Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
181/15.9T8RMR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA PELO SENHORIO
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O locatário que denunciou o contrato e não restituiu a coisa locada na data aprazada constitui-se em mora, independentemente de interpelação do locador, incumbindo-lhe pagar a este as rendas em dobro, salvo se demonstrar que a falta de entrega da coisa locada não procede de culpa sua, caso em que as rendas serão devidas em singelo.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 181/15.9T8RMR.E1
Rio Maior

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…) e mulher, (…), residentes na Rua do (…), nº 3, (…), instauraram contra (…) – Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A., com sede em Avenida Fontes Pereira de Melo, n.º (…), em Lisboa, ação declarativa com processo comum.

Em resumo, alegaram que deram de arrendamento à Ré, pelo prazo de 10 anos, mediante a renda anual de € 6.000,00, uma área de 50m2, do prédio misto, sito na Rua do (…), Casal do (…), destinada à instalação de equipamentos de telecomunicações.

O contrato teve início em 1/10/2008 e a Ré, por carta datada de 22/3/2012, denunciou o contrato de arrendamento, com efeitos a partir do dia 31/5/2012.

Não obstante a denúncia do contrato, a Ré não procedeu à remoção do equipamento que havia instalado no terreno dos AA, impossibilitando estes de utilizarem o terreno e só em 8/6/2015 devolveu aos AA o local arrendado.

Concluem pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 36.000,00 a título de indemnização.

Defendeu-se a Ré considerando, em síntese, que a Câmara Municipal de Rio Maior não deferiu o pedido de instalação de infraestruturas de telecomunicações, tal como projetado, o que determinou a suspensão das obras que levava a efeito no terreno dos AA e a denúncia o contrato por perda de interesse na sua manutenção.

Ainda assim, os AA, por sua iniciativa comprometeram-se a encetar diligências junto da referida Câmara para obtenção de autorização para o deferimento do pedido de instalação da infraestrutura nos moldes originais.

Passados dois anos os AA. vieram interpelar a Ré para a desocupação e entrega do locado e ainda para o pagamento de valor indemnizatório correspondente às rendas devidas nos termos do contrato e em Abril de 2014 não permitiram a remoção dos equipamentos e materiais que se encontravam no seu terreno, invocando novas tentativas junto da Câmara Municipal para o deferimento da autorização de instalação da infraestrutura nos moldes pretendidos pela Ré, pela que, agem agora com abuso de direito.

Concluiu pela improcedência da ação.

2. Foi proferido despacho saneador, que afirmou a validade e regularidade da instância, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:

“Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:

Condeno a ré (…) – Serviços de Comunicação e Multimédia SA., a pagar aos autores a quantia de € 19.000,00 (dezanove mil euros), absolvendo no demais peticionado.”

3. É desta sentença que a Ré recorre exarando as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1- A inconformidade da Recorrente face à douta sentença recorrida consiste essencialmente nos seguintes pontos: existência de manifesto erro de julgamento, pois os meios probatórios existentes nos Autos, bem como a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de julgamento, impunham decisão diversa; por, salvo o devido respeito, ter havido uma incorreta interpretação e aplicação das disposições e princípios legais do Código Civil.

2. Refere na fundamentação de facto a Mma. Juiz a quo, embora não refira tal facto nos factos dados como provados que: resultou igualmente não provado que os autores foram os responsáveis pelo atraso na remoção do equipamento desde 2012, sendo que a Recorrente que foi dado como provado exatamente o oposto desta conclusão da Mma. Juiz a quo, como também a mesma contraria frontalmente as ilações que se podem tirar de factos dados como provados e não provados definidos pela Mma. Juiz a quo.

3. Com efeito: no ponto 22. dos factos provados, a Mma. Juiz a quo dá como provado que os autores até 2014 nunca remeteram qualquer reclamação ou comunicação à ré para a desocupação e restituição do terreno ou tão pouco invocaram qualquer prejuízo ou impossibilidade de disposição do mesmo decorrente da permanência da infraestrutura, o que indicia que não solicitaram a remoção nem nada fizeram para viabilizar a desinstalação dos equipamentos.

4. No ponto b) dos factos não provados, considera a Mma. Juiz a quo que não ficou provado que até 2014 ninguém relacionado com a Recorrente (…) entrou em contacto com os autores para resolver o assunto, e nos pontos c) e d) dá como não provados que a Recorrente não mais se tenha dirigido ao locado nem que tal inatividade decorreu até 2015, o que demonstra que terão havido contactos com os Recorridos precisamente para os efeitos em causa, ie, a remoção dos equipamentos colocados no locado – os quais resultaram provados pela prova testemunhal produzida.

5. A Mma. Juiz a quo também dá como não provado que o Recorrido tenha alguma vez interpelado a ora recorrente para que a mesma devolvesse o espaço arrendado, retirando as infraestruturas do local – e bem, uma vez que tal contrariaria o facto dado como provado de que este não contactou a recorrente para tal efeito antes de 2014, o que demonstra que poderá não ter sido apenas por facto imputável à Recorrente que as infraestruturas não foram removidas entre a data da produção de efeitos da denúncia e a data de Junho de 2015, quando foram removidos.

