Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
302/14.9GESTB.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: CRIME DE AMEAÇA AGRAVADA
DEPOIMENTO INDIRECTO
LIVRE CONVICÇÃO
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário:
I - Apesar de não terem presenciado o encontro entre arguido e ofendida e, portanto, as palavras aí proferidas, as testemunhas esclareceram em audiência que, no mesmo dia dos factos, a demandante lhes contou o encontro que tivera com o arguido e quais as palavras que este lhe dirigiu, pelo que, nos limites do seu objeto, aqueles depoimentos testemunhais são livremente valoráveis.

Desde logo, porque tendo a ofendida, a quem se ouviu dizer, prestado declarações em audiência sobre as palavras que lhe foram ditas pelo arguido, mostra-se cumprido, em substância, o disposto no nº3 do art. 129º do CPP.

Por outro lado, pode considerar-se que os depoimentos das duas testemunhas sempre tiveram por objeto a realidade do encontro entre ofendida e arguido e as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu, levando a que os depoimentos daquelas testemunhas possam caraterizar-se como prova sobre prova, um tipo de prova que tem por finalidade convencer o órgão jurisdicional de que a credibilidade que merece um outro meio de prova (no caso as declarações da ofendida, que in casu constituem mesmo prova direta) deve aumentar, diminuir ou inclusivamente desaparecer, no processo de livre apreciação da prova que precede a sentença.

2. Referindo a declaração escrita do psiquiatra assistente que a ofendida padecerá desde 2011 de Perturbação de Pânico com Agorafobia (CID 10 F40.0), não pode julgar-se provado, face às regras da experiência, que até à data dos factos, a ofendida era uma pessoa calma, cuja serenidade era visível aos olhos de todos quantos a rodeavam e que foi a partir dos factos, em 2014, que a ofendida, aqui demandante, começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade, unicamente com base nas suas declarações e nos depoimentos das duas testemunhas (companheiro e irmã da ofendida) a que vimos fazendo referência.

Sem, no mínimo, a confrontação da ofendida e/ou do médico assistente e eventuais esclarecimentos a prestar por este, não pode considerar-se que ao julgar provados os factos ora impugnados, o tribunal de julgamento respeitou o parâmetro ou regra da prova para além de toda a dúvida razoável, que constitui parâmetro positivo de decisão inerente ao princípio da livre apreciação da prova, imposto pelos princípios da culpa e da presunção de inocência. []1
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos na Secção criminal (J1) da Instância local de Setúbal, da Comarca de Setúbal, foi acusado e sujeito a julgamento A., casado, natural da freguesia de S. Lourenço, residente em Azeitão, a quem o MP imputara a prática, em autoria material, de dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelos artigos 153º, nº.1 e 155.º n.º1, alíneas a) e b) ambos do Código Penal.

2. A ofendida, B., veio deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido pedindo a condenação deste a pagar-lhe a “quantia global de € 5.000,0 (cinco mil euros)” a título de danos morais.

3. Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal singular decidiu.

a) ABSOLVER o arguido, A., pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. b) do Código Penal.

b) CONDENAR o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do CP, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, nos termos do art.º 50.º do C.P. sujeita ao regime de prova durante o período da suspensão, de acordo com o plano individual de reinserção social e condicionada aos deveres e obrigações seguintes:

- Obrigação de responder a convocatórias do magistrado judicial responsável pela execução e do técnico da reinserção social (DGRSP) e receber visitas deste;

- Proibição de contactos de qualquer espécie com a ofendida ou familiares desta e afastamento da residência ou do local de trabalho ou de frequência da ofendida.
(…)
2. Julgar o Pedido de indemnização cível deduzido pela Demandante parcialmente procedente, por parcialmente provado, e em consequência:

d) - CONDENAR o demandado A. a a pagar à Demandante a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos) euros, acrescida de juros calculados sobre a mesma desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-o do restante pedido.

4. Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem integralmente:

« III – Conclusões:
1. O ora recorrente foi condenado como autor material de um crime de ameaça agravada p.p. pelos artigos 153ºn.º 1 alínea c) e 155 n.º1 alínea a) do CP, na pena de 10 meses de prisão suspensa na execução por um ano, sujeita a regime de prova, bem como nas custas devidas.

2. Foi parcialmente condenado no pedido cível na quantia de € 1 500,00, custas legais no seu decaimento, nos termos do artigo 527 n.º2 do NCPC.

3. O arguido prestou declarações quanto aos factos.

4. Tem antecedentes criminais, CRC fls. 109-133.

5.O tribunal a quo deu como provado que no dia 22 de Julho de 2014, em hora não concretamente apurada, a denunciante B. cruzou-se com o arguido e tendo este a si dirigido dizendo-lhe em tom sério e exaltado – “gostaste da surpresa? Aquilo que fiz às galinhas faço-te a ti e à tua filha”.

6. A partir dessa data a ofendida e demandante começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade e tem uma permanente sensação de perseguição.

7. Considera-se que a convicção do tribunal a quo, ainda que nos termos do artigo 127º do CPP, deve ser formada pela conjugação de dados objectivos fornecido por documentos e outras provas constituídas, como as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento.

