Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
205/12.1GGSTB.E1
Relator: JOSÉ MARTINS SIMÃO
Descritores: FURTO QUALIFICADO
CO-AUTORIA
CUMPLICIDADE
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDO UM DOS RECURSOS
Sumário:
I - A essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas.

II - A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. A cumplicidade traduz-se num mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa na execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é uma concausa da prática do crime.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I- Relatório
Nos presentes autos de processo Comum Singular, com o número acima indicado do 3º Juízo Criminal de Setúbal, a acusação foi julgada procedente por provada e, em consequência foram condenados os arguidos:

A. pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2 al. e) do C.Penal na pena de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução, por igual período acompanhada de um regime de prova assente em plano individual de readaptação social, impendendo sobre esta a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social.

B. pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2 al. e) do C. Penal na pena de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, condicionada ao pagamento da quantia de € 500, 00 à Instituição “L.A.T.I” no prazo de 3 meses (art. 51º nº 1 al. c) do C.Penal, devendo comprovar tal pagamento nos presentes autos.

C. pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2 al. e) do C.Penal na pena de 3 anos de prisão efectiva.

Inconformado o arguido B. interpôs recurso, tendo concluído a motivação do seguinte modo:

“I. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada ao pagamento da quantia de €500 à Instituição “L.A.T.I.”, no prazo de 3 meses (art.º 51º, n.º1, alínea c) do Código Penal, devendo comprovar tal pagamento nos presentes autos.

II. Os arguidos não tiveram presentes na primeira sessão da Audiência de Discussão e Julgamento.

III. Motivo pelo qual, o douto Tribunal recorrido, nessa sessão, inquiriu primeiro as testemunhas constantes da acusação, CR e JC

IV. Na segunda data agendada para continuação da audiência, todos os arguidos estiveram presentes e prestaram declarações.

V. A arguida A, a primeira a ser inquirida, rejeitou os factos constantes da acusação, dizendo que quer ela, quer o seu marido B, estavam em Coruche, nesse dia descrevendo em circunstância de tempo, modo e lugar, de forma clara e concisa a sua permanência, na data invocada na acusação como a da prática do crime, noutro local.

VI. A arguida acrescentou dispor de testemunhas, disponibilizando-se a apresenta-las em tribunal.

VII. Esclareceu ao Tribunal que, a testemunha CR, estava a mentir, invocando existir diferendos entre os filhos desta e o companheiro da arguida.

VIII. Tendo em vista a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, foi requerida pela defesa, a produção de um novo meio de prova, a inquirição das testemunhas referidas no depoimento da arguida, ao abrigo do artigo 340º do Código do Processo Penal.

IX. O tribunal indeferiu o requerido.

X. O arguido B, também explicou que na altura dos factos se encontrava em Coruche na casa de amigos, corroborando a versão apresentada pela arguida A, sua companheira.

XI. O que também não foi valorado pelo Tribunal.

XII. Ao agir da forma descrita, parece-nos que, o Tribunal a quo, quis e limitou o direito de defesa dos arguidos, A e B.

XIII. Não conheceu de todos os factos que podiam mitigar a favor dos arguidos.

XIV. A inquirição das testemunhas, a confirmarem a presença dos arguidos noutro local, valorado positivamente pelo Tribunal, poderia permitir criar dúvida razoável quanto aos factos descritos na acusação, capaz de, obter sentença diversa da proferida, maxime a absolvição dos arguidos.

XV. Certo é que, pese embora o descrito na acusação, a prova produzida em Audiência de Julgamento é muito frágil e quase toda, senão mesmo toda, sustentada no depoimento de uma só testemunha, CR.

XVI. A mesma testemunha, que, na versão apresentada pelos arguidos, tem problemas pessoais com o arguido B, capaz de abalar um depoimento isento e desinteressado na decisão a proferir.

XVII. O Tribunal a quo, com o devido respeito, parece ter querido penalizar os arguidos por não terem apresentado contestação, testemunhas, sequer terem estado presentes na primeira sessão da Audiência de Discussão e Julgamento.

XVIII. Por tais factos perderam os arguidos o direito à sua defesa?

XIX. Estiveram presentes na segunda sessão, tendo, o arguido B, explicado que, só por não ter dinheiro para se fazer transportar ao Tribunal de Setúbal, que fica fora da localidade onde tem a sua residência, é que não compareceu na data da primeira sessão.

XX. Não sabemos se é verdade ou não o alegado pelos arguidos quanto aos factos, mas o Tribunal não esgotou todos os meios à sua disposição para permitir tal desiderato, rejeitando a possibilidade única que os arguidos tinham para poder confirmar, através da prova testemunhal, prevista na Lei e permitida em audiência no âmbito do art. 340º do CPPenal, o invocado.

XXI. O Tribunal é livre para formar a sua convicção, face às provas que lhe são apresentadas, mas não devia usar “dois pesos e duas medidas, pois deferiu o requerimento apresentado pela digníssima magistrada do M.P., quanto à inquirição de uma nova testemunha, o militar da GNR, RC, ao abrigo daquele mesmo preceito normativo, considerando-o útil para a descoberta da verdade e rejeitou o requerido pelos arguidos.

XXII. De referir que o arguido não tem antecedentes criminais por este tipo de ilícito, tendo somente sido condenado por dois crimes de condução sem habilitação legal.

XXIII. São, assim, todos estes elementos, os quais merecendo produção de prova, ou, pelo menos, acolhimento e ponderação por parte do tribunal “a quo”, os quais conjugados entre si, logicamente, permitiriam afastar a convicção positiva do tribunal, baseada na livre apreciação da prova, com todas as consequências legais.

XXIV. O arguido B não se conforma quanto à decisão proferida, quando considera que dispunha de elementos de prova que podiam conduzir a decisão contrária a que o Tribunal recorrido na sua livre convicção não valorou como era sua obrigação.

XXV. Motivo pelo qual se entende, que a prova sustentada somente no depoimento de uma testemunha, com interesse na causa, não é suficiente para condenar o arguido, pelo que se deve absolver o arguido.

XXVI. Tanto mais porque, o co-arguido B nunca foi julgado e condenado por este tipo de ilícito.

XXVII. Mas, por assim se entender, foi o recorrente condenado por decisão que, apesar de procurar exaustivamente expressar um raciocínio lógico e motivável, se conclui que, tendo em conta a prova produzida, esta se mostra afinal, subjectiva, emocional e imotivável.

XXVIII. Expendidas que se mostram estas considerações, resta somente a conclusão que a Decisão de condenar o ora recorrente não se mostra sustentada em provas concretas ou sequer em presunções sustentadas, sendo que, nessa confluência, expurgadas as ilações contrárias à lei, concluir-se-à que a prova produzida conduziria a decisão diversa da recorrida, ou seja, a absolvição do recorrente.

