Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1418/21.0T8PTM.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
ARRIBAS ALCANTILADAS
PROVA DOCUMENTAL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Compete a quem pede o reconhecimento da propriedade privada de uma parcela de terreno que ocupa as margens ou leitos das águas fluviais navegáveis, com a configuração de arriba alcantilada, alegar e provar que a dita parcela se encontra em propriedade privada antes de 22-03-1868.
II - A ilisão da presunção juris tantum de domínio público daquelas margens ou leitos pode ser feita por via de prova documental donde resulte que tal terreno, por título legítimo, é objeto de propriedade particular ou comum antes da referida data.
III - Na falta de documento que tal prove, a titularidade privada antes da referida data também pode ser demonstrada por outro meio de prova permitido em direito, excetuando a confissão, dada a natureza indisponível do domínio público, donde resulte que a parcela estava na posse em nome próprio de particular(es) ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos na respetiva circunscrição administrativa.
IV - Não tendo os Autores cumprido o ónus probatório de demonstração de propriedade privada da parcela antes de 22-03-1868, nos termos acima referidos, ainda que tenham provada o trato sucessivo desde a atualidade até 1925, não lograram ilidir a referida presunção, pelo que a dita parcela se mantem integrada no domínio público hídrico.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA e BB, intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS.
Pediram que se reconhecesse o seu direito de propriedade sobre a parcela do prédio misto, denominado «M...», descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve) sob o n.º ...35, freguesia de Ferragudo, situada na margem dominial.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, contestou a ação defendendo a sua improcedência.
Impugnou a factualidade alegada, defendendo que a margem do prédio integra o domínio público marítimo e que não houve qualquer processo de delimitação do mesmo.
Os documentos juntos são relativos a outros prédios supostamente confinantes com o dos Autores ou, pelo menos, próximos, situando-se o prédio dos Autores sobre uma arriba alcantilada.
Mais alegou que os Autores não estabeleceram o encadeamento da prova documental para lá de 1925.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação defendendo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que dê procedência à sua pretensão e, consequentemente, que reconheça o seu direito de propriedade sobre a parcela do prédio misto, denominado «M...», situada na margem dominial, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1- A douta decisão do Tribunal a quo é recorrível em conformidade com o disposto nos art.º 627º, 629º nº 1, e 644º n.º 1 alínea a), todos do CPC.
2- O presente recurso tem como objeto a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual se entendeu que os RR não lograram provar que os terrenos objeto de transação de 1864 a 1925 “têm a mesma localização e correspondem à mesma área geográfica do dos autores, e esse era um ónus dos autores”, decidindo pela improcedência da ação e, em consequência, pela absolvição do Estado Português do pedido.
3- A douta decisão em crise fez uma errónea apreciação da matéria de facto e aplicação do Direito, e revela-se desprovida de qualquer justiça.
4- Não se discute a matéria dada como provada e não provada, mas sim a sua interpretação, e as legais consequências que dela se extraem, e, bem assim, a valoração do depoimento da única testemunha inquirida.
5- Os AA., aqui Recorrentes, são proprietários e legítimos possuidores do prédio misto, denominado “M...”, sito no lugar e freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve) sob o n.º ...35 da freguesia de Ferragudo, e inscrito na matriz predial, a parte urbana sob o artigo ...92 da freguesia de Ferragudo e a parte rústica sob o artigo ...7 seção D da referida freguesia de Ferragudo -cfr. ponto 1 dos factos provados. Beneficiando aqueles da presunção de titularidade que resulta do disposto no art. 7.º do Código do Registo Predial.
6- O prédio acima identificado tem uma área total de 19260 m2, sendo composto por terreno com figueiras, amendoeiras, oliveiras e vinha, no qual se encontram construídas duas casas de habitação - cfr. ponto 3 dos factos provados.
7- O prédio descrito sob o n.º ...35 e registado a favor dos AA. corresponde ao anterior prédio n.º ...4 do Livro 1 da Conservatória do Registo Predial de Lagoa, da freguesia de Ferragudo, sito em Vale de Areia, no concelho de Lagoa – cfr. ponto 4 dos factos provados;
8- Confronta a norte com ..., a sul com o mar, a nascente com a estrada e a poente com CC – cfr. ponto 5 dos factos provados;
9- O prédio dos autos ocupa, a sul, a margem esquerda das águas navegáveis do Rio Arade, situa-se sobre uma arriba alcantilada, integrando, assim, e ainda que presuntivamente, o domínio público marítimo pertença do Estado Português. - cfr. ponto 8 dos factos provados.
10-Embora se presumam públicos, os leitos e margens das águas do mar e de cursos de água serão privados se assim forem reconhecidos, por força de direitos adquiridos anteriormente a 31 de dezembro de 1864, ou a 22 de março de 1868, no caso de se tratar de arribas alcantiladas.
11-Nos termos do n.º 2 do artigo 15º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, “Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864, ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868 [sublinhado nosso].
12-A data de referência para o que nos interessa é 22 de março de 1868 e já não 31 de dezembro de 1864, uma vez que o prédio dos AA./Recorrentes se situa sobre uma arriba alcantilada.
13-Apesar das vicissitudes históricas e das dificuldades sentidas no caso em apreço, verificou-se que, por um lado, as certidões prediais permitiram retroceder até 1925 – trato sucessivo direto e linear do prédio dos autos – e por outro, que foi possível recuar ao longínquo ano de 1840, por referência a uma propriedade pertencente a DD, sita no Vale da Areia, em Ferragudo.
14-Na impossibilidade de encontrar o documento que tutelou a propriedade ou a posse em nome próprio por parte do DD, procurou-se, através das indicações dos confrontantes dos prédios confinantes obter-se referências ao proprietário ou detentor do imóvel em estudo.
15-Tendo-se por base dois elementos estruturantes – de um lado, a Praia Grande, do outro, a estada – fez-se um cerco, que demonstrou que as confrontações dos terrenos circundantes apontavam sempre para o prédio de DD e, posteriormente, dos seus descendentes, no local que atualmente corresponde ao “M...”.
16-Não se trata de procurar um “pretenso titular”, mas sum de um conjunto de referências a partir, não apenas de um, mas de vários prédios confinantes, e em períodos distintos, referências essas que são sempre consistentes, não apenas geograficamente, mas também cronologicamente, acompanhando a evolução dos proprietários do prédio em estudo (referências a DD, aos seus herdeiros quando aquele já havia falecido, posteriormente aos dois filhos após uma presumível divisão do prédio herdado, etc.).
17-Sendo consensual que para a procedência de uma ação de reconhecimento da propriedade privada sobre determinada parcela, ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, é exigível ao autor/interessado a prova documental de que a propriedade privada existia antes das datas mencionadas naquele preceito (antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868), discute-se se o autor/interessado deve também fazer prova das transmissões subsequentes do bem até à sua atual propriedade.
18-A Mma. Juiz a quo aderiu ao entendimento mais exigente, optando pela solução que, no entendimento dos RR não satisfaz nem defende da melhor forma os interesses e os direitos dos particulares, estando longe de se traduzir na melhor aplicação do Direito ao caso concreto.
19-De facto, não podemos deixar de concordar com os argumentos constantes em variados arestos das Relações e, ainda, do Supremo Tribunal de Justiça, que se baseiam nas regras da exegese, e que, no nosso entendimento, se impõem nos presentes autos.
20- O entendimento amplo do preceito, segundo o qual o particular interessado deve fazer prova que o terreno permaneceu na condição de “propriedade privada” desde 1864 até ao momento atual, para além de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º, nº 2, do Código Civil) não está de acordo com a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), nem é exigido pela razão de ser do regime jurídico em causa, que teve por objetivo a proteção de direitos adquiridos – ponto II do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.11.2021, proc. n.º 2960/14.5TBSXL.L1.S1.
21-Sendo o Réu o Estado, não pode deixar também de se entender que é a parte que em melhores condições se encontra para alegar o ingresso no domínio público durante o período temporal em referência e dispor dos instrumentos aptos a fazer essa prova, o que também não se verificou.
22-Para concluir, como conclui, na parte final da sentença ora posta em crise, a Mma. Juiz a quo não só admite que pudesse ter havido no registo alguma volatilidade dos pontos cardeais, entre o sul e o poente, como o facto de os terrenos objeto de transação de 1864 a 1925 se situarem sensivelmente na mesma área geográfica do que agora é dos AA.