8. No entender do douto tribunal a quo, as declarações do arguido não merecem credibilidade (fls. 8 da sentença).

9. Quanto às testemunhas, B, ofendida, Tito, companheiro da ofendida e Ana, irmã da ofendida, os seus depoimentos “ foram prestados de forma séria, espontânea, sem vacilações e de forma coerentes no sentido da acusação” (fls.8 e 9 da sentença).

10. As testemunhas Tito e Ana nada presenciaram e, que os factos da acusação lhes foi dito pela ofendida B.

11. As testemunhas de defesa, David, Joaquim e Alfredo, que de igual forma não foram presenciais, o tribunal a quo considerou “ os seus depoimentos foram tidos como tendenciosos evasivos, calculista, destorcedores da realidade e desresponsabilidade do arguido (fls.10 da sentença).

12. A este propósito, destaca-se o exarado no douto acórdão da Relação de Évora de 2 de Julho de 2013, no âmbito do Processo n.º 738/12.0GBABF.E1 relevante quanto aos factores que contribuem para a falibilidade do testemunho humano e as pontuais disparidades apontadas e meramente circunstancias, ao referir que os testemunhos prestados de forma não totalmente ou absolutamente coincidentes – serão até tendencialmente mais verdadeiros.

13. O arguido viu desacreditadas as suas testemunhas (nenhuma presente no local). No entanto para condenar, baseou-se na palavra da ofendida, que afirmou encontrar-se sozinha aquando dos acontecimentos e nos depoimentos do seu companheiro e irmã que não presenciaram os factos, tomaram conhecimento momentos mais tarde pela ofendida.

14. Não se vislumbra que exista qualquer elemento probatório que coloque em causa a credibilidade do depoimento do ora recorrente. E se dê como credível as declarações da ofendida.

15. Mais se insurge o ora recorrente, questionando, o tribunal a quo dá como provado que até à data dos factos, a ofendida era uma pessoa calma, cuja serenidade era visível aos olhos de todos quanto a rodeavam. Que a partir dessa data a ofendida começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade, tendo uma permanente sensação de perseguição e receia cruzar-se com o arguido onde quer que seja.

16. Estes factos foram enfatizados pela ofendida, companheiro e irmã daquela.

17. Afirmando, inclusivamente a testemunha Ana de que a irmã tem acompanhamento psiquiátrico.

18. Para este efeito foi apresentado como prova documental, uma declaração/atestado médico e junto aos autos.

19. No qual declara que se “trata-se de um quadro com cerca de quatro anos de evolução, caracterizados por episódios de ansiedade súbita e aguda, associado a uma fobia a espaços públicos, multidões e transportes públicos, com uma limitação funcional parcial.

20. Apela-se ao facto de que os factos constantes na douta acusação são de 22 de Julho de 2014.

21. Todavia, este documento não integra os elementos que contribuíram para formar a convicção do tribunal (fls. 10 da douta sentença).

22. Esta prova documental parece-nos salvo o devido respeito, força vital para a absolvição do arguido, no que concerne aos elementos essenciais que constituem elementos tipo do crime de ameaça.

23. Para a consumação do crime de ameaça é necessário que haja um individuo que queira criar no espirito do ofendido o receio de que o prenúncio se realizará. Exige-se que o mal, objecto da ameaça seja futuro, Não seja iminente e que seja adequado a provocar medo.

24. O relatório médico que demonstra que a ofendida padece há já quatro anos de episódios de ansiedade súbita e aguda, associado a uma fobia a espaços públicos, multidões e transportes públicos, com uma limitação parcial. Ou seja, o sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo que afecte a natural paz individual, critérios essenciais para a consumação do crime de ameaça, são uma patologia adjacente à ofendida e anteriores aos factos datados na acusação e dados como provados na sentença.

25. A ofendida na audiência de julgamento, afirmou que se deslocou para fazer compras, porém ninguém a observou ou ouviu em contacto com o arguido.

26. As testemunhas trazidas a juízo apenas tomaram conhecimento dos factos constantes na acusação pela ofendida, tomando de imediato por credível, sendo companheiro e irmã, o relato de B.

27. Em face das considerações que antecedem será razoável questionar se de facto, o arguido se aproximou da ofendida e lhe proferiu palavras que lhe determinaram inquietação (non liquet).

28. Neste sentido alude-se à absolvição do ora recorrente em consideração do princípio in dúbio pro reo, tomando como alicerce o Ac. do STJ de 20-01-05, Proc. n.º 3209/05 – 5ª.

29. O recorrente foi parcialmente condenado no pedido cível na quantia de € 1 500,00. Deve em consequência do expendido ser do mesmo absolvido.

30. Quanto à decisão relativa às custas do pedido cível, foi o recorrente condenado a pagar no seu decaimento, nos termos do artigo 527º n.º 2 do NCPC.

31. Ter em linha de conta o artigo 249º CC.

32. Considera por isso, o ora recorrente, em virtude do supra exposto que neste caso em concreto Parece-nos que só assim ficam assegurados todos os direitos, liberdades e garantias previstos constitucionalmente.

Termos em que se deve dar provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que absolva o arguido.»

5. Na sua resposta, o MP entende que o recorrente não cumpre as exigências de especificação impostas pelo art. 412 nº 3 do CPP e que do texto da sentença recorrida não resulta erro notório na apreciação da prova (art. 410º nº2 CPP), bem como, em todo o caso, não resultar da sentença que o tribunal tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática dos factos pelo arguido. Conclui que o recurso deve ser julgado improcedente.

