Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
72/19.4GEPTM.E1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
JULGAMENTO
CÓPIA DA GRAVAÇÃO
PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - A cópia da gravação a que alude o nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal não é a cópia da gravação do julgamento, mas apenas e só, cópia da gravação da sentença proferida oralmente, visando a lei assegurar por esta via, a sua rápida disponibilização aos intervenientes processuais.

II – Quando a sentença for elaborada por escrito, por ter sido aplicada pena privativa da liberdade, não existe obrigação de facultar aos sujeitos processuais cópia da gravação da mesma.

III - Face à gravidade dos factos praticados pelo arguido, à circunstância de ter já sido anteriormente condenado oito vezes, quatro das quais pelo mesmo tipo de crime por que foi condenado nos presentes autos, e à circunstância de nada se ter apurado indiciador de o arguido projetar vir a assumir perante si mesmo e os outros uma maior responsabilidade, não deve ser aplicada pena não privativa da liberdade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Portimão, Juiz 1, no âmbito dos autos com o NUIPC nº72/19.4GEPTM, foi o arguido HH submetido a julgamento em Processo Sumário.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, por sentença de 6 de setembro de 2019, o Tribunal decidiu julgar a acusação provada e procedente e, em consequência:

1) Condenar o arguido HH, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03-01, na pena de 7 (sete) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

2) Durante a execução da pena, autorizar o arguido a ausentar-se da sua residência, para o exercício da sua actividade profissional, até 31.10.2019, de segunda a sábado, com saída às 16h30m e regresso à 01h30m, em Carvoeiro, mediante transporte assegurado por terceiro, devendo o arguido fazer-se acompanhar de telemóvel, cujo contacto indicará previamente à DGRS, mantendo-se contactável e respondendo às chamadas efectuadas pela equipa de monitorização para efeitos de controlo.
*
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. Em sumula, o recorrente foi condenado numa pena de 7 (sete) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, decorrente da prática de um crime de condução sem habilitação legal p.e p. pelo artigo 3º nº 1 e 2 do Decreto-Lei 2/98 de 3 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 44/2005 de 23 de Fevereiro.

2. Os presentes autos, padecem de uma irregularidade processual e procedimental que, em última instância, interfere com os direitos processuais do recorrente, mormente o direito ao recurso.

3. Mesmo atendendo a que a sentença foi proferida por escrito, por condenar numa pena privativa da liberdade o recorrente, tal não desonera o Tribunal a quo de entregar ao recorrente, após a diligência processual de leitura da decisão, no prazo máximo de 48 horas, a gravação. Tal não sucedeu.

4. Motivando precisamente a interposição do presente recurso.

5. A inexistência de consequências gravosas, da conduta do recorrente, como seja a inexistência de qualquer acidente de viação, o curtíssimo percurso percorrido (3/4 metros), a anterior detenção de titulo de condução, a perfeita inserção social e profissional do recorrente, a imediata venda do automóvel após a ocorrência dos factos, bem assim como a inscrição e frequência de uma escola de condução, não foi quanto a nós, devidamente ponderado e valorado.

6. A opção do Tribunal a quo pela última ratio em termos da escolha da pena, ou seja, a opção por uma pena privativa da liberdade,

7. Desconsiderando todas as restantes alternativas processualmente consagradas, como seja, a opção por uma pena de multa (ainda que nos seus limites máximos), ou,

8. Ainda que se optasse por uma pena de prisão, decidir suspendê-la na sua execução,

9. Sujeitando o recorrente a um regime de prova, com a imposição de deveres e regras de conduta, ou ainda

10. A substituição da pena de prisão por uma pena de multa, são inúmeras as possibilidades legais pelas quais o Tribunal a quo poderia, e em nosso entender, deveria ter optado, ao invés de privar da liberdade o recorrente.

11. S.m.o., de muito pouco, ou mesmo nada, relevou o arrependimento sincero e honesto demonstrado pelo recorrente em sede de audiência de discussão e julgamento, servindo tal, como atenuante da sua pena.

