Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2062/07.0TBPTM-G.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: CARTA ROGATÓRIA
PODERES DO TRIBUNAL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O objectivo da M.ma Juiz a quo, com a prolação do despacho recorrido foi apurar, tão só, junto da mandatária dos AA. que se encontram a residir no estrangeiro, da possibilidade dos mesmos virem prestar os respectivos depoimentos de parte, presencialmente, quando da realização da audiência de julgamento na 1ª instância.
2 - O despacho recorrido não rejeitou a produção de qualquer meio de prova indicado pela R., mais concretamente a prestação pelos AA. dos respectivos depoimentos de parte, limitando-se a Julgadora a quo a cumprir em tal despacho, apenas e tão só, os princípios da boa gestão processual e da cooperação, consagrados, respectivamente, nos arts. 6º, nº 1 e 7º, nº 1, ambos do C.P.C..
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 2062/07.0TBPTM-G.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e outros instauraram a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra (…) – Hotelaria e Turismo, S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento aos AA. da quantia global de € 3.826.797,45.
Devidamente citada para o efeito veio a R. apresentar contestação e deduzir reconvenção, pedindo a condenação dos AA. a pagarem-lhe o montante total de € 1.742.096,06.
Foi proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e quesitada, na base instrutória, a matéria controvertida.
De seguida as partes apresentaram os seus meios de prova, os quais foram admitidos por despacho da Julgadora “a quo”, devidamente transitado em julgado.
Relativamente aos meios de prova apresentados pela R. verifica-se que foi admitido o depoimento de parte dos AA. a toda a matéria constante dos quesitos 55º a 58º e 60º.
Devidamente a vicissitudes várias – pois o processo tem 131 AA., muitos deles a residir em França – constata-se que a audiência de julgamento, no tribunal “a quo”, ainda não se iniciou.
Por isso, a M.ma Juiz “a quo” veio a proferir nos autos o despacho que, de seguida, passamos a transcrever:
- Considerando que os presentes autos foram instaurados no ano de 2007, considerando a delonga processual causada, em exclusivo, pelo cumprimento das cartas rogatórias para prestação de depoimento de parte dos autores, notifique a Ilustre Mandatária dos autores para informar se se compromete a apresenta-los em Audiência de Discussão e Julgamento (neste caso o Julgamento poderá ser imediatamente agendado).

Inconformado com o teor do despacho supra descrito dele apelou a R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
a) A recorrente para defender os seus direitos e interesses incluiu nos meios de prova a prova por confissão dos autores, requereu o depoimento de parte sobre matéria que pode ser objecto de confissão e a Meritíssima Juiz “a quo” admitiu tal pretensão.
b) A prova por confissão das partes está prevista no nosso direito, a ora recorrente tem o direito de produzir este tipo de prova, e o Tribunal está obrigado a cumprir os trâmites que a lei prevê para o obter.
c) Com o despacho recorrido, a Meritíssima Juiz “a quo” colocou nas mãos da Ilustre Mandatária dos autores a responsabilidade de produzir a prova de que ora recorrente necessita para defender os seus direitos e interesses.
d) O que faz com que o despacho recorrido constitua uma obstrução ao exercício do direito da recorrente produzir a sua prova, já que, como bem se compreende, a produção da prova contra os autores não pode depender da boa vontade da Ilustre Advogada dos próprios autores.
e) Cujo compromisso de apresentar os seus clientes em juízo (caso seja prestado) e respectiva quebra não têm consequências legais rigorosamente nenhumas.
f) É por estas razões que a criatividade processual que Meritíssima Juiz “a quo” manifesta com o despacho recorrido, pelo absurdo das implicações que pode ter, constitui uma obstrução ao direito da ré de produzir a prova que entende produzir para defender os seus direitos e interesses.
g) O despacho recorrido carece em absoluto de fundamento de direito.
h) Viola frontal e despudoradamente o sistema que o legislador processual coloca ao dispor das partes para produção da prova que estas julguem ser a que mais se adequa à defesa dos seus interesses.
i) Termos em que:
- O despacho recorrido deve ser declarado nulo, por não especificar os fundamentos de direito que o justificam (artigo 615.º n.º 1, alínea b), do CPC), ou, caso assim não seja entendido,
- O despacho recorrido deve ser revogado, por impedir que a ré produza a prova que elegeu para defesa dos seus direitos e interesses e, com isto, viola as normas dos artigos 452.º e 453.º do CPC.
Pelos AA. não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art.º 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (artigo 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo artigo 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se, a prolação do despacho sob censura, teve, como finalidade principal, impedir que a R. produzisse prova que indicou para a defesa dos seus direitos e interesses, nomeadamente a prestação pelos AA. dos respectivos depoimentos de parte.