6. Nesta Relação, a senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

7. Cumprido o disposto no art. 417º nº1 do CPP, o recorrente nada acrescentou.

8. A sentença recorrida (transcrição parcial):
« 2. - FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos Provados

Em julgamento, e com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos constantes da Acusação Pública e pedido cível :

a. No dia 21 de Julho de 2014, cerca das 09h00, Tito, companheiro da ofendida B, deparou-se com oito das suas galinhas degoladas.

b. No dia 22 de Julho de 2014, em hora não concretamente apurada, a denunciante B cruzou – se com o arguido em Brejos de Azeitão, área desta comarca de Setúbal, tendo – se o arguido a si dirigido dizendo-lhe em tom sério e exaltado: “gostaste da surpresa? Aquilo que fiz ás galinhas faço-te a ti e á tua filha”.

c. As afirmações proferidas e o tom de voz utilizado pelo arguido provocaram medo e temor a B, fazendo-a recear pela sua vida e integridade física e também pela vida e integridade física da sua filha, com apenas seis anos de idade.

d. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo, como era seu propósito, que as afirmações por si proferidas eram adequadas a provocar medo e receio a B., o que provocou.

e. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

f. Quando ameaçou a ofendida, esta sentiu medo e inquietação, chegando mesmo a temer pela sua vida e pela vida da sua filha.

g. Até à data dos factos, a ofendida era uma pessoa calma, cuja serenidade era visível aos olhos de todos quantos a rodeavam.

h. A partir dessa data, a ofendida, aqui demandante, começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade.

i. Nos dias de hoje, a ofendida aqui demandante, tem uma permanente sensação de perseguição e receia cruzar-se com o arguido onde quer que seja.

j. A ofendida é acompanhada em consultas de psiquiatria.

Mais se provou:

k. O arguido, vive com uma companheira, ambos trabalham sendo ela nas limpezas e ele como carpinteiro e recebe ao mês, entre € 300 a 400 euros e têm de despesas a totalidade dos rendimentos.

l. O arguido tem o 2.º ano do ciclo preparatório.

m. O arguido tem antecedentes criminais (fls. 109-113):

- O arguido foi julgado em processo sumário n.º ---/04.0PTSTB., pela prática em 26/06/2004 do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e condenado nas penas de 70 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 euros e na proibição de conduzir veículos motorizados por 4 meses. As penas transitaram em 29/09/2004 e foi extinta a pena principal em 11/09/2006.

- O arguido foi julgado em processo comum singular n.º --/06.0PFSTB., pela prática em 17/04/2006 dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e de condução perigosa e condenado na pena única de 230 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 euros e na proibição de conduzir veículos motorizados por 11 meses. As penas transitaram em 04/02/2008 e foi extinta a pena principal em 19/11/2010.

- O arguido foi julgado em processo sumário n.º ---/06.2TASTB., pela prática em 16/03/2007 do crime de desobediência e condenado na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 euros. A pena transitou em 15/12/2009 e foi extinta por prescrição em 15/12/2013.

- O arguido foi julgado em processo sumário n.º ---/13.4PASXL, pela prática em 10/05/2013 do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e condenado nas penas de 05 meses de prisão, suspensa por 1 ano e na proibição de conduzir veículos motorizados por 9 meses. As penas transitaram em 20/06/2013.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram todos os factos que não se compaginam com a factualidade supra descrita, nomeadamente que:

- A expressão referida em b) tivesse sido do conhecimento da menor.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
[…]
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artº 127º, CPP).

A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica – veja-se Maia Gonçalves, "CPP anotado", 4ª ed., 1991, pág. 221, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira.

Daqui resulta, como salienta a doutrina, um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação – veja-se Marques Ferreira Jornadas de Direito Processual Penal" pág. 228.

Como é referido pela jurisprudência, quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a mediação conferem ao julgador – veja-se acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.05.1997, rec. do pº 773/96.

Assim, reportando-nos ao caso em apreço e feito este breve enquadramento quanto aos princípios que regem a prova e sua apreciação em processo penal, o tribunal fundou a sua convicção na análise e valoração crítica da prova produzida com base nas declarações do arguido A., cruzando-as com os depoimentos das testemunhas de acusação e das testemunhas abonatórias B (ident. a fls. 15); Tito (id. a fls. 3); Ana, melhor id. acta de 2015/12/11; David; Joaquim e Alfredo, melhor ids. acta de 2015/12/11, para além dos restantes elementos existentes nos autos, como seja a prova Documental: - fls. 3 e 4, 15 e 43 a 51.

Vejamos:

- Declarações do arguido:

O arguido poderia ter-se remetido ao silêncio quanto aos factos pelos quais vinha acusado, (cfr. art.s 61.º, n.º 1, al. a) e 343.º, n.º 1 do C.P.P). No entanto, adoptou a posição de negar por negar os factos na sua generalidade, mesmo face á prova que se ia produzindo e aos elementos probatórios constantes dos autos.

Estas declarações do arguido não mereceram credibilidade quanto à sua versão dos factos, por lacunar, tendenciosa e intencionalmente deturpadora da verdade factual, no cotejo com as demais testemunhas e, por essa via, o seu depoimento não teve aceitação pelo tribunal.

