguido de que o ofendido quer é aproveitar-se. Por outro lado, tivemos ainda a testemunha BA, o qual começou por relatar a versão apresentada pelo arguido, acabando por admitir, após ter sido ordenada a extracção de certidão por suspeitas da prática de um crime de falsidade de testemunho, que não viu o momento da agressão (conforme já havia declarado em sede de inquérito). Em contrapartida as testemunhas PM, AC, CA e HM relataram os factos de forma escorreita, verosímil e isenta, declarando terem assistido aos factos, tendo uma correcta percepção do sucedido, apesar de se ter gerado alguma confusão. Não se viu nos seus depoimentos razões para não os ter por verdadeiros.

Em face do que fica dito, o descrito em 1 foi admitido pelo arguido.

Já o descrito em 2 dos factos provados resultou das declarações do assistente.

O descrito em 3 resultou da conjugação das declarações do assistente conjugadas com as das testemunhas PM, AC, CA e HM.

O mencionado em 4 e 11 resultou das declarações do assistente, conjugadas com o teor da documentação clínica junta aos autos.

Já o descrito em 5 e 6 resulta da conjugação das declarações do assistente, da testemunha SR, a qual apesar de ser mulher do assistente, prestou um depoimento isento e credível.

O mencionado em 7 e 8 resulta da conjugação da restante factualidade com as regras da experiência comum.

O que consta dos pontos 9 e 10, resulta da conjugação das declarações do assistente, com a documentação clínica junta aos autos, e documento de fls. 95.

O descrito em 12 a 15 resultou das declarações do assistente, conjugadas com o depoimento da testemunha SR.

Quanto às condições de vida do arguido (pontos 16 a 18), o Tribunal baseou-se nas declarações daquele, que nos pareceram sinceras e verosímeis.

O descrito em 19 resultou das declarações do arguido, o qual apresentou uma razão pouco credível e revelou pouco respeito pela vítima, ao afirmar que este não foi agredido e que quer aproveitar-se, o que é revelador da falta de sentido crítico dos actos que adoptou.

No que se refere aos antecedentes criminais (pontos 20 e 21) considerou-se o certificado junto aos autos.
*
Quanto aos factos não provados, tal resultou de, em audiência, não ter sido efectuada prova cabal da veracidade dos mesmos.

Quanto ao descrito em a), as testemunhas PM, AC, CA e HM afirmaram não terem percebido que palavras o arguido dirigiu ao assistente, donde se deduz que o público ali presente também não as terá conseguido ouvido.

Já o descrito em b) a e) não resultou das declarações do assistente, nem da testemunha SR, únicos que depuseram sobre essa matéria.
*
C) Fundamentação jurídico-penal
(…)

D) Escolha e medida da pena
Pela prática do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, incorre o arguido na pena de prisão de até 3 anos ou pena de multa.

Pela prática do crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º do Código Penal incorre o arguido em pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias.

De acordo com o preceituado no art. 40º, n.º 1 do Código Penal, as finalidades da pena são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir o cometimento de crimes pelos cidadãos, incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte da comunidade.

A necessidade de protecção de bens jurídicos traduz-se, assim, “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal da necessidade da pena consagrado no art. 18º, n.º 2 da Constituição da República.

Segundo o art. 71º, n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

A prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”, o limite máximo é construído pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade; abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial.

“Na determinação da medida da pena, o limite máximo fixar-se-á na salvaguarda da dignidade humana do agente em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos” in Ac. S.T.J. de 13 de Dezembro de 2000, proferido no proc. n.º 2753/2000-3ª, publicado no SASTJ, n.º 46, pág. 39.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do arguido e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo se alcança uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.

A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso. Como ensina o Professor Figueiredo Dias (obra supra citada, pág. 230), “a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”. O limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignidade da pessoa humana do delinquente (cfr. art. 40º, n.º 2 do Código Penal).

Estabelecida a forma como se conjugam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena, importa eleger os factores que revelam para a culpa e para a prevenção.