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela recorrente importa referir, desde já, que, da análise dos autos, podemos constatar que a R., ao apresentar os seus meios de prova, veio requerer o depoimento de parte de todos os AA., sendo certo que tal prova foi admitida e deferida pela Julgadora “a quo”, no que tange à factualidade contida nos quesitos 55º a 58º e 60º – cfr. arts. 452º, 453º, nºs 1 e 3 e 454º, nº 1, todos do C.P.C.
Assim sendo, e na sequência de cartas rogatórias expedidas para França, para a prestação dos depoimentos de parte de vários AA., as quais não foram integralmente cumpridas pelas autoridades judiciais francesas (alegadamente por as notificações remetidas para as moradas dos AA., residentes naquele país, terem sido devolvidas), proferiu a Julgadora “a quo” o despacho recorrido que, no entendimento da R., aqui apelante, lhe veio coartar e até rejeitar a possibilidade de produzir aquela prova por si, oportunamente, indicada nos autos.
Todavia, e salvo o devido respeito, resulta claro do teor do despacho sob censura (transcrito supra, a fls. 2 deste aresto) que, em momento algum, se visou impedir que tal prova (ou seja, os depoimentos de parte de todos os AA.) – requerida pela R. e deferida pela Julgadora “a quo” – fosse realizada.
Na verdade, o objectivo da M.ma Juiz “a quo”, com a prolação de tal despacho foi apurar, tão só, junto da mandatária dos AA. que se encontram a residir no estrangeiro, da possibilidade dos mesmos virem prestar os respectivos depoimentos de parte, presencialmente, quando da realização da audiência de julgamento na 1ª instância.
E, quanto a nós, o referido despacho foi legalmente proferido, no estrito cumprimento, aliás, dos deveres de (boa) gestão processual e de cooperação que incumbem ao juiz e que este deverá observar, escrupulosamente, nos processos que tem a seu cargo.

Com efeito, o artigo 6º, nº 1, do C.P.C. estipula o seguinte:
- Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável (sublinhado nosso).
E, por sua vez, o artigo 7º, nº 1, do C.P.C dispõe que:
- Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (sublinhado nosso).
Assim sendo, constata-se que a M.ma Juiz “a quo” mais não fez do que cumprir o determinado nos preceitos legais acima transcritos, sendo certo que, com a prolação do despacho ora em crise, não quis rejeitar ou impedir – de todo – a prestação dos depoimentos de parte dos AA. que, previamente, já tinham sido deferidos nestes autos.
Aliás, isso mesmo resulta ainda mais evidente e cristalino, face ao despacho que, em data posterior – mais concretamente em 25/10/2017 – foi proferido pela Julgadora a quo, no qual a mesma vem ordenar que, relativamente aos AA. residentes em França (e que ainda não tenham sido ouvidos), se tente novamente o cumprimento das cartas rogatórias nas moradas conhecidas e, no caso de se frustrar o seu cumprimento, ser a R. notificada para informar se mantém interesse na prestação dos depoimentos de parte daqueles AA. (sublinhado nosso).
Deste modo, atentas as razões e fundamentos supra referidos, forçoso é concluir que o despacho recorrido não rejeitou a produção de qualquer meio de prova indicado pela R., mais concretamente a prestação pelos AA. dos respectivos depoimentos de parte, limitando-se a Julgadora a quo a cumprir em tal despacho, apenas e tão só, os princípios da boa gestão processual e da cooperação, consagrados nos citados artigos 6º, nº 1 e 7º, nº 1, ambos do C.P.C. (sublinhado nosso).
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, irrelevam, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pela R., ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela R. e, em consequência, confirma-se integralmente o despacho proferido pela Julgadora “a quo”.
Custas pela R., ora apelante.
Évora, 08 de Março de 2018
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).