6. E todos esses factos não poderia de facto deixar de assim terem sido entendidos, uma vez que resultou da prova produzida que foi efetivamente essa a atuação dos Autores por a mesma corresponder ao acordado pelas partes, conforme resultou clamante dos depoimentos das testemunhas (…) e (…).

7. Resulta evidente do alegado pelas testemunhas e da prova produzida em audiência que a Recorrente (…) apenas não desocupou o locado logo após ter procedido à denúncia do contrato de arrendamento por ter havido acordo dos ora recorridos nesse sentido, facto este que não poderia ter deixado de ter sido dado como provado pela Mma. Juiz a quo.

8. Bem como deveria ter sido dado comprovado, com as inerentes conclusões, que os Recorridos acordaram na manutenção dos equipamentos no local após a cessação do contrato na mira de virem a obter uma solução que permitisse a permanência da infraestrutura no local, daí que desde a data do contacto da Recorrente havido em 2012 com respeito à denúncia do contrato até ao ano de 2014 não tenha em momento algum interpelado a (…) para que procedesse à desocupação do espaço (ponto 22 dos factos provados).

9. Assim, da prova produzida os Autos e com interesse para a decisão do mérito da causa, resultam provados os seguintes factos: a) Recorrente denunciou o contrato de arrendamento que havia celebrado com os Recorridos com efeitos a 31.05.2012; b) data aproximada da data de envio dessa carta de denúncia, o que ocorreu em Março de 2012, a Sra. D. (…) contactou o Recorrido (…) a esclarecer o motivo da denúncia e que na sequência da cessação do contrato a (…) iria retirar todos os equipamentos instalados na sua propriedade;

c) Nesse contacto o proprietário manifestou interesse na manutenção da infraestrutura no local e na celebração de novo contrato para o efeito, tendo indicado que possuía conhecimentos na Câmara Municipal de Rio Maior e que iria contactá-los no sentido de demover a decisão da Câmara em exigir uma torre árvore e aceitar a instalação de acordo com o projeto; d) Ficou então acordado entre as partes suspender a desinstalação e reposição do locado, de forma a poderem ser retomados os trabalhos de instalação caso o Recorrido fosse bem sucedido na sua intervenção junto da Câmara Municipal; e) procedimento normal da (…) em casa de denúncia é que à carta de denúncia seguem-se sempre os trabalhos de desocupação do imóvel e reposição do terreno, sendo que neste caso e excecionalmente tal não ocorreu devido ao facto de ter sido acordado que assim seria para permitir a intervenção do Recorrido para viabilizar o processo; f) Devido a esse acordo das partes, o Recorrido, não obstante tivesse o seu terreno ocupado e não se encontrasse a receber renda em virtude do termo do contrato, facto que conhecia e de que estava ciente, não interpelou a Recorrida até ao ano de 2014 para que removesse os equipamentos nem nada lhe comunicou ou solicitou até essa data.

10. Daqui se conclui que, estando os Recorrentes conscientes de que o contato havia cessado por denúncia e tendo sido acordado – como efetivamente foi – a manutenção das infraestruturas no local por tempo indeterminado, as partes pretenderam um comodato do local a partir da data da cessação do contrato.

11. Não se verificando, deste modo, como mal entendeu a Mma. Juiz a quo, a violação do dever de restituição do locado no termo do contrato, com o consequente dever de restituir o imóvel aquando da interpelação para o efeito, o que efetivamente veio a ocorrer, embora apenas em 2015 o permitiram que a mesma o concretizasse.

12. Em consequência, mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter entendido que à situação em apreço se aplicava in casu o artº 1045º do Código Civil relativo à indemnização pelo atraso na restituição do locado, pois, na verdade, tal não se verificou, sendo que a indemnização aí prevista aplica-se apenas em casos de retenção do imóvel contra a vontade do proprietário e sem título ou motivo justificativo (cfr. Ac. rel Lisboa de 16.04.2015), o que não aqui se verifica, pois as partes acordaram nessa não restituição - tendo, deste modo, efetuado errado enquadramento jurídico-legal da situação em causa.

13. Assim, a Meritíssima Juiz a quo extraiu dos meios de prova produzidos em audiência uma conclusão diversa da que dos mesmos clara e evidentemente resulta, pelo que é manifesto que o tribunal a quo, na decisão ora recorrida, não teve em consideração todos os elementos de prova constantes dos Autos e ainda incorreu numa incorreta apreciação e conjugação dos mesmos.

14. Por conseguinte, ao não ter decidido em conformidade com o supra alegado, a sentença do tribunal a quo ora recorrida violou o disposto nos artºs 1045º e 1129º do Código Civil.

15. Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, ie, que as partes teriam decidido pelo comodato do locado e sim que existisse atraso na restituição do mesmo por mera decisão ou motivo imputável à Recorrente – o que não se admite – ainda assim havia a Mma. Juiz a quo decidido em discordância com o previsto no referido artº 1045º do Código Civil e em consequência, condenado erroneamente a Recorrente por indemnização pelo atraso na entrega do locado ao abrigo do nº 2 desse normativo, que exige a existência de mora do locatário na restituição do locado.