23-A vasta prova documental que os Recorrentes carrearam para os autos com base num processo de investigação histórico-patrimonial que o próprio Tribunal de Primeira Instância apelida de “rigoroso” permite-lhe, na verdade, reconhecer que os tais terrenos objeto de transação de 1864 a 1925 se situam aproximadamente na mesma localização do atual prédio propriedade dos AA.
24-No âmbito deste tipo de ações, ainda que a prova documental seja inequivocamente a prova mãe, as exigências quanto à mesma não podem ser excessivamente severas, nem levadas ao extremo, sob pena de a tarefa de qualquer demandante se tornar praticamente impossível, estaríamos perante a designada probatio diabólica.
25-Caberá ao julgador ter alguma flexibilidade, admitindo que certos factos possam ser deduzidos de outros, desde que essa dedução se funde não só nas regras da lógica, mas também em exigências de razoabilidade e bom senso.
26-Defender o contrário, seria, aliás, violar o espírito da própria lei, como acima se viu.
27-Impõe-se, desta feita, a revogação da decisão da Primeira Instância ora posta em crise, e a sua substituição por outra que reconheça o direito de propriedade dos AA./Recorrentes sobre a parcela do prédio misto, denominado “M...”, situada na margem dominial”.
28-A, aliás, douta sentença recorrida não respeitou, como devia, o disposto no artigo 15º n.º 2 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro e 9º n.º 3 do Código Civil, que consequentemente violou.»

Foi apresentada resposta ao recurso pelo MINISTÉRIO PÚBLICO que defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), a questão a decidir consiste em apreciar se a sentença deve ser revogada por o Tribunal a quo ter incorrido em erro de julgamento ao não reconhecer a natureza privada da parcela de terreno do seu imóvel, que ocupa, parcialmente, a sul, a margem esquerda do Rio Arade.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
«1. Os Autores são proprietários e legítimos possuidores do prédio misto, denominado “M...”, sito no lugar e freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve) sob o n.º ...35 da freguesia de Ferragudo, e inscrito na matriz predial, a parte urbana sob o artigo ...92 da freguesia de Ferragudo, e a parte rústica sob o artigo ...7 secção D da referida freguesia de Ferragudo – fls. 21, docs. 1 a 3 (art. 1.º da petição inicial)
2. O Autor AA é casado com a Autora BB, no regime de comunhão de adquiridos, tendo adquirido por via de sucessão hereditária e testamentária de EE, facto objeto de registo pela Ap. 3137, de 23 de fevereiro de 2010 – fls. 21, doc. 1 (art. 2.º da petição inicial)
3. O prédio acima identificado tem uma área total de 19260 m2, sendo composto por terreno com figueiras, amendoeiras, oliveiras e vinha, no qual se encontram construídas duas casas de habitação, com 2 pisos, com a área total de 2.150 m2, sendo a coberta de 338 m2 – fls. 21 (art. 3.º da petição inicial)
4. O referido prédio misto corresponde ao anterior prédio n.º ...4 do Livro 1 da Conservatória do Registo Predial de Lagoa – fls. 21/35 (art. 4.º da petição inicial)
5. Confronta a norte com ..., a sul com o mar, a nascente com a estrada e a poente com CC – fls. 21 (art. 5.º da petição inicial)
6. Em 31 de outubro de 2012, os AA. requereram junto da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a delimitação do domínio público hídrico/marítimo na confrontação com o prédio de sua propriedade. Para o efeito anexaram, entre outros, a respetiva planta cadastral, bem como o levantamento topográfico do prédio, conforme modelo disponibilizado no sítio oficial da internet, naquele que deu origem ao processo n.º DLPC.DOV.00121.2014-G da APA – fls. 24 v./25v., docs 4 e 5 (arts. 6.º e 7.º da petição inicial)

7. A APA facultou aos Requerentes, aqui AA., o mapa de fls. 26 v. (doc. 6), do qual se constata que a parcela da margem esquerda que é ocupada pelo prédio misto (delineado a azul claro) corresponde à faixa limitada, a poente, pela linha vermelha, e, a nascente, pela linha amarela (arts. 9.º a 10.º da petição inicial)
8. O prédio identificado ocupa, parcialmente, a sul, a margem esquerda do rio Arade (art. 11.º - retificado - da petição inicial). A parcela da margem do Rio Arade é parte de uma margem sobreelevada, falésia – fls. 26
9. No Auto de Inventário por óbito de FF, ano de 1840, e Auto de Inventário por óbito de GG, ano de 1864, consta, respetivamente – fls. 39 v./54 v., docs. 8 e 9 (art. 20.º da petição inicial) “(fls. 17-17v) que o falecido era proprietário de uma fazenda no sítio da Angrinha, pertencente à freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ferragudo, que constava de figueiras, vinha e um monte dentro coberto de telha, terras de pão, uma alfarrobeira, uma oliveira e amendoeiras, partindo do nascente com a estrada que ia para a Torre, norte com o serro da fortaleza, do poente com a rocha da Praia Grande e do sul com DD, de Ferragudo, foreira em 900 reis à Senhora da Conceição de Ferragudo, avaliada além do foro em 115$000 réis” e “(fls. 40v-43) que esta propriedade coube na meação da viúva GG”
10. DD [da DD] filho de DD e de HH, neto paterno de II e de JJ, e materno de KK e de LL, todos de Ferragudo, contraiu matrimónio a 21 de fevereiro de 1832 com EE, filha de FF, de Ferragudo, e de GG, de Lagoa, neta paterna de FF, de Ferragudo, e de MM, de Lagoa – Cf. Certidão de Casamento de fls. 30, doc.7
11. FF faleceu a 10 de fevereiro de 1840, no estado de casado com GG, de quem tinha quatro filhos: NN, de 26 anos, FF, de 21, Joaquim, de 19, e EE, casada com DD. GG, já viúva de FF, faleceu a 25 de abril de 1864, deixando os mesmo quatro filhos, seus herdeiros: NN, casado com OO, de Ferragudo; EE, casada com DD, idem; FF, casado com PP, idem; e FF, ausente em parte incerta, casado com QQ, esta também residente em Ferragudo “(fls. 5v-6) que a falecida tinha uma fazenda no sítio da Angrinha, que constava de figueiras, amendoeiras, oliveiras e terras de pão, partindo do nascente com DD, do norte com a estrada, do poente com o serro da fortaleza e do sul com a rocha, foreira em 1170$000 réis a Nossa Senhora da Conceição de Ferragudo e avaliada em 300$000 réis” e “(fls. 61-62) que esta propriedade ficou pertencendo aos quatro herdeiros”.