12. Por fim, peca o Douto Tribunal ao considerar de intensidade elevada, quer o dolo, quer as necessidades de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir, se atendermos que o arguido conduziu ¾ metros, sem qualquer consequência para terceiro.

13. Condenar uma pessoa numa pena efectiva de prisão (ainda que na sua habitação), quando está prestes a ser pai de gémeos, quando está a trabalhar com excelentes perspectivas de continuidade, graças ao seu esforço e empenho, é (defendemos nós) exagerado, e ultrapassar os limites da culpa.

14.É infligir sacrifícios ao recorrente que superam, em larga escala, os efeitos da sua actuação.

15. Mesmo não podendo olvidar o peso dos seus antecedentes criminais, cremos piamente que, a simples ameaça de uma efectiva pena de prisão, teria um efeito muito mais pacificador e ressocializador, do que a dura sanção de reclusão. Contrariam-se assim todos os efeitos positivos e ressocializadores que subjazem ao espírito da Lei.

16. Ao decidir nos moldes que o fez, a Douta sentença condenatória, não fez uma análise cuidada dos factos em causa, julgando-os em contradição, e, não atendendo às circunstâncias atenuantes que depõem a favor do recorrente, infringiu o princípio do “in dúbio pro reo”.

17.Termos em que deverá a Douta sentença do Tribunal a quo ser parcialmente revogada, e substituída por outra, que, atendendo a tudo quanto supra se disse, opte pela aplicação ao recorrente de uma pena de multa, ou

18. No limite, à aplicação de uma pena de prisão, substituída por multa, ou, pena de prisão suspensa na sua execução, com sujeição a deveres e regras de conduta, e/ou regime de prova.

19. Mais deverá a pena em que foi condenado, ser revista no seu quantitativo, reduzindo-se a mesma ao seu mínimo legalmente previsto, não olvidando para o efeito, a especial atenuação que deveria ter sido tida em devida conta, e não o foi.

20. Na fundamentação da Douta sentença proferida, foram violadas as normas jurídicas constantes dos artigos 389-A nº 4, 391º nº 2 ambos do Código Penal, e, artigos 43º a 47º, 50º a 53º e, 70º a 73º do 72º e 73º do Código Penal.

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exªs, deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, ser a pena aplicada ao recorrente de multa ao invés de uma pena privativa da sua liberdade.

Alternativamente, a optar por uma pena de prisão, decidir-se pela não efectivação da mesma, seja por via da suspensão da sua execução, pela sua substituição por pena de multa, pela sujeição a regime de prova e/ou aplicação de deveres e regras de conduta.

Caso ainda assim não se entenda, ser revisto para o seu limite mínimo o quantum da pena de prisão a aplicar.
Assim fazendo, V.Exªs a acostumada e devida JUSTIÇA!
*
Por despacho de 24 de outubro de 2019, o recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.
*
O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pela respetiva improcedência e formulando as seguintes conclusões:

1-O arguido HH foi julgado e condenado neste Tribunal pela prática de crime de condução sem habilitação legal na pena de 7 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, a fiscalizar por meios de controlo à distância.

2-Recorre o arguido por discordar da aplicação da pena privativa de liberdade, apresentando motivação de oposição quanto à aplicação da pena privativa, ao seu quantum.

3-Diz o arguido que o Tribunal violou o disposto nos artigos 43º a 47º, 50º a 53º, 70º a 73º todos do Código Penal e 389º A. 391º, nº2 do CPP.

4-Para tanto alega que deveria o Tribunal ter atendido ao facto de a conduta do arguido não ter tido consequências graves; de na altura em que praticou os factos apenas ter pretendido estacionar o veículo noutro local e de já estar inscrito em Escola de condução.

5-Considera, também, o recorrente que o tribunal, estando obrigado a aplicar o disposto no artigo 50º do Código Penal, não o fez, violando tal normativo.

6-Pede, em conformidade, que lhe seja aplicada pena de multa ou, caso assim não se entenda, lhe seja suspensa a execução da pena de prisão.

7-Alega o recorrente que deveria o Tribunal, em obediência ao disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal e tendo em conta o factualismo assente, ter aplicado pena não privativa da liberdade.