16. Ora, pelo exposto nunca poderia existir mora da Recorrente na restituição do locado.

17. A jurisprudência portuguesa dominante, bem como a maior parte da doutrina, determina que a mora na entrega apenas existe após interpelação da restituição do locado pelo proprietário após cessação do contrato, ie, a não entrega imediata do locado pelo locatário não o faz incorrer tourt court em mora, pois, se assim o fosse, deixaria do nº 1 do artº 1045º do CC de fazer sentido, pois perderia qualquer utilidade prática, uma vez que se aplicaria sempre o nº 2.

18. Deste modo e em consequência, mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter concluído não só que a Recorrente se encontrava de facto obrigada a restituir o imóvel no termo do mesmo (condenando em consequência na indemnização prevista no nº 1 do artº 1045º CC), como também e principalmente que se constituiu em mora com tal entrega independentemente de interpelação (condenando na indemnização prevista no nº 2 do mesmo normativo).

19. Com efeito, mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter entendido em sentido divergente, sendo certo que interpelação para entrega do locado só se verificou em Abril de 2014, pelo que apenas assistiria direito aos Recorridos às rendas em singelo, donde mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter condenado a Recorrente no pagamento no valor de € 9.500,00 correspondente ao dobro do valor das rendas, pois não tendo ocorrido mora, não há lugar a tal majoração.

20. Também aqui incorreu em erro de julgamento a Mma. Juiz a quo ao ter condenado a ora Recorrente ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 1045º do Código Civil, uma vez que efetuou em errado enquadramento jurídico-legal da situação em causa, pelo que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs 1045º e 1129º do Código Civil.

21. Pelo exposto, considera a Recorrente que os motivos consignados pela Meritíssima Juiz a quo não correspondem ao resultado da prova testemunhal e da prova documental junta aos Autos, principalmente com o alcance e consequências que a Mma. Juiz a quo lhes atribui, que condicionou às provas que não valorou e, por conseguinte, a resposta de direito que deu quesitos e que condicionou inexoravelmente o sentido da decisão.

22. Existiu, assim, manifesto erro de julgamento, ao não terem sido dados por provados factos que obtiveram prova nesse sentido, sendo que atendendo aos factos dados como provados desde logo deveria a decisão ter sido outra, tanto mais em conjugação com os factos que resultaram provados em audiência de julgamento mas que a Mma. Juiz a quo decidiu não apreciar, pois estes factos indevidamente apreciados foram absolutamente determinantes para se aferir do incumprimento da Recorrente.

23. Tais factos que resultaram provados conduzem à conclusão que apenas pode ser imputado aos Recorridos tal protelamento na entrega do locado, uma vez que a Recorrente efetivamente se prontificou para proceder à desocupação do locado com a reposição do mesmo logo após a denúncia do contrato e que apenas assim não procedeu por tal ter sido acordado com o Recorrido.

24. Pelo que em consequência, não poderia a Mma. Juiz a quo ter concluído como erradamente fez, com o devido respeito, que a Recorrente se encontrou em incumprimento e muito menos em mora da restituição do locado aos Recorridos.

25. Assim e em suma, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e os factos que foram admitidos por acordo impunham necessariamente que a respetiva valoração da matéria de facto fosse diferente, nos termos supra descritos, sendo que a Meritíssima Juiz a quo extraiu dos meios de prova produzidos em audiência uma conclusão diversa da que dos mesmos clara e evidentemente resulta.

26. Donde em consequência, deveria ser considerado improcedente o pedido dos Recorridos, por tal entendimento não possuir qualquer sustentação lógica nem resultar da prova produzida nos Autos.

27. Na sentença ora recorrida, veio a Meritíssima Juiz a quo a concluir que a Recorrente não procedeu à entrega do locado na data que lhe competia fazê-lo e que incorreu em mora com respeito a tal entrega, tendo condenado a Recorrente a indemnizar os Recorridos em conformidade, decisão com a qual a Recorrente não se conforma.

28. A Recorrente não se pode conformar com a decisão vertida na douta sentença ora recorrida pelo Tribunal a quo, na medida em que os elementos de prova constantes dos Autos impunham decisão oposta e diversa à procedência da ação e de onde resultam as necessárias consequências quanto à aplicação do Direito in casu.

29. Efetuada a correta valoração, as conclusões de Direito a retirar terão que ser forçosamente outras, as supra explanadas, que conduziriam necessariamente à improcedência da ação ou, no limite, a uma procedência parcial da mesma, pelo que, com o devido respeito, mal andou a Meritíssima Juiz a quo ao ter condenado a Recorrente nos presentes Autos.

30. Por conseguinte, a não ter decidido em conformidade com o supra alegado, a sentença do tribunal a quo ora recorrida violou o disposto nos artºs 1405º e do 1129º do Código Civil.

31. Donde deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogar-se a sentença proferida, substituindo-se a mesma por outra que tenha em consideração o expendido no presente recurso e que julgue a ação improcedente e, consequentemente, que absolva a ora Recorrente nos termos explanados, com as demais consequências legais.