As testemunhas de acusação:

As testemunhas B (ident. a fls. 15); Tito (id. a fls. 3); Ana, melhor id. acta de 2015/12/11, respectivamente na qualidade de ofendida, companheiro da ofendida e irmã da ofendida demonstrando dessa forma terem conhecimento dos factos, os seus depoimentos foram prestados de forma séria, espontânea, sem vacilações e de forma coerente no sentido da acusação.

Depuseram quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo em que ocorreram os factos, enfatizando a ocorrência “Tito, (…) deparou – se com oito das suas galinhas degoladas”, bem como a ofendida B, quando foi confrontada com a expressão “gostaste da surpresa? Aquilo que fiz ás galinhas faço–te a ti e á tua filha” e a forma como Ana assistiu ao agravamento do estado psicológico da irmã-ofendida.

Quanto aos preliminares, B e Tito precisaram as interacções familiares entre o arguido e a família parental, a sua deterioração com a chegada da ofendida, para ajudar os progenitores do arguido, que culminou com a expulsão do arguido do agregado de casas em que sempre tinha vivido com os pais.

Quanto aos desenvolvimentos, precisaram o modo de abordagem do arguido à ofendida, o conhecimento que este tinha das suas rotinas e o sentimento vivenciado com as expressões que foram perpetradas pelo arguido.

Quanto às consequências psicológicas, precisaram as testemunhas “Tito e B. que as “afirmações proferidas e o tom de voz utilizado pelo arguido provocaram medo e temor a B, fazendo-a recear pela sua vida e integridade física e também pela vida e integridade física da sua filha”. Tendo as anteriores testemunhas e ainda Ana, enfatizado que “a ofendida era uma pessoa calma, mas a partir da ocorrência dos factos dados por provados, a ofendida, começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade, para além de ter uma permanente sensação de perseguição e receio de cruzar-se com o arguido onde quer que seja, razão pela qual é acompanhada em psiquiatria.

Os seus depoimentos foram prestados de forma séria, espontânea, sem vacilações e de forma coerente no sentido da acusação e do pedido cível, tendo sido aceites pelo tribunal.

As testemunhas de defesa:

As testemunhas David; Joaquim e Alfredo, melhor ids. acta de 2015/12/11, não foram intervenientes directos nos factos, no entanto, os seus depoimentos foram prestados de forma tendenciosamente evasiva, calculista, destorcedores da realidade e de desresponsabilização do arguido.

Efetivamente, procuraram relativizar os acontecimentos, circunscrevendo os factos a um conflito familiar composto de várias variáveis, enfatizando David que “o meio é pequeno, o arguido anda mais de noite e a B. de dia”; que “o arguido disse-lhe das galinhas que tinha ouvido do pai”, numa versão diferente da do arguido. Já a testemunha Joaquim enfatizou que “o arguido só soube o que se passou com as galinhas na GNR passadas 2 semanas”, numa versão diferente do auto de interrogatório do arguido de fls. 18. Finalmente a testemunha Alfredo remeteu-se a um prudente “não viu nada”, concluindo que “nunca viu o A. aproximar-se da B., nem do irmão”.

Quanto aos factos, propriamente ditos, nada presenciaram, nem tiveram conhecimento.

Os seus depoimentos foram prestados de forma tendenciosa, omissiva, contraditória e de proteção do amigo, vacilando no essencial e revelando-se incoerentes no todo, não tendo sido aceites pelo tribunal.

Serviram para formar a convicção do Tribunal,

a) Os Depoimentos das testemunhas B; Tito e Ana, conjugados com a Prova documental: - fls. 3 e 4, 15 e 43 a 51, quanto aos factos dados por provados: - a) a j).

b) As declarações do arguido A. quanto às suas condições pessoais e de vida, as quais fizeram fé, quanto aos factos dados por provados: - k) a l).

c) E quanto aos antecedentes criminais o CRC de fls. 109-113, quanto aos factos dados por provados: - m).

Quanto aos factos não provados resultaram de não ter sido feita nenhuma prova em sentido contrário, uma vez que B e e Tito, pais da menor, prestaram depoimento no sentido de que a menor não estava presente quando foram proferidas as expressões de b) e que foi protegida pela família, não tendo tomado conhecimento das mesmas.

Cumpre agora analisar criticamente a prova produzida.
[…]

Neste tipo de processo, pelas imputações factuais em causa, a presença do arguido a falar verdade mostrava-se de interesse para transmitir ao tribunal o circunstancialismo, as suas razões, se é que poderia haver alguma e, também o seu corroborar, ou negar, os factos constantes da acusação, contudo, foi opção do arguido deliberadamente faltar à verdade do que realmente aconteceu. Vitimizou-se, ressuscitou fantasmas pretéritos e antecipou cenários inverosímeis, suportados numa “mão cheia” de nadas contra a ofendida.

Enganou-se, porém, o arguido.

Realmente, no caso presente, procurou-se, com a motivação probatória da decisão de facto que antecede, indicar os meios de prova (thema probandum) com exame crítico das provas, a razão da credibilidade dos diversos meios de prova, o que permite deduzir, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, qual o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo de uma forma lógica e objectiva, qual o raciocínio que levou o Tribunal a dar como provados os factos que deu como assentes, segundo o princípio da livre apreciação da prova e as ditas regras da experiência comum.