12. Como parte integrante do auto de inventário por morte de GG se encontram uns Autos de demarcação de bens, entre os quais o que havia sido averbado sob o n.º 9 (fls. 58 v.), correspondendo à mencionada fazenda na zona da Angrinha, que se referiu já ter cabido aos quatro filhos da falecida. De acordo com o auto de medição lavrado a 20 de julho, os herdeiros dividiram a dita fazenda do seguinte modo: a) Um 1º quarto, que correspondia a 89 ½ coube ao herdeiro Joaquim, ausente, no valor de 89$465 réis, que foi demarcado com quatro marcos do lado nascente a poente, constando de arvoredo e terras de semear, e partindo do nascente com a estrada, do norte com FF, do poente com a rocha e do sul com bens de DD; b) Um 2º quarto, que correspondia a 88 ½ coube ao herdeiro FF, no valor de 88$345 réis, que foi demarcado com quatro marcos para a banda do nascente a poente, constando de arvoredo e terras de semear, e partindo do nascente com a estrada, do norte com DD e do sul com o primeiro quarto; c) Um 3º quarto, que correspondia a 48 ½, coube ao herdeiro NN, no valor de 48$705 réis, que foi demarcado com dois marcos para a banda do nascente a poente, constando de arvoredo e terras de semear, partindo do nascente com a estrada, do norte com NN, do poente com terras da fortaleza e do sul com FF; d) E finalmente um 4º quarto, que correspondia a 73 ½, coube à herdeira EE, no valor de 73$485 réis, que foi demarcado com dois marcos para a banda do nascente a poente, constando de arvoredo e terras de semear, e partindo do nascente com a estrada, do norte com a praia, do poente com terras da fortaleza e do sul com DD (arts. 22.º e 23.º da petição inicial)
13. De onde se conclui que o quinhão herdado por EE e marido confrontava a sul com o próprio DD, que assim terá aumentado a propriedade que já aí tinha (art. 24.º da petição inicial)
14. Por Escritura Pública de Compra e Venda datada de 7 de maio de 1866, DD adquiriu a RR e sua mulher o domínio útil de “um quarto de fazenda no sítio do Vale da Areia, freguesia de Ferragudo, que constava de vinha, figueiras e terra, e partia do nascente com SS, do norte com o próprio DD, ora comprador, e do poente e sul com a Praia Grande” – fls. 63 v., doc. 10 (art. 25.º da petição inicial)
15. A 15 de junho de 1869, a propósito de outra escritura de compra e venda, celebrada entre RR e sua mulher, enquanto vendedores, e TT, enquanto comprador, encontramos nova referência a DD como confrontante norte e poente da propriedade objeto da compra, situada no Vale da Areia, freguesia de Ferragudo – fls. 68 v., doc. 11 (art. 26.º da petição inicial)
16. DD e EE, sua mulher, faleceram, respetivamente, a 11 de abril de 1874 e a 2 de julho 1876 – fls. 71/72, docs. 12 e 13 (art. 27.º da petição inicial)
17. Dos referidos quatro filhos que sobreviveram a DD e a EE, foi possível ter conhecimento de três, todos naturais de Ferragudo: UU, nascido a 26 de janeiro de 1839 e batizado a 3 de fevereiro do mesmo ano, que faleceu, solteiro, a 7 de dezembro de 1923; DD, nascido a 3 de setembro de 1846, batizado a 27 do mesmo mês e ano, que casou a 13 de dezembro de 1881 com VV, e faleceu em 1927; WW, nascida a 16 de novembro de 1851 e batizada a 23 do mesmo mês e ano, que casou a 26 de novembro de 1881 com CC, e faleceu a 25 de fevereiro (ou março) de 1937 – fls. 75 v./79 v./80 v./82 v./83 v., docs. 14 a 18 (arts. 28.º e 29.º da petição inicial)
18. Com o objetivo de se dar cumprimento ao estipulado na lei de 22 de junho de 1866, a 22 de janeiro do ano de 1877 deu-se início a um inventário de terrenos baldios pertencentes ao Município de Lagoa, conforme fls. 93, doc. 19. A 20 de fevereiro de 1877, foi lavrado o auto de avaliação que revelou sob a verba n.º 1 e única, a existência de um baldio no sítio da Praia Grande, freguesia de Ferragudo, atrás dos medos de areia [ou seja, junto a uma zona de dunas] que confinava do nascente e norte com elevada rocha, do sul com propriedade dos herdeiros de DD e a Praia Grande, e do poente com os medos de areia da mesma Praia Grande. O mesmo baldio era suscetível de algumas culturas, como vinha e pinheiros, referindo-se que “já em tempo que não vai muito longe se semeou de pinhais, mas ou por falta de polícia ou por alastramento das areias, a que está sujeito, perderam-se”, sendo que, em anotação manuscrita à margem, a tinta encarnada, se encontra a referência ao “Livro n.º 7419 n.º 1” (arts. 31.º e 32.º da petição inicial)
19. Mais tarde, a 29 de maio de 1888, e ainda de harmonia com a referida lei de 22 de junho de 1866, procedeu-se a mais uns autos de inventário para avaliação de uns baldios, situados na freguesia de Ferragudo, pertencentes à Câmara Municipal de Lagoa, confinando do nascente e norte com a elevada Rocha, sul com propriedade dos herdeiros de DD e a praia grande e poente com Medos de Areia da referida praia grande – fls. 106 v, doc.20 (art. 34.º da petição inicial)
20. Por ofício de 30 de abril antecedente da Repartição de Fazenda do Distrito de Faro e dirigido à Repartição de Fazenda do Concelho de Lagoa, afirmava-se “(…) Constando nesta repartição, extra oficial, existirem na freguesia de Ferragudo deste concelho diversos baldios pertencentes à Câmara Municipal desse concelho, sem que até hoje tenham sido inventariados, além de um no valor de 25$000 réis que consta do inventário a que se procedeu em 20 de fevereiro de 1877, situado o mesmo baldio no sítio da Praia Grande da dita freguesia, atrás dos medos de areia, que confina do nascente e norte com a elevada rocha, sul com propriedade dos herdeiros de DD e a Praia Grande e poente com os medos de areia da referida praia grande, sirva-se Vossa Senhoria de harmonia com a lei de 22 de junho de 1866 e instruções respetivas, proceder sem perda de tempo ao inventário em duplicado dos citados baldios (…)” – fls. 107 v. (art. 35.º da petição inicial)
21. O único baldio inventariado na sequência desta nova diligência era um pequeno terreno junto ao rossio do povo de Ferragudo, pertencente à Câmara Municipal de Lagoa, que partia do nascente, norte e sul com a rua ou largo da Feira e do poente com o quintal de XX – fls. 108 v. (art. 36.º da petição inicial)
22. A 5 de novembro de 1894, YY, natural e residente no lugar de Ferragudo, concelho de Lagoa, declarando arrematar em hasta pública um baldio pertencente ao respetivo Município, situado na Praia Grande, freguesia de Ferragudo, atrás dos medos de areia, que confinava do nascente e norte com a grande rocha, do sul com propriedade dos herdeiros de DD e com a Praia Grande, afirmando que do mesmo baldio existia o competente inventário na Administração do Concelho de Lagoa, veio requerer que se anunciasse dia e local para essa arrematação – fls. 116, doc. 21 (art. 39.º da petição inicial)
23. Nesse seguimento, a 11 de dezembro de 1894, o delegado do Tesouro do Distrito de Faro, confirmou que o baldio pertencente à Câmara Municipal de Lagoa a que o requerimento de YY se referia, já se encontrava devidamente inventariado e avaliado, como se mostrava pela certidão junta ao requerimento, e bem assim por informações que o escrivão de Fazenda do concelho de Lagoa colhera da Câmara Municipal e do administrador do concelho – fls.119 v., doc. 22.
24. Lavrado sobre esta informação (no respetivo documento mais desenvolvida) se encontra um parecer da 2ª repartição da Direção-Geral dos Próprios Nacionais, de 12 de dezembro de 1894, que propugnou ser conveniente pôr em praça o baldio a que se referia o dito requerimento, e bem assim um despacho do diretor-geral dos Próprios Nacionais, da mesma data, que sancionou: “nos termos propostos”, encontrando-se, mais uma vez, em anotação manuscrita a encarnado a referência “Livro 7419, n.º 1” – fls. 122 v. (art. 41.º da petição inicial)
25. A lista n.º 7419, de 16 de fevereiro de 1895, veio anunciar o conjunto de propriedades cuja arrematação seria feita perante o governador civil de Faro no dia 26 de março seguinte, figurando entre elas em primeiro lugar: “Distrito de Faro, Concelho de Lagoa, Bens pertencentes à Câmara Municipal de Ferragudo, atrás dos medos de Areia, confronta do nascente e norte com rocha, sul com propriedade dos herdeiros de DD e a Praia Grande e poente com os medos de areia da mesma Praia”, conforme Lista de Hastas Públicas – fls. 122 v., doc. 23 (art. 42.º da petição inicial)
26. Sobre a descrição referida no artigo anterior, encontram-se manuscritas a tinta encarnada as expressões “Carta 48331” e “368$000”, reportando-se as mesmas ao número da respetiva carta de arrematação e ao valor desta (art. 43.º da petição inicial)
27. A propriedade acima descrita acabou por ser arrematada por ZZ, no dia 26 de março de 1895, conforme respetiva Carta de Arrematação, da qual se transcreve o seguinte excerto: “N.º 48331 Dom Carlos, Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber aos que esta carta de pura e irrevogável venda virem, que, precedendo as diligências, anúncios e solenidades da lei e estilo, arrematou, em hasta pública, na repartição de fazenda do distrito de Faro, no dia 26 de março de 1895 ZZ pela quantia de 368$000 réis, na conformidade da lei de 28 de agosto de 1869, o seguinte prédio, que pertencia à câmara municipal de Lagoa, e sob o n.º 1 foi posto à venda na lista 7419, a saber: Concelho de Lagoa. Um baldio no sítio da Praia Grande, freguesia de Ferragudo, atrás dos medos de Areia; confronta do nascente e norte com rocha, sul com propriedade dos herdeiros de DD e a Praia Grande, e poente com os medos de areia da mesma Praia.