Termos em que, com o douto suprimento do Venerando Tribunal da Relação, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra, absolvendo-se a Recorrente nos termos supra descritos, com as demais consequências legais, fazendo-se assim Justiça.”

Responderam os AA. por forma a defender a confirmação da sentença recorrida.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as questões que hajam ficado prejudicadas pela solução dada a outras –cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.
Vistas as conclusões da motivação do recurso, importa decidir: (i) a impugnação da matéria de facto, (ii) se as partes acordaram a manutenção das infraestruturas no local por tempo indeterminado e pretenderam um comodato do local a partir da data da cessação do contrato de arrendamento, (iii) se a indemnização devida pelo atraso na restituição do locado deve ser calculada em dobro.

III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos Provados

1. Os autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto, sito na Rua do (…), Casal do (…), sito na união de freguesias de Outeiro da Cortiçada/Arruda dos Pisões, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo (…) da secção (…) e na matriz urbana sob o art.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior, sob o n.º (…)/990205.

2. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas, à prestação de serviços de comunicações eletrónicas, dos serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e a atividade de televisão; A Sociedade tem ainda como objeto a prestação de serviços nas áreas de sistemas e tecnologias de informação e respetivos conteúdos, incluindo atividades de processamento e alojamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas, prestação de serviços da sociedade de informação, multimédia e comunicação, o desenvolvimento e a comercialização de produtos e equipamentos de comunicações eletrónicas, tecnologias de informação e comunicação, bem como a realização da atividade de comércio eletrónico, incluindo leilões on line, e ainda a prestação de serviços de formação e consultoria nas áreas que integram o seu objeto social; Constitui ainda objeto da sociedade, a gestão de operações da rede de mobilidade elétrica, compreendendo a gestão de fluxos energéticos e financeiros, associados às operações da rede de mobilidade elétrica, bem como a prestação de serviços afins ou complementares aquelas atividades; A Sociedade poderá ainda exercer quaisquer atividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas nos números anteriores, diretamente ou através da constituição ou participação em sociedades; A sociedade pode, mediante deliberação do conselho de administração, adquirir e alienar participações em sociedades com objeto social diferente do descrito nos números anteriores, em sociedades reguladas por leis especiais, em sociedades de responsabilidade limitada ou ilimitada, bem como associar-se com outras pessoas jurídicas para, nomeadamente, formar agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, novas sociedades, consórcios e associações em participação e, bem assim, constituir ou participar em quaisquer outras formas de associação, temporária ou permanente, entre sociedades e ou entidades de direito público ou privado.

3. Por contrato de arrendamento outorgado entre os autores e a ora ré no dia 23/01/2008, os AA. deram de arrendamento à ora R. uma área de 50m2, no prédio misto supra descrito, que se encontra identificada em planta anexa.

4. Este contrato de arrendamento destinava-se ao exercício da atividade desenvolvida pela ré, nomeadamente a instalação de equipamentos de telecomunicações.

5. Por via do contrato referido em 3. a ré garantia aos ora autores o pagamento de uma renda anual no valor de 6.000,00 € (seis mil euros), atualizável anualmente em função dos coeficientes, aprovados pelo Governo, para os arrendamentos não habitacionais.

6. O contrato mencionado em 3. tinha a duração inicial de 10 anos, contados a partir do dia 1 do mês imediatamente seguinte àquele em que os autores rececionassem a comunicação escrita da ora R. com indicação da data do início da instalação das infraestruturas de telecomunicações, data em que se venceria também o pagamento da primeira renda.

7. Em cumprimento do disposto na cláusula terceira do contrato de arrendamento referido em 3., o contrato iniciou-se em 1/10/2008, mês em que a ré procedeu ao pagamento da renda estipulada no contrato.

8. A partir da data referida em 7., a ré iniciou os trabalhos com vista à colocação no espaço locado de uma infraestrutura de telecomunicações para a prestação do serviço móvel terrestre.

9. No decurso das obras da ré no espaço locado, foi retirado um portão metálico propriedade dos autores para facilitar o acesso ao espaço locado pela arrendatária, quer para instalação do equipamento quer para a sua manutenção e fiscalização.

10. Após a instalação do equipamento e findas as obras a ré recolocava o portão no mesmo local.

11. Foi solicitado aos autores, que na sua garagem fossem armazenados temporariamente, materiais de construção designadamente bobines de cabos elétricos, que seriam utilizados no decurso da obra e pelo período estritamente necessária à conclusão das mesmas, durante “uma semana ou duas”, o que estes aceitaram.

12. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no final de Outubro de 2008, a ré suspendeu as obras que estava a efetuar na parcela de terreno locada, deixando no local a infraestrutura parcialmente construída, bem como todos os materiais de construção guardados na sua garagem.

13. Na área de 50m2 locada ficou edificada uma sapata que serviria de suporte à antena de telecomunicação que aí seria instalada.