Assim, não se verificando, em ponto algum, que o Tribunal tenha ficado com dúvidas sobre a verificação de alguma da factualidade objecto dos autos e haja decidido desfavoravelmente ao arguido A. como mais adiante se esclarecerá. Apesar de o arguido, à semelhança do Ministério Público, ter apresentado 3 (três) testemunhas, quanto à prática de um dos crimes pelo qual vem acusado.

No entanto, o velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece, pois, de eficácia jurídica num sistema como o nosso em a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo tribunal [sobre aquela regra “unus testis, testis nullius”, cujas origens remontam a Moisés, as criticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo da história (De Arnaud, Blackstone, Bentham, Meyer, Bonnier), a sua abolição e a possibilidade de um único depoimento, nomeadamente as declarações da vítima, poderem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação, - veja-se desenvolvidamente, Aurélia Maria Romero Coloma, Problemática de la prueba testifical en el proceso penal, Madrid, 2000, Cuadernos Civitas, págs. 69 a 91; muito antes, no domínio do processo civil português, Alberto dos Reis afirmara que “No seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” – veja-se Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357.

Para além do supra exposto, o tribunal considerou que os relatos das testemunhas, B, Tito e Ana, como foram individualmente percecionados e agora globalmente enquadrados afiguraram-se genuínos, sinceros, credíveis, coerentes e, quanto à primeira, B, sofrido, até porque no seu discurso não se denotou qualquer pretensão vingativa ou de retaliação em relação ao arguido, pelo contrário, a sua postura em julgamento foi de evidente naturalidade e humildade, procurando tão-só esclarecer o tribunal quanto aos aspectos mencionados na acusação, explicando ainda em juízo as circunstâncias da actuação do arguido, os motivos dos desentendimentos (?) e a razão pela qual levou a sério as ameaças do “cunhado”.

Aliás, a veracidade dos referidos depoimentos, leva inclusive à conclusão quanto ao crime não perpetrado, na pessoa da filha e sobrinha menor, que o mesmo não aconteceu uma vez que B e Tito, pais da menor, prestaram depoimento no sentido de que a menor não estava presente quando foram proferidas as expressões de b) e que foi protegida pela família, não tendo tomado conhecimento das mesmas.

Sendo esta e não outra a prova produzida, efetivamente, quanto à conduta do arguido, cruzando-se as declarações de todas as testemunhas, não se encontra a mínima correspondência, na desesperada tentativa das testemunhas David; Joaquim e Alfredo em relativizarem os factos e/ou desresponsabilizá-lo revertendo o ónus acusador para a ofendida e as suas motivações ocultas.

Nesta medida, deram-se como provados todos os factos constantes deste segmento factual de acusação, com exceção dos relativos à menor, mesmo aqueles que, por não terem sido presenciados por quaisquer outras testemunhas, apenas se pôde alicerçar a convicção com base nas declarações da testemunha supramencionada B.

Assim sendo, será de aplicar o princípio “in dúbio pro reo” correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido, uma vez que este nega a prática dos factos ?

Salvo melhor entendimento parece-me que não.

Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.

O princípio “in dubio pro reo”, traduz o correspetivo do princípio da culpa em direito penal, ou "a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como axiológíco-normatívo da pena " - Vital Moreira e Gomes Canotilho in Constituição da República Portuguesa, anotada.

"0 principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido " - Figueiredo Dias in D. to Processual Penal, 1974, 211.

"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus " - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.

No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange, (situação alegada) a dúvida insanável deve levar a dar como não provados os factos sobre o qual recai.

Aliás, o S. T.J já teve oportunidade de esclarecer que (..) "Não é exigível, de resto, que sendo a verdade processual irremediavelmente distinta da verdade absoluta, pois não passa de uma verdade prático-jurídica, considerem provados os factos duvidosos favoráveis ao arguido ou se arrolem os mesmos para, na perspetiva de um "ónus de prova material", sobre eles se decidir "em desfavor da acusação" - cfr. Ac. STJ in BMJ 409°-628.

O princípio “in dubio pro reo” só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.

Atento os elementos carreados para os autos e a prova produzida, resulta inequívocamente a inexistência de dúvida, sendo que quando existiu prova cabal e não resultou a dúvida, o julgador terá esses factos como provados, devendo o arguido ser condenado.

Em conclusão, o tribunal, ponderando o circunstancialismo objetivo apurado, a forma como o foi, não teve dúvidas em fazer a imputação dos factos ao arguido a título subjetivo nos moldes em que o fez.

3. - ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS
(…)

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto dos recursos e poderes de cognição do tribunal de recurso.

a) É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Não obstante as imperfeições das conclusões de recurso, face ao modelo de impugnação em matéria de facto estabelecido pelo art. 412º nºs 3 e 4, do CPP, este tribunal de recurso está em condições de decidir a presente impugnação sem recorrer ao convite a que se reporta o art. 417º nº3 do CPP, uma vez que resulta suficientemente do conjunto da motivação (vd. especialmente fls 177 e 178), que o recorrente vem impugnar, nos termos daqueles preceitos, a decisão do tribunal recorrido que julgou provados:

- A parte final da al. b) dos factos provados, no segmento onde se menciona ter o arguido dito à denunciante, “… em tom sério e exaltado: ”gostaste da surpresa? Aquilo que fiz às galinhas faço-te a ti e à tua filha”;

- Os factos descritos sob as als. g), h) e i), ou seja, “
- “g. Até à data dos factos, a ofendida era uma pessoa calma, cuja serenidade era visível aos olhos de todos quantos a rodeavam.