Na busca de tal desiderato, o juiz é auxiliado pelo art. 71º, n.º 2 do Código Penal, o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos factores de medida da pena.

Quando se dá um concurso de infracções, ou seja, uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo agente antes de qualquer delas ter sido objecto de uma sentença transitada em julgado, o arguido deve ser condenado numa só pena, nos termos do disposto no art. 77º do Código Penal.

Assim, o Tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, como se de crimes singulares se tratasse, para tanto seguindo o procedimento normal de determinação da medida da pena. Posteriormente, o Tribunal construirá a moldura penal do concurso: estabelece o art. 77º, n.º 2 do Código Penal que se somam as penas parcelares, assim se obtendo o limite superior da moldura abstracta aplicável; o limite mínimo corresponde à mais elevada das penas parcelares.

Estabelecida a moldura penal do concurso, importa proceder à determinação da medida da pena única do concurso, considerando em conjunto os factos e a personalidade do arguido.

Nesta operação, tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

Na avaliação da personalidade do agente importa saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa ou apenas a uma pluriocasionalidade que não emana da sua personalidade.

No caso vertente, as necessidades de prevenção geral são elevadas a quantidade de crimes desta natureza que são praticados não só nesta comarca, mas em todo o país, sendo necessária uma maior sensibilização da comunidade para o reprovabilidade de condutas deste tipo.

No que respeita à prevenção especial, deverá considerar-se que a mesma é elevada porque o arguido regista uma condenação pela prática de um crime de ofensa à integridade física e outra por injúria agravada.

Porque as exigências de prevenção geral são mais elevadas em relação ao crime de ofensa, especialmente praticado contra um árbitro de futebol e na presença de público, e considerando a postura do arguido, assumida em audiência, e a ausência de juízo crítico ou autocensura daquele comportamento, entendo que, em relação a este crime, apenas uma pena de prisão satisfaz adequadamente as exigências de prevenção.

Quanto à injúria será suficiente a aplicação de uma pena de multa.

Escolhidas as penas, importa determinar o seu quantum.

Pesa contra o arguido:

- A intensidade da culpa, atenta a modalidade do dolo (directo);

- A elevada censurabilidade da sua conduta, revelada no modus operandi, ao atacar o ofendido durante um jogo de futebol que este arbitrava;

- A postura que assumiu em audiência, afirmando que o ofendido queria aproveitar-se, demonstradora de não ter interiorizado a reprovabilidade da sua conduta;

- Os seus antecedentes criminais;

Pesa a favor do arguido:

- Estar inserido socialmente;
- As lesões provocadas não terem assumido gravidade.

Tudo visto e ponderado, considera-se adequado à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial a aplicação de uma pena de dois meses de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física e quarenta dias de multa, quanto ao crime de injúria.

Nos termos do disposto no art.º 77.º, n.º 3 do Código Penal e considerando a diferente natureza das penas aplicadas, o cúmulo será material.

Dispõe o art. 43º, n.º 1 do Código Penal, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Ora, no presente caso, para além das elevadas exigências de prevenção geral, resulta claro que as exigências de prevenção especial são também expressivas, dado que a anterior condenação em pena de multa não impediu o arguido de praticar novo crime de idêntica natureza, motivo pelo qual se decide não efectuar a aludida substituição.

Nos termos do artigo 50º nº 1 do Código Penal, o Tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção.

Ora considerando as condições pessoais do arguido, o qual está inserido e o facto de apenas registar duas condenações, em pena de multa, atendendo igualmente à extensão das lesões provocadas, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão são suficientes para afastar o arguido da prática de outros crimes e satisfaz adequadamente as finalidades de prevenção geral e especial supra referidas.

Contudo, para que o arguido possa sentir a pena como uma verdadeira punição e possa interiorizar o mal que provocou à vítima, e penitenciar-se pelo mesmo, entendo adequado sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão à condição do arguido proceder ao pagamento da quantia que vier a ser arbitrada ao assistente, em sede de pedido cível.