Deixamos à douta e veneranda apreciação de V. Exas, Venerandos Desembargadores.

XXIX. Quanto à qualificação do crime, o tribunal a quo considerou que a conduta do arguido preencheu o tipo legal de um crime de furto qualificado.

XXX. O arguido B estava indiciado e foi condenado como co- autor, por um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal.

XXXI. A douta sentença proferida refere, no enquadramento Jurídico que,

“…em face da factualidade dada como provada imperioso se torna concluir que o arguido praticou o delito de que vem acusado.”

Senão vejamos: os arguidos deslocaram-se ao referido local, fazendo-se transportar num veículo automóvel conduzido pela arguida A e aí chegados, a arguida imobilizou a viatura em frente à vedação que circundava a referida propriedade e permitiu a saída dos arguidos C e B, sendo que, enquanto um esperava do lado de fora, o outro subiu pela vedação, entrando na propriedade, e dirigiu-se para a entrada de um armazém aí existente onde, por forma não apurada, destruiu um cadeado, e entrou no armazém de onde retirou um gerador modelo “ES5000SHHP” a gasolina com o valor estimado de 1000 euros e num compressor com 50 litros de capacidade com o valor de 175 euros, após o que saiu e entregou os objectos ao arguido que estava do lado de fora da vedação, e depois de saltar novamente a mesma, entraram ambos novamente no veículo conduzido por A. e abandonaram o local.

Ou seja os três arguidos agiram desse modo com o intuito de fazer coisa sua, ou seja, de integrar na sua esfera patrimonial, os mencionados objectos- coisa móveis- como, alias, veio a suceder, bem sabendo que não lhes pertenciam, e que, dessa forma, actuavam contra a vontade do legítimo dono.

Sendo que os arguidos actuaram de forma livre e consciente em concertação de esforços e intentos, com uma divisão previamente acordada das tarefas, no intuito concretizado de se apropriarem de objectos que sabiam não lhes pertencerem, querendo e conseguindo remover obstáculos materiais a tal desiderato.

Com o descrito modo de actuação, a conduta dos arguidos preenche a qualificativa prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 204, do Código Penal, uma vez que para subtrair e se apropriarem dos referidos objectos, um deles penetrou naquele espaço fechado por meio de escalamento. ”

XXXII. A decisão ora recorrida, imputa a todos os arguidos um crime de furto qualificado.

XXXIII. Dos factos dados como não provados consta que “ Não resultou provado que ambos os arguidos tivessem saltado a vedação e entrado dentro do armazém.”

XXXIV. Não se consegue concluir da prova constante do processo qual o arguido que saltou a vedação e qual o que permaneceu no exterior.

XXXV. O crime de furto qualificado verificar-se-ia se se conseguisse identificar e imputar somente a um dos arguidos, “ ter penetrado no espaço fechado por escalamento, o que no caso em apreço não ocorreu e o Tribunal reconhece-o em toda a sua dimensão.

XXXVI. Ainda assim, o Tribunal recorrido condena todos os arguidos pelo qualificativo do preceito normativo de furto.

Também aqui a decisão do tribunal a quo merece censura.

XXXVII. Foi dado como provado que somente um dos arguidos entrou na propriedade, não se tendo apurado qual.

XXXVIII. Resultando não se encontrarem preenchidas todas as exigências do tipo qualificativo do crime.

XXXIX. Pelo que, em nosso entender, e salvo o devido respeito, não pode o arguido B ser condenado pela prática de um crime de furto qualificado.

XL. Venerandos desembargadores,

Sendo este o nosso entendimento, não se verifica, no caso em apreço, a possibilidade de imputar ao arguido B as circunstâncias enunciadas na alínea e) do n.º 2, do artigo 204º do Código Penal, não sendo, por via disso, a conduta do recorrente subsumível na qualificativa do crime.

XLI. Deve, em virtude, ser absolvido do crime de furto qualificado.

Deixamos à douta e veneranda apreciação de V. Exas.

XLII. Quanto à medida concreta da pena, mesmo, a entender-se que o recorrente praticou, efectivamente, o crime pelo qual vinha acusado e pelo qual foi julgado e condenado, a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, ainda que suspensa na sua execução, a aplicar ao arguido mostra-se excessiva, tendo em conta os parâmetros legais que deverão ser considerados aquando da aplicação concreta da sanção.

XLIII. Salvo o devido respeito, o tribunal “a quo”, teve “mão pesada” sendo manifestamente exagerada e desproporcional a pena aplicada, favorecendo assim, elevar a pena do recorrente, ao “quantum” proporcional às molduras penais consideradas em abstracto.

XLIV. Neste sentido, não deveria esquecer-se que o arguido não tem antecedentes criminais por este tipo de ilícito.

XLV. Salvo o devido respeito pelo tribunal “a quo”, espelha-se ao longo da sentença e da sua fundamentação, considerações sobre a postura do recorrente, as quais, aparentemente, parecem desfavorecer e prejudicar o arguido, maxime, no quantum da pena.

XLVI. Sem maiores considerações sobre esta matéria, que decerto este Venerando Tribunal se debruçará e graduará a devida medida da pena, da culpa do recorrente, fazendo, como nos acostumou, o devido reparo.

XLVII. São estas as questões abordadas no recurso ora interposto, que deixamos à Douta e Veneranda apreciação e análise de V. Exas., que, sábia e melhor desenvolverão, fazendo o devido reparo, e justiças a que nos já acostumaram.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE E SUBSTITUINDO-SE A DOUTA DECISÃO ORA RECORRIDA”.

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:

«a)A convicção do tribunal formou-se a partir das declarações prestadas pelas testemunhas CR;

b) O recorrente não fez qualquer requerimento de produção de prova no decurso de audiência de julgamento, pelo que não pode alegar que tenha sido impedido de demonstrar a sua versão dos factos;

c) Tal requerimento foi feito pela co-arguida A e indeferido, mas não existe qualquer analogia entre as razões que fundamentaram o requerimento da arguida e do Ministério Público;

d) O Militar RC não foi arrolado na acusação porque as declarações que constavam no inquérito não o impunham, tendo-se revelado necessária a sua inquirição no decurso da audiência porque a testemunha CR não conseguiu referir o nome de um dos participantes que na altura identificou à autoridade policial;

e) Resulta dos factos provados que os três arguidos actuaram com o propósito de retirar do interior da propriedade os bens que lá se encontravam, o que implicava o escalamento da vedação;

f) Cada um dos arguidos executou a sua parte da acção, sendo que esta consiste num crime de furto qualificado pelo escalamento e o facto de não o terem os três arguido saltada a vedação não determina que apenas um tenha praticado o crime na forma qualificada;

g) Tendo os factos sido praticados em co-autoria, a qualificação do crime abrange a conduta de todos os participantes;

h) A pena concretamente fixada não ultrapassa a medida da culpa e apenas excede o limite mínimo em 8 meses, tendo sido atendido para a determinação desta medida o grau de ilicitude que é elevado atenta a execução em co-autoria, o facto de terem actuado com dolo directo e os antecedentes criminais do recorrente ainda que de natureza diversa.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso.»