(…) Hei de por bem transmitir-lhe, por irrevogável e pura venda, toda a posse e domínio que no referido prédio tinha a dita corporação para que o arrematante, seus herdeiros e sucessores o gozem, possuam e desfrutem como próprio. (…) e que o administrador do concelho de Lagoa, sendo-lhe esta apresentada, depois de exarada a verba de ficarem anotados na repartição de fazenda do distrito os assentos relativos ao mesmo prédio, faça dar posse dele ao arrematante, de que se lavrará auto para a todo tempo constar a referida venda. Lisboa, 22 julho de 1895. El –Rei com Guarda (…) – fls. 124, doc. 24 (art. 44.º da petição inicial)
28. Logo no referido ano de 1895, ZZ, reservando uma pequena parcela para si, vendeu em partes o remanescente do baldio arrematado a várias pessoas diferentes: a 10 de maio de 1895, ZZ e JJ, sua mulher, moradores em Ferragudo, declarando-se “senhores e legítimos possuidores por compra que fizeram em hasta pública, de um prédio rústico no sítio da Praia Grande, freguesia de Ferragudo” celebraram duas escrituras, tendo vendido:
A AAA, viúva proprietária, também moradora em Ferragudo, uma parte desse prédio que confrontava do nascente com OO, do norte com servidão, do poente com a Praia Grande e do sul com os próprios vendedores. Tal propriedade era alodial e achava-se inscrita na matriz sobre o artigo ...09, constando do bilhete de pagamento da contribuição de registo por título oneroso que a compra se reportava a 3/10 partes da mesma – fls. 129, doc. 25;
A DD e sua mulher, igualmente moradores em Ferragudo, uma outra parte da mesma propriedade, composta por terras limpas e que confrontava do nascente com o comprador, do norte com a rocha, do poente com a Praia Grande e do sul com os vendedores. Tal propriedade era alodial e achava-se inscrita na matriz sob o artigo ...09, constando do bilhete de pagamento da contribuição de registo por título oneroso que a compra se reportava a 2/10 partes da mesma – fls. 133, doc. 26 (arts. 45.º e 46.º da petição inicial)
29. Ainda no ano de 1895, no dia 21 de maio, ZZ e JJ, celebraram uma terceira escritura de compra e venda, tendo vendido a BBB, casada com CC, aquela residente em Ferragudo, este ausente em África Ocidental, 4/10 partes do mesmo prédio rústico no sítio da Praia Grande, freguesia de Ferragudo, que constava de terra baldia, partindo do nascente e norte com a compradora, do poente com a Praia Grande e do sul com a servidão; tal propriedade era alodial e achava-se inscrita na matriz sob o artigo ...09 – fls. 135 v., doc. 27 (art. 47.º da petição inicial)
30. Foi outorgada escritura de compra e venda datada de 20 de janeiro de 1874, em que DD fora mencionado como confrontante no Vale da Areia, junto à Praia Grande – fls. 140, doc. 28 (art. 49.º da petição inicial)
31. Quando certa CCC faleceu, a 7 de fevereiro de 1888, no estado de casada com SS, figurou entre os seus bens uma fazenda no sítio de Vale de Areias (sic), zona da Praia Grande, com figueiras e vinha, que confinava do nascente com DDD, do norte com CC, do poente e sul com o mar, conforme Inventário de fls. 148, doc. 27 (arts. 50.º e 51.º da petição inicial)
32. Em 1912 faleceu, sem testamento, NN, que casara em Ferragudo a 10 de janeiro de 1893 com EEE, tendo-se instaurado inventário judicial por sua morte – fls. 169, doc. 33 (art. 52.º da petição inicial)
33. No dia 16 de janeiro de 1845, FF, filho de FF e de GG, casou com OO - fls. 154 v., doc. 30. FF, filho de FF e de OO, neto paterno de FF e de GG, nasceu no dia 18 de dezembro de 1844 – fls. 159 v., doc. 31C. Maria, filha de FF e de OO, neta paterna de FF e de GG, nasceu no dia 20 de agosto de 1846 – fls. 162, doc. 31D (anotação ao art. 52.º da petição inicial)
34. Uns anos antes, falecera YY, tendo decorrido inventário em 1902, em que figurou como inventariante a mãe, NN. NN, morador em Ferragudo, faleceu, tendo decorrido inventário em 1912, figurando como inventariante NN, mulher, entretanto falecida – fls. 165 v./178 v./184, doc. 32/fls. 177, doc. 33 (arts. 53.º e 54.º da petição inicial)
35. Do Inventário de NN constava, averbado sob o n.º 6, um quarto de fazenda na Angrinha, freguesia de Ferragudo, que se compunha de terra de semear, vinha, figueiras, amendoeiras e uma alfarrobeira, confinando do nascente com a estrada, do norte com ZZ, do poente com a rocha [está escrito “praia”, riscado e corrigido a lápis], e do sul com DD, foreira em 480 réis à Igreja de Ferragudo, prédio não descrito – fls. 179 (art. 55.º da petição inicial)
36. NN, herdeira, acabaria por licitar a mencionada propriedade averbada sob o n.º 6, cabendo-lhe a mesma na respetiva partilha, julgada por sentença a 3 de março de 1913, conforme fls. 68 e 75-75v do referido doc. 33, a fls. 175. Era também herdeiro FFF – fls. 175 (arts. 56.º e 57.º da petição inicial)
37. Em 1924, DD e WW foram os herdeiros do seu irmão UU, falecido em 7 de dezembro de 1923, tendo partilhado entre si o respetivo património, no qual se destacou um prédio rústico, isento, no sítio do Vale de Areia, freguesia de Ferragudo, que se compunha de figueiras, amendoeiras, mais árvores e terras de semear, e confrontava do nascente com GGG, norte com ZZ, poente com HHH e do sul com estrada. A escritura foi outorgada a 3 de julho do referido ano de 1924, e tal imóvel foi adjudicado metade a cada herdeiro:
a) A parte de DD ficou a confrontar do nascente com WW, norte com ZZ, poente com HHH e do sul com estrada;
b) E a parte de WW ficou a confrontar do nascente com GGG, norte com ZZ, poente com ela herdeira e sul com a estrada – fls. 185, doc. 34 (arts. 60.º e 61.º da petição inicial)
38. Já a 23 de maio de 1925, DD e sua mulher, JJ, celebraram com III, escritura por intermédio da qual se confessaram devedores e hipotecaram a favor deste último, “um prédio rústico que se compõe de terra de semear com vinha, figueiras e amendoeiras, casas de morada, no sítio do Vale da Areia, freguesia de Ferragudo, que confrontava do nascente com a estrada, do norte com ..., do poente com CC e do sul com o mar”, o qual não se encontrava descrito na Conservatória da Comarca de Silves – fls. 193 v., doc.35 (art. 63.º da petição inicial)
39. Esta hipoteca foi objeto de inscrição junto da referida Conservatória a 17 de junho de 1925, sob o n.º 3289, conforme se constata da Descrição do prédio n.º ...34, respetivos averbamentos e inscrições, incorporados no registo do prédio n.º ...4 da Conservatória do Registo Predial de Lagoa – fls. 196/doc. 36 (art. 64.º da petição inicial)
40. Falecido DD em 1927, a viúva, JJ, e os presumíveis
41. herdeiros do marido (a saber: JJJ e sua mulher KKK, residentes no Rio de Janeiro; LLL e sua mulher MMM ou MMM, recentemente casados e residentes em Portimão, esta última também na qualidade de mandatária de NNN e sua mulher OOO e de PPP, solteiro, maior, residentes na cidade do Rio de Janeiro) venderam o mesmo prédio, em 1930, a QQQ, e mulher, RRR, que na ocasião trataram de distratar a referida hipoteca, conforme averbamento n.º 1 à descrição ...89, datada de 25 de março de 1930 – fls. 194 (art. 65.º da petição inicial)
42. Na respetiva escritura, celebrada a 7 de fevereiro de 1930, o prédio fora descrito da seguinte forma: “prédio rústico que se compunha de terra de semear, com figueiras, amendoeiras, vinha, casas com três compartimentos, na povoação e freguesia de Ferragudo, da comarca de Silves que confronta de nascente com terras de BBB, do norte com a estrada, do poente com terras de NN e do sul com a praia, isento, descrito na Conservatória do Registo Predial da Comarca de Silves com o n.º ...34, a fls. 140v do livro B-39 (…) e inscrito na matriz predial de Lagoa sob o artigo ...24, [sublinhado nosso] – fls. 203 v. (art. 66.º da petição inicial)