8- Para escolher a pena a aplicar o Tribunal valorou os seguintes aspectos:

-grau mediano da ilicitude;
-dolo de intensidade significativa;
-os antecedentes criminais do arguido, nomeadamente pela prática do mesmo ilícito, pelos quais foi condenado, insensível às solenes advertências feitas por magistrados judiciais.
- a admissão dos factos pelo arguido;
- já ter vendido a viatura automóvel
- já estar inscrito em escola de condução.

9-Face a tais circunstâncias, entendeu a Mma. Juiz serem elevadas as exigências de prevenção geral – no sentido de fazer crer à comunidade que se mantém a validade das normas que o arguido sucessivamente violou e especial.

10-Em consequência optou – e bem, em nosso entender – pela aplicação da pena de prisão;

11-Para determinação da medida da pena foram devidamente ponderadas todas as circunstâncias atendíveis – a personalidade do arguido, a ilicitude mediana, o dolo do arguido

12-Atendendo aos factos dados como assentes e, ainda, às condenações e penas sofridas anteriormente, o Tribunal entendeu não ser de aplicar o disposto artigo 50º do Código Penal.

13-A respectiva aplicação cinge-se aos casos em que o Tribunal conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
14-Assim não aconteceu, nem poderia ter acontecido.

15-Certamente porque antes do presente julgamento já o arguido havia sido condenado em várias penas, nomeadamente suspensa na execução, pena de prisão substituída por multa, que não afastaram o arguido da prática de crimes;

16-Retirar aquela conclusão e suspender a execução da pena, seria esvaziar de conteúdo o próprio preceito;

17- Na sentença recorrida, o arguido foi condenado em pena de prisão a cumprir em regime de Permanência na habitação. Como é sabido, a prisão a cumprir em RPH é uma pena detentiva, pois o seu cumprimento é feito na habitação e portanto, com privação da liberdade do condenado.

18-Ora, estando em causa a aplicação de pena privativa da liberdade, a Mma. Juíza a quo, dando pleno cumprimento ao disposto no nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal, elaborou a sentença por escrito. E pela mesma razão, não foi, nem tinha que ser entregue cópia gravada da mesma ao recorrente.

19-Salvo o devido respeito, não padece a sentença recorrida da apontada irregularidade.

Por tudo, entendemos que não deve ser provido o recurso, posto que a sentença proferida fez uma correcta aplicação de todas as disposições legais, tendo o arguido sido condenado em medida justa e adequada.

V. Exas, farão, como sempre, a devida Justiça.
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No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP não foi apresentada resposta ao Parecer.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.
Cumpre decidir
-
Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal “ad quem” apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.

No caso sub judice o recorrente limita o recurso às seguintes questões:
- irregularidade por não entrega de cópia gravada da sentença;
- violação do princípio in dúbio pro reo;
- espécie da pena;
- medida da pena;
- suspensão da execução da pena.
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Da Decisão recorrida – Factos e motivação (transcrição)
“FUNDAMENTAÇÃO:

A ) Da matéria de facto
Com relevância para a boa decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS
1. No dia 27 de Maio de 2019, pelas 23h15m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula -RR, na Estrada do Farol, em Carvoeiro, Lagoa.

2.O arguido não possuía habilitação legal que lhe permitisse conduzir aquele tipo de veículo, uma vez que a sua carta de condução, emitida em 11.01.2012, havia sido anteriormente cancelada, por ter incorrido em infracção estradal durante o período probatório.

3. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.

4. Sabia que não tinha carta de condução válida e que só se a tivesse poderia conduzir o referido veículo na via pública.

5. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

6. O arguido está a trabalhar como barman, auferindo cerca de 800 euros mensais, tendo contrato até 31.10.2019; antes disso trabalhou na construção civil, ajudando o seu pai, na actividade de pedreiro, em pequenas empreitadas, auferindo cerca de 700 euros mensais; vive com os seus pais em casa destes; tem um filho menor, com 9 anos de idade, para cujo sustento contribui com 125 euros mensais; tem o 12.º ano de escolaridade.