. O arguido C interpôs recurso dizendo:

I. O Tribunal a quo entendeu dar como provado que o arguido C praticou os factos constantes da acusação, tendo referido na motivação da decisão que “o depoimento da primeira testemunha, CR, mostrou-se de tal modo isento e credível que não deixou margem para dúvidas quanto ao mesmo, assim como o depoimento da testemunha, RC, Cabo da GNR.

II- O Tribunal considerou provado a identidade do arguido, como sendo o arguido a cometer tal crime, apesar da testemunha ocular do crime, CR, em primeiro lugar nunca ter referido o nome pelo qual o Recorrente seria conhecido na localidade, nem aquando da confrontação do nome e a identificação, na audiência de discussão e julgamento, referindo sempre não saber o nome do Recorrente, senão vejamos:
(…)
Def. Oficioso- “A Senhora referiu aqui ao Tribunal (…) que um dos rapazes sabe que era …” - CD 00:04:28
Testemunha: - “O B” – CD 00:04:37
Def. Oficioso - “O outro não sabe o nome?” CD 00:04:38
Testemunha: “ não, conheço a cara dele, mas não sei o nome.” CD 00:04:39
Def. Oficioso - “Não sabe mesmo quem é? Só conhece mesmo a cara?” CD 00:04:41
Testemunha: - “Só conheço mesmo a cara”. CD 00:04:42
Def. Oficioso - “ Dizendo-lhe o nome do arguido que esta a ser acusado C, a Senhora não me sabe dizer se é aquele Senhor que viu lá, ou não?” CD 00:04:56
Testemunha: - “Não!” CD 00:05:04
(…)
III- Além de que, quando confrontada com o nome completo do arguido C a mesma disse não saber se se tratava do mesmo indivíduo.

IV- Além de que a testemunha no decurso das suas declarações referiu ao Tribunal a quo que ouviu dizer que o arguido se encontra com pulseira electrónica em casa, o mesmo depoimento não deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, sendo que se trata de um depoimento indirecto de que a testemunha não tem um conhecimento directo e concreto, como a mesma o disse perante o Tribunal, “ouviu dizer”, violando assim o Tribunal a quo o consagrado no artº. 129º do C.P.P..

V- “Tão-pouco se pode afirmar que a estrutura acusatória do processo criminal, que impõe que a audiência de julgamento e mesmo os actos instrutórios determinados por lei estejam subordinados ao princípio do contraditório, ponha em causa a regulamentação do segmento da norma em causa. A lei processual penal veda, em princípio, a admissibilidade do testemunho de ouvir dizer, impondo que seja chamada a depor a pessoa determinada invocada no testemunho prestado, assegurando-se a imediação, relativamente ao tribunal criminal e aos sujeitos processuais.”, in Ac. nº 440/99, de 8 de Julho de 1999, do Tribunal Constitucional.

VI- Assim sendo, este testemunho não deveria ter sido valorado pelo Tribunal a quo.

VII- Além de que, quando confrontada com o nome completo do arguido C a mesma disse não saber se se tratava do mesmo indivíduo.

VIII- Ora, salvo o devido respeito, entendemos que não foi feita qualquer prova em audiência de discussão e julgamento que confirmasse claramente que era o Arguido C co-autor do crime de que vinha acusado.

IX- No entanto apesar do M.P. ter requerido ao Tribunal a quo, e este ter deferido, a presença da testemunha CR na 2ª data de audiência e julgamento para reconhecimento presencial do arguido, veio a prescindir deste meio de prova, nessa mesma data.

X- A testemunha, CR, também nunca foi confrontada em sede de audiência de discussão e julgamento com o arguido, a fim de com toda a certeza afirmar ter sido aquela pessoa que viu a cometer o crime.

XI- Ora, salvo melhor entendimento, não podia o Tribunal a quo condenar uma pessoa que não foi devidamente identificada, pela única testemunha presencial na ocorrência dos factos, tendo assim o Tribunal a quo violado o consagrado no artº. 340º do C.P.P., quanto ao princípio da descoberta da verdade material e da boa decisão da causa.

XII- Assim, salvo melhor opinião, bem não andou o Tribunal a quo, porquanto produzida a prova e efectuada a sua valoração quanto ao resultado do processo probatório, para o Tribunal a quo existiu a convicção de o arguido praticou os factos, quando, salvo melhor apreciação, existe inequivocamente uma dúvida quanto à identificação e determinação da responsabilidade do arguido, “Principio in dúbio pro reo”.

XIII- Assim, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria ter absolvido o arguido, por erro notório na apreciação da prova produzida e a sua insuficiência.

XIV- Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. nº. 220/11.2GBTND.C1, Relator Dr. Correia Pinto: “O erro notório na apreciação da prova consubstancia-se (autores e obra citados, página 74) em “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)”.

XV- No nosso entendimento não foi feita qualquer prova de que os arguidos previamente ao dia 29 de Abril de 2012, haviam acordado deslocar-se a uma quinta existente na Rua..., Poceirão, pertença de JC, a fim de entrarem num armazém aí existente e se apropriarem de coisas de valor que aí encontrassem, porquanto tal facto não foi confirmado por qualquer um dos arguidos, nem sequer pelas testemunhas arroladas pelo M.P.

XVI- Assim o mesmo, salvo o devido respeito, deveria ter sido dado como não provado pelo Tribunal a quo.

XVII -É do entendimento do Recorrente que não foram reunidas as provas suficientes para determinar que o mesmo cometeu o crime de que veio acusado. Porquanto decorre do depoimento da testemunha RC, Cabo da GNR,: que foi recebida uma queixa, tendo a testemunha CR identificado os arguidos, contudo sem o nome completo dos mesmo, dando algumas indicações, e sendo que a GNR concluiu que se tratava do ora recorrente, salvo erro , senão vejamos:
(…)
M.P.: - “O que é que a testemunha lhe disse? O que a testemunha nos disse é que duas das pessoas sabia quem eram exactamente, e que a terceira conhecê-la-ia, mas que neste momento não podia dizer o nome, como é que a Senhora lhe identificou a si as pessoas?” CD 00:01:19
Testemunha: - “Identificou bem a A, o B e a outra pessoa, salvo erro, ela disse-me que era o Alex que mora no Monte do Zé Dias”. CD 00:01:33
M.P.: - “Pronto, então ela não disse o nome completo dessa terceira pessoa?” CD 00:01:45
Testemunha: - “Não”. CD 00:01:47
(…)

XVIII- Ademais que não foram feitas quaisquer outras diligências destinadas a verificar da descoberta dos seus autores e do carreamento para o processo da prova necessária, e do destino dos bens furtados.