Em face do exposto, e ao abrigo do previsto no art.º 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 e 51.º, n.º 1, al), ambos do Código Penal, decido suspender a execução da pena de dois meses de prisão, pelo período de um ano, sujeita à condição do arguido, em idêntico período, proceder ao pagamento da indemnização que vier a ser arbitrada ao assistente em sede de pedido cível.

Apurado o quantitativo dos dias de multa, importa agora determinar qual a taxa diária.

Nos termos do disposto no art. 47º, nº 2 do Código Penal, na versão dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, prevê-se, no citado preceito, que ““Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.

Como se pode ler no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 13.07.1995, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XX, tomo 4, pág. 48, a fixação do montante diário da pena de multa, dentro dos limites legais, “não deve ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade”

No caso em apreço, atenta a modesta condição económica do arguido, considera-se adequado a fixação do quantitativo diário em €6,00 (seis euros).
*
E) Pedido de indemnização civil
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação de recurso, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

a) Resulta da articulação do texto da motivação de recurso com as conclusões respetivas, que o arguido impugna a decisão em matéria de facto que julgou provados os pontos 2) e 5) da factualidade provada (por lapso manifesto o recorrente identifica-o como nº3), relativos ao crime de injúria, e pontos 3), 4), 7), 8) e 9) daquela mesma factualidade, relativos ao crime de ofensa à integridade física, de que resulta, como diz, a sua absolvição pela prática de ambos os crimes.

O recorrente refere-se ainda a “ um erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (Art. 410 alínea a) e c) do CPP”. Porém, resulta do conjunto da sua motivação que o aludido erro notório reconduz-se, afinal, ao alegado erro de julgamento em matéria de facto que fundamenta a sua impugnação, pois o arguido não se reporta a matéria de facto diferente da impugnada nem aduz fundamentação específica que fundamentasse a existência de erro notório percetível do texto da sentença recorrida, concluindo antes de forma abrangente que “É manifestamente um erro de julgamento uma vez que a produção de prova impõe decisão diversa da recorrida”, pelo que apenas está em causa a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º nº3 do CPP, que apreciaremos.

Subsidiariamente, o arguido pretende ainda que em vez da pena de prisão lhe seja aplicada a pena principal de multa prevista no art. 143º do C. Penal (cfr nºs 29 a 35 do texto da motivação de recurso).

São estas, pois, as questões a decidir.

2. Decidindo

2.1. Impugnação da decisão que julgou provados os pontos 2) e 5) da factualidade provada, relativa ao crime de injúria, cujo teor, lembremo-lo, é o seguinte:

2. A determinada altura do jogo, o arguido proferiu, em voz alta, as expressões “cabrão” e “filho da puta” dirigidas ao ofendido, por ter discordado de uma decisão do mesmo;

5. As palavras proferidas pelo arguido magoaram, humilharam e ofenderam o assistente;»

2.1.1. A propósito do primeiro destes pontos de facto, alega o recorrente que os mesmos não resultaram provados porquanto o tribunal a quo formou a sua convicção com base nas declarações do arguido, parcialmente conjugadas com as declarações do assistente e das testemunhas PM, AC, CA e HM, ouvidas em audiência, bem como no teor da documentação de fls 17, 19 e 95, mas resulta dos respetivos depoimentos que nenhuma daquelas testemunhas se apercebeu de as expressões em causa terem sido proferidas pelo arguido.

É, porém, patente a falta de razão do recorrente, uma vez que o tribunal a quo fundamentou a sua decisão relativamente ao ponto 2) da factualidade provada “nas declarações do assistente”, conforme refere de forma enxuta a fls 231, e não nos depoimentos daquelas testemunhas, relativamente aos quais se refere mesmo na apreciação crítica da prova que aquelas testemunhas “afirmaram não terem percebido que palavras o arguido dirigiu ao assistente”.