- h. A partir dessa data, a ofendida, aqui demandante, começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade.

i. Nos dias de hoje, a ofendida aqui demandante, tem uma permanente sensação de perseguição e receia cruzar-se com o arguido onde quer que seja.”

Para além disso, resultam ainda suficientemente especificadas as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, que se apreciarão a seguir, os trechos da prova pessoal a considerar e o sentido da decisão diversa a proferir, qual seja a de julgar não provados os factos ora impugnados.

Vejamos então.
2. Decidindo a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

2.1. Impugnação da parte final da al. b) dos factos provados, no segmento onde se menciona ter o arguido dito à denunciante, “… em tom sério e exaltado: ”gostaste da surpresa? Aquilo que fiz às galinhas faço-te a ti e à tua filha”.

O recorrente assenta esta parte da impugnação na circunstância de, como diz, o tribunal a quo ter baseado a sua condenação na palavra da ofendida, que afirmou encontrar-se sozinha aquando dos acontecimentos, e nos depoimentos do seu companheiro [Tito] e irmã [Ana], que não presenciaram os factos, tomando conhecimento [dos mesmos] momentos mais tarde pela ofendida, pelo que [julgou provada a parte final da al. b) da factualidade provada] sem ter qualquer base sólida.

Afirma ainda a este respeito, que “Não se vislumbra que exista qualquer elemento probatório que coloque em causa a credibilidade do depoimento do ora recorrente. E se dê como credível as declarações da ofendida.”.

Sem razão, porém.

a) Em primeiro lugar, o tribunal recorrido julgou provado ter o arguido proferido as palavras ameaçadoras à ofendida com base no depoimento desta, perante quem foram ditas aquelas palavras, em atenção ao conteúdo coerente e consistente desse depoimento e à forma convincente como depôs, em confronto com a versão veiculada pelo arguido que, pelas razões adiantadas pelo tribunal a quo, não logrou convencê-lo da sua veracidade. Resulta da sentença recorrida que a caraterização de ambas as declarações, assenta em boa parte na impressão deixada no tribunal recorrido pela respetiva prestação em audiência, que releva da imediação e oralidade enquanto princípios desta, sem que da reapreciação da prova resulte motivo para questionar a convicção do tribunal assim formada, nomeadamente por não estar em causa a violação de norma de direito probatório, da experiência comum, ou qualquer outra, que conduzisse à procedência da presente impugnação.

Em segundo lugar, apesar de o tribunal a quo não chegar a afirmá-lo diretamente, não obstante as longas considerações tecidas na apreciação crítica da prova sobre aspetos de ordem genérica, as testemunhas Tito, irmão do arguido que vive em união de facto com a ofendida, e Ana, irmã daquela, não presenciaram o descrito em b) da factualidade provada, mas esclareceram em audiência que no mesmo dia dos factos a demandante lhes contou o encontro que tivera com o arguido e quais as palavras que este lhe dirigiu, conforme audição dos respetivos depoimentos e declarações a que procedemos, nos termos do nº6 do art. 412º do CPP.

Depoimentos estes que, nos limites do seu objeto, são livremente valoráveis, corroborando deste modo as declarações da ofendida, por duas ordens de razões.

Desde logo, porque tendo a ofendida, a quem se ouviu dizer, prestado declarações em audiência sobre as palavras que lhe foram ditas pelo arguido, mostra-se cumprido, em substância, o disposto no nº3 do art. 129º do CPP. Para além disso, porque independentemente do disposto no art. 129º do CPP, sempre pode considerar-se que os depoimentos das duas testemunhas tiveram por objeto a realidade do encontro entre ofendida e arguido e as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu, levando a que os depoimentos daquelas testemunhas possam caraterizar-se como prova sobre prova, um tipo de prova que tem por finalidade convencer o órgão jurisdicional de que a credibilidade que merece um outro meio de prova (no caso as declarações da ofendida, que in casu constituem mesmo prova direta) deve aumentar, diminuir ou inclusivamente desaparecer, no processo de livre apreciação da prova que precede a sentença. – Assim Fernando G. Inchausti, El control da le fiabilidade probatória:«Prueba sobre la prueba» en el processo penal, ed. Revista General de Derecho, Valência, 199, p. 29.

c) Por outro lado, no modelo de livre apreciação da prova que vigora entre nós, a prova deve ser apreciada globalmente, segundo as regras da experiência e a livre apreciação do tribunal de julgamento (cfr art. 127º do CPP), independentemente de uma qualquer aritmética das provas assente na hierarquização ou quantificação prévia dos meios de prova, que caraterizavam os sistemas de prova legal ou tarifada, pelo que nada obsta a que, como sucederá na generalidade dos casos, o tribunal de julgamento reconheça credibilidade a uns meios de prova e não a outros, desde que fundamente de modo racional, lógico, não arbitrário, a convicção que formou com base nos meios de prova criticamente apreciados, como se verifica no caso presente quanto ao facto ora impugnado.

