Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
207/20.4TXEVR-H.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
ADAPTAÇÃO À LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A liberdade condicional facultativa (ope judicis) e a liberdade condicional necessária (ope legis) constituem incidentes na execução da pena de prisão, só podendo ser decretadas com o consentimento do recluso (artigo 61.º, § 1.º do CP e 176.º, § 1.º do CEPMPL); e a sua duração não pode ultrapassar o tempo que ainda falta cumprir, nem ser superior a cinco anos (artigo 61.º, § 5.º CP), em alinhamento com a finalidade preventivo-especial de reintegração do agente do crime na sociedade (artigo 40.º CP).

II. Por seu turno, a adaptação à liberdade condicional, prevista no artigo 188.º CEPMPL, pode ser concedida, verificados que sejam os respetivos pressupostos, a partir de dois meses antes do período máximo previsto para esse efeito no artigo 62.º CP, seguindo a tramitação prevista no artigo 188.º CEPMPL, devendo ser requerida pelo condenado ao tribunal competente, que é o Tribunal de Execução de Penas.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
1.Por decisão proferida no processo supra identificado, do … Juízo (1) do Tribunal de Execução de Penas de …, não foi concedida a liberdade condicional a AA, melhor identificado nos autos, em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de ….

Inconformado com tal decisão recorre o recluso concluindo a sua motivação do seguinte modo:

«1. Tal como fundamenta a decisão de rejeição da medida de LIBERDADE CONDICIONAL o Tribunal de Execução de Penas de Évora, a LIBERDADE CONDICIONAL, tem como escopo «… criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecida por efeito da reclusão.» - Preâmbulo do DL n.º 400/82 de 23 de setembro.

2. Os pressupostos FORMAIS para a viabilidade da aplicação da medida LIBERDADE CONDICIONAL estão previstos no Artigo 61.º do Código Penal: «1. Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 (seis), meses de prisão, ou 2 (dois), terços da pena e, no mínimo 6 (seis), de prisão, ou ainda, 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 (seis), anos; 2. Que aceite ser libertado condicionalmente.»

3. Todavia, há a considerar também pressupostos/requisitos SUBSTÂNCIAIS que são indispensáveis para a aplicação da medida, considerando pelo Tribunal de Execução de Penas de … na sua fundamentação de DIREITO: «a) Que fundamentalmente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes; b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e a paz social (…). Sendo que relativamente a estes requisitos resulta claro que o primeiro se prende com a finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral.»

4. Sendo que «… considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-de revelar-se através dos seguintes aspectos: 1) as circunstâncias do caso; 2) a vida anterior do agente; 3) a sua personalidade; 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão.»

5. Refere ainda que «esta evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza, nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.»

‘In casu,

6. Efectivamente os pressupostos formais (dos quais depende a concessão da LIBERDADE CONDICIONAL), estão verificados: o Recorrente/Recluso cumpriu efectivamente 2/3 da pena de prisão em execução à qual foi condenado e aceita a sua libertação condicional.

7. Todavia, entendeu o Tribunal de Execução de Penas de … que o mesmo não sucede com os pressupostos substanciais, ponto onde convictamente se discorda e, motivação ‘maxime do presente Recurso.

8. Sendo que entendemos nós, s.m.e. que os mesmos estão verificados e que há uma mudança efectiva de atitude/consciencialização CLARA por parte do Recorrente/Recluso atento o teor dos seus dois depoimentos/audições (o primeiro a 07.07.2022 – Doc. 3, que se junta e cujo contudo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais), e este último.

9. Que deve ser considerada.

10.Ainda que se dê a entender na Sentença do TEP que o Recorrente/Recluso, após o regresso ao meio prisional por força da revogação da licença de saída administrativa extraordinária (permitida em tempos de pandemia – COVID 19), não voltou a usufruir de licença de saída jurisdicional por não estar “apto" para a vida em liberdade, outro entendimento parece ter a equipa/serviço de Vigilância.

‘Re vera,

11.Também nós sufragamos que o Recorrente/Recluso não pode simplesmente ser “solto” para a comunidade, no estado psicológico em que actualmente se encontra: destruído e destruturado emocionalmente, o que após o tempo de reclusão que já leva, a sua idade não pode ser censurável.