XIX- Ora, salvo melhor opinião, para o Tribunal a quo bastou a apresentação de uma queixa junto da entidade competente e da alegada identificação dos arguidos por uma testemunha, que em sede de audiência de discussão e julgamento referiu por diversas vezes não saber o nome de um dos arguidos.

XX. No caso em concreto o ora Recorrente, não foi confrontado em Tribunal com o arguido, porquanto não sabemos se era a esta pessoa que a Testemunha se referiu, para que o Tribunal a quo condenasse o arguido da prática do crime em prisão efectiva.

XXI- Assim, não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes

XXI- Assim, não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto.

XXII- Isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da C.R.P.) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
XXIII- O Tribunal a quo ao condenar o arguido em três anos de prisão efectiva pela prática de 1 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203º n.° 1 e 204º nº. 2 al. e) ambos do CP, o Tribunal a quo violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71° do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa, atenta a factualidade considerada e a incorrecta fundamentação da douta decisão, quanto à prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

XXIV- Quanto muito o Tribunal a quo deveria ter absolvido a arguido, ou decidido pela suspensão da pena de prisão.

Nestes termos, e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vª. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:

I- Revogar-se a douta sentença recorrida atendendo que a mesma não se encontra PROVADA, e ordenando-se que seja designada nova data para a realização da audiência de julgamento, caso assim não se venha a entender, que:

II-O arguido seja absolvido da pena de prisão efectiva a que fora condenado, ou, subsidiariamente,

III- que a mesma seja reduzida e suspensa na sua execução por igual período.

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA! “.

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:
a) A convicção do tribunal formou-se a partir das declarações prestadas pelas testemunhas CR e RC, Militar da Guarda Nacional Republicana;

b) Da conjugação dos depoimentos destas duas testemunhas, não resulta qualquer dúvida de que o recorrente participou nos factos já que foi identificado porCR que, embora não tenha conseguido dizer o seu nome em audiência de julgamento, explicou ao Militar quem eram as pessoas que viu pouco tempo depois

c) O depoimento de CR não é um depoimento indirecto porquanto não se destina a demonstrar que o recorrente se encontrava com “pulseira electrónica” sendo esse apenas um dos elementos através dos quais a mesma confirmou a sua identidade;

d) Não foi nem podia ter sido realizado o reconhecimento pessoal do recorrente pela testemunha em audiência de julgamento, uma vez que tal diligência seria nula, nos termos do disposto no Artº 147º, nº 7 do Código de Processo Penal;

e) O recorrente não aduz qualquer argumento para que a pena concretamente fixada seja demasiado severa, sendo que a mesma encontra a sua explicação nas elevadas necessidades de prevenção especial tal como consta na sentença recorrida;

f) O ponto 2.1.1 da matéria de facto provada não é essencial à decisão tomada, resultando a co-autoria entre todos os arguidos dos demais factos provados.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso”.

A arguida A. interpôs recurso dizendo:

«1.A arguida foi julgada pelo Douto Tribunal ora recorrido pelo crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 203º, nº 1 e 204º, nº 2 al. e) do C. Penal, vindo a ser condenada na pena de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução.

2.Entende a recorrente que a douta sentença incorre em erro na aplicação de direito, porquanto, só foi produzida prova que a arguida prestou auxílio material ao acto ilícito que resultou provado.

3. De facto, não resulta da motivação da decisão de facto de quer forma conclui o Douto Tribunal que a arguida acordou com os demais arguidos deslocar-se a uma quinta existente no Forninho Poceirão a fim de entrar num armazém e apropriar-se de objectos de valor que aí encontrassem.

4.Apenas resultou provado que a arguida assumiu a condução de um veículo automóvel, o que não é determinante para a prática do crime.

5. Não se vislumbra, pois, a essencialidade de tal participação porquanto qualquer umdos co-arguidos poderia conduzir o veículo, tanto mais que apenas foi necessária a intervenção de uma pessoa na introdução no local e retirada dos objectos.

6. No entanto, e porque a essencialidade não é fundamental para o preenchimento do tipo legal de crime, essencial é que o elemento subjectivo do cúmplice tem de abranger o auxílio doloso, o que resulta da douta sentença em crise.

7.Desconsiderou o Tribunal a circunstância de que a recorrente dependia financeiramente e materialmente de um dos co-arguidos o que autorizava a convicção de que a sua vontade se mostrava determinada pela relação de subordinação e sujeição que vivia.

8. No caso, os factos provados relativamente à arguida são somente suficientes para integrar o conceito de cumplicidade, já que revelam, de modo bastante, tão-só uma solidarização activa e ainda o influxo psíquico relativamente à prática do crime pelos co-arguidos.

9. Ao assim não entender, violou o Douto Acórdão sob censura as disposições legais citadas, mormente, o art. 27º do CP, 203º nº 1 e 204º, nº 2 al. e), todos do C.Penal.

10. Afastada que se mostre a violação destes dispositivos legais, deverá a conduta da recorrente integrar o conceito de cumplicidade, com todas as legais consequência daí advenientes, como supra se sequer.

Por cautela de patrocínio

11. Se a posição assumida pelo recorrente não tiver acolhimento por V. Exas., sempre se dirá que a condenação sofrida pela arguida é excessiva e desproporcional, atento o disposto nos arts. 40º e 70º do CPenal.

12. O douto acórdão não sopesou, como deveria, as condições pessoais da arguida, mãe de família, desempregada, sem antecedentes criminais por crimes de igual natureza aos em causa nos presentes autos.

13. Isto porque, em primeira linha, há que atender ao princípio de que as penas devem ter uma função ressocializadora que em certos casos não é possível alcançar com o cumprimento de uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução.

14. Aliás, a aplicação de penas, conforme dispõe o art. 40º do CP, visa não só a protecção dos bens jurídicos mas também a reintegração efectiva do agente na sociedade, o que se mostra possível, tendo em conta a prova produzida quanto a esta matéria, nos presentes autos.

15. Também não se provou a existência ou perspectivas d eobtenção de quaisquer proventos económicos decorrentes de qualquer participação nos factos.