43. QQQ veio a falecer a 25 de setembro de 1931, e, por sua morte, o prédio n.º ...34 ficou a pertencer à viúva meeira, RRR, e às irmãs do defunto CCC, SSS e TTT, declaradas únicas herdeiras do falecido pela escritura de habilitação lavrada no Funchal a 20 de fevereiro de 1934 – fls. 209 v./doc. 38 (art. 67.º da petição inicial)
44. RRR, a viúva, faleceu em Lisboa a 7 de fevereiro de 1933, sendo que, conforme respetiva escritura de habilitação de 23 de março de 1935, não deixou ascendentes, nem descendentes, pois não tivera filhos do seu casamento com QQQ e seus Pais já haviam morrido – fls. 216/doc. 39 (art. 68.º da petição inicial)
45. Deste modo, por testamento, RRR dispusera de todos os seus bens, direitos e ações, instituindo por única e universal herdeira da sua herança a sua tia UUU – fls. 219/doc. 40 (art. 69.º da petição inicial)
46. Com o título de “Bens da herança de D. RRR, viúva de QQQ, falecida em sete de fevereiro de mil novecentos e trinta e dois”, encontramos a relação de bens que compunha a herança da falecida, datada de 23 de março de 1935, de onde se destaca, a verba n.º 7: “Direitos da autora da herança como meeira, por virtude da sua escritura antenupcial de 10 de novembro de 1900, a bens indivisos adquiridos na constância do matrimónio por seu marido” – fls. 220, doc. 41 (art. 70.º da petição inicial)

47. Entre tais direitos constou: “d) o direito e ação a metade de uma propriedade que se compõe de terra de semear com vinha, figueiras e amendoeiras, casa de morada, no sítio do Vale da areia, freguesia de Ferragudo, comprada por escritura de 7 de fevereiro de 1930, notário ..., de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial da Comarca de Silves sob o n.º ...34, a fls. 140 verso do Livro B.39, e inscrito na matriz predial do concelho de Lagoa sob o artigo n.º ...24” (art. 71.º da petição inicial)
48. Consta do registo a inscrição predial n.º ...48, datada de 16 de abril de 1935, segundo a qual fora feita a transmissão de metade do prédio n. º ...34 a favor de UUU, casada no regime de separação de bens com VVV, por esta o ter herdado de sua sobrinha RRR (art. 73.º da petição inicial)
49. E, ainda, o teor da inscrição predial n.º ...47, do mesmo dia 16 de abril de 1935, que revela que a aquisição de metade do prédio n.º ...34 a favor de RRR, foi feita por iniciativa da referida sobrinha UUU, que alegou ter pertencido aquela metade à tia na meação por morte de seu marido QQQ (art. 74.º da petição inicial)
50. Em 1935, por escritura de 29 de outubro, celebrada entre as irmãs CCC, SSS e TTT (neste ato representadas pelo advogado WWW) e UUU e seu marido, VVV, se procedeu à partilha dos bens do falecido QQQ (art. 75.º da petição inicial)
51. Tendo-se, por esse meio, adjudicado uma metade às três irmãs herdeiras de QQQ, e a outra metade à viúva meeira (que teve também o usufruto da primeira metade), de quem, nesse ano, já era herdeira a referida UUU (art. 76.º da petição inicial)
52. Entre os bens consta “Em quarto lugar, uma terra de semeadura com vinha, figueiras e amendoeiras e casa de morada, no sítio do Vale da areia, freguesia de Ferragudo, concelho de Lagoa, comarca de Silves, descrita na Conservatória respetiva sob o n.º ...34, a fls. 140v do Livro B-39” – fls. 225, doc. 42 (art. 77.º da petição inicial)
53. Chegando-se ao ano de 1938, as referidas proprietárias de cada uma das metades do prédio n.º ...34 procederam à sua venda: por escritura de compra e venda de 13 de abril de 1938, adiante junta como Doc. 43, XXX adquiriu, por um lado, a UUU, e por outro, a CCC, SSS e TTT, as duas metades do referido prédio, que aqui fora descrito da seguinte forma: “uma propriedade que se compunha de terra de semear, com vinha, figueiras, amendoeiras, e casas de habitação com três compartimentos, no mesmo sítio do Vale de Areia (Praia Grande), inscrita na matriz sob o artigo ...24 rústico, depois desdobrado nos artigos ...07 rústico e ...23 urbano, e descrita sob o n.º ...34 no livro B-39 da Conservatória do Registo Predial de Silves” (arts. 78.º e 79.º da petição inicial)
54. De acordo com o declarado na mencionada escritura, a aquisição da metade da propriedade referida no artigo anterior a favor de YYY resultara da herança de sua sobrinha RRR, e a aquisição da outra metade a favor de CCC, SSS e TTT resultara da herança de seu irmão QQQ (art. 80.º da petição inicial)
55. Nos termos do testamento de XXX, lavrado a 21 de maio de 1951, XXX declarou ser viúva, não ter quaisquer ascendentes vivos e não ter, nem nunca ter tido, quaisquer descendentes, legando, por isso, “a propriedade denominada M...”, que possuía em Ferragudo, no Algarve, aos seus sobrinhos EE e marido ZZZ, incluindo “todos os móveis, adornos e utensílios que se encontram adentro da mesma propriedade” – fls. 235 v. (arts. 81.º e 82.º da petição inicial)
56. De acordo com a inscrição n.º ...83, datada de 25 de junho de 1952, o prédio com o n.º ...34 fora, então, adquirido por EE e ZZZ, seu marido, por lhes ter sido legado por sua tia XXX, ou XXX – fls. 196 (art. 83.º da petição inicial)
57. A descrição do prédio n.º ...34 da Conservatória do Registo Predial de Silves seria, entretanto, transcrita sob a descrição n.º ...4 da Conservatória do Registo Predial de Lagoa (art. 84.º da petição inicial)
58. Em 1952, o prédio n.º ...34 estava inscrito na matriz predial rústica sob os artigos ...07, ...57 e ...80, e na urbana sob o artigo 809, declarando-se que era misto e que se designava “M...” (cf. averbamento n.º 3 à descrição do prédio n.º ...4 constante do referido doc. 36) (art. 85.º da petição inicial)
59. ZZZ faleceu em 1972, sendo que, nos termos do seu testamento, deixou alguns legados e instituiu como herdeira do remanescente da quota disponível a EE, sua mulher, declarando que tinha uma única filha, EE, casada com AAAA, que era, por conseguinte, a sua única herdeira legitimária – fls. 240, doc. 45 (art. 86.º da petição inicial)
60. O então prédio n.º ...4 foi, assim, adquirido em comum e sem determinação de parte ou direito por EE, viúva, e sua filha, EE, conforme inscrição n.º ...33, datada de 15 de junho de 1974, por sucessão testamentária e hereditária de ZZZ (art. 87.º da petição inicial)
61. EE veio, por sua vez, a adquirir a porção hereditária de sua Mãe, por escritura lavrada a 18 de dezembro de 1980 no 1º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 35 do livro 127-E, passando a ser a única proprietária do prédio n.º ...4, o qual mais tarde integrou a sua própria herança – fls. 243 v., doc. 46 (art. 88.º da petição inicial)
62. Consta do registo o averbamento à inscrição n.º ...33, de 2 de setembro de 1981 (art. 89.º da petição inicial)
63. Em 1981, o prédio n.º ...4 achava-se inscrito na matriz rústica sob os artigos ...07 e ...7 e na urbana sob o artigo 809 (cf. averbamento n.º 5 à descrição do prédio n.º ...4, constante referido doc. 36), em 2009 o referido prédio n.º ...4 foi extratado para registo informático sob o n.º ...35, conforme certidão permanente (vide doc. 1) (art. 90.º da petição inicial)
64. EE faleceu a 6 de agosto de 2009, no estado de viúva de AAAA, não deixando descendentes nem ascendentes, mas tendo efetuado testamento público, no qual fez diversos legados, e do remanescente da sua herança instituiu como seus únicos e universais herdeiros o seu sobrinho, AA, e sua mulher, BB, aqui AA. – cf. a respetiva escritura de habilitação de herdeiros e testamento, junta como doc. 47, a fls. 246 v. (art. 91.º da petição inicial).»