12.«O homem está em permanente reconstrução; por isto é livre: liberdade é o direito de transformar-se.»

13.Mas essa “transformação” precisa de apoio, de vigilância de medidas de ressocialização do Recluso em liberdade, limitando-se ao máximo o risco de recidiva.

14.O que ‘in casu se propõe e, se crê estarem reunidas condições.

15.Contrariando o “caminho mais fácil”: o deixar estar. O desinvestimento TOTAL na pessoa humana. E é aí onde falha o Estado de Direito.

Seguramente e salvo Douto e melhor entendimento, por tudo o que atrás ficou explanado na presente MOTIVAÇÃO e CONCLUSÕES, se entende que:

Nestes termos e nos mais de DIREITO, que V.ªs Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores suprirão, deverá o Recurso proceder, de acordo com as conclusões anteriores e, a posição que se renova e reforça, decretando-se, a LIBERDADE CONDICIONAL, nos termos previstos no Artigo 186.º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, onde se prevê a possibilidade um período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na residência com fiscalização e meios técnicos de controlo à distância e, com a anuência do Recorrente/Recluso, ajuda médica (psicológica ou psiquiátrica), regular, com regime de prova, que seguramente será necessária para a sua restruturação emocional,

Assim se repondo a esperada e tão acostumada JUSTIÇA!»

3. Admitido o recurso o Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas de … apresentou-se a responder sustentando a decisão recorrida, aduzindo em síntese o seguinte:

«(…) 2 – Atentos os elementos constantes dos autos, designadamente os referenciados nos relatórios do Serviço de Educação/Tratamento Penitenciário e do Serviço de Reinserção Social, as declarações do recluso, o seu certificado de registo criminal e a sua ficha biográfica, conclui-se que não é possível nem razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que o mesmo uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à Lei Penal.

3 – A esses elementos estão subjacentes fortes razões de prevenção especial que se fazem sentir em relação ao condenado, derivadas de uma insuficiente interiorização crítica relativa às suas condutas criminosas e suas consequências, do retrocesso verificado no seu percurso de ressocialização e bem assim do facto de não ter retomado o gozo de medidas de flexibilização da pena, ter antecedentes criminais e historial de consumo excessivo de bebidas alcoólicas e não possuir apoio de natureza contentora em meio livre.

4 – Por estas razões, quer o Conselho Técnico (por maioria dos seus membros), quer o Ministério Público, emitiram pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.

5 – Assim, não se mostrando verificado o pressuposto material/substancial previsto no artigo 61 º n ºs 2 al. a) e 3 do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.

6 – Pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao não conceder a liberdade condicional ao recorrente, sendo certo que na decisão recorrida foi feita uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.»

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância de recurso, na vista a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (CPP), pronunciou-se no sentido de dever manter-se a decisão recorrida, nos exatos termos em que foi proferida, não devendo o recurso interposto obter provimento.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A. A decisão recorrida tem o seguinte teor:

«I - Relatório

O presente processo de concessão de liberdade condicional reporta-se a AA (melhor identificado nos autos), a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de ….

Para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional, agora aos 2/3 da pena que cumpre, os autos foram instruídos com os relatórios previstos no art.º 173 do Código de Execução das Penas.

O Conselho Técnico reuniu, emitindo o respectivo parecer, e foi ouvido o recluso. Também o MºPº emitiu o parecer que antecede.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A – OS FACTOS

Julgo provados os seguintes factos, com relevância para a causa:

1 - Por decisão proferida no Proc. 1029/17.5… da Secção Criminal (Juiz …) da Instância Local de …, o recluso foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica e um crime de detenção de arma proibida, na pena de 3 (três) anos e 5 (cinco) meses) de prisão, acrescida da pena acessória de proibição de contacto com a vítima por igual tempo (a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância), e da obrigação de frequência de programa específico para prevenção da violência doméstica;

2 – Cumpriu metade desta pena em 14/6/2022, os 2/3 em 9/1/2023, prevendo-se o termo para 20/2/2024;

