Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2963/17.8T8PTM.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
PRESTAÇÃO
TERCEIRO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Apesar de o promitente-vendedor ter alienado a um terceiro o imóvel prometido vender, pode não ocorrer incumprimento definitivo do contrato promessa por impossibilidade objectiva do cumprimento da prestação imputável ao devedor (art.º 801º nº1 do Cód. Civil) se esse terceiro se comprometeu a cumprir aquela promessa;
II - Em princípio, a prestação de um promitente-comprador num contrato promessa de compra e venda de bens imóveis pode ser feita por terceiro.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:


ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1. BB, S.A., e CC, Lda. intentaram contra DD e EE acção declarativa mediante a qual peticionaram que se:
“1. Declare resolvidos os contratos promessa celebrados entre a Autora BB e os Réus, com todas as consequências legais, inclusive a perda dos montantes já entregues a título de sinal e princípio de pagamento;
2. Condene os Réus, respetivamente, a reconhecer o direito de propriedade da CC sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “V” e “AA” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número …/110785, freguesia de Albufeira, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …;
3. Condene os Réus a entregar as referidas frações autónomas à Autora CC, livres de pessoas e bens.”.

Os Réus deduziram reconvenção mediante a qual peticionaram a condenação da autora BB, S.A a “ pagar ao Réu DD o valor de 120.000,00 euros, correspondente ao valor venal da fração “V”, bem como os juros de mora calculados até efectivo e integral pagamento” e a “pagar à Ré EE o valor de 120.000,00 euros, correspondente ao valor venal, bem como os juros de mora calculados até efectivo e integral pagamento”.

A Autora BB, S.A invoca o incumprimento definitivo dos contratos-promessa por parte dos Réus, promitentes compradores, em razão do que operou a sua resolução e os alienou à Autora CC, Lda. que é a sua proprietária, a qual reclama dos Réus a sua entrega.
Os réus, por seu turno, imputam à Autora BB, S.A o incumprimento definitivo dos contratos-promessa, pretendendo ser indemnizados pelo “valor venal” dos prédios (€ 240.000,00).
Foi proferido despacho saneador-sentença que culminou com a decisão de julgar totalmente procedente a acção, declarando resolvidos os contratos-promessa de compra e venda celebrados entre a autora BB e os réus relativamente às fracções “V” e “AA”, descritas na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e perdidos a favor da autora BB os montantes pagos a título de sinal e, bem assim, de condenar os réus a entregar os prédios em referência à autora CC livre de pessoas e bens.
Mais foi decidido absolver as autoras do pedido reconvencional.