C- De Direito
A questão decidenda foi sucintamente supra identificada como consistindo em apreciar se a sentença deve ser revogada por o Tribunal a quo ter incorrido em erro de julgamento ao não reconhecer a natureza privada da parcela de terreno do imóvel registado em nome dos Autores, que ocupa parcialmente, a sul, a margem esquerda do Rio Arade.
Previamente a essa análise, cabe precisar o seguinte: os Apelantes nas conclusões 3 e 4 expressam-se de maneira contraditória e equívoca no que concerne à delimitação do objeto do recurso.
Efetivamente, na conclusão 3 ao mencionarem «errónea apreciação da matéria de facto» e na conclusão 4 ao reportarem-se à «valoração do depoimento da única testemunha inquirida» poderia ser interpretado como uma pretensão impugnatória da decisão de facto nos termos do artigo 640.º do CPC (independentemente de estarem ou não cumpridos os respetivos requisitos).
Porém, verifica-se imediatamente que os Apelantes não têm em mente a impugnação da decisão de facto quando alegam no início da conclusão 4 «Não se discute a matéria dada como provada e não provada, mas sim a sua interpretação, e as legais consequências que dela se extraem (…).»
Assentemos, pois, que os Apelantes situam o objeto do recurso na alegação de erro de julgamento (error in judicando), ou seja, na incorreta aplicação e interpretação da lei aos factos provados, excluindo desse invocação a impugnação da decisão sobre a decisão de facto.
Defendem os Apelante que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005, de 15-11, e o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, por ter «(…) aderido ao entendimento mais exigente, optando pela solução que, no entendimento dos RR não satisfaz nem defende da melhor forma os interesses e os direitos dos particulares, estando longe de se traduzir na melhor aplicação do Direito ao caso concreto.» (cfr. conclusão 18).
Ao invés, os Autores defendem que tendo conseguido provar o trato sucessivo das várias transações entre 2010 e 1925, e que, entre 1864 a 1925, foram realizadas transações entre particulares de terrenos sensivelmente na mesma área geográfica e/ou localização do que agora é o seu imóvel (o que conseguiram demonstrar por via de uma investigação histórico-patrimonial rigorosa, como reconhece a 1.ª instância), deveria o tribunal a quo, em face das regras da interpretação da lei, mas também da lógica, da razoabilidade e do bom sendo, ter considerado que os Autores lograram ilidir a presunção de dominialidade a favor do Estado Português e reconhecido o direito de propriedade dos Autores sobre a parcela do prédio misto denominado «Nossa Senhora de Fátima», situada na margem dominial.
A sentença recorrida pronunciou-se em sentido desfavorável aos Autores com base no seguinte:
«O que está em causa é o reconhecimento da titularidade privada de parte do prédio dos autores, o descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve), sob o n.º ...35, já que o mesmo confronta a sul com o Rio Arade.
(…)
Aqui estão em causa arribas alcantiladas, contíguas à margem esquerda do Rio Arade, entendendo-se por alcantil o espaço, de inclinação muitíssimo acentuada, que medeia entre a base e a crista da arriba. Por isso, dúvidas não existiam de que parte do prédio dos autores integraria a margem das águas navegáveis sujeitas à influência das marés (Rio Arade) e não do mar.
Acontece que os autores pretendem que venha a ser reconhecida a titularidade privada dessa parcela.
(…)
Não há dúvidas de que o prédio descrito sob o n.º ...35 e registado a favor dos

autores desde 2010 – presumindo-se a respetiva titularidade, art. 7.º do Código de Registo Predial - corresponde ao anterior prédio n.º ...4 do Livro 1 da Conservatória do Registo Predial de Lagoa, da freguesia de Ferragudo, sito em Vale da Areia, no concelho de Lagoa, confronta a norte com ..., a sul com o mar, a nascente com a estrada e a poente com CC.
A aquisição registada de 2010 resultou da sucessão hereditária e testamentária de EE adquirido em 1974 – fls. 197 v. E o trato sucessivo permite recuar sem dificuldade até 1952, altura em que está registada a aquisição do prédio antes descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º ...34, a fls. 140v. do livro B-39 – fls. 197; dali até 1935, conforme fls. 216 v.; dali até 1934, conforme fls. 210; dali até 1930, conforme fls. 203 v./264 v.; e, finalmente, dali até 1925, conforme fls. 264. Conseguimos recuar, então, até 1925, altura em que foi outorgada a escritura de hipoteca, direito objeto de registo – fls. 264.
Daí para o passado, os autores apresentam elementos documentais com vista a estabelecer o encadeamento de atos que permitam concluir que o prédio em causa esteve na titularidade de privados.
Ocorre que, dada a excecionalidade da previsão legal, tem se se verificar a exata coincidência dos prédios apontados pelos autores de 1925 para trás, até 1868 – cfr. o critério legal, quando no art. 15.º, n.º 2, se refere a parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram (…)
É verdade que, os autores apresentaram vasta prova documental resultante de um processo rigoroso de investigação histórica que permite concluir que:
- Os terrenos objeto de transação de 1864 a 1925 situam-se sensivelmente na mesma área geográfica do que agora é dos autores;
- Existiam vários terrenos com confrontações com Rocha da Praia Grande, admitindo-se, como referido pela testemunha inquirida, que pudesse ter havido no registo, alguma volatilidade dos pontos cardeais, entre o sul e o poente;
- Foram transacionados vários terrenos privados,
Mas já não que aqueles, objeto de transação, têm a mesma localização e correspondem à mesma exata área geográfica do dos autores. E esse era ónus dos autores.
Assim, a ação improcederá.»

Vejamos, então.
A Lei n.º 54/2005, de 15-11, na redação aplicável aos autos dada pela Lei n.º 31/2016, de 23-08, regula e estabelece a titularidade dos recursos públicos hídricos, que abarcam o domínio público marítimo, o domínio publico lacustre e fluvial e o domínio das restantes águas (artigos 1.º a 8.º).
Este diploma assenta sobre uma presunção de propriedade do Estado desses recursos, ainda que ilidível, e tem a montante o quadro legislativo originalmente estabelecido pelo Decreto Real de 1864, de 31-12-1864, referente aos recursos hídricos, que foi sendo atualizado por vários diplomas que mantiveram aquela presunção, encontrando-se atualmente prevista na Lei n.º 54/2005, e alterações subsequentes (Retificação n.º 4/2006, de 11-01, Lei n.º 78/2013, de 21-11, Lei n.º 34/2014, de 23-08 e Lei n.º 31/2016, de 23-08).
Assim, a evolução histórico-legislativa evidencia que a titularidade dos recursos hídricos pertence ao Estado e este beneficia de uma presunção juiris tantum de dominialidade.
Também a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 84.º, n.º 1, alínea a), prescreve que pertencem ao domínio público as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos.
Os artigos 1.º a 8.º da Lei n.º 54/2005, reiteram e pormenorizam quais os recursos hídricos que integram o domínio público e os que pertencem aos particulares, estipulando o artigo 1.º, n.º 1 deste diploma que «Os recursos hídricos a que se aplica esta lei compreendem as águas, abrangendo ainda os respetivos leitos e margens (…)», prescrevendo o artigo 4.º que «O domínio público marítimo pertence ao Estado».
Porém, como se reconhece no Acórdão do STJ de 05-06-2018[1], «A circunstância de um terreno se situar nos limites do domínio público, não obsta a que possam subsistir direitos de natureza privada já existentes. As dúvidas que frequentemente se suscitam quanto à existência e origem desses direitos devem ser resolvidas por aplicação do regime de reconhecimento que o legislador estabeleceu, quer no diploma de 1971 (art. 8.º), quer no diploma de 2005 (art. 15.º). Essas faixas de terreno, qualificadas como margens, estão sujeitas a uma presunção juris tantum de propriedade pública, mas podem os particulares invocar direitos de natureza privada, devendo para tal elidir essa presunção, mediante propositura de acção judicial.
Na verdade, os leitos e margens de águas do mar e de cursos de água, embora se presumam públicos, serão particulares, ainda que sujeitos a servidões administrativas, se forem reconhecidos como privados por força de direitos adquiridos anteriormente.»