7. O arguido, após os factos, vendeu a viatura a terceiro e inscreveu-se em escola de condução.

8. O arguido e os seus pais, com quem aquele reside, consentiram na utilização de meios de vigilância electrónica para fiscalização da permanência na habitação.

9. O arguido já foi condenado:
a) Por sentença proferida em 08.03.2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de condução perigosa e um crime de furto qualificado, na pena principal única de 600 dias de multa, à taxa diária de 8 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses (por factos praticados em 10.03.2009 e 23.02.2009); penas, essas, já declaradas extintas pelo cumprimento;

b) Por sentença proferida em 07.03.2012, pela prática de quatro crimes de falsificação de documento e de um crime de burla na forma tentada, na pena única de 700 dias de multa, à taxa diária de 5 euros (por factos praticados em 26.02.2009); pena, essa, já declarada extinta pelo cumprimento;

c) Por sentença proferida em 07.11.2013, pela prática de um crime de violência doméstica, na pena principal de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 18 meses (por factos praticados em 19.02.2012);

d) Por sentença proferida em 13.10.2015, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,50 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses e 15 dias (por factos praticados em 08.09.2014); penas, essas, já declaradas extintas pelo cumprimento;

e) Por sentença proferida em 30.03.2017, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal única de 170 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses (por factos praticados em 28.07.2016); penas, essas, já declaradas extintas pelo cumprimento;

f) Por sentença proferida em 12.03.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de violação de proibições, na pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, acompanhada de regime de prova (por factos praticados em 03.08.2017);

g) Por sentença proferida em 05.04.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 7 euros (por factos praticados em 10.03.2018);

h) Por sentença proferida em 30.04.2018, pela prática de um crime de apropriação ilegítima, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,50 euros (por factos praticados em 06.02.2017); pena, essa, já declarada extinta pelo cumprimento.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem.
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B) Da convicção do Tribunal:
Sendo certo que, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova, nos termos do art.º 127.º do CPP, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador, foram os seguintes os meios de prova nos quais o Tribunal fundou a sua convicção quanto à factualidade apurada:

1. Declarações do arguido: que admitiu os factos, explicando que se limitou a conduzir a viatura dos autos num curto percurso, para estacionar a mesma noutro local, altura em que foi fiscalizado. Esclareceu ainda ter já vendido a viatura em causa. Valoraram-se ainda as suas declarações a respeito da sua situação pessoal, por coerentes, as quais foram complementadas pelo relatório elaborado pela DGRS junto aos autos.

2. Depoimento da testemunha VC: Guarda da GNR, o qual procedeu à fiscalização do arguido, a quem viu conduzir a viatura em causa nas circunstâncias dos autos, confirmando o teor do auto de notícia por si elaborado. A testemunha depôs de modo coerente e sem suscitar reservas a respeito da sua isenção, tendo merecido credibilidade para o apuramento dos factos.

3. Prova Documental: Informação prestada pelo IMT de fls 7; cópia da carta de condução extraída da base de dados do IMTT de fls 8; resultado de pesquisa de condutores de fls 44; CRC do arguido.

4. Relatório social elaborado pela DGRS, de fls 75 a 80.
Os factos dados como provados resultam da conjugação de todos os meios de prova produzidos, ponderados ainda à luz das regras de experiência e da normalidade do suceder, que os confirmam.

Mais decorre da factualidade directamente apurada que, quem assim age, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, o faz de modo livre, deliberado e com consciência dos seus actos, não podendo, sem censura, desconhecer que tal actuação é proibida e penalmente punida.”
*
Apreciando
- Da alegada irregularidade por não entrega da gravação da sentença
No que concerne a este particular escreveu o Digno Magistrado do Ministério Público na resposta ao recurso interposto: “ – Da não entrega da gravação da prova:

Alega o recorrente que, não lhe foi entregue cópia da gravação do julgamento, sem que dela tenha prescindido pelo que terá ocorrido pelo menos, uma irregularidade processual, nos termos do nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal.