2. É desta sentença que os Réus/reconvintes recorrem formulando as seguintes conclusões:
“ A) A douta sentença em mérito incorreu em erro de julgamento, por violação da lei e preterição do Direito pelo que deve ser revogada.
B) A douta sentença impugnada, fez tábua rasa da prova documental apresentada pelos recorrentes, valorando apenas a prova documental apresentada pelas recorridas, pelo que adoptou uma tese radical, desprezando a prova carreada para os autos por parte dos recorrentes.
C) A Mª Juiz a quo deu como provado o incumprimento por parte dos recorrentes.
D) Ora, salvo melhor opinião o incumprimento definitivo do contrato promessa é balizado, inicialmente, pela celebração do contrato promessa de compra e venda com eficácia real celebrado entre as recorridas.
E) As recorridas celebraram contrato promessa de alienação com eficácia real no dia 10 de dezembro de 2009.
F) A 1ª recorrida notificou os recorrentes para a escritura de compra e venda a realizar-se no Cartório de Faro no dia 09/05/2017.
G) Os recorrentes estiveram presentes, os quais solicitaram novo prazo mais alargado para a outorga da escritura, tendo a 1ª recorrida agendado para o dia 29 de setembro de 2017.
H) No entanto a 1ª recorrida não informou os recorrentes da celebração do contrato promessa com eficácia real, o qual já tinha sido celebrado desde dezembro de 2009.
I) A 1ª recorrida também não informou aos recorrentes que no dia 23 de maio de 2017, por escritura notarial de compra e venda alienou à 2ª recorrida as frações autónomas “V” e “AA”, as quais tinham também sido objeto do contrato promessa compra e venda com eficácia real e registado na Conservatória do registo Predial de Albufeira.
J) Salvo melhor opinião o incumprimento deve ser imputável à 1ª recorrida, por ter sido ela a lhe dar causa.
K) Mesmo que V. Exas., Venerandos Juízes, não entendem que a promessa de alienação com eficácia real celebrada com as recorridas depois da celebração dos contratos de compra e venda com os recorrentes não gerasse incumprimento, o mesmo ocorreria na data da alienação das frações à 2ª recorrida.
L) Quanto à matéria factual dada como provada nos autos, apenas a Mª juiz teve em consideração a produzida pela 1ª recorrida, olvidando os documentos apresentados pelos recorrentes, e apreciá-los ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.
M) Pelo que, salvo melhor opinião, a Mª Juiz nem sequer se pronunciou sobre a prova apresentada com a contestação.
N) É dito na sentença que os recorrentes confessaram toda a matéria vertida nos artigos 3º a 12º 16º a 29º, 37º a 38º.
O) Tal descrição não corresponde à verdade.
P) De facto os recorrentes impugnaram, no seu conjunto, os artigos 1º a 38º, da p.i., com excepção dos artigos 3º a 12º, 16º a 17º, 24º a 29º e 37 a 38º.
Q) A fundamentação que serviu de base à decisão, focou-se simplesmente no teor reproduzido pelas recorridas e dos documentos por elas apresentados.
R) Vejamos: os recorrentes apresentaram prova documental, nomeadamente o contrato promessa de compra e venda com eficácia real, celebrado entre as recorridas, conforme doc. nº 2 da contestação.
S) Juntaram, ainda, o documento nº 3, comprovando o registo predial da referida promessa de alienação com eficácia real.
T) A douta sentença recorrida violou, por má interpretação, o artigo 5º, nº 2 alínea a) e disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC.
U) A falta de exame crítico da prova constitui nulidade da sentença, nos termos da alínea b) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, nulidade esta que aqui se deixa desde já arguida para todos os devidos efeitos.
V) Em manifesta violação ao disposto no n.º 4 do artigo 607º do CPC, que consagra o dever de a Mª Juiz proceder à análise crítica das provas, com indicação das ilações tiradas dos factos instrumentais e com especificação dos demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, o Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico da prova documental apresentada pelos recorridos.
X) A sentença ora em crise é nula, devendo a mesma ser revogada por outra que tenha em consideração a prova arrolada pelos recorrentes.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com que o se fará costumada JUSTIÇA.”.

3. Contra-alegaram as Autoras defendendo a manutenção do decidido.

4. Dispensaram-se os vistos.

5. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Como se viu, no caso, apela-se da sentença que conheceu do mérito da causa, circunscrevendo-se o objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões dos apelantes (cfr. artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC às seguintes questões :
· Se a sentença enferma de nulidade;

· Se o Tribunal “a quo” considerou que os Réus, na sua contestação, confessaram a matéria inscrita nos pontos 3 a 12, 16 a 29, 37 e 38 o que não corresponde à verdade.