d) Por último, o recorrente invoca a declaração escrita do psiquiatra da ofendida e demandante cível, junta a fls 139, como mais um elemento a favor do seu entendimento de que o respeito do princípio in dubio pro reo dita a absolvição do arguido no caso concreto, mas sem razão. Com efeito, resultará daquela declaração médica que a demandante cível tem sido acompanhada em consultas de psiquiatria por Perturbação de Pânico com Agorafobia (CID 10 F40.0), com cerca de 4 anos de evolução, por referência a 14.12.2015, mas essa declaração médica não permite inferir, em si mesma, que a credibilidade das declarações da ofendida se encontre afetada pela referida patologia. Tal afetação dependeria não só das caraterísticas gerais da patologia diagnosticada e do estado de evolução da doença no momento dos factos, através da competente perícia médico-psiquiátrica, mas também de alguma fragilidade ou incoerência percetível das suas declarações, que pudesse justificar indagação subsequente, mas a verdade é que nada se apurou a tal respeito e a forma como a ofendida depôs em audiência não permite sustentar minimamente a suspeição deixada pelo recorrente na sua motivação de recurso.

Assim e tendo ainda em conta que a prova pessoal ora analisada, com base na qual o tribunal a quo julgou provada a factualidade descrita em b), não reflete qualquer dúvida séria e inultrapassável que subjaza à decisão proferida pelo tribunal de julgamento em matéria de facto, antes pelo contrário, como vimos, não se verifica o aludido pressuposto (dúvida séria e intransponível) do invocado princípio in dubio pro reo, pelo que, não se verificando erro de julgamento do tribunal a quo ao julgar provado o ponto de facto b), na sua totalidade, improcede a impugnação relativamente àquele mesmo facto.

2.2. Factos g), h) e i), da factualidade provada, supra transcritos novamente para maior facilidade de exposição e leitura.

Os factos ora impugnados relevam para a decisão do pedido cível e foram tomados em conta pelo tribunal a quo na decisão proferida sobre o valor dos danos não patrimoniais a indemnizar.

Relativamente à prova daqueles factos, pode ler-se na apreciação crítica da prova (fls 147 e 147 vº) que serviram para a formação da convicção do tribunal quanto aos factos a) a j), incluindo portanto os factos g), h) e i) ora impugnados, os depoimentos da demandante cível, B, e das testemunhas Ana, arrolada no pedido cível, e Tito, arrolado na acusação e no pedido cível, esclarecendo-se a fls 147:

- “Quanto às consequências psicológicas, precisaram as testemunhas “Tito e B. que as “afirmações proferidas e o tom de voz utilizado pelo arguido provocaram medo e temor a B., fazendo-a recear pela sua vida e integridade física e também pela vida e integridade física da sua filha”. Tendo as anteriores testemunhas e ainda Ana, enfatizado que “a ofendida era uma pessoa calma, mas a partir da ocorrência dos factos dados por provados, a ofendida, começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade, para além de ter uma permanente sensação de perseguição e receio de cruzar-se com o arguido onde quer que seja, razão pela qual é acompanhada em psiquiatria.

Os seus depoimentos foram prestados de forma séria, espontânea, sem vacilações e de forma coerente no sentido da acusação e do pedido cível, tendo sido aceites pelo tribunal.”.

a) Porém, a questão colocada pelo recorrente não tem que ver com a reta intenção das testemunhas ou a demandante cível falarem com verdade, ao deporem em audiência, mas com limites intrínsecos do respetivo depoimento, por um lado, e, por outro, com a necessidade de a sentença explicar as dúvidas suscitadas ou contradições verificadas entre os depoimentos pessoais em causa e outros elementos de prova que, pela sua relevância, careciam de ser explicadas pelo tribunal de julgamento, sob pena de não se mostrar cumprido o critério ou parâmetro positivo de decisão, segundo o qual o facto deve ser objeto de “prova além de toda a dúvida razoável ou proof beyond any reasonable doubt. Citério este que teve a sua origem no direito processual inglês e posteriormente converteu-se na regra fundamental do direito processual penal norte-americano, mas que é igualmente aplicável no nosso ordenamento jurídico (e noutros que nos são próximos, como em Itália[2]) por força dos princípios da culpa e da presunção de inocência. Relativamente ao nosso ordenamento jurídico é o Prof F. Dias que se lhe refere a propósito do princípio da livre apreciação da prova, para afirmar que: “Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos este um critério prático adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.[3]

b) Ora, referindo-se a declaração do psiquiatra assistente junta a fls 139 a Perturbação de Pânico com Agorafobia (CID 10 F40.0), de que a ofendida padecerá desde 2011, não pode julgar-se provado que até à data dos factos, a ofendida era uma pessoa calma, cuja serenidade era visível aos olhos de todos quantos a rodeavam e que foi a partir dos factos, em 2014, que a ofendida, aqui demandante, começou a sentir-se muito ansiosa, passando a enervar-se com muita facilidade, unicamente com base nas suas declarações e nos depoimentos das duas testemunhas a que vimos fazendo referência. Ou seja, dados os termos da declaração do psiquiatra assistente e os reflexos que o quadro clínico indiciado pode ter na sua saúde mental da ofendida, impunha-se que a acusação ou o tribunal tivessem, pelo menos, confrontado a demandante e as testemunhas em audiência com o teor da declaração médica junta pela própria ofendida ou que, em todo o caso, a sentença explicasse a razão pela qual julgou provados os factos ora impugnados não obstante o teor da declaração médica e a ausência de confrontação das testemunhas e ofendida com aquele mesmo teor, sendo certo que o tribunal de julgamento omitiu mesmo qualquer referência à declaração do psiquiatra assistente da ofendida.