Assim, uma vez que nada obsta à decisão do tribunal a quo com base nas declarações do assistente, cuja versão se apresentou credível àquele tribunal, em contraste com a versão oposta veiculada pelo arguido e pela testemunha BC, seu irmão, conforme explica a fls 231, não se descortina qualquer erro de julgamento por violação de norma ou princípio a que obedece a produção e valoração da prova, pelo que improcede a impugnação relativamente ao ponto 2) da factualidade provada, como referido.

2.1.2. No que concerne ao ponto 5) da factualidade provada, que o tribunal a quo diz ter julgado provada com base nas declarações do assistente e de sua mulher, a testemunha SR (fls 231), o recorrente nada diz especificamente a esse propósito – limitando-se à menção abrangente que fizera a propósito do ponto 2) da factualidade provada -, pelo que é manifesta a improcedência da impugnação também nesta parte, pois não são apresentadas nem se vislumbram provas e razões que impusessem decisão diversa da recorrida.

2.2. Impugnação relativa aos pontos 3), 4), 7), 8) e 9) da factualidade provada, respeitantes ao crime de ofensa à integridade física.

Conforme pode ler-se na apreciação crítica da prova, o tribunal a quo foi confrontado na audiência de julgamento com a versão incriminatória veiculada pelo assistente e pelas testemunhas presenciais PM, AC, CA e HM, confirmada pela documentação clínica, e com uma versão de sentido antagónico apresentada pelo arguido e corroborada inicialmente pela testemunha BC, seu irmão que, porém, acabou por admitir que não viu o momento da agressão (conforme já havia declarado em sede de inquérito).

O tribunal recorrido considerou que as quatro testemunhas incriminatórias “relataram os factos de forma escorreita, verosímil e isenta, declarando terem assistido aos factos, tendo uma correcta percepção do sucedido, apesar de se ter gerado alguma confusão. Não se viu nos seus depoimentos razões para não os ter por verdadeiros”, concluindo que apesar da tentativa do arguido de lançar confusão com aquela agressão que aquele tinha sofrido no dia anterior, é mais credível que a apresentada pelo arguido.

Partindo da apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, o arguido alega que aqueles testemunhos são contraditórios, não esclarecedores, não se conseguindo ter uma percepção clara das consequências da agressão e ou da existência de lesão, invocando ainda conclusivamente que a versão apresentada pelo assistente não encontra apoio na documentação clinica.

No entanto, o arguido, que transcreve trechos dos depoimentos testemunhais respetivos, limita-se a alegar, que o testemunho de CA é incompleto por não dizer a que parte direita se refere quando diz que o arguido deu um murro na parte direita do assistente, que PM seguiu o que lhe disse o MP a propósito da falta de intervenção do arguido na falta que esteve na origem aos factos, que das declarações da testemunha AC resultaria que o arguido ficou com marcas no lado direito na orelha e pescoço, dizendo ainda que quando o arguido deu o murro o ofendido estava de costas e que a testemunha HM só depois e a título sugestivo acabou por dizer que a agressão foi na cabeça, tendo também informado o tribunal que o ofendido quando foi agredido estava de lado, concluindo que perante todas as contradições expostas e perante a dúvida a versão do ofendido não deveria ter acolhimento devendo o douto tribunal presumir a inocência do arguido com respeito pelo principio in dúbio pro reo.
Ora, as pontuais incompletudes e discrepâncias apontadas pelo arguido e recorrente não põem em causa a certeza do tribunal a quo sobre a existência da agressão física perpetrada pelo arguido, nem que o murro desferido na cabeça do assistente lhe causou dores e mal estar. Com efeito, é da experiência comum que testemunhas presenciais não apreendem todos os aspetos em que se desdobra o acontecimento observado, nem que, sendo várias as pessoas, o acontecimento percecionado e relatado não coincida em todos os pormenores, pelo que as apontadas discrepâncias e incompletudes, devidamente explicadas e contextualizadas, não suportam dúvida séria e inultrapassável sobre a realidade dos factos que pudesse consubstanciar a ocorrência de erro de julgamento por violação do princípio in dubio pro reo ou qualquer outra regra ou princípio norma de direito probatório ou, ainda, regra lógica ou da experiência, que impusesse a este tribunal de recurso decisão diversa da recorrida relativamente aos pontos 3), 4), 7), 8) e 9) da factualidade provada, ora impugnados.