· Reapreciação jurídica da causa: se a não celebração dos contratos promessa sub judice deve ser imputável à 1ª recorrida, por ter sido ela a lhe dar causa.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. O Tribunal “ a quo” considerou provados os seguintes factos:
1.º Por acordo denominado “Contrato-promessa de compra e venda”, celebrado no dia 05 de Outubro de 2001, o réu DD prometeu comprar à autora BB, que prometeu vender a fracção autónoma designada pela letra “V”, correspondente à moradia 21, pelo preço de € 137.169,42, fracção que se encontra descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número …-V (alegação levada a efeito nos artigos 1º, 2º, 3º da PI).
2.ºAs partes intervenientes em tal contrato-promessa declararam que a escritura de compra e venda seria celebrada no prazo de 30 dias após a emissão de licença de utilização da fracção, objecto do contrato-promessa (alegação levada a efeito nos artigos 4º da PI).
3.º Aquele réu entregou à autora BB, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 15.000,00 (alegação levada a efeito no artigo 5º da PI).
4.º O réu DD habita na fracção desde 2006 até à actualidade (alegação levada a efeito no artigo 6º da PI).
5.º Por acordo denominado “Contrato de cessão da posição contratual”, celebrado no dia 15 de Outubro de 2006, a sociedade “FF, Lda.” cedeu a sua posição de promitente-compradora num contrato-promessa de compra e venda da fracção “AA”, moradia 24, à ré EE, fracção que se encontra descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o número …-AA (alegação levada a efeito nos artigos 7º, 8º da PI).
6.ºA sociedade “FF” já havia adquirido a qualidade de promitente-compradora da moradia n.º 24, também por cessão da posição contratual com o promitente-comprador GG, através der escrito assinado em 06 de Março de 2006, que por sua vez celebrou o contrato-promessa com a autora BB em 21 de Novembro de 2000, com o preço ajustado de € 142.157,40 (alegação levada a efeito no artigo 9º da PI).
7.ºA título de sinal e princípio de pagamento foi pago pela ré EE à autora BB a quantia de € 19.209,73 e acordado que, no momento da realização da escritura se pagaria a quantia remanescente de € 122.947,70 (alegação levada a efeito no artigos 10º da PI).
8.º A ré EE habita na fracção desde 2006 até à actualidade (alegação levada a efeito no artigo 11º da PI).
9.º Nos termos da cláusula nona do contrato promessa de compra e venda celebrado originalmente a escritura de compra e venda seria outorgada no prazo de 30 dias após a emissão de licença de utilização (alegação levada a efeito no artigo 12º da PI).
10.º A utilização das fracções foi licenciada pela emissão pela Câmara Municipal de Albufeira do Alvará de Licença de Utilização n.º 62/16, de 20 de Setembro de 2016 (alegação levada a efeito no artigo 13º da PI).
11.º A autora BB agendou e instruiu a realização das escrituras públicas de compra e venda no Cartório Notarial de Faro para o dia 30 de Janeiro de 2017, mas os réus não foram notificados, razão pela qual a escritura não se realizou (alegação levada a efeito no artigo 15º da PI).
12.ºEm face da não comparência dos réus na primeira data, a autora BB, através de notificação judicial avulsa, notificou os réus para a realização das escrituras no dia 09 de Maio de 2017, no mesmo Cartório Notarial, tendo aqueles recebido as notificações nos dias 07 e 05 de Abril de 2017 (alegação levada a efeito nos artigos 16º e 17º da PI).
13.ºAtravés das notificações judiciais avulsas os réus foram advertidos que caso não comparecessem às escrituras, considerar-se-ia incumprido por parte dos réus os respectivos contratos-promessa de compra e venda (alegação levada a efeito no artigo 18º da PI).
14.º Na data e hora designadas, os réus compareceram no notário mas as escrituras não se realizaram porque os réus solicitaram, ambos, que as escritura fossem realizadas em data posterior, com limite até 29 de Setembro de 2017 e declaram perante a notária que se comprometiam a realizar o acto até àquela data e acordando que os contratos-promessa ficariam resolvidos caso a escritura não se viesse a realizar até essa data (alegação levada a efeito nos artigos 19º, 25º da PI).
15.º Na mesma data – 09 de Maio de 2017 – a autora BB e os réus acordaram, a pedido destes por não terem condições para as realizar naquela data, que as escrituras seriam celebradas no dia 29 de Setembro de 2017, pelas 10 horas e pelas 10 horas e 30 minutos (alegação levada a efeito nos artigos 20º, 24º da PI).
16.ºA autora BB voltou a instruir a realização das escrituras para dia 29 de Setembro de 2017 (alegação levada a efeito no artigo 22º da PI).
17.º No dia 29 de Setembro de 2017 o procurador da autora BB e o representante legal da autora CC compareceram, às 10 horas, no referido cartório notarial, não tendo os réus comparecido, e tendo comunicado à autora BB qualquer que não estavam em condições financeiras para realizar a escritura, tendo solicitado um prazo de 30 dias, que não foi concedido (alegação levada a efeito nos artigos 23º, 27º da PI, 8º da contestação).
18.ºOs réus não procederam à entrega das fracções onde ainda habitam (alegação levada a efeito no artigo 29º da PI).
19.ºA autora BB declarou vender à autora CC, que declarou comprar, as fracções “V” e “AA”, acima identificadas, por escritura notarial de 23 de Maio de 2017 (alegação levada a efeito no artigo 30º da PI).
20.ºAs vendas das fracções foi feita com o reconhecimento e aceitação por parte da segunda autora de que existiam os contratos-promessa com os réus, tendo as autoras acordado entre si o seguinte: “Que a sociedade sua representada – CC – reconhece e obriga-se a cumprir a promessa de venda celebrada pela sociedade representada do primeiro outorgante “BB, S.A” com DD, referente à fracção “V”, objecto desta escritura e atrás identificada, em cumprimento do contrato promessa datado de cinco de Outubro do ano de dois mil e um, cuja escritura será celebrada até vinte e nove de Setembro do ano de dois mil e dezassete e o contrato considerado resolvido nessa data, caso a escritura não seja outorgada por facto imputável ao promitente comprador conforme acordo celebrado em nove de Maio de dois mil e dezassete. “Que a sociedade sua representada – CC – reconhece e obriga-se a cumprir a promessa de venda celebrada pela sociedade representada do primeiro outorgante “BB, S.A” com EE, referente à fracção “AA”, objecto desta escritura e atrás identificada, em cumprimento do contrato-promessa datado de vinte e um de Novembro ano de dois mil e um, cuja escritura será celebrada até vinte e nove de Setembro do ano de dois mil e dezassete e o contrato considerado resolvido nessa data, caso a escritura não seja outorgada por facto imputável ao promitente-comprador conforme acordo celebrado em nove de Maio de dois mil e dezassete” (alegação levada a efeito nos artigos 32º, 33º da PI).
21.º Sobre a fracção “V” encontram-se registadas duas penhoras a favor da Fazenda Nacional, AP´s 9683 de 2014/06/06, cujo cancelamento se encontra assegurado (alegação levada a efeito no artigo 37º da PI).
22.ºSobre a fracção “AA” encontra-se registada uma penhora a favor da Fazenda Nacional, AP 2922 de 2014/10/20, cujo cancelamento se encontra assegurado (alegação levada a efeito no artigo 38º da PI).