Sem tal confrontação e esclarecimentos, não pode considerar-se que o tribunal de julgamento tenha respeitado o parâmetro ou regra da prova para além de toda a dúvida razoável, que constitui parâmetro positivo de decisão inerente ao princípio da livre apreciação da prova, imposto pelos princípios da culpa e da presunção de inocência, como vimos, pelo que se impõe julgar não provados aqueles factos, procedendo-se às correspondentes modificações na decisão proferida sobre a matéria de facto provada, nos termos do art. 431º do CPP.

c) Quanto ao descrito na al. i) da factualidade provada, não pode concluir-se que a declaração médico-psiquiátrica tenha igual consequência uma vez que ali apenas se diz que nos dias de hoje a demandante tem uma permanente sensação de perseguição e receia cruzar-se com o arguido, o que foi claramente afirmado pela ofendida e pelas testemunhas Tito e Ana ora referenciadas - declarações e depoimentos cuja gravação ouvimos, nos termos do art. 412º nº 6 do CPP - sem que a declaração médica ou outros elementos de prova suscitem dúvida fundada sobre tal facto, antes pelo contrário, mantendo-se assim o decidido pelo tribunal a quo quanto a ele, embora lido este nos seus termos estritos.

2.3. Na verdade, importa deixar claro que, no plano da aplicação do direito aos factos, não pode considerar-se – contrariamente ao afirmado na sentença a fls 161 vº -, que em resultado da conduta do arguido a integridade física da ofendida saiu de forma significativa e gravemente afetada, pois tal asserção apenas podia fundar-se nos factos descritos em g) e h), juntamente com a verificação de um nexo de causalidade adequada entre a conduta do arguido e a sensação de perseguição e receio de cruzar-se com o arguido que se descreve na al. i), o que, no entanto, não se encontra ali afirmado expressamente, nem pode entender-se que o esteja implicitamente, dada a patologia assinalada à arguida. Com efeito, é plausível, de acordo com a experiência comum aplicada ao domínio da patologia psiquiátrica que afetará a demandante, que esta patologia tenha um papel determinante nos receios da ofendida ali espelhados, pelo que antes de poder concluir-se como o tribunal recorrido, seria necessário procurar estabelecer-se com o contributo da ciência médico-psiquiátrica, em que medida e com amplitude podia imputar-se à conduta do arguido o que se descreve em i), o que não se mostra realizado.

2.4. Posto isto, julgando-se parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, considera-se não provada a factualidade descrita nas als g) e h) da sentença recorrida, as quais passam a integrar a matéria de facto não provada, decide-se, em consequência (cfr art. 403º nº3 do CPP), alterar a condenação proferida pelo tribunal a quo no que respeita à quantia arbitrada a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes do crime, único tipo de danos em causa nos presentes autos.

Assim, tendo em conta os critérios estabelecidos nos arts. 496º nº3 e 494º, do C.Civil, ex vi do art. 129º do C.Penal, e a factualidade que lhes concerne, maxime a relativa à culpa (de que se destaca ter o arguido agido com dolo direto, fora de um quadro factual que pudesse suportar um juízo de menor censurabilidade da sua conduta), o dano concretamente sofrido pela ofendia, conforme descrito na al. f) da factualidade provada e, ainda, a situação económica do arguido tal como descrita no ponto k) daquela mesma factualidade, decide-se fixar o valor da indemnização por danos não patrimoniais em 600 euros, alterando-se nesta medida o decidido na sentença recorrida.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o presente recurso, interposto pelo arguido, decidindo modificar a decisão proferida sobre a matéria de factos nos termos exposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido na quantia de 1 500 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, condenando o arguido, em substituição, a pagar à demandante cível, B, a quantia de 600 (seiscentos) euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a data da decisão até integral pagamento, tal como decidido em 1ª instância.

Custas pelo arguido em matéria criminal, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC; sem custas em matéria cível por não ter o recorrente decaído totalmente nessa matéria.

Évora, 5 de julho de 2016

António João Latas

Carlos Jorge Berguete

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[1] - Sumariado pelo relator

[2] A este respeito diz Federico Stella, « …a regra probatória e de julgamento, “para além de toda a dúvida razoável”, constitui, não obstante o silêncio do CPP de 1989, direito vigente no nosso País ». – cfr “ Oltre Il Ragionevole Dubbio: il libero convincimento del giudice e le indicazioni vincolanti della constituzione italiana” in AAVV, Il Libero Convincimento Del Giudiuce Penale. Vecchie e nuove esperienze, Milano –Dott. A. Giuffrè Editore -2004, p. 99-100:

[3] Direito Processual Penal, Lições do Prof F. Dias coligidas por Maria João Antunes, 1988-9 (fascículos em vias de publicação), p. 141.