Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ALBERTO BORGES | ||
Descritores: | CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO | ||
Data do Acordão: | 04/07/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - Quer para a abertura de instrução quer para a constituição como assistente vigora o princípio do impulso processual do interessado, que não deve ser substituído pelo impulso oficioso do tribunal, pelo que não é exigível ao tribunal que admita a abertura da instrução quando não se encontra preenchido um dos respetivos pressupostos legais. II - Não sendo assistente nem tendo formulado tal pretensão juntamente com o requerimento para abertura da instrução, a ofendida não pode ser convidada a formular tal pedido (e o requerimento para abertura da instrução ser admitido). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial de Santarém (JIC) correu termos o Proc. 334/12.1TASTR, no qual, na sequência da instrução requerida pela ofendida MOC (fol.ªs 37 a 41), foi decidido indeferir, por falta de legitimidade, uma vez que a requerente não é assistente, o requerimento de abertura de instrução (fol.ªs 46). 2. Recorreu a ofendida de tal despacho – que indeferiu o requerimento de abertura da instrução - concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 – A recorrente apresentou queixa, tendo-lhe sido reconhecido esse direito e essa qualidade de ofendida e queixosa, aberto o processo em questão, que foi alvo de despacho de arquivamento, em relação ao qual apresentou, tempestivamente, o competente RAI. 2 – A recorrente, enquanto ofendida, poderia constituir-se assistente, nos termos do art.º 68 n.º 1 al.ª a) do CPP, em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontre, desde que requerido ao Juiz até cinco dias antes do início do debate instrutório (no caso de haver instrução) ou da audiência de julgamento (artigo 68 n.º 3 alínea a)), ou em momento anterior à dedução de acusação ou à prolação de despacho de arquivamento, bem como nos prazos estipulados nos artigos 284 n.º 1 e 287 n.º 1 alínea b) do CPP. 3 - A recorrente não se conforma com a decisão de rejeição do RAI, uma vez que no mesmo momento em que foi apresentado o dito requerimento a mesma se apresentou como assistente, o que aliás volta a fazer ao longo de todo o requerimento, identificando-se como assistente ou, abreviadamente, A., pelo que, ao fazê-lo, a recorrente revelou, embora indirectamente, e sem o formalismo normal, a vontade expressa, indiscutível e inequívoca de se constituir assistente no processo, só por lapso não tendo usado a fórmula habitual e expressa de requerimento nesse sentido. 4 - A recorrente estava representada por advogado (patrono oficioso), só não pagou a taxa de justiça por se encontrar isenta da mesma por despacho da segurança social, que lhe concedeu apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tinha e tem legitimidade para se constituir assistente e estava em tempo à altura, sendo hoje pacífico na jurisprudência que a constituição de assistente pode ser requerida no mesmo prazo e em conjunto com o RAI. 5 - A rejeição do RAI só pode ter lugar nos casos taxativamente previstos no art.º 287 do CPP: por extemporâneo, por incompetência do Juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. 6 - O despacho ora em crise, ao não admitir a abertura da instrução, nem a sua constituição como assistente ou não ter sequer convidado a mesma a aperfeiçoar o mero lapso formal do requerimento, tendo rejeitado o RAI, violou os artigos 68 n.ºs 3 e 4 e 287 n.ºs 1 e 3 do CPP, e 6 n.º 2 e 7 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 4 do CPP. 7 - Esse foi já o entendimento revelado doutamente pela jurisprudência superior, designadamente, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no Processo n.º 36/07.0TASLV-A.E1, em 05 de novembro de 2009, invocando outros arestos, disponível em www.dgsi.pt. 8 - Citando, com a devida vénia, o douto acórdão: “Não se afigura no entanto que a inexistência de formulação explícita desse pedido determine, por si só, que sejam desencadeadas as consequências da falta de legitimidade enquanto assistente, nomeadamente a improcedência do requerimento de abertura de instrução. Mesmo no âmbito do direito processual e sem prejuízo das normas que estabelecem regras imperativas e de preclusão, deve prevalecer a substância em detrimento da forma. (…) Acolhe-se este entendimento, de onde resulta a admissibilidade do conhecimento da constituição de assistente, ainda que tal pretensão não se mostre expressamente formulada”. 9 - O douto despacho recorrido andou mal ao ter rejeitado o RAI em causa, violando lei expressa, como ficou supra referido, devendo ser revogado e substituído por outro que admita a recorrente a intervir nos presentes autos como assistente e, como tal, seja admitido o seu requerimento de abertura de instrução. --- 3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 1 - A recorrente reúne, desde o momento em que apresentou a participação que deu origem aos presentes, os pressupostos legais para ser admitida a intervir nos autos como assistente, mas nunca o requereu. 2 - Quando a recorrente requereu a abertura de instrução não podia deixar de saber que não era assistente nos autos e que, por isso, devia ter requerido simultaneamente a sua constituição como assistente, pressuposto legal da abertura da fase de instrução. 3 - Quer para a abertura de instrução quer para a constituição como assistente vigora o princípio do impulso processual do interessado, que não deve ser substituído pelo impulso oficioso do tribunal, pelo que não era exigível ao tribunal que admitisse a abertura de instrução quando não se encontrava preenchido um dos respetivos pressupostos legais. 