2. Da invocada nulidade da sentença recorrida

Entendem os apelantes que a sentença padecerá de nulidade por ausência de exame crítico das provas por si carreadas relativamente a factos objecto de prova o que se subsumirá, no seu entender, ao disposto na alínea d) do nº1 do artigo 615.º, n.º 1 do CPC (se bem que aluda igualmente à alínea b) do mesmo preceito legal).
O legislador comina a sentença de nula quer quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” ( alínea b)) quer quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” ( alínea d)).
A primeira causa de nulidade conexiona-se com o dever de fundamentação da sentença e “não deve confundir-se - mas na realidade frequentemente confunde-se -, com o dever de motivação da matéria de facto, a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, de acordo com o qual «o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas», nos termos ali melhor especificados.
Ora, «[a] omissão total ou parcial da análise crítica e/ou de motivação, gera uma nulidade processual secundária (preterição de formalidade exigida por lei) com previsão no artigo 195.º, porquanto com manifesta «influência no exame ou na decisão da causa» que a lei sujeita, todavia, ao regime especial de arguição dos artigos 149.º, 195.º e 199.º»[1] do CPC. Assim sendo, a sua existência deve ser arguida no prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 149.º do CPC, contados da data em que foi notificado da sentença (artigo 199.º, n.º 1, do CPC), ficando consequentemente sanada se não for arguida nesse prazo, diferentemente do que ocorre com a nulidade da sentença quando esta não especifique os fundamentos de facto, a qual pode ser arguida em sede de recurso (artigo 615.º, n.º 4, do CPC), e consequentemente, dispondo a parte do prazo que a lei lhe conceder para recorrer.”.[2]

Ora os fundamentos de facto da sentença estão claramente especificados, como se colhe da descrição efectuada, e por conseguinte a nulidade em apreço não se verifica.