3 - O recluso regista anteriores condenações pela prática dos crimes de injúria, incumprimento de deveres de serviço, uso e porte de arma sob o efeito do álcool, difamação agravada, injúria agravada e condução de veículo em estado de embriaguez, sendo a primeira vez que cumpre pena efectiva de prisão;

4 – E declarou aceitar a liberdade condicional;

5 – O Conselho Técnico emitiu, por maioria dos seus membros, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional;

6 – Também o MºPº é desfavorável a tal;

7 – O recluso foi colocado em regime aberto em 21/10/2020 e usufruiu do gozo de uma licença de saída jurisdicional em Maio de 2021;

8 – Não regista punições disciplinares;

9 – Em 26/5/2021 beneficiou de licença de saída administrativa extraordinária, que veio a ser revogada em 3/12/2021, após notícia de incumprimentos. Foi ainda aberto procedimento criminal por factos alegadamente ocorridos durante a licença de saída administrativa extraordinária, ainda pendente de decisão;

10 – Tem diagnóstico de perturbação depressiva recorrente, associada a problemática de alcoolismo (que não reconhece) sendo que, por sua iniciativa, deixou de tomar a medicação prescrita para a referida perturbação;

11 - Em liberdade pretende viver sozinho, e realizar trabalhos agrícolas por conta de familiares. Está reformado desde 2018 e conta agora com o apoio dos filhos, registando-se recente reaproximação por parte destes familiares;

12 - O recluso participou em acção (diária) de formação sob o tema “Gestão Emocional”, para prevenção da violência doméstica. Mas não assume os factos que concretamente se lhe imputam (reportando-se a uma realidade diferente daquela que se provou no processo da condenação), procurando aligeirar o seu comportamento e antes atribuir responsabilidade à vítima. Sobre os seus antecedentes, apenas se recorda de ter sido antes condenado pela prática de um crime de injúria. Não se reporta aos danos que prolongadamente foi provocando na vítima.

B – CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa:

a) Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena;

b) Certificado do Registo Criminal do recluso;

c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso;

d) Relatório dos serviços de reinserção social;

e) Esclarecimentos obtidos em reunião do Conselho Técnico, realizado no dia 6/1/2023;

f) Declarações do recluso, ouvido no dia 6/1/2023.

C – O DIREITO

Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro, a liberdade condicional (doravante LC) tem como objectivo “…criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização”1.

Segundo o art.º 61 do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da LC:

1 - Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos;

2 - Que aceite ser libertado condicionalmente;

São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:

A) Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;

B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (este requisito não se mostra necessário para os casos de liberdade condicional aquando dos 2/3 da Pena, conforme resulta expressamente do disposto no nº 3 do preceito em causa).

Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral2.

Assim, e considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-de revelar-se através dos seguintes aspectos:

1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estivera na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal – e da medida concreta da pena em cumprimento);

2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais);

3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente);

4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre).

De referir que esta evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza, nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial. Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.

*

No caso dos autos os pressupostos formais de que depende a concessão da liberdade condicional estão reunidos: o recluso já cumpriu os 2/3 da pena de prisão em execução, e aceita a sua libertação condicional.

Mas o mesmo ainda não sucede quanto aos requisitos substanciais da liberdade condicional. Pelo tempo de pena cumprida considera a lei já devidamente asseguradas as exigências de prevenção geral sentidas no caso.

É também certo que o recluso continua a, intramuros, apresentar uma postura regular. Mas apenas isso se destaca como positivo.

De facto, e sob a aparência de um acto de contrição que o recluso pretendeu fazer crer ao tribunal, a verdade é que o mesmo continua a não assumir a sua responsabilidade criminal conforme lhe é imputada (confronte-se, a propósito, o teor da decisão condenatória com as declarações por último prestadas pelo recluso), sendo muito reduzida a consciência crítica que realiza, persistindo a fraca empatia pela vítima, culpabilizando-a, e com referência vaga a eventuais prejuízos nela provocados.

Ainda que permaneça em regime aberto para o interior, após regresso a meio prisional por força da revogação da licença de saída administrativa extraordinária, ainda não voltou a usufruir de licença de saída jurisdicional.