16. Assim, a pena mostra-se injusta e desproporcional, tendo o tribunal a quo decidido em desconformidade com o disposto no artt. 32º, nº 2 da CRP, e arts. 40º, 70º, 71º e 72º todos do CP.

17. Afastada que fosse a violação dos citados normativos, o douto tribunal decidir-se-ia como pugnado, o que ora se requer.

Tendo em consideração todo o exposto:

Revogar-se o douto Acórdão sob censura, e

Ou, ainda, Revogar-se a Douta Sentença sob censura e , suprindo o Erro de Subsunção dos Factos ao Direito, integrando-se a conduta da arguida no conceito de cumplicidade na prática do crime de furto qualificado.

Ou mantendo-se a condenação, condenar a arguida em pena de multa, a fixar pelos valores mínimos previstos na lei”.

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:

a) A matéria de facto provada, que a recorrente não pôs em causa, revela que a sua participação nos factos foi tão relevante para a produção do crime como a dos outros dois arguidos;

b)Não importa para a apreciação da sua participação o facto de o crime poder ter sido praticado sem a sua participação, porque não são relevantes formas alternativas de cometimento dos factos;

c)O que determina a forma de participação da recorrente é o modo como os factos foram efectivamente praticados, e qual o papel que a mesma nele desempenhou;

d)Face à letra do Artº 26º do Código Penal, não se exige para a co-autoria, a existência de um acordo expresso, prévio à prática dos factos, bastando que os agentes neles participem assumindo cada um a sua tarefa destinada à realização do fim comum: a prática dos factos criminosos;

e)A pena concretamente fixada não ultrapassa a medida da culpa e apenas excede o limite mínimo em 8 meses, tendo sido atendido para a determinação desta medida o grau de ilicitude que é elevado atenta a execução em co-autoria, o facto de terem actuado com dolo directo não tendo sido desconsiderada qualquer circunstância atenuante que pudesse beneficiar a recorrente.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso”.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a posição do Digna Procuradora Adjunta do tribunal de 1ª instância.

Observado o disposto no art. 417º nº 2 do CPPenal, o arguido não respondeu.

Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentação
2.1 Matéria de facto provada

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

2.1.1. Previamente ao dia 29 de Abril de 2012, os arguidos haviam acordado deslocar-se a uma quinta existente na Rua..., no Forninho, Poceirão, pertença de JC, a fim de entrarem num armazém aí existente e se apropriarem de coisas de valor que aí encontrassem.

2.1.2. Em execução desse plano, no dia 29 de Abril de 2012, pelas 11 horas, os arguidos deslocaram-se ao referido local, fazendo-se transportar num veículo automóvel conduzido pela arguida A.

2.1.4. Aí chegados, a arguida A. imobilizou a viatura em frente à vedação que circundava a referida propriedade e permitiu a saída dos arguidos C e B.

2.1.5. E, enquanto um esperava do lado de fora, o outro subiu pela vedação, entrando na propriedade, e dirigiu-se para a entrada de um armazém aí existente onde, por forma não apurada destruiu um cadeado, logrando entrar no referido armazém.

2.1.6. Aí procurou objectos de valor que pudessem levar consigo, tendo agarrado num gerador modelo “ES5000SHHP” a gasolina, com valor estimado de 1000 euros e num compressor com 50 litros de capacidade com o valor de 175 euros.

2.1.7. Na posse desses artigos, o arguido saiu do armazém, entregou os objectos ao arguido que estava do lado de fora da vedação, e depois de saltar novamente a mesma, entraram ambos novamente no veículo conduzido por A. e abandonaram o local.

2.1.8 Os arguidos actuaram em concertação de esforços e intentos, com uma divisão previamente acordada das tarefas, no intuito concretizado de se apropriarem de objectos que sabiam não lhes pertencerem, querendo e conseguindo remover obstáculos materiais a tal desiderato.

2.1.9. Agiram os arguidos de forma livre e consciente de que a sua conduta era ilícita e consubstanciava crime.

2.1.10 A arguida é casada, tem dois filhos e mora com o arguido B.
2.1.11. Está desempregada.
2.1.12. Mora em casa própria.
2.1.13. Tem um veículo automóvel de marca Ford Fiesta.
2.1.14 Tem o 8º ano de escolaridade.
2.1.15 O arguido B é solteiro, tem um filho e mora com a arguida A.
2.1.16.É trabalhador rural auferindo mensalmente € 550.
2.1.17. Mora em casa da companheira.
2.1.18. Tem o 6º ano de escolaridade.
2.1.19. O arguido C. é divorciado, tem um filho e mora com os avós.
2.1.20. Está desempregado, tendo deixado de receber o subsídio de desemprego que era de € 485.
2.1.21. Não tem carro nem mota.
2.1.22 Tem o 12º ano de escolaridade.

2.1.23 A arguida A. tem antecedentes criminais tendo já sido condenada em:

- pena de multa e prisão suspensa no âmbito do Processo nº ---/03.8GMMN, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Montemor o Novo, por sentença de 22.03.2007, transitada em julgado em 20.07.2009, pela prática de um crime de dano simples e do crime de ofensa à integridade física simples, por factos ocorridos a 03 e 07.08.2003;

- pena de multa no âmbito do Processo nº ---/09.8PTSTB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Setúbal, por sentença de 16.03.2010, transitada em julgado em 07.06.2010, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos a 06.04.2009;

- pena de multa no âmbito do Processo nº ---/10PAMTJ, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Montijo, por sentença de 08.11.2012, transitada em julgado em 17.12.2012, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos a 30.11.2010.

2.1.24. O arguido B tem antecedentes criminais tendo já sido condenado em:

- pena de multa no âmbito do Processo nº --/07.9GTABF, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 27.02.2007, transitada em julgado em 03.05.2007, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos a 27.02.2007;

- pena de multa no âmbito do Processo nº --/12.4GCMMN, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, por sentença de 17.02.2012, transitada em julgado no mesmo dia, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos a 18.01.2012;

2.1.24. O arguido C. tem antecedentes criminais tendo já sido condenado em:

- pena de multa no âmbito do Processo nº ---/98, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença transitada em julgado em 21.09.99, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, por factos ocorridos a 15.11.97;

- pena de multa no âmbito do Processo nº --/99, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença transitada em julgado em 15.12.99, pela prática de um crime de furto qualificado;

- pena de multa no âmbito do Processo nº ---/97, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença transitada em julgado em 30.10.2000,, pela prática de um crime de furto na forma tentada, por factos ocorridos a 15.06.97;

- pena de prisão no âmbito do Processo nº ---/00, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença transitada em julgado em 15.11.2000, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, por factos ocorridos a 20.12.98;

- pena de prisão no âmbito do Processo nº ---/2000, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença transitada em julgado em 02.05.2001, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de furto qualificado e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, por factos ocorridos a 10.06.98;

- pena de prisão no âmbito do Processo nº ---/96.5TBFIG, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, por sentença transitada em julgado em 14.03.2002 pela prática de um crime de furto qualificado e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, por factos ocorridos a 27.02.2002;

- pena de prisão no âmbito do Processo nº ---/09, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença transitada em julgado em 05.07.2012 pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, por factos ocorridos 09.10.09;

2.2 Matéria de Facto não provada
Não resultou provado que ambos os arguidos tivessem saltado a vedação e entrado dentro do armazém.