4 - Admite-se, contudo, que apresentado o requerimento de abertura de instrução onde a requerente invocou a qualidade de assistente, que não tinha nem requereu, podia o tribunal convidá-la a requerer formal e expressamente a sua constituição como assistente, dado resultar demonstrado nos autos que a requerente reúne os requisitos legais de que dependia a sua admissão nessa qualidade. --- 4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 76 e 77). 5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir – em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª b) do CPP) - tendo em atenção as questões colocadas pela recorrente acima enunciadas (nas conclusões da motivação do recurso) e que se resumem a saber se, não sendo assistente nem tendo formulado tal pretensão juntamente com o RAI, devia a requerente ser convidada a formular tal pedido e o requerimento de abertura de instrução ser admitido. --- Esta é, pois, a questão a decidir. A abertura de instrução – di-lo expressamente o art.º 287 do CPP – pode ser requerida pelo assistente, se o procedimento criminal não depender de acusação particular, relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. É, pois, pressuposto de legitimidade do requerente/queixoso/ofendido - para requerer a abertura de instrução - que ele seja assistente; a lei não diz que ela pode ser requerida pelo queixoso, pelo ofendido ou por qualquer interessado que tenha legitimidade para se constituir assistente, mas que pode ser requerida pelo assistente, sendo que, na “fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (art.º 9 do Código Civil). Por outro lado, a constituição de assistente pode ser requerida, ex vi art.º 68 n.º 3 do CPP, no caso previsto no art.º 287 n.º 1 al.ª b) do CPP, “no prazo estabelecido para a prática” do respetivo ato, ou seja, até à data em que pode ser requerida a instrução, concretamente, até à apresentação do requerimento para a abertura de instrução. A recorrente não era assistente (quando requereu a abertura de instrução) e não requereu a sua constituição como assistente até ao momento em que a podia requerer (o momento em que apresenta tal requerimento). Não tinha, por isso, legitimidade para requerer a abertura de instrução. Por outro lado, podendo requerer, em simultâneo (ou até ao momento em que apresenta o requerimento para abertura de instrução, como vem sendo pacificamente aceite pela jurisprudência), a sua constituição como assistente, não o requereu, pelo que, decorrido esse prazo, precludido se mostra tal direito. Não vemos como contornar tal questão. De facto, o convite à denunciante para formular tal pedido – numa altura em que se encontra, necessariamente, por imposição legal, patrocinada por Advogado - não encontra suporte legal, por um lado, porque nenhuma disposição legal prevê tal convive, sendo que não faz qualquer sentido, atenta a natureza dos interesses em causa, pretender a aplicação subsidiária do CPC (o RAI, enquanto acusação do agente pela prática de um crime, não se confunde com a petição inicial em processo civil), por outro, porque o convite ao aperfeiçoamento pressupõe que o pedido foi feito, ou seja, que o ato foi praticado dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito (o que no caso não aconteceu), pelo que não faz sentido pretender a correção de um ato inexistente. Depois, tal convite – não para corrigir um pedido, já que nenhum pedido foi formulado, ainda que imperfeitamente expresso, mas para a formulação de um pedido - redundaria, em última análise, à concessão de um novo prazo para a prática de um ato (a apresentação do pedido da requerente para a sua constituição como assistente), numa altura em que tal direito se extinguira, pelo decurso do prazo, peremptório, legalmente estabelecido para o efeito, por outro lado, como escreve Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, 175, embora a propósito do requerimento de abertura de instrução, mas cujos fundamentos aqui têm aplicação, “… mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal, substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos, enraizaria em si uma função deles indagatória, num certo pendor investigatório, que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objectivo, mais próprio de um tipo processual de feição inquisitória, já ultrapassado”. Isto em nada colide com o princípio de acesso ao direito, consagrado no art.º 20 da CRP, pois o respeito por tal princípio – que não é ilimitado – não é incompatível com o estabelecimento de regras processuais destinadas a regular tal exercício, no respeito por outros princípios fundamentais, como sejam a estrutura acusatória do processo penal e as garantias de defesa do arguido, também constitucionalmente consagrados (art.º 32 da Constituição da República). Diga-se ainda que não se concorda com a orientação seguida no acórdão deste tribunal de 5.11.2009, publicado in www.dgsi.pt, invocado pela recorrente em defesa da sua posição, por um lado, porque – atenta a natureza do processo penal, onde estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos - não há pedidos implícitos (ou há pedido ou não há), por outro, não se trata de questão meramente formal, mas antes de um pedido essencial para o desfecho do processo, sujeito ao princípio do contraditório e com consequências tão relevantes que dele depende a submissão do arguido a julgamento, por outro lado, não tem o tribunal que formular qualquer juízo prévio sobre o mérito de uma tal pretensão (não formulada) sem respeitar o princípio do contraditório, sob pena de violação dos princípios da isenção imparcialidade e equidade. Improcede, por isso, o recurso. --- 6. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela ofendida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.º 8 n.º 5 e tabela III anexa do RCP). (Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado) Évora, 07-04-2015 Alberto João Borges Maria Fernanda Pereira Palma |