A sua situação jurídica está por definir, com pendência de novo processo-crime, por factos alegadamente ocorridos durante o período de tempo em que permaneceu em licença de saída administrativa extraordinária.

Assim, forçosamente temos de concluir que até ao momento o recluso pouco mudou, não se registando alteração na sua postura e forma de pensar as coisas, designadamente no que respeita ao seu comportamento criminoso, mantendo-se o risco de recidiva.

III – DECISÃO

Pelo que, não concedo a liberdade condicional a AA.

*

Renovação da instância decorridos 12 meses sobre a presente data (isto é, 20/1/2024).

(…)»

B. Apreciação do mérito do recurso

B.1 O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e dos vícios referidos no artigo 410.º, § 2.º CPP. (2)

O recorrente coloca duas questões: a) Erro de julgamento em matéria de direito (verificação dos pressupostos formais e materiais da concessão da liberdade condicional);

b) Requer que lhe seja concedida a adaptação à liberdade condicional, nos termos previstos no artigo 188.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

B.2 Questão prévia

Com referência na motivação do recurso e depois, também, no passo final das suas conclusões o recorrente requer se decrete «a liberdade condicional nos termos previstos no artigo 186.º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, onde se prevê a possibilidade um período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na residência com fiscalização e meios técnicos de controlo à distância e, com a anuência do Recorrente/Recluso, ajuda médica (psicológica ou psiquiátrica), regular, com regime de prova, que seguramente será necessária para a sua restruturação emocional.»

Numa breve nota importará referir que a concessão de adaptação à liberdade condicional, prevista no artigo 188.º CEPMPL (e não no artigo 186.º conforme por lapso refere o recorrente), não integra o âmbito do presente recurso. Este cinge-se à apreciação da liberdade condicional, talqualmente prevista no artigo 61.º CP, 4002.º e 403.º CPP), sendo esse o objeto exclusivo da decisão recorrida. Já aqueloutro instituto de adaptação à liberdade condicional pode ser concedido, verificados os respetivos pressupostos, a partir de dois meses antes do período máximo previsto para esse efeito no artigo 62.º CP, um ano antes de o condenado perfazer metade, dois terços ou cinco sextos da pena, com um limite de cumprimento efetivo de 6 meses de prisão, seguindo a tramitação prevista no artigo 188.º CEPMPL e 174.º a 186.º deste último código. Devendo ser requerida pelo condenado ao tribunal competente, que é o Tribunal de Execução de Penas, conforme expressamente refere o § 1.º do artigo 188.º CEPMPL. Por tais razões não cabe a este Tribunal conhecer de tal requerimento «enxertado» no presente recurso

B.3 Erro de julgamento em matéria de direito

Considerando o recorrente, como igualmente considerou o tribunal recorrido, estarem reunidos os pressupostos formais exigidos para a liberdade condicional (atingido o marco dos dois terços da pena e dado o consentimento do condenado), entende aquele que a decisão recorrida assenta num juízo errado relativamente à prognose favorável exigida pela lei. Isto é, relativamente ao comportamento do recluso/recorrente, de que quando em liberdade, saberá (ou não) conduzir a sua vida sem cometer crimes, uma vez que a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de dois terços da pena de prisão, assenta essencialmente razões de prevenção especial (artigo 61.º, § 3.º CP).

Para tanto alega que contrariamente ao considerado pelo tribunal recorrido «há uma mudança efetiva de atitude/consciencialização clara por parte do recorrente», indicando que é isso mesmo que resulta das suas duas audições.

Sucede que essas declarações foram consideradas quer pelo Conselho Técnico (que deu parecer maioritariamente negativo à concessão da liberdade condicional), quer pelo Ministério Público (que se pronunciou também desfavoravelmente) quer pelo tribunal recorrido, pelas razões indicadas na decisão recorrida.

O recorrente naturalmente pretende dar de si próprio uma atitude positiva. Mas isso é insuficiente para contrariar a avaliação feita pelos técnicos acerca da sua preparação para a liberdade condicional, bem assim como para contrariar os dados objetivos que se descrevem na decisão recorrida.