Por seu turno, o vício colimado na alínea d) consiste na omissão de pronúncia sobre as questões que o tribunal devia conhecer ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento.

Tal norma está, por seu turno, interligada com o prescrito no nº2 do art.º 608º nos termos do qual "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…) " .

Porém, como alertava A. Reis[3] em comentário que mantém perfeita actualidade, não se pode confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões : "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."

Questões para efeitos dos citados normativos, são aquelas cujo conhecimento o objecto da causa – delimitado pelo pedido e conformado com determinada causa de pedir – convoca.
Sê-lo-ão igualmente, caso as haja, as atinentes às excepções invocadas pelo réu.
Ora, as únicas questões cuja apreciação o objecto da acção convocava prendiam-se com a (in) existência de incumprimento dos contratos-promessa em causa e, em caso afirmativo, a qual das partes o mesmo era imputável.
E essas questões foram respondidas, concluindo-se ter ocorrido incumprimento dos contratos-promessa por parte dos Réus.
Se na fixação dos factos deveriam ter sido considerados outros documentos, trata-se de questão que se prende com a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e é nessa sede que será apreciada.
Em suma: Não ocorrem quaisquer vícios da sentença susceptíveis de conduzirem à sua nulidade, maxime os apontados pelos apelantes, e por consequência não existe fundamento para alterar o decidido.


3. Cuidemos agora de apreciar se o Tribunal “a quo” poderia ter considerado de antemão assentes os factos insertos nos pontos 3 a 12, 16 a 29, 37 e 38.
Referiu o Tribunal que a prova dos mesmos emergia da confissão dos mesmos por banda dos Réus e dos documentos juntos aos autos.
Vejamos então.
Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (cfr. nº4 do art.º 607º do CPC).
No caso, entendeu o Tribunal que tais factos estavam plenamente provados, quer por documentos, quer por confissão dos Réus.
Ora, os Réus, na sua contestação, excepcionaram expressamente da impugnação os artigos 3º a 12º, 16º a 17º, 24º a 29º e 37º a 38º da petição inicial.
No artigo 574.º do CPC impõe-se ao réu que tome posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (cfr. nº1).
Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito (cfr. nº2).
Ora, nenhum dos factos em análise foi impugnado pelos Réus e o certo é que os que careciam de ser provados por documento escrito, o foram de acordo com o acervo junto aos autos (v.g. Certidões Permanentes do Registo Predial – fls. 9 verso a 16 verso, 21 a 22 verso, 95 a 106 – prova da matéria que consta dos pontos 1º, 5º, 10º, 19º, 21º, 22º da fundamentação de facto; Contrato de compra e venda de fls. 17 a 20 verso – prova da matéria inscrita no artigo 19º, 20º dos factos provados;Contratos-promessa de compra e venda e de cessão da posição contratual – fls. 23 a 29, 36 a 37, 43 a 46 – prova dos art.ºs1º, 2º, 3º, 5º a 9º; Certificados notariais de fls. 31 a 32 verso, 49 a 54 verso – prova dos factos 11º, 14º a 17º; Notificações judiciais avulsas – fls. 33 a 35 e 40 a 42 – prova dos factos que constam nos artigos 12º e 13º ; Alvará de Autorização de Utilização – fls. 29 e 27 – para prova do artigo 10º ).

Em suma: Ainda que alguns desses factos não tivessem sido expressamente confessados, ter-se-ão, todavia, por assentes em virtude de acordo das partes decorrente da sua não impugnação pelos Réus e mercê da prova documental – documentos autênticos – juntos aos autos.
Termos em que improcede a sua (implícita) pretensão de os ver afinal controvertidos.
Sem embargo, será aqui o momento de se aditar à matéria de facto assente[4], como os apelantes sufragam, o seguinte facto pelos mesmos alegado na sua contestação e que vem demonstrado pela junção dos documentos apresentados com esse articulado:
“ A Autora BB celebrou no dia 10/12/2009, no cartório Notarial de Faro, com a Autora CC, o contrato promessa de compra e venda com eficácia real, o qual foi registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob a Ap. 1619 de 18/12/2009, como promessa de alienação de várias fracções autónomas dentre as quais as identificadas pelas letras “V” e “AA” ( cfr. documento nº 2 e 3 junto à contestação).”.