14. E ficaram instaladas várias estruturas subterrâneas, com passagem de muitos cabos.

15. Por carta datada de 22/03/2012 a ré denunciou o contrato de arrendamento de espaço com efeitos a partir do dia 31/05/2012.

16. Apesar da denúncia do contrato referida em 15., a ré não procedeu à remoção do equipamento instalado no terreno dos autores

17. Nem procedeu à limpeza do mesmo.

18. Nem colocou o portão que tinha retirado, nem retirou os materiais que se encontravam na garagem dos autores

19. O contrato de arrendamento mencionado em 1., foi acompanhado de várias vicissitudes de natureza administrativa na medida em que a Câmara Municipal de Rio Maior impunha que fosse instalada uma infraestrutura de telecomunicações diferente da prevista no contrato.

20. A Câmara Municipal Rio Maior pretendia que, ao invés da instalação da tradicional infraestrutura metálica, fosse instalada uma infraestrutura em forma de árvore, de modo a salvaguardar a estética e o meio ambiente circundantes ao terreno dos autores.

21. Em face do referido em 19. e 20., a ré viu-se obrigada a denunciar o contrato no decurso do ano de 2012, com a justificação de perda de interesse técnico na manutenção do contrato.

22. Até 2014, os autores nunca remeteram qualquer reclamação ou comunicação à ré para a desocupação e restituição do terreno ou tão pouco invocaram qualquer prejuízo ou impossibilidade de disposição do mesmo decorrente da permanência da infraestrutura.

23. Em Abril de 2014, os autores não permitiram a remoção dos equipamentos e materiais.

24. Entre os dias 2 e 8 de Junho a ré enviou ao local uma equipa sua que procedeu à remoção dos seus equipamentos, à reposição do portão e levou os materiais depositados na garagem dos autores.

25. Devolvendo o local arrendado aos autores em 8 de Junho de 2015.

26. Desde a data da denúncia, referida em 15., a ré não mais procedeu ao pagamento da renda.

27. A não devolução atempada do local, impossibilitou os autores de lhe darem outro destino.

28. Autores e ré mantiveram-se em negociações por cerca de seis meses

Factos não provados

Que:

a) Os autores insistiram várias vezes, por telefone, junto da ré para que esta devolvesse efetivamente o espaço arrendado, retirando daí as suas instalações e repondo o local como se encontrava.

b) Até 2014, nunca mais ninguém relacionado com a ré entrou em contacto com os autores a dar conta da situação ou a informar o porquê das obras estarem interrompidas.

c) Tão-pouco a ré voltou a entrar na área locada.

d) E esta situação manteve-se até Março de 2015.

e) No circunstancialismo referido em 10 a ré colocaria um portão de correr, em substituição do aí existente.

2. Impugnação da matéria de facto.

2.1. Ao impugnante da matéria de facto incumbe, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, entre o mais, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (artº 640º, nº 1, als. a) e c), do CPC.

Esta exigência constitui uma manifestação dos princípios da cooperação, lealdade e boa fé processuais, com manifesta utilidade para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio; o impugnante da matéria de facto há-de saber, forçosamente, quais os pontos da matéria de facto de que discorda e a decisão que para eles preconiza e sabendo-o é justo exigir-lhe que os indique, permitindo um informado exercício do contraditório à parte contrária e um inequívoco espaço de pronúncia à instância de recurso.

No caso dos autos, a impugnação da matéria de facto não observa os apontados princípios; a Ré não indica, por referência à decisão de facto, os concretos pontos da matéria de facto de que discorda, o que defende é que se prova a seguinte matéria (conclª 9ª):

a) Recorrente denunciou o contrato de arrendamento que havia celebrado com os Recorridos com efeitos a 31.05.2012;

b) data aproximada da data de envio dessa carta de denúncia, o que ocorreu em Março de 2012, a Sra. D. (…) contactou o Recorrido (…) a esclarecer o motivo da denúncia e que na sequência da cessação do contrato a (…) iria retirar todos os equipamentos instalados na sua propriedade;

c) Nesse contacto o proprietário manifestou interesse na manutenção da infraestrutura no local e na celebração de novo contrato para o efeito, tendo indicado que possuía conhecimentos na Câmara Municipal de Rio Maior e que iria contactá-los no sentido de demover a decisão da Câmara em exigir uma torre árvore e aceitar a instalação de acordo com o projeto;

d) Ficou então acordado entre as partes suspender a desinstalação e reposição do locado, de forma a poderem ser retomados os trabalhos de instalação caso o Recorrido fosse bem sucedido na sua intervenção junto da Câmara Municipal;

e) procedimento normal da (…) em casa de denúncia é que à carta de denúncia seguem-se sempre os trabalhos de desocupação do imóvel e reposição do terreno, sendo que neste caso e excecionalmente tal não ocorreu devido ao facto de ter sido acordado que assim seria para permitir a intervenção do Recorrido para viabilizar o processo;

f) Devido a esse acordo das partes, o Recorrido, não obstante tivesse o seu terreno ocupado e não se encontrasse a receber renda em virtude do termo do contrato, facto que conhecia e de que estava ciente, não interpelou a Recorrida até ao ano de 2014 para que removesse os equipamentos nem nada lhe comunicou ou solicitou até essa data.