2.3 Motivação da decisão de facto.
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento, nomeadamente:

- Nas declarações dos arguidos que descreveram as suas condições económicas e sociais.

Quanto aos factos os arguidos negaram a prática dos mesmos.

Assim, os arguidos A e B referiram que naquela semana estavam em Coruche em casa de uns amigos, afirmando que a testemunha C apenas disse que eles tinham praticado estes factos porque o filho dela e o arguido B estão zangados, não se falando há dois meses.

Quanto ao arguido C o mesmo referiu que naquele dia àquela hora estava em casa dos avós, conseguindo precisar tal porque nessa tarde foi lá um militar da GNR por causa destes factos.

- No depoimento da testemunha CR, a qual de forma clara, objectiva e convincente afirmou ter visto um carro estacionar e visto dois indivíduos saírem do mesmo, tendo depois um saltado a vedação e enquanto o outro esperava, sendo que quando voltou entregou as coisas ao que estava cá fora, enquanto depois entraram os dois dentro do carro, e foram-se embora, altura em que ela lhes viu a cara e as coisas que estavam no banco de trás do carro. Para além disso referiu expressamente não ter dúvidas quanto à identidade dos mesmos, sendo que sabia perfeitamente quem era a arguida e também identificar o arguido B. Quanto ao arguido C a testemunha afirmou claramente não saber o nome do mesmo só o conhecendo de vista, sabendo que o mesmo se encontrava actualmente com pulseira electrónica em casa.

- No depoimento da testemunha JC, o qual depôs acerca do valor dos objectos retirados do interior do armazém.

No depoimento da testemunha RC, militar da GNR, o qual de forma clara e objectiva referiu que depois de ouvir a testemunha C em sede de diligência de inquérito identificou os arguidos e ouviu os mesmos.
Assim referiu de forma convicta que a testemunha identificou os arguidos, sendo que efectivamente em relação ao arguido C a mesma não sabia o nome do mesmo, tendo identificado na altura como o Alex que morava mo Monte do Zé Dias, sendo que através desta referência apenas poderia ser o arguido.

No Certificado de Registo Criminal junto aos autos, no que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos.

Assim, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, deu o Tribunal como provados os factos constantes da acusação.

Ou seja, não obstante os três arguidos terem negado a prática dos factos o Tribunal ficou convencido da prática dos mesmos por estes.

Isto porque o depoimento da primeira testemunha mostrou-se de tal modo isento e credível que não deixou margem para dúvidas quanto ao mesmo.

Sendo que e em relação ao arguido C, e apesar de a mesma não o ter conseguido identificar pelo nome disse expressamente que o mesmo se encontrava com pulseira electrónica em casa, o que corresponde à verdade. Para além também da identificação que esta testemunha deu em sede de inquérito ao militar da GNR, o mesmo também chegou à conclusão que o mesmo apenas poderia ser o arguido C.

Mais é de referir que não pode o Tribunal acreditar que a testemunha mentiu em Tribunal porque o filho dela está zangado com o arguido B. Em primeiro lugar porque o modo como tal depoimento foi prestado convenceu o Tribunal quanto à credibilidade do mesmo. Mas também porque segundo o que o arguido referiu, e apesar de já terem havido alguns desentendimentos, os mesmos apenas deixaram de falar há cerca de dois meses, sendo que os factos ocorreram a 29 de Abril de 2012, e a testemunha ouvida logo a seguir, pelo que também não colhe a versão de que a testemunha inventou tê-los visto apenas para o prejudicar. Logo não pode o Tribunal valorar as declarações dos arguidos A e B quando afirmam que naquela data estavam em Coruche.

Para além disso também não pode o Tribunal valorar as declarações do arguido C uma vez que a mesma não se apresenta credível. Isto porque como o mesmo referiu, aquilo que o mesmo fez naquele dia corresponde a muitos outros.

Por fim quanto ao valor dos bens o Tribunal baseou-se no depoimento do queixoso.

III – Apreciação do Recurso

Nos termos do nº 1 do art.412º do C P Penal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

O objecto do recurso é, assim, delimitado pelas conclusões, pelo que é irrelevante que algum tema, que não conste daquelas, tenha sido abordado no texto da motivação, ( cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 11-1-2001, procº nº 3408/00-5ª Secção.

Perante as conclusões do recurso as questões a decidir são as seguintes:

1ª- Da impugnação da matéria de facto pelo arguido C;
2ª- Da valoração da prova em relação ao arguido B;
3ª - Se a arguida A é co-autora dos factos ou cúmplice;
4ª- Da medida concreta das penas aplicadas aos arguidos B e A.

III- 1ª- Da impugnação da matéria de facto pelo arguido C.

O recorrente C entende, que não foi feita prova em audiência de julgamento que confirmasse claramente, que ele era co-autor do crime de que vinha acusado.

Fundamentou a sua pretensão no facto de o tribunal ter baseado a sua convicção no depoimento da testemunha CR, no entanto, esta nunca referiu o nome pelo qual o recorrente é conhecido na localidade CD 00:04:38; nem aquando da confrontação do nome CD 00:05:04; no decurso das suas declarações referiu ao Tribunal que ouviu dizer que ele se encontra com pulseira electrónica, o que não deveria ter sido relevado dado que se trata de um depoimento indirecto; que do depoimento de RC, Cabo da GNR, resulta que foi recebida uma queixa tendo a testemunha CR identificado os arguidos, contudo sem dizer o nome completo do recorrente, mas disse que era o Alex que vivia no Monte do Zé Dias CD 00:01:045; e que a GNR concluiu que se tratava do ora recorrente porque não havia outro indivíduo com esse nome (02:42); que a testemunha não foi confrontada em tribunal com o ora recorrente; e que não foram feitas quaisquer outras diligências a comprovar a participação do ora recorrente nos factos em causa nos autos.

Cumpre decidir:
O tribunal baseou a sua convicção, quanto à identificação do arguido C nos depoimentos das testemunhas CR e RC.

A primeira referiu na audiência que não sabe o nome dele, só o conhece pela cara, confrontada com o nome do recorrente declarou que não sabia se era o indivíduo com este nome que viu no local da ocorrência dos factos, e que tinha ouvido dizer que ele estava com pulseira electrónica.