4. Reapreciação jurídica da causa: se a não celebração dos contratos promessa sub judice deve ser imputável à 1ª recorrida, por ter sido ela a lhe dar causa.

Referiu-se na sentença recorrida que: “ No caso em análise, a autora e os réus celebraram dois contratos-promessa de compra e venda, obrigando-se os dois réus a comprar e a autora a vender, livre de ónus e encargos, os prédios identificados acima, pelo preço declarado.
Em tal acordo não consta a vontade declarada das partes em atribuírem a tal contrato eficácia real.
As partes celebraram tal acordo por documento particular, pelo que o mesmo se mostra formalmente válido.
No âmbito do celebrado contrato-promessa, as partes estipularam que a escritura deveria ser agendada até 30 dias após a obtenção de licença de utilização.
E, de facto, verifica-se que assim sucedeu: a escritura pública de compra e venda foi agendada pela autora, por três vezes. Os réus compareceram à segunda data mas solicitaram mais prazo, devido a problemas financeiros. A autora acedeu e concedeu-lhes mais 4 meses. Ficou estipulado que, caso os réus não comparecessem, se consideravam resolvidos os contratos-promessa celebrados.
Na data de 29 de Setembro de 2017, as escrituras não foram celebradas a solicitação, por falta de comparência dos réus, que estavam cientes de que a sua falta constituiria violação do contrato, provocando incumprimento definitivo imputável aos réus.
Acresce – e nisso se baseia toda a defesa dos réus – que o facto de os prédios terem sido vendidos a terceiro nunca inviabilizou a celebração com os réus dos contratos definitivos, na medida em que a nova empresa compradora, segunda autora, se comprometeu na própria escritura de compra a venda a respeitar os contratos promessa e celebrar os contratos definitivos com os réus.
E, honrando o contratado, apresentou-se no cartório notarial, no dia acordado para realização da venda prometida.
O incumprimento definitivo é, pois, imputável em exclusivo aos réus, pelo que não têm qualquer direito a uma qualquer indemnização (e muito menos à peticionada, já que de acordo com o disposto no artigo 442º do Código Civil, a indemnização a que teriam direito corresponderia sempre à devolução do sinal em dobro).
Por outro lado, não tendo os réus qualquer título válido que os legitime a permanecerem nos prédios propriedade da segunda autora, assiste-lhe o direito de exigir a sua entrega livre de pessoas e bens – artigo 1311º do Código Civil.
Pelo exposto, a acção não pode deixar de proceder, naufragando o pedido reconvencional.”.

É absolutamente correcto o raciocínio expendido.

Argumentam os apelantes que logo com a celebração do contrato promessa de compra e venda com eficácia real entre as Autoras, em 10/12/2009 (cfr. facto por nós aditado) ocorreu incumprimento, dos contratos promessa que os ligava à Autora BB, por banda desta e, ainda que assim não se entenda, a venda por ela operada à CC das fracções autónomas deles objecto, em 23 de Maio de 2017, mais não foi do que o culminar desse conduta inadimplente.


Todavia, os apelantes olvidam-se que para se chegar à conclusão por si almejada, era mister que se tivesse provado ter ocorrido uma impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor[5], neste caso à promitente vendedora, a Autora BB (cfr. art.º 801º do Cód. Civil).

E o certo é que do acervo factual não resulta ter ocorrido tal impossibilidade com os ditos negócios jurídicos entre as duas Autoras.

A promessa de compra e venda, ainda que com eficácia real, não tem a virtualidade de transmitir a propriedade sobre o imóvel; apenas confere aos promitentes uma “especial tutela, a qual se traduz numa maior força quanto ao cumprimento exacto da promessa “[6] .
Por isso, a sua celebração, por si só, não faz tornar impossível a realização da venda primeiramente prometida.
Aliás, basta pensar que os seus outorgantes podem decidir revogá-la antes da concretização do negócio prometido.