Mostra-se também inconformado com o facto de lhe não ter sido concedida a liberdade condicional, que deveras anseia.

Vejamos, então, com referência aos pressupostos normativos e à factualidade provada, se as razões em que assentou o juízo negativo formulado pelo tribunal recorrido estão alinhadas com o preconizado na lei.

A liberdade condicional constitui um período de transição entre a prisão e a vida em liberdade, destinando-se a permitir que o recluso se possa reintegrar na comunidade, após um período de afastamento motivado pelo cumprimento de pena de prisão.

É o Código Penal que fixa os seus pressupostos formais e substanciais, os quais se encontram balizados no seu artigo 61.º, no qual se dispõe que:

«1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

(…)»

De acordo com a exegese que vem sendo feita dos normativos citados, a liberdade condicional constitui «uma modificação substancial da forma de execução da reação detentiva» (3), assumindo «não um caráter gracioso, mas a natureza de um incidente da execução da prisão dirigido à ressocialização dos condenados» (4), o que impõe que também o período de liberdade condicional seja computado na pena a cumprir. A liberdade condicional (última fase de execução da pena) visa promover a «ressocialização social dos delinquentes condenados a penas de prisão de média ou de longa duração através da sua libertação antecipada — uma vez cumprida, naturalmente, uma parte substancial daquelas — e, deste modo, de uma sua gradual preparação para o reingresso na vida livre». (5) São dela pressupostos formais, no marco ora relevante: o cumprimento de dois terços da pena de prisão não inferior a seis meses; e o consentimento do recluso (§ 1.º e corpo § 2.º e 3.º do artigo 61.º CP).

Sendo seu pressuposto substancial o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, que saberá conduzir a sua vida em liberdade, sem cometer crimes (al. a) do § 2.º, ex vi § 3.º do artigo 61.º CP).

A liberdade condicional facultativa (ope judicis) e a liberdade condicional necessária (ope legis) constituem incidentes na execução da pena de prisão, só podendo ser decretada com o consentimento do recluso (artigo 61.º, § 1.º do CP e 176.º, § 1.º do CEPMPL); e a sua duração não pode ultrapassar o tempo que ainda falta cumprir, nem ser superior a cinco anos (artigo 61.º, § 5.º CP), em alinhamento com a finalidade preventivo-especial de reintegração do agente do crime na sociedade (artigo 40.º CP). No caso presente é indiscutida a verificação dos pressupostos formais. Assentando o único requisito substancial em razões concernentes à prevenção especial (i.e. relativas à socialização do recluso), ficando a concessão da liberdade condicional dependente de juízo favorável sobre o seu comportamento uma vez restituído à liberdade.

Para substrato de tal juízo relevam todas as circunstâncias que caracterizam o cidadão recluso em concreto, sendo através delas que se há de fundar a prognose sobre a preparação para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável em liberdade, sem cometer novos crimes. O juízo positivo assenta, como refere Jorge de Figueiredo Dias (6), na «capacidade objetiva de readaptação» por forma a que aquelas expectativas sejam superiores ao risco de reincidência. Mais se apontando como decisivo para tal juízo «que o condenado tenha revelado “vontade séria” de se readaptar à vida social: mais que da “vontade» subjetiva”, tudo deve, em definitivo, ser função da “capacidade” (objetiva) de readaptação.»

Recordemos, então, o essencial do acervo factológico assente, para aquilatar se dele se extrai, com referência ao recorrente, essa capacidade objetiva de readaptação:

- Foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica e um crime de detenção de arma proibida, na pena de 3 anos e 5 meses de prisão, acrescida da pena acessória de proibição de contacto com a vítima por igual tempo (a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância), e da obrigação de frequência de programa específico para prevenção da violência doméstica;

– Cumpriu metade dessa pena em 14/6/2022, atingiu os 2/3 em 9/1/2023, prevendo-se o seu termo para 20/2/2024;

- Regista anteriores condenações pela prática dos crimes de injúria, incumprimento de deveres de serviço, uso e porte de arma sob o efeito do álcool, difamação agravada, injúria agravada e condução de veículo em estado de embriaguez;

- Mas só a última condenação determinou o cumprimento de pena de prisão efetiva;

- O Conselho Técnico emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (por maioria dos seus membros), pronunciando-se também o Ministério Público desfavoravelmente (com as razões que no essencial reproduz na resposta ao recurso);

- O recorrente foi colocado em regime aberto em 21/10/2020, usufruindo do gozo de uma licença de saída jurisdicional em maio de 2021;

– Não regista punições disciplinares;

– Beneficiou de licença de saída administrativa extraordinária, em 26/5/2021, que veio a ser revogada em 3/12/2021, após notícia de incumprimentos.