A testemunha RC, militar da GNR, afirmou que a testemunha C, ao ser ouvida em inquérito identificou os arguidos, sendo que em relação ao C a mesma não sabia o nome do mesmo, e salvo erro, identificou-o na altura como “Alex”, que morava no “Monte Zé Dias”, sendo que através dessa referência apenas podia ser o ora recorrente, já que era o único indivíduo que residia naquela monte com este nome.

O depoimento de RC é um depoimento indirecto, por isso nos termos do art. 129º do CPPenal havia que chamar as pessoas a depor. A testemunha C já tinha prestado declarações, no entanto, nada lhe foi perguntado em audiência sobre o modo como identificou o ora recorrente em inquérito, então, o depoimento de RC não pode nesta parte servir como meio de prova, uma vez que para a formação da convicção do tribunal só poderão ser tomadas em conta, neste caso, as declarações prestadas em audiência.

Assim sendo, quanto à identificação do ora recorrente, ficamos só com o depoimento da testemunha C, que afirmou por diversas vezes, durante o seu depoimento em audiência, que não sabia o nome do ora recorrente, apesar de o conhecer de vista, não foi confrontada com ele na audiência, dado que que prestou declarações na ausência dele, e que ouviu dizer que o mesmo estava com pulseira electrónica, o que constitui uma declaração vaga insusceptível de conduzir à identificação de quem quer que seja, já que há muitos indivíduos nesta situação.

Confirmou-se junto dos Serviços de Reinserção Social, face ao nome constante dos autos, que tinha sido apurado em inquérito, e não face ao depoimento da testemunha CR prestado em audiência, que o ora recorrente se encontrava sujeito à medida de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica aquando da realização do julgamento.

O facto da testemunha ter afirmado em audiência, que ouviu dizer que o arguido estava com pulseira electrónica, o que se confirmou junto dos Serviços de Reinserção Social, é manifestamente insuficiente para concluir, que o ora recorrente participou nos factos destes autos, uma vez que tal informação foi solicitada àqueles Serviços não com base nos meios de prova prestados em audiência, quanto à identificação do arguido, mas perante os que constavam do processo, e que resultavam do inquérito (das declarações da testemunha C), pelo que não poderão ser tomados em conta, pelas razões acima referidas.

Não foi feita qualquer outra diligência no sentido da testemunha C confirmar ter sido o ora recorrente que interveio nos factos em causa.

Assim, o ora recorrente não foi identificado pela única testemunha presencial da ocorrência dos factos, nem por qualquer outro meio de prova, pelo que perante os meios de prova produzidos em audiência de julgamento não se provou que o arguido C foi um dos intervenientes nos factos em causa, pelo que se retira dos factos da matéria provada, o nome do arguido C, que se substitui “por outro não identificado” e determina-se que passe a constar da matéria não provada, o facto com o seguinte teor: “ o ora recorrente C participou nos factos dos autos”.

2ª- Da valoração da prova em relação ao arguido B;

O recorrente alega que não participou nos factos porque nesse dia se encontrava na Zona de Coruche; que foi solicitada a inquirição de testemunhas ao abrigo do art. 340º do CPPenal para comprovar este facto, no entanto, tal diligência foi indeferida, pelo que foi limitado o seu direito de defesa; que a prova sustentada só no depoimento de uma testemunha não é suficiente para condenar o arguido; que a decisão recorrida imputou a todos os arguidos um crime de furto qualificado, no entanto, dado que não se sabe qual dos arguidos saltou a vedação não pode ser condenado por crime de furto qualificado.

Vejamos.

Dispõe o nº 3 do art. 412º do CPPenal que quando se impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:“a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.

E o nº 4 estabelece que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do disposto no nº 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Ora, como resulta da motivação, bem como das conclusões do recurso, o recorrente não especifica as provas que impõem decisão diversa da recorrida com referência aos suportes técnicos dessas provas, de modo a que o Tribunal possa apreciar o mérito da impugnação, pelo que o Tribunal não pode conhecer da matéria de facto assim impugnada.

Terá o tribunal violado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPPenal, como acima alega o recorrente?

Nos presentes autos, delinearam-se duas versões dos factos por um lado, a da testemunha CR, do elemento da GNR, RC e do ofendido. Por outro lado, a dos arguidos A e do ora recorrente, que alegaram que não participaram nos factos porque se encontravam em Coruche.

A testemunha CR descreveu os factos, que nos dispensamos de reproduzir na fundamentação da decisão recorrida de forma clara, objectiva e convincente e afirmou de igual modo que dois dos indivíduos que participaram nos factos foram o arguido B, ora recorrente e a arguida A, uma vez que os viu, já os conhecia da Zona e que a A. já pertenceu à sua família.

Estes em audiência negaram os factos e afirmaram, que na altura da ocorrência estavam em Coruche em casa de uns amigos e que por isso, a testemunha não estaria a falar a verdade, porque o filho dela está zangado com o ora recorrente.

A versão do ora recorrente e da arguida A. não mereceu credibilidade, como consta da decisão recorrida, “ porque segundo o que o ora recorrente referiu apesar de já terem havido alguns desentendimentos, os mesmos apenas deixaram de falar, há cerca de dois meses, sendo que os factos ocorreram a 29 de Abril de 2012, e a testemunha ouvida logo a seguir, pelo que também não colhe a versão de que a testemunha inventou tê-los visto apenas para o prejudicar. Logo não pode o Tribunal valorar as declarações dos arguidos A. e B. quando afirmam que naquela data estavam em Coruche”.

Também não assiste razão, o recorrente ao alegar, que a sua condenação não se pode basear só no depoimento de uma testemunha.

Ao contrário do que o recorrente parece entender, nada obsta, a que a convicção do tribunal se forme exclusivamente com base no depoimento de uma única testemunha, ou nas declarações de um único assistente ou de um único arguido. Esse depoimento e estas declarações, como qualquer meio de prova oral, estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPPenal.

Portanto, é uma questão de convicção que tem como suporte o princípio da livre apreciação da prova e por isso nada obsta, desde que devidamente fundamentada, a que um arguido seja condenado só com base num determinado depoimento.

No caso em análise, a testemunha essencial dos factos é CR, uma vez que só esta os presenciou, no entanto, o tribunal baseou-se também no depoimento do ofendido, que confirmou que lhe foram retirados do seu armazém o gerador e o compressor e sobre o valor dos objectos, que não lhe foram restituídos, nem foi indemnizado e ainda no depoimento da testemunha RC, militar da GNR, que de forma convicta afirmou que a testemunha CR sempre identificou os dois arguidos A e B pelos devidos nomes.