Parece-nos que não assiste razão ao arguido.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto ao CP, o regime da sentença em processo sumário sofreu profundas alterações traduzidas, quer na sua sujeição ao domínio da oralidade, com excepção do dispositivo, quer na simplificação dos seus termos, agora com a dispensa do relatório e com a indicação sumária dos factos provados e não provados que pode até ser feita por remissão para a acusação (cfr. art. 389º-A, nº 1, a), do C. Processo Penal).

Estabelece o art. 389º-A, nº 3, do C. Processo Penal que, a sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º. E na sua decorrência, dispõe o nº 4 do mesmo artigo que, é sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º.

A excepção à regra da oralidade da sentença está prevista no nº 5 do mesmo artigo, segundo o qual, quando seja aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.

A cópia da gravação a que alude o nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal não é, como parece entender o recorrente, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, cópia da gravação do julgamento, mas apenas e só, cópia da gravação da sentença proferida oralmente, visando a lei assegurar por esta via, a sua rápida disponibilização aos intervenientes processuais (cfr. Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 1214, Simas Santos, Leal Henriques e Simas Santos, Noções de Processo Penal, 2010, Rei dos Livros, pág. 451 e Helena Leitão, O Processo Sumário à Luz das Últimas Alterações Introduzidas pela Lei nº 26/2010, Centro de Estudos Judiciários, As Alterações de 2010 ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 395).

Na sentença recorrida, o arguido foi condenado em pena de prisão de 7 meses a cumprir em regime de Permanência na habitação. Como é sabido, a prisão a cumprir em RPH é uma pena de substituição detentiva, pois o seu cumprimento é feito na habitação e portanto, com privação da liberdade do condenado.

Ora, estando em causa a aplicação de pena privativa da liberdade, a Mma. Juíza a quo, dando pleno cumprimento ao disposto no nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal, elaborou a sentença por escrito.

E pela mesma razão, não foi, nem tinha que ser entregue cópia gravada da mesma ao recorrente.

Salvo o devido respeito, não padece a sentença recorrida da apontada irregularidade.”

E, perfilhando tal entendimento, concluímos não assistir razão ao recorrente neste particular.
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- Da invocada violação do princípio in dubio pro reo
A convicção do tribunal é formada antes de mais com base na conjugação e articulação crítica dos dados objetivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada.

Por outro lado a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.

Toda a decisão judicial constitui - precisamente - a superação não só da dúvida metódica, como da “dúvida razoável” sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do acusado. Daí a submissão a um rígido controlo formal e material do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.

O princípio in dubio pro reo situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que “o fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Livre convicção e dúvida razoável limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação em conformidade com o critério do art. 127º do CPP. Sujeito ainda à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objetividade, racionalidade e razoabilidade dessa apreciação. Significando que “em caso de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. 1974, p. de 215).

A violação do princípio em causa pressupõe um estado de dúvida, no julgador e só neste, só podendo - e devendo - ser afirmado quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

“ A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência” (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.III, pág.84).

É de reconhecer a violação deste princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido; isto é, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível.

Como refere Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra, 1997, o in dúbio pro reo ”parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador”.

Ora, o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos.

Com efeito, pela conferência do texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o julgador tenha tido dúvidas sobre a verificação dos factos que considerou assentes. Ao invés, a motivação da decisão de facto é bem esclarecedora quer quanto aos meios de prova que sustentaram a convicção formada, quer quanto ao percurso lógico seguido na sua formação, nenhuma falha ou incorreção se detetando no exame crítico da prova. De facto, aí vêm explicados, de forma inteiramente congruente e plausível, os meios de prova a que conferiu credibilidade e as razões por que a conferiu, não se extraindo minimamente da fundamentação da decisão recorrida que o julgador tenha tido dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes.

Não se vislumbra, pois, qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
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- Da espécie da pena
O recorrente dirige a sua discordância para a espécie da pena aplicada.
O arguido mostra-se condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03-01, na pena de 7 (sete) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Ora, dispõe o artigo 3.º do D.L. nº2/98, de 03/01:
1- Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada, é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2- Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.”

Prevê assim este artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. nº2/98, de 03/01, a aplicação ao agente, em alternativa, de pena privativa e pena não privativa de liberdade.