O artigo 15.º da Lei n.º 54/2005 regula precisamente o reconhecimento de direito adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos, estipulando os n.ºs 1 a 5 do seguinte modo:
«1- Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
«2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
3 - Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
4 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que:
a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei;
b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias;
c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.»
Enuncia, pois, o preceito os meios ao dispor dos particulares para obter perante os tribunais comuns o reconhecimento dos seus diretos de propriedade sobre parcelas de leitos e margens dominiais, fazendo recair sobre os mesmos o ónus de alegar e «provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.».
Compete, assim, aos particulares alegar e provar através de prova documental que, antes de 31-12-1864 ou, se estiverem em causa arribas alcantiladas, antes de 22-03-1868[2], tinham título legítimo donde resulta que a parcela em causa, apesar de se encontrar inserida presuntivamente no domínio público, é objeto de propriedade particular ou comum, ilidindo, assim, a referida presunção (artigo 15.º, n.º 2).
«Constituem justo ou legitimo título de aquisição, entre outros, os expressamente indicados no artigo 1316.º do Código Civil: contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão», acrescendo que as «águas originalmente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de 1686, por preocupação, dação régia ou concessão consideram-se também justo título, por força do que dispõe o artigo 1386.º do Código Civil.» [3]
Pode suceder que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, que comprovem o legítimo título de aquisição tenham desaparecido.
Nessa situação rege o n.º 4 do artigo 15.º, embora com sujeição a determinados pressupostos, pois apenas abrange os referidos documentos que se tenham tornado «ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente» estabelecendo que, nesse caso, «presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.»
Ou seja, a exigência de prova documental é afastada verificado o circunstancialismo referido no preceito. Nesta situação, também se verifica a existência de uma presunção, agora a favor dos particulares. A ilisão da presunção recaí, então, sobre o Estado (artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil).
O n.º 3 do artigo 15.º, por sua vez, regula as situações em que os interessados não possuem documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, estipulando que «deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.»
Neste caso, não é exigida a prova documental, pelo que, em princípio, são aceites todos os meios de prova admitidos em direito, salvo a prova por confissão por estarem em causa direitos indisponíveis, como é o caso do domínio público.[4]
Também aqui existe uma presunção juris tantum que beneficia os particulares, desde que provada a base da mesma prevista no normativo, ou seja, desde que haja posse nos termos referidos na norma, e até prova em contrário (cfr. artigo 350.º, n.º 2, do CPC), a parcela é particular.
O n.º 5 do artigo 15.º regula as situações em que o reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido, sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores, nos casos em que os terrenos se encontrem em qualquer das situações previstas nas alíneas a) a c) do mesmo número.
Não nos alongaremos na escalpelização desta situação, pois, manifestamente, não se adequa à situação dos autos (nem os recorrentes tal defendem).
A questão a decidir com os contornos que resultam da decisão de facto e dos termos da impugnação da sentença por via deste recurso, reconduz-se, na verdade, aos n.ºs 2 e 3 do artigo 15.º, já que o n.º 4 do preceito também se encontra naturalmente afastado por falta de factos suscetíveis de integrar a sua previsão legal.
Em relação ao n.º 2 do artigo 15.º, os Autores apresentaram prova documental visando estabelecer o trato sucessivo das aquisições/transmissões do imóvel até ao ano de 1925.
No caso, e porque está em causa uma arriba alcantilada, a ilisão da presunção de dominialidade prevista no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, impunha que da prova documental apresentada resultasse que existia título legítimo antes de 22-03-1868 (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Não tendo os Autores logrado fazer prova documental até à data referenciada na lei, não se encontra ilidida a presunção de domínio público existente sobre a parcela em causa.
Todavia, a ilisão da referida presunção pode ainda operar por via do n.º 3 do artigo 15.º do mesmo diploma, competindo aos Autores provar, ainda que por meio de outros meios de prova, mormente testemunhal, que antes de 22-03-1868, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
Alegam os Autores que essa prova foi feita, porquanto conseguiram estabelecer através da investigação história que levaram a efeito, tida como rigorosa pelo tribunal a quo, recuando até ao longínquo ano de 1840, por referência a uma propriedade de DD, sita no Vale da Areia, Ferragudo, que o terreno em causa esteve na titularidade de privados desde 1864.
Porém, como admitem, a investigação não conseguiu localizar o documento que tutelou a propriedade ou posse em nome próprio por parte de DD e dos seus sucessores.
Socorreu-se, então, a investigação na procura de atos dispositivos/aquisitivos de imóveis com confrontações com o imóvel de DD de modo a circunscrever a zona onde se encontra o terreno dos Autores, tendo como ponto de referência, por um lado, a Paria Grande e, por outro lado, a estrada, tendo conseguido inferir, no entender de quem a levou a cabo, em face da análise de todos os documentos encontrados, que DD e depois os seus filhos, que fizeram o registo, era o proprietário ou o detentor do imóvel em causa nos autos.
Tudo como veio a ser reiterado pela testemunha ouvida em julgamento (BBBB) que foi o autor da investigação que vem sendo referida.
Ora, na matéria de facto dada como provada encontra-se plasmada a alegação dos Autores referente a essa investigação, tendo o Tribunal a quo considerado na análise da mesma que «os terrenos objeto de transação de 1864 a 1925 se situam sensivelmente na mesma área geográfica do que agora é dos autores», mas também concluiu que não sai da mesma evidenciado que as várias transações relatadas de vários terrenos privados «têm a mesma localização e correspondem à mesma exata área geográfica do dos autores», pelo que concluiu que os Autores não acataram o ónus probatório que sobre eles impendia.
Atentos os factos dados como provados, não vemos que a conclusão do Tribunal a quo mereça qualquer censura.
Efetivamente, a ilisão da presunção de domínio público prevista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 15.º da Lei n.º 45/2005, impunha que os Autores provassem, através de prova documental que a parcela em causa era, por título legítimo, objeto de propriedade privada antes de 22-03-1868, o que não lograram fazer.
Como também, agora, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º, não lograram provar por outro meio de prova, mormente testemunhal, que antes de 22-03-1868, o terreno em causa nos autos estava na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos da circunscrição administrativa onde o mesmo se localiza.
Efetivamente, a investigação inferiu a existência de trato sucessivo entre o terreno pertença de DD e seus sucessores e o imóvel dos Autores estabelecendo, desse modo, que desde 1840 até à atualidade, a parcela de terreno em causa nos autos estava na titularidade de particulares.
Porém, o encadeamento desse trato sucessivo não se encontra demonstrado nos autos. A conclusão alcançada pela investigação infere essa sucessão, mas na verdade, como ali é reconhecido, não conseguiu, desde logo, encontrar o documento que titulasse a posse do referido prédio por DD, nem que o atual prédio dos Autores, embora localizado na mesma zona geográfica, correspondesse, total ou parcialmente, ao prédio do referido DD.
Encontra-se, assim, por demonstrar um requisito essencial para a ilisão da presunção de domínio público, ou seja, que a parcela do terreno dos Autores que confina a sul com a margem esquerda do Rio Arade, por título legítimo, foi objeto de propriedade particular ou comum antes de 22-03-1868, ou que, antes dessa data, estava na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de pessoas da respetiva circunscrição administrativa.
Consequentemente, os Autores não lograram ilidir a presunção juris tantum de que a parcela do terreno em causa nos autos pertence ao domínio público, pelo que não pode ser reconhecida como excluída dessa dominialidade.
Vêm os Autores alegar em defesa da sua pretensão, que sendo consensual para a procedência da ação de reconhecimento da propriedade privada que a mesma existia antes de 22-03-1868, deve ser afastada a exigência de prova das transmissões subsequentes do bem até à sua atual propriedade, socorrendo-se para o efeito do Acórdão do STJ de 30-11-2021[5].
Efetivamente, o referido aresto sumarizou o ali decidido do seguinte modo:
«I - No âmbito do regime previsto no artigo 15º, nº 2, da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro (que estabelece a titularidade dos recursos hídricos), na redação atual dada pela Lei nº 34/2014, de 19 de junho, pretendendo o interessado obter o reconhecimento da propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, tem de demonstrar, além da sua titularidade, que aqueles terrenos eram objeto de propriedade particular ou comum, antes de 31 de dezembro de 1864 ou antes de 22 de março de 1868, se se tratar de arribas alcantiladas, por título legítimo (à luz do Código Civil de Seabra), não sendo necessária a prova de toda a história de transmissões do bem e do reatamento do trato sucessivo até ao momento presente.