Ressalvando a matéria da al. a) e última parte da al. f) – o Recorrido (…) não interpelou a Recorrida até ao ano de 2014 para que removesse os equipamentos nem nada lhe comunicou ou solicitou até essa data – que se mostra julgada provada (cfr. pontos 15 e 22 da decisão recorrida) – a demais matéria não consta da decisão de facto que fundamentou a decisão recorrida, remetendo-nos, assim, para os articulados, mais concretamente para a contestação, tendo em vista avaliar se os factos que a Ré agora afirma provados foram por si alegados, supondo-os relevantes para a decisão da causa, segundo a solução de direito que preconiza, admitindo uma qualquer deficiência no juízo de facto, que a Ré não identifica, justificativa da ampliação da base factual do litigio.

E não foram. Os factos que a Ré pretende que se julguem provados, excecionando os supra referidos, que a decisão recorrida julgou provados, ou não foram alegados ou não o foram na forma que a Ré agora defende que se provam.

Os factos que o juiz se pode servir para conhecer da causa são os factos essenciais, cuja alegação incumbe às partes, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artº 5º, nºs 1 e 2, do CPC).
Admitindo, por mera necessidade de raciocínio, uma vez que a Ré não o defende, que os factos supostos pela alteração preconizada são factos que complementam ou concretizam factos que as partes hajam alegado [excluída que se mostra ab initio a sua qualificação como factos instrumentais, factos notório ou factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções] e admitindo também por necessidade de raciocínio, que resultaram da instrução da causa, inexiste nos autos qualquer informação que os AA hajam tido a possibilidade de sobre ele se pronunciar e daqui que não possam ser considerados na decisão.
A consideração destes factos na sentença, reitera-se, supõe que hajam resultado da instrução da causa e que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ele se pronunciarem.
O pregresso artº 264º, nº 3, do CPC permitia a consideração na decisão de factos complementares ou concretizadores, de outros alegados pelas partes, resultantes da instrução da e discussão da causa, “desde que a parte interessada houvesse manifestado a intenção de se aproveitar deles e à parte contrária houvesse sido facultado o exercício do contraditório”.
Não obstante a diferenças nas redações, entre esta norma e a norma vigente, perfilhamos a orientação de Lebre de Freitas assim expressa: “quanto à consideração dos factos complementares ou concretizadores que ressaltem da instrução da causa, o regime mantém-se, exigindo a lógica do esquema processual derivado do princípio do dispositivo que a parte a quem os factos aproveitem os introduza como matéria da causa, mediante a manifestação, equivalente a uma alegação, da vontade de deles se aproveitar”.[1]
A consideração, pelo juiz na decisão, de factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado não se atém à sua aquisição no decurso da instrução da causa sendo indispensável que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ele se pronunciarem.
A exigência legal de ambos os requisitos tem necessariamente que significar, sob pena de uma injustificada interpretação abrogante, que o primeiro não consome o segundo, ou seja, que não basta que o facto complementar ou concretizador resulte da instrução da causa para daqui se concluir que as partes tiveram a possibilidade de sobre ele se pronunciarem sendo necessário que a parte a quem o facto aproveita expresse a sua vontade de dele se aproveitar a tempo de a outra parte sobre ele se pronunciar e de o juiz o considerar.
Como se ajuizou no Ac. da R. de Coimbra de 20/1/2015 e se corrobora “não é pois correta, com o devido respeito, a ideia, porventura retirada dum leitura apressada da recente reforma do regime do processo civil, desta reforma dispensar as partes de dizer/alegar, nos articulados, a sua versão factual, na medida em que – dir-se-á em tal ideia “errada” – no julgamento, se pode discutir tudo e mais alguma coisa, tendo, depois, o juiz que incluir tudo (o que se discutiu no julgamento e que antes nunca se disse/alegou) no elenco factual da sentença”.[2]
Assim, visando a impugnação da matéria de facto, factos que se mostram provados e factos que não podem ser considerados na decisão, porque não foram alegados pelas partes, resta concluir pela sua improcedência.

2.2 Para concluir pela improcedência da exceção do abuso de direito, suscitada pela Ré, a decisão recorrida consignou designadamente que “(…) resultou igualmente não provado que os autores foram os responsáveis pelo atraso na remoção do equipamento desde o ano de 2012” e a Ré anotando que este facto não consta dos factos não provados, insurge-se contra esta ilação de facto, por entender que ela é incompatível com o facto provado no ponto 22 e com os factos julgados não provados sob a alíneas a) a d) e que pelo facto não provado sob a alínea a) – que os autores insistiram várias vezes, por telefone, junto da ré para que esta devolvesse efetivamente o espaço arrendado, retirando daí as suas instalações e repondo o local como se encontrava – se demonstra “que poderá não ter sido apenas por facto imputável à Recorrente que as infraestruturas não foram removidas entre a data da produção de efeitos da denuncia e a data de Junho de 2015, quando foram removidas” (conclªs 2ª a 5ª).