Nada há, pois, a censurar à decisão do tribunal a quo que julgou provados os pontos 2), 5), 3), 4), 7), 8) e 9) da factualidade provada, pelo que improcede totalmente a presente impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

2.2. Assim sendo, impõe-se decidir agora a questão subsidiariamente suscitada pelo recorrente, ou seja, se deve ser-lhe aplicada a pena principal de multa em vez da pena de prisão pelo crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º do C. Penal, pelo qual vem condenado.

Esta questão respeita à escolha da pena principal (e não à determinação da medida da pena contrariamente ao que, certamente por lapso refere o arguido), a propósito da qual o art. 70º do C. Penal estabelece que quando forem aplicáveis ao crime pena privativa da liberdade ou pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência a esta última, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Este preceito, que representa um dos corolários do princípio da última ratio da pena de prisão e de combate aos seus efeitos criminógenos (de novo reafirmado com a Lei 94/2017 de 23 de agosto que estabelece a regra da execução da pena de prisão efetiva em regime de permanência na habitação), faz depender a opção pela pena privativa da liberdade de esta ser imposta por necessidades de prevenção geral e especial ditadas pelo caso concreto, o que foi considerado pelo tribunal a quo.

Na verdade, apesar de não referir expressamente o art. 70º do C.Penal, o tribunal recorrido optou fundamentadamente pela pena privativa da liberdade, ao considerar que tal opção é imposta pelas elevadas necessidades de prevenção geral verificadas, dada a quantidade de crimes desta natureza que são praticados não só nesta comarca, mas em todo o país, sendo necessária uma maior sensibilização da comunidade para o reprovabilidade de condutas deste tipo, e por considerar serem igualmente elevadas as necessidades de prevenção especial, porque o arguido regista uma condenação pela prática de um crime de ofensa à integridade física e outra por injúria agravada.

Ora, face a estas razões, as invocadas pelo recorrente não são suficientes para pôr em causa a opção da sentença recorrida pela pena de prisão. Em primeiro lugar, o arguido invoca contraditoriamente a seu favor ser desempegado e, por outro lado, que apesar de desempregado costumar exercer a profissão de segurança, não explicando em que medida ambos estes fatores ou cada um deles pode relevar para a pretendida opção pela pena principal de multa. Em segundo lugar, não se vê igualmente em que medida releva no caso concreto a circunstância de o arguido ser jovem e ter duas filhas com 3 e 7 anos de idade a seu cargo, tal como não se vê em que medida a opção, num primeiro momento, por pena de prisão pode repercutir-se de forma grave na inserção do arguido no mercado de trabalho.

Por último, é sabido que, em regra, as consequências derivadas da pena criminal para a pessoa e a família do condenado não são suficientes para afastar pena privativa da liberdade quando esta é imposta pelas exigências de prevenção e especial, como sucede no caso concreto.

Com efeito, a frequência com que nos campos desportivos vão sendo praticados crimes contra árbitros, nomeadamente pelos respetivos praticantes, exigem resposta contrafática capaz de afastar outros potenciais agressores da tentação de adoptar condutas delinquentes idênticas, tal como os antecedentes criminais do arguido em matéria de ofensa à integridade física e injúrias, bem como o seu comportamento posterior ao crime – de que se destaca não assumir a sua conduta nem mostrar arrependimento por ela, bem como a ausência de qualquer atitude que visasse compensar o ofendido pelos danos que lhe infligiu – espelham bem a necessidade de a pena a aplicar não ser confundida com eventual indulgência da lei penal, contribuindo-se assim para afastar o arguido de comportamentos idênticos no futuro.

Nada a censurar, pois, antes pelo contrário, à sentença recorrida.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, RC, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida. – art.s 513º e 514º, do CPP
Évora, 21 de novembro de 2017

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)