II - O entendimento amplo do preceito, segundo o qual o particular interessado deve fazer prova que o terreno permaneceu na condição de “propriedade privada” desde 1864 até ao momento atual, para além de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º, nº 2, do Código Civil), não está de acordo com a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), nem é exigido pela razão de ser do regime jurídico em causa, que teve por objetivo a proteção de direitos adquiridos.»
Sucede, porém, que da leitura integral do acórdão facilmente se percebe que a questão ali discutida é diversa daquela que os presentes autos nos colocam.
Ali, a questão em discussão era a interpretação do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 45/2005 no sentido de se o mesmo isentava, ou não, o Autor da prova da propriedade privada sobre uma faixa de terreno confiante com o leito de determinado rio, de forma ininterrupta entre 31-12-1868 até à data atual, tendo o STJ concluído negativamente, ou seja, que o ónus de prova do interessado em ordem a ilidir a presunção de dominialidade não exigia que ficasse provada que a natureza privada se manteve, de forma ininterrupta, desde antes da data referenciada no n.º 2 do artigo 15.º, até à atualidade.
No caso, estava provada a propriedade privada do terreno antes de 31-12-1868 e a propriedade privada à data da instauração da ação, mas não o trato sucessivo entre esses dois momentos temporais.
Não é essa a situação dos presentes autos, por não se encontrar provado que, antes de 22-03-1868, o terreno em causa neste processo era objeto de propriedade privada ou comum ou esteve na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de privados.
Os Autores apenas lograram provar que assim era desde a atualidade até 1925.
Não está, assim, em causa uma questão de prova, ou não, da continuidade da propriedade privada individual ou comum entre duas datas, pois essa questão apenas se podia colocar se, no caso, estivesse provado que antes de 22-03-1868 o terreno dos Autores já estava no domínio privado, embora se desconhecesse se assim teria permanecido entre aquela data e 1925, pois a partir deste ano está provado que assim era.
O que faltou provar na situação sub judice é a natureza privada do imóvel antes de 22-03-1868 e sem esse facto provado não pode ser ilidida a presunção de domínio público, seja por via do n.º 1 ou do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005.
Assim, a jurisprudência acolhida no referido aresto do STJ quanto à interpretação do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, salvo o devido respeito, não é aplicável ao caso dos autos por partir de pressupostos diferentes dos que se verificam no caso presente.
Também a argumentação dos Apelantes de que o Ministério Público estaria em melhores condições para fazer prova de que o imóvel ingressou no domínio público durante o período que vai de 22-03-1868 a 1925, não colhe, porquanto o Estado Português beneficia da presunção juris tantum de domínio público, impendendo sobre os Autores o ónus da sua ilisão (artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil).
Quanto à alegação de estarmos perante uma prova praticamente impossível ou probatio diabólica, importa fazer apelo ao já decidido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 326/2015, a respeito da alteração da Lei n.º 54/2005, pela Lei n.º 34/2014, de 19-06[6], que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 54/2005, de 15-11, na redação conferida pela Lei n.º 78/2013, de 21-11, quando interpretada no sentido da obrigatoriedade da prova a efetuar pelos autores se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864.
Argumentos que são, por identidade de razão, transponíveis para a prova em relação à data de 22-03-1868, e que, em suma, radicam no princípio que a «(…) vertente conformadora, ou mesmo restritiva, do direito de propriedade privada pode surgir em resultado de normas reguladoras do processo ou da alocação do ónus da prova, as quais somente serão inconstitucionais se forem insuscetíveis de credenciar-se racionalmente, afetando excessivamente a posição patrimonial protegida pelo artigo 62.º da Constituição. Neste juízo, há que ter na devida conta que um sistema institucional de instrumentos e mecanismos jurídicos e de normas organizatórias e procedimentais é um elemento essencial para garantir a tutela de outros interesses constitucionalmente protegidos, mormente a segurança no domínio e na exploração dos bens.»
Ou seja, a natureza dos bens em causa e o interesse coletivo que lhes subjaz justifica que a exigência probatória sobre a titularidade privada de bens sujeitos ao domínio público remonte às datas em que o sistema legislativo estabeleceu regras sobre o domínio hídrico público.
Compreende-se, assim, que o legislador tenha pretendido instituir um regime jurídico que, tendencialmente, crie um equilíbrio entre o respeito pelos direitos adquiridos dos particulares e a conveniência de que as margens de águas públicas, por condicionarem a utilização dessas águas, integrem o domínio público, ou seja, estejam sujeitas um regime especial de direito público caracterizado por um reforço das medidas de proteção das coisas que o integram (cfr., desde logo, artigos 21.º a 25.º da Lei n.º 54/2005).
A alegada probatio diabólica só seria de considerar e, ainda assim, apenas na perspetiva de apreciação normativa em termos de juízo de (in)constitucionalidade, se fosse suscetível de contender de forma desadequada e desproporcional com a garantia de acesso ao direito e com o direito de propriedade privada.
Porém, como ficou escrito no Acórdão do TC acima referido:
«Reconhecendo-se embora a existência de instrumentos jurídicos que permitiriam acautelar, pelo menos em parte, os interesses públicos que o regime jurídico vigente visa salvaguardar – nomeadamente, as servidões administrativas e outras restrições de utilidade pública -, não se duvida que a dominialidade pública é o que melhor garante aqueles. Não se olvide que as margens das águas públicas constituem condição de acesso a vias de comunicação – leia-se, a cursos de água navegáveis ou flutuáveis –, apresentando impacto evidente no exercício de liberdades fundamentais, como a liberdade de circulação, consagrada no artigo 44.º da CRP.
Ainda que algumas dúvidas possam subsistir, elas não se afiguram suficientes para pôr em causa a conformidade constitucional da norma do artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 54/2005, na redação conferida pela Lei n.º 78/2013, quando interpretada no sentido da obrigatoriedade da prova a efetuar pelos autores se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864, quando confrontada com o direito de acesso ao direito e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.»
Diremos nós, agora, que tal raciocínio é igualmente válido para a redação atual dos n.º s 2 e 3 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005.
Em relação à alegada falta de flexibilidade do julgador quanto à valoração da prova e inferências probatórias a retirar de determinados elementos probatórios à luz das regras da lógica, razoabilidade e bom senso, cabe apenas dizer que o artigo 9.º do Código Civil estabelece regras de interpretação das normas legais, que têm de ser acatadas pelo julgador, sob pena da interpretação da lei passar a ser entendida como um ato discricionário de quem julga.
Ora, no caso, a lei exige a prova da titularidade privada à data de 22-03-1868 para que a presunção legal seja ilidida, incumbindo o respetivo ónus a quem a coloca em causa, e essa prova não foi feita nos autos, não obstante a lei permitir a utilização de vários meios probatórios para a demonstração da realidade em discussão.
Tudo visto e ponderando, em suma, não assiste razão aos Apelantes, porquanto a sentença não violou os normativos indicados pelos Apelantes ou outros, não merecendo qualquer censura.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo dos Apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 02-03-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Proc. n.º 1339/16.9T8FAR.E1.S2 (Alexandre Reis), disponível em www.dgsi.pt
[2] Esta data reporta-se à entrada em vigor do Código Civil de 1867 (Código de Seabra), enquanto a menção a 31-12-1864 corresponde à entrada em vigor do Decreto Real que estabeleceu a dominialidade pública dos leitos e margens.
[3] MANUEL ANTÓNIO DO CARMO BARGADO, O reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico, in Julgar Online, 2013, p. 21, consultável em http://julgar.pt/o-reconhecimento-da-propriedade-privada/
[4] Neste sentido, MANUEL ANTÓNIO DO CARMO BARGADO, ob. cit., p. 21-22.
[5] Proferido no proc. n.º 2960/14.5TBSXL.L1.S1 (Maria Clara Sottomayor), disponível em www-dgsi.pt .
[6] Proferido no proc. n.º 718/14, de (João Pedro Caupers), disponível no site https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150326.html, que apreciou inconstitucionalidade material, da norma constante do artigo 15.º, n.º s 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, “quando interpretada no sentido da obrigatoriedade da prova a efetuar pelos autores se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864”, e que decidiu: «a) Julgar não inconstitucional a norma do artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, na redação conferida pela Lei n.º 78/2013, de 21 de novembro, quando interpretada no sentido de a obrigatoriedade da prova a efetuar pelos autores se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864; (…).»