Deste modo, importa optar por uma delas, de acordo com o princípio orientador expresso no art.70º do C.P., que impõe a preferência pelas penas não detentivas, desde que se mostrem suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição nos termos do art.40º, nº1, do C.P., que tem em vista a "proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".

Quando existem penas alternativas ou de substituição, a escolha pela pena de prisão ou pela pena de multa é algo que não tem diretamente a ver com o grau de culpa, mas com as finalidades da punição. "Quer dizer, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial"- Maia Gonçalves, em anotação ao art.70º do C.P.

A primeira questão a resolver, perante a alternativa proposta pelo preceito punitivo, é, pois, a da escolha da pena, aplicando-se os critérios definidos no artº 70º do C. Penal.

Assim, se ao crime forem aplicáveis pena privativa ou pena não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência fundamentada à segunda sempre ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.

Significa, pois, que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, que justificam e impõem a pena não detentiva.

Com efeito, com a referência feita às exigências de reprovação quis-se apenas individualizar o limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico, isto é, chamou-se a atenção para que uma pena alternativa não poderá ser aplicada, se com ela sofrer inapelavelmente, o sentimento de reprovação social do crime.

Prevalência decisiva não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem, sobretudo elas que justificam, na perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

Assim, o Tribunal só deixará de aplicar uma pena não detentiva quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou mais conveniente, o que só raramente sucede, atento o carácter criminógeno da prisão, em especial, da pena de prisão de curta duração.

A prevenção geral constitui, por seu lado, um limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Deste modo, desde que imposta ou aconselhada à luz de exigências de socialização, a pena não detentiva só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam irremediavelmente postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, isto é, a defesa do ordenamento jurídico.

Em suma, a escolha da pena terá assim de ser perspetivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objetivos estipulados no artigo 40º do Código Penal.

Assim, como referido na sentença recorrida, há a considerar:
“Quando ao crime sejam aplicáveis, alternativamente, uma medida privativa e uma medida não privativa da liberdade (tal como sucede com a multa), o Tribunal dará preferência à segunda sempre que esta proteja adequadamente os bens jurídicos e permita a reintegração do agente na sociedade (cfr. art.º 70.º do Código Penal).

No caso dos autos, o arguido regista já várias condenações anteriores, pela prática de um total de 13 crimes, na sua maioria de natureza estradal, tendo sofrido já 4 condenações anteriores pela prática do crime de condução sem habilitação legal, sem que a censura contida nas condenações anteriores, nem a progressiva severidade das penas aplicadas o tivessem demovido de incorrer em novo crime de condução sem habilitação legal.

Sendo, assim, elevadas as razões de prevenção geral, são igualmente elevadas as exigências de prevenção especial, dado que o arguido, apesar das sucessivas advertências a que tem sido sujeito, revela indiferença às consequências penais a que se sujeita. Por conseguinte, nunca a aplicação de uma pena de multa realizaria, de modo adequado ou suficiente, as finalidades punitivas que o caso reclama, razão pela qual se impõe a aplicação de uma pena de prisão, como se decide fazer.”

Ora, um dos vetores da escolha da espécie da pena é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na proteção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).

Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com].

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a aplicação de pena detentiva para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.

Assim, considerando a atuação do arguido, com dolo direto, a culpa, elevada atenta a intensidade do dolo revelada, bem como a ilicitude dos factos, que assume grau elevado, face aos bens jurídicos protegidos e à sua posição na hierarquia axiológico-normativa da tutela penal, tudo ponderado, não é possível neste caso fazer um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do arguido no sentido de que a aplicação de uma pena não detentiva, designadamente pena de multa, como o mesmo propugna, satisfaria as finalidades da punição.

Deste modo, ponderando os factos na sua globalidade e considerando o tipo de criminalidade a que nos atemos, entendemos que as expectativas comunitárias não serão plenamente reafirmadas através da aplicação de pena de multa, havendo especiais necessidades de ressocialização a atender, pelo que a opção pela pena não detentiva não surgiria como capaz de se justificar do ponto de vista das exigências de prevenção geral e especial, o que impede a aplicação ao arguido de pena não privativa de liberdade.
*
- Da medida da pena
Alega o arguido, em síntese, que as pena aplicada é claramente exagerada, perante os factos dados como provados.