A Ré tem razão quando afirma que não consta dos factos não provados que os autores foram os responsáveis pelo atraso na remoção do equipamento desde o ano de 2012, mas a consequência do erro - não há aqui qualquer presunção de factos – que a este propósito aponta à decisão recorrida não é, a nosso ver, a que defende.

Se a decisão se fundamenta em factos que não inseriu na base factual do litigio, mais concretamente, em factos que não julgou, nem provados, nem não provados, erra certamente, mas este erro releva para o juízo de direito que extraiu de factos inexistentes para os autos e não para o próprio juízo de facto da decisão.

No caso, o facto apontado concorreu para a formulação do juízo de improcedência da exceção do abuso de direito que a Ré havia suscitado na contestação e, assim, a existir qualquer erro no julgamento desta exceção ele não poderia deixar de ser arguido no recurso por forma a dele agora se conhecer (artº 635º, nºs 4 e 5, do CPC).

O recurso, não-obstante, não versa sobre o julgamento desta exceção e, assim, a decisão, nesta parte, transitou em julgado, não podendo este efeito ser prejudicado pela decisão do recurso.

Prosseguindo, as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artº 349º, do Código Civil) e tendo as provas por função a demonstração da realidade do factos (artº 341º, do Código Civil), parece afastada a possibilidade de se extrair uma ilação dum facto que não se prova, porque não se demonstrado a sua realidade, dele não se poderá dizer que é facto conhecido.

Considerando que serve para demonstrar a dificuldade normativa que suscita a pretensão da Ré quando do facto julgado não provado em a) pretende deduzir “que poderá não ter sido apenas por facto imputável à Recorrente que as infraestruturas não foram removidas entre a data da produção de efeitos da denuncia e a data de Junho de 2015, quando foram removidas” e que, por tais razões, não se acompanha.

Nesta parte, improcede o recurso.


3. Direito
Na consideração que a Ré incorreu em mora na entrega do locado, a partir de 31/5/2012 (data de início dos efeitos da denúncia – ponto 15 do factos provados) e em mora se manteve até Abril de 2014 (altura em que os AA não permitiram a remoção do locado dos equipamentos e materiais que pertenciam à Ré – ponto 23 dos factos provados), a decisão recorrida condenou a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 19.000,00, a título de indemnização, correspondente a 19 meses de renda elevada para o dobro.
A Ré diverge desta condenação por considerar que após a cessação do contrato de arrendamento, por denúncia, as partes acordaram a manutenção das infraestruturas no local por tempo indeterminado e assim, pretenderam um comodato do local a partir da data da cessação do contrato (conclª 10ª) e, para o caso de assim não se entender, a situação posta nos autos não configura um caso de mora, para efeitos de cálculo da indemnização em dobro, prevista no nº 2 do artº 1045º, do CC (conclª 15ª).

3.1. Se as partes acordaram a manutenção das infraestruturas no local por tempo indeterminado e pretenderam um comodato do local a partir da data da cessação do contrato de arrendamento.
A questão da existência de um acordo, expresso ou tácito, para a manutenção das infraestruturas no local por tempo indeterminado, após a data da cessação do contrato de arrendamento, por denúncia, não foi objeto de pronúncia na decisão recorrida e a Ré não suscita a nulidade desta por omissão de pronúncia.
Dizer isto não supõe qualquer censura à pretensão recursiva, mas tão só acentuar que tal questão é colocada ex novo no recurso. De facto, confrontada com a falta de restituição do locado, após a denúncia do contrato, que enformou a causa de pedir dos AA, a Ré defendeu-se alegando que foram os AA que impediram tal restituição, comprometendo-se a desenvolver esforços, junto da CM de Rio Maior, para a viabilização do pedido de colocação no seu terreno da infraestrutura que a Ré aí pretendia instalar e que a referida Câmara não autorizou, com o consequente desinteresse da Ré em manter o contrato de arrendamento que havia celebrado com os AA (artºs 7º a 12º da contestação) e por considerar que o locado não foi restituído aos AA, por causas a estes imputáveis argumentou, de direito, que o exercício do direito à indemnização documentado na ação é ilegítimo, por abusivo (artºs 26º a 33º da contestação).
Na ação a Ré excecionou o abuso de direito e não a existência de qualquer acordo de manutenção das infraestruturas no local por tempo indeterminado com os contornos dum contrato de comodato.
Como é pacífico para a doutrina e para a jurisprudência, no nosso sistema, os recursos ordinários, como é o presente recurso de apelação, destinam-se à reponderação da decisão recorrida, o que significa que, em regra, “o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”[3], e isto porque os recursos visam modificar ou anular as decisões recorridas[4] e “não criar decisões sobre matéria nova não sendo lícito invocar e conhecer nos mesmos questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido”[5].
Assim, não tendo a decisão sob recurso resolvido qualquer questão relacionada com a existência de um acordo de manutenção das infraestruturas no local por tempo indeterminado com os contornos dum contrato de comodato, não pode o recurso, neste particular, apreciar seja o que for, por se tratar de uma questão que a Ré não suscitou perante o tribunal recorrido, nem este resolveu.
Por esta razão não se conhece da conclusão 10º, nem das demais que supõem válido o seu conhecimento.