O ora recorrente alega ainda, que foi solicitada a inquirição de testemunhas ao abrigo do art. 340º do CPPenal para comprovar a sua versão dos factos, no entanto, tal diligência foi indeferida, pelo que conclui que foi limitado o seu direito de defesa.

Da acta da audiência de fls. 166 a 168 não resulta, que o ora recorrente tenha requerido qualquer produção de prova. Existe um requerimento lavrado em acta para que fossem ouvidas três testemunhas, destinadas a comprovar que a arguida A estaria em Coruche à data dos factos e não do recorrente, o que foi indeferido, pelas razões constantes do despacho.

A arguida A. não impugnou o despacho em causa, por isso, ainda que a prova pretendida pudesse aproveitar a ambos, o recorrente não pode recorrer de um despacho de indeferimento que recai sobre um requerimento alheio.

Mesmo que assim não se entenda, a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade constitui uma nulidade sanável, que teria que ser invocada antes que o acto terminasse, isto é, antes do encerramento da audiência para que pudesse servir de eventual fundamento de recurso, nos termos do art. 120 nº 3 al. a) e 410º nº 3 do CPPenal, o que não aconteceu, pelo que a existir a dita nulidade, a mesma não foi arguida tempestivamente, pelo que está sanada, nem é susceptível de recurso directo.

Pelos motivos referidos, fica-se a perceber perfeitamente o porquê da decisão, quanto à identificação do ora recorrente e da arguida A e à sua intervenção nos factos em causa nos autos e das razões pelas quais se atribuiu credibilidade ao depoimento da CR e demais testemunhas.

Se o recorrente pretende pôr em crise a convicção do tribunal deve demonstrar que a convicção assim formada era impossível, porque contrária às mais elementares regras da lógica e da experiência comum.

Ora, o arguido não explicitou na motivação do seu recurso qualquer indicação sólida e consistente de que o tribunal fez uma incorrecta aplicação do princípio da livre apreciação da prova e que nas suas ilações em sede de facto tivesse inobservado as regras gerais da experiência.

A decisão do julgador está devidamente fundamentada, sem vícios e é uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência pelo que é inatacável, visto ser proferida em obediência á lei, que impõe o julgamento segundo a sua livre convicção.

Não nos merece, pois, qualquer reparo o decidido pelo tribunal quanto à matéria de facto relativa ao arguido B.

Por fim alega o recorrente, que por não se ter provado qual dos arguidos saltou a vedação, que não pode ser condenado pelo crime de furto qualificado

Também não assiste razão ao recorrente quanto a este ponto.

Na verdade, do facto de não se saber qual dos arguidos saltou a vedação não resulta que não tenham todos participado no crime de furto qualificado. A acção criminosa executada pelos arguidos consistiu em saltar a vedação, destruir o cadeado do armazém, retirar os objectos de que se apropriaram, colocá-los no carro e abandonar o local.

Os arguidos acordaram em distribuir as tarefas a praticar por cada um dos intervenientes: um saltou a vedação, destruiu o cadeado do armazém, retirou os objectos e entregou-os a outro, que estava fora da vedação, que por sua vez, os colocou no carro, onde se encontrava a arguida, que tinha conduzido o veículo até ao local, a aguardar a prática dos factos referidos, após o que abandonaram o local no veículo, conduzido pela arguida.

O facto de um dos arguidos, que não se sabe quem foi, ter saltado a vedação é quanto basta para qualificar o crime em relação a todos, uma vez que, como de forma sugestiva, e por isso passamos a citar, refere a Digna Procuradora junto do tribunal da 1ª instância” é indiferente saber quem saltou a vedação, e esse acto qualifica a conduta de todos: todos sabiam que a vedação tinha que ser transposta, todos quiseram que tal fosse feito e todos quiseram retirar do interior os seus objectos. Todos tinham o domínio da acção criminosa, todos aceitaram fazer a sua parte e todos conheciam e quiseram praticar os factos que integram o crime”.

Estamos, pois, perante a figura jurídica da co-autoria, em que não é necessário que cada um dos agentes intervenha em todas as tarefas tendentes a atingir o resultado final, o que importa é que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e que conduza à produção do objectivo em vista, o que aconteceu, no caso em análise, uma vez que os arguidos, com cada uma das suas actuações mais não quiseram do que apropriar-se do gerador a gasolina e do compressor, pertencentes ao ofendido.

III- 3ª- Se arguida A. é co-autora ou cúmplice do crime de furto qualificado.

A arguida foi condenada como co-autora do crime de furto qualificado, no entanto, entende que devia ter sido condenada apenas como cúmplice, uma vez que a prova produzida não permite dar como provada a existência de um acordo prévio entre os três arguidos para a prática do crime; que apenas resultou provado que assumiu a condução do veículo automóvel o que não é determinante para a prática do mesmo, dado que qualquer dos co-arguidos podia praticar tal acto; e que o tribunal desconsiderou a circunstância da recorrente depender financeira e materialmente de um dos co-arguidos, que autorizava extrair a convicção de que a sua vontade se encontrava determinada pela relação de subordinação e sujeição em que vivia.

Dispõe o art. 26º do C.Penal. “ É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.

Os elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são os seguintes: a) o objectivo, que consiste na intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto); b) o subjectivo, isto é, o acordo para a realização conjunta do facto; acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor; c) O domínio funcional do facto, no sentido de “de ter e exercer o domínio positivo do facto típico” ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.

Como se refere no Ac. STJ de 27-9-1995, CJ STJ, III, tomo 3, 197: “São requisitos essenciais para que ocorra comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria a existência de decisão e de execução conjunta. O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinando crime: No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final; o que importa é que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.

A essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas.

Por seu turno, nos termos do art. 27º do C.Penal “ é punido como cúmplice quem, dolosamente, e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”, pressupõe um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.

A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.

Como refere Germano Marques da Silva em Direito Penal Português, Tomo II, pág. 291, a cumplicidade“ é pois, uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, secundário num duplo sentido: de dependência da execução do crime e de menor gravidade objectiva, na medida em que não é determinante da prática do crime (o crime seria sempre realizado, embora eventualmente em modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas)”.

Daqui resulta que a cumplicidade se traduz num mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa na execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é uma concausa da prática do crime.

Assim, enquanto o co-autor tem um papel de primeiro plano, dominando a acção, já que esta é concebida e executada, com o seu acordo, inicial subsequente, expresso ou tácito, o cúmplice é um interveniente secundário ou acidental, isto é, só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. A sua intervenção embora seja concausa do crime praticado não é causal da existência da acção.

Posto isto, vejamos a intervenção da recorrente na acção criminosa em