Ora, o arguido mostra-se condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03-01, na pena de 7 (sete) meses de prisão.

Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993 § 454, «a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da (s) circunstâncias (s) se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa ser razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. Por isso tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue- quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os «casos normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios».

A conduta do arguido é grave, reveladora de um desrespeito pelo bem jurídico protegido neste tipo de ilícito criminal, até pelas circunstâncias em que ocorreu a sua conduta depois de ter sido já várias vezes condenado pela prática do mesmo tipo de crime, e de um elevado grau de indiferença manifestado pelo mesmo relativamente aos valores comunitários em causa, que permite concluir que o mesmo não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta, não impondo uma alteração da medida concreta da pena.

Assim, atendendo às necessidades de prevenção geral, as mesmas situam-se já num grau médio/elevado, na medida em que esta conduta perturba os princípios fundamentais de vivência em sociedade causando insegurança na comunidade.

E, no que diz respeito à prevenção especial, a qual temos por média/alta, teremos que atender ao modo como o crime ora em apreço foi perpetrado e à intensidade do dolo - que foi sempre direto - que presidiu à sua resolução.

A favor do arguido apenas se apurou o mostrar-se laboral e familiarmente inserido.

Assim, considerando todas as circunstâncias, ponderando em conjunto todos os factos e a personalidade do arguido recorrente e atenta a moldura do crime, não pode considerar-se desajustada, excessiva ou desproporcionada a pena em que o arguido foi condenado, não merecendo reservas a elencagem de fatores de medida da pena a que procedeu a decisão recorrida.

O tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, sendo avaliada a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, nada havendo a acrescentar relativamente aos argumentos já aduzidos na fundamentação utilizada para a determinação da medida da pena por que foi condenado que justifique a respetiva alteração, pois que a mesma se mostra criteriosa, adequada e proporcional.

Termos em que o recurso improcede também neste particular.
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- Da suspensão da execução da pena

Dispõe o art.50º do Código Penal:
" 1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”

Tendo em conta a fixação da pena aplicada ao arguido em um ano e oito meses de prisão impõe-se que se fundamente especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (art.50º, nº1, do C.P.), "nomeadamente no que toca ao carácter favorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico..." (Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, 1993, pág.345).

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que ora se pondera, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

“A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer "correção", "melhora" ou - ainda menos - "metanoia" das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zift, uma questão de "legalidade" e não de "moralidade" que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o "conteúdo mínimo" da ideia de socialização, traduzida na "prevenção da reincidência" - Figueiredo Dias, idem, págs.343 e 344.

"Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime"....

Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise - ibidem, pág.344).

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer "certeza", mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida.

O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. (ibidem, págs.344 e 345).

No referido juízo de prognose há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.

Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 279/06.4GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt., «Só há lugar à suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do C. Penal (1995), se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.”

A jurisprudência tem assim vindo a acentuar que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [Ac. do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07), in, respetivamente, http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)].

Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.

Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).

Porém, outros dos seus vetores é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na proteção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).

Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com].

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito.

Por outro lado e muito embora o regime de suspensão da pena de prisão não seja graduado e condicionado materialmente em função do respetivo número de anos, não poderemos deixar de atender que o alargamento de 3 para 5 anos de prisão do pressuposto formal que possibilita essa suspensão, faz realçar, nesse excedente, a necessidade de uma ponderação mais criteriosa dos pressupostos materiais que regulam a sua aplicação, mormente quanto às circunstâncias em que ocorreram a conduta criminosa e a proteção adequada dos bens jurídicos violados [Ac. do STJ de 2008/Abr./03) (Recurso n.º 4827/07-5)].

E isto porque a suspensão generalizada e tida como “normal” ou “corrente” das penas de prisão de amplitude elevada, prejudica grandemente, por motivos óbvios de afrouxamento da reação penal executiva, a eficácia preventiva do direito penal.

Por último, refere-se no Acórdão do S.T.J. de 9/4/2008, SJ20080409008255, in www.dgsi.pt. « (…) deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982).

Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida proteção aos bens jurídicos postos em causa.

A suspensão da execução da pena que, embora efetivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. «O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art. 50.º).

Neste sentido tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01-2001, proc. n.º 3095/00-5).

Revertendo ao caso sub judice

Como resulta da matéria de facto provada:

“9.O arguido já foi condenado:
a) Por sentença proferida em 08.03.2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de condução perigosa e um crime de furto qualificado, na pena principal única de 600 dias de multa, à taxa diária de 8 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses (por factos praticados em 10.03.2009 e 23.02.2009); penas, essas, já declaradas extintas pelo cumprimento;

b) Por sentença proferida em 07.03.2012, pela prática de quatro crimes de falsificação de documento e de um crime de burla na forma tentada, na pena única de 700 dias de multa, à taxa diária de 5 euros (por factos praticados em 26.02.2009); pena, essa, já declarada extinta pelo cumprimento;

c) Por sentença proferida em 07.11.2013, pela prática de um crime de violência doméstica, na pena principal de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 18 meses (por factos praticados em 19.02.2012);

d) Por sentença proferida em 13.10.2015, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,50 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses e 15 dias (por factos praticados em 08.09.2014); penas, essas, já declaradas extintas pelo cumprimento;

e) Por sentença proferida em 30.03.2017, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal única de 170 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses (por factos praticados em 28.07.2016); penas, essas, já declaradas extintas pelo cumprimento;

f) Por sentença proferida em 12.03.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de violação de proibições, na pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, acompanhada de regime de prova (por factos praticados em 03.08.2017);

g) Por sentença proferida em 05.04.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 7 euros (por factos praticados em 10.03.2018);

h) Por sentença proferida em 30.04.2018, pela prática de um crime de apropriação ilegítima, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,50 euros (por factos praticados em 06.02.2017); pena, essa, já declarada extinta pelo cumprimento.

Ou seja, o arguido sofreu já cinco condenações em pena de multa, duas condenações em pena de prisão suspensa na execução, e uma condenação em pena de prisão substituída por multa, verificando-se o nenhum efeito ressocializador alcançado com as penas sucessivamente aplicadas, designadamente com a suspensão da execução da pena de prisão. O que revela que o arguido enveredou pela sucessiva prática de crimes, e que se foi mostrando indiferente à oportunidade de se reinserir na sociedade em liberdade, o que não abona em nada a seu favor quanto à possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável quanto à possibilidade da sua ressocialização em liberdade.

Assim, face à gravidade dos factos praticados pelo arguido, à circunstância de ter já sido anteriormente condenado oito vezes, quatro das quais pelo mesmo tipo de crime por que foi condenado nos presentes autos, e à circunstância de nada se ter apurado indiciador de o arguido projetar vir a assumir perante si mesmo e os outros uma maior responsabilidade, é de concluir não interiorizar o arguido o desvalor do resultado das suas condutas.

Deste modo, tudo ponderado, não é possível neste caso fazer um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do arguido (juízo necessariamente subjacente à suspensão da execução da pena de prisão) no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão lhe serviriam de suficiente advertência de modo a que não cometesse mais crimes.

Cremos pois, configurar o caso "sub judice", um caso em que a defesa da ordem jurídica, na afetação séria da fidelidade ao direito por parte da comunidade, levaria a entender-se a suspensão da execução da pena como uma injustificada cedência perante a criminalidade e ao abalo da confiança da comunidade na inviolabilidade do direito.

Assim sendo, entendemos que a suspensão da execução da pena afetaria valores que a comunidade tem, fundadamente, como essenciais, pelo que a levaria a um afastamento da confiança nas instituições judiciais.

Mostra-se, pois, inviabilizada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, não se apresentando fundado o juízo de prognose favorável em relação ao mesmo de que a simples censura da pena e a ameaça da prisão realizem, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido HH, mantendo-se a sentença recorrida.

- Condenar a recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Évora, 4 de fevereiro de 2020
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Laura Goulart Maurício
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Maria Filomena Soares
Processo nº72/19.4GEPTM.E1