3.2. Se a indemnização devida pelo atraso na restituição do locado deve ser calculada em dobro.
Por denúncia da Ré, o contrato de arrendamento que havia celebrado com os AA em 23/1/2008, com inicio em 1/10/2008 e destinado a vigorar pelo período inicial de dez anos, veio a cessar efeitos a partir de 31/5/2012 (pontos 3,6,7 e 15 dos factos provados).
Findo o contrato é obrigação do locatário restituir a coisa locada (artº 1038º, al. i) do Código Civil.
Não foi este o caminho percorrido pelas partes e a restituição do arrendado, que deveria ter ocorrido em 1/6/2012, apenas o foi em 8/6/2015, depois dos AA, em Abril de 2014, não haverem permitido a remoção dos equipamentos e materiais que pertenciam à Ré (pontos 23 e 25 dos factos provados).
Porque a obrigação de restituição tinha prazo certo (1/6/2012), a decisão recorrida, amparando-se no Ac. do STJ de 20/11/2012[6], considerou que a Ré se constituiu em mora, independentemente da sua interpelação para a entrega da coisa locada e, por efeito da mora, condenou a Ré a pagar aos AA o dobro das rendas devidas até Abril de 2014.
É esta indemnização em dobro que cumpre agora apreciar, posto que a Ré defende que “a não entrega imediata do locado pelo locatário não o faz incorrer tourt court em mora, pois, se assim o fosse, deixaria do nº 1 do artº 1045º do CC de fazer sentido, pois perderia qualquer utilidade prática, uma vez que se aplicaria sempre o nº 2” (conclª 17ª).

Prevê o artº 1045º, do CC:
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.”
Fazendo a exegese desta norma, ensina Menezes Cordeiro[7] que o nº1 se reporta à não restituição simples, ou seja, aqueles casos em que a falta de restituição ocorre por causas não imputáveis ao locatário - dá como exemplos: (a) quando o locatário ilida a presunção de culpa pela não restituição, (b) caso o locador, a título de mera tolerância, admita a manutenção do gozo, na esfera do locatário; (c) quando exista uma situação controvertida (ação de nulidade ou de anulação, ação de resolução ou situação de caducidade), não provocada pelo locatário e enquanto ela não se solucionar; (d) quando a restituição não possa ter lugar por causa imputável ao locador e, não-obstante, o locatário continue no gozo da coisa, sem recorrer à consignação em depósito” - e que o nº 2 tem lugar quando a falta de restituição ocorra por culpa do locatário, configurando-se então a mora deste, independentemente de interpelação, por via do artº 805º, nº 2, al. a), do Código Civil.
Doutrina concordante com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que serviu de fundamento à decisão recorrida e cremos dever sufragar.
A previsão do nº 2, do artº 1045º, em referência, remete-nos claramente para o regime da mora; a indemnização é elevada para o dobro logo que o locatário se constitua em mora na restituição da coisa.
Estabelece o nº 2 do artº 804º, do Código Civil que o “devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido” e o nº 2, al. a) do artº 805º, do mesmo diploma, que se a obrigação tiver prazo certo, há mora independentemente de interpelação.
É ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artº 799º, nº 1, do Código Civil), ou seja, na responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor em caso de incumprimento da prestação cabendo-lhe, nos termos gerais (artº 344º, nº 1, do Código Civil), demonstrar que a falta de cumprimento não lhe é imputável.
Assim, o locatário que denunciou o contrato e não restituiu a coisa locada na data aprazada constitui-se em mora, independentemente de interpelação do locador, incumbindo-lhe pagar a este as rendas em dobro, salvo se demonstrar que a falta de entrega da coisa locada não procede de culpa sua, caso em que as rendas serão devidas em singelo.
No caso dos autos, a Ré não logrou demonstrar que a falta de entrega do locado até Abril de 2004 é imputável aos AA; assim, de acordo com os factos provados, porque não restituiu o locado aos AA em 1/6/2012, a Ré constituiu-se em mora, independentemente de interpelação, sendo devida aos AA, o dobro das rendas com estes acordadas, como se decidiu.
Improcede, assim, o recurso.

4. Custas
Porque vencida no recurso, incumbe à Ré o pagamento das custas (artº 527º, nº 1, do CPC).

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 13/7/2017
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
__________________________________________________
[1] A Acção Declarativa Comum à luz do CPC de 2013”, 3.º ed., pág. 307 a 309.
[2] Disponível em www.dgsi.pt (processo 138599/13.2YIPRT.C1).
[3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos, pág. 395 e Jurisprudência aí indicada; no mesmo sentido, Lebre de Freitas, CPC anotado, 2ª ed., 3º vol. Tomo I, pág. 5 e Abrantes Geraldes, Recursos, novo regime, pág. 23.
[4] É o que decorre, entre outros, dos artºs 627º e 639º, nº 1, ambos do C.P.C.
[5] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 6/2/1987, BMJ, 364º - 714.
[6] Disponível em www.dgsi.pt
[7] Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, 2014.