Por seu turno, no contrato de compra e venda que veio a ser celebrado entre as Autoras foi salvaguardado que a prestação (de facere, de outorga do contrato prometido) perante os apelantes seria cumprida pela Autora CC: “As vendas das fracções foi feita com o reconhecimento e aceitação por parte da segunda autora de que existiam os contratos-promessa com os réus, tendo as autoras acordado entre si o seguinte: “Que a sociedade sua representada – CC – reconhece e obriga-se a cumprir a promessa de venda celebrada pela sociedade representada do primeiro outorgante “BB, S.A” com DD, referente à fracção “V”, objecto desta escritura e atrás identificada, em cumprimento do contrato promessa datado de cinco de Outubro do ano de dois mil e um, cuja escritura será celebrada até vinte e nove de Setembro do ano de dois mil e dezassete e o contrato considerado resolvido nessa data, caso a escritura não seja outorgada por facto imputável ao promitente comprador conforme acordo celebrado em nove de Maio de dois mil e dezassete. “Que a sociedade sua representada – CC – reconhece e obriga-se a cumprir a promessa de venda celebrada pela sociedade representada do primeiro outorgante “BB, S.A” com EE, referente à fracção “AA”, objecto desta escritura e atrás identificada, em cumprimento do contrato-promessa datado de vinte e um de Novembro ano de dois mil e um, cuja escritura será celebrada até vinte e nove de Setembro do ano de dois mil e dezassete e o contrato considerado resolvido nessa data, caso a escritura não seja outorgada por facto imputável ao promitente-comprador conforme acordo celebrado em nove de Maio de dois mil e dezassete” (cfr. ponto 20).

Nos termos do nº1 do artigo 767º do Cód. Civil “a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”.

Não estando perante uma prestação de facto infungível, nenhum obstáculo se divisa a que a prestação fosse efectuada pela 2ª Autora (cfr. nº2) e nenhuma oposição desse jaez foi suscitada pelos apelantes na contestação, v.g. nenhum prejuízo por esse motivo foi alegado.

Em consequência, a prestação da Autora “BB, S.A” perante os Réus podia ser realizada pela Autora CC não se tendo tornado, por isso, “impossível”.

Em caso análogo, assim decidiu o S.T.J no seu acórdão de 3.7.2008[7] que se sumariou nos seguintes termos: “Em princípio, a prestação de um promitente-comprador num contrato promessa de compra e venda de bens imóveis pode ser feita por terceiro”.

Por outro lado, a conduta das Autoras é reveladora do interesse de ambas em honrar a promessa com os Réus, já que, como resultou provado, no dia 29 de Setembro de 2017, ajustado como data limite para a celebração da escritura, o procurador da autora BB e o representante legal da autora CC compareceram, como combinado, às 10 horas, no cartório notarial.
A escritura só não se realizou porque os Réus não compareceram no cartório notarial, como se haviam comprometido no antecedente mês de Maio.

O que os autos revelam é que os apelantes tentaram, em vão, prevalecer-se, dos contratos celebrados entre as Autoras para obterem uma indemnização de que afinal não têm direito, já que foram eles próprios que não quiseram celebrar o contrato prometido, incumprindo (definitivamente) os contratos-promessa que haviam outorgado.

A sentença recorrida não merece, pois, a menor censura.

III- DECISÃO

Por todo o exposto, acorda este Colectivo do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação dos Réus e em confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Évora, 8 de Novembro de 2018
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol. II, Almedina 2015, pág. 352.
[2] Acórdão deste Tribunal proferido em 30.11.2016 no Processo n.º 1510/10.7TBSTB.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.
[3] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pag. 143.
[4] À luz do disposto no art.º 607º, nº4, 2ª parte, do CPC, também aplicável ao recurso de apelação( art.º 663º nº2) – cfr. sobre esta temática, Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ªed., pag.273 e seg.
[5] Equiparável ao não cumprimento definitivo.
[6] Contrato-Promessa em Geral (…) , Fernando Gravato Morais, Almedina, Pag.60
[7] Relatado pelo Cons.Oliveira Vasconcelos e consultável na Base de Dados do IGFEJ.