- Foi ainda aberto procedimento criminal por factos alegadamente ocorridos durante a licença de saída administrativa extraordinária (ainda pendente de decisão);

– Sofre de perturbação depressiva recorrente, associada a problemática de alcoolismo (problemática esta que não reconhece). Por sua iniciativa, deixou de tomar a medicação prescrita para a referida perturbação;

- Em liberdade pretende viver sozinho, e realizar trabalhos agrícolas por conta de familiares.

- Está reformado desde 2018 e conta agora com o apoio dos filhos, registando-se recente reaproximação por parte destes familiares;

- Participou em ação de formação de «Gestão Emocional», para prevenção da violência doméstica. Mas não assume os factos ilícitos que praticou.

- Aceita a liberdade condicional.

Pois bem.

A decisão recorrida sintetiza bem o quadro referencial: «considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objetivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efetivamente alcançado há de revelar-se através dos seguintes aspetos:

1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estivera na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal – e da medida concreta da pena em cumprimento);

2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais);

3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente);

4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre).

De referir que esta evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza, nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial. Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer ativamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.»

Ora, no marco dos dois terços da pena, que é o presente, a lei assinala (preocupa-se apenas com) as exigências de prevenção especial. E para estas concorrendo, mais que a vontade subjetiva do condenado, a capacidade de readaptação deste, vista sob parâmetros objetivos e objetiváveis, de modo a poder sustentar positivamente as expectativas de reinserção, evidenciando que estas são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição do condenado à liberdade.

Não sendo também irrelevante a postura interior do recluso para a aferição desse juízo prognóstico. Daí que a falta de assunção dos erros de percurso cometidos, incluindo o não reconhecimento da problemática associada ao alcoolismo, que como se sabe é catalisadora de comportamentos disruptivos, também não ajude.

Há, contudo, dois pontos positivos a ressalvar:

- quando sair em liberdade contará com o apoio dos filhos, registando-se recente reaproximação por parte destes familiares;

- e participou em ação de formação de «Gestão Emocional», para prevenção da violência doméstica, o que decerto não deixará de influir na sua consciência na sua vida futura.

Mas estes pontos não se mostram suficientes para arredar o quadro de impreparação, inarredavelmente persistente, para viver em liberdade cumprindo regras.

Em suma: em termos globais as circunstâncias da reclusão do recorrente e a sua atitude objetivável, não sustentam ainda a confiança de que depende o juízo positivo relativamente à sua preparação para uma vida socialmente responsável, em liberdade, sem cometer crimes. Donde, a recusa em conceder a liberdade condicional se configura como a conclusão lógica das referidas premissas, as quais se mostram bem aferidas.

E, por assim ser, nada se deverá censurar à decisão recorrida.

III - Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

b) Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 2 UC’s.

c) Sem prejuízo de os autos aguardarem o trânsito, remeta-se já cópia do presente acórdão ao Tribunal recorrido.

Évora, 18 de abril de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Em decorrência do disposto no artigo 412.º, § 1.º do CPP, conforme decidido no Acórdão Unif. da Jurisp. n.º 7/95, de 19out1995 (Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1.ª Série A). De

3 Sandra Oliveira e Silva, A liberdade condicional no direito português: breves notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano I, 2004, pp. 365.

4 Sandra Oliveira e Silva, A liberdade condicional no direito português: breves notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano I, 2004, pp. 399.

5 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências jurídicas do crime, Lisboa, Aequitas, Ed. Notícias, 1993, pp. 541, § 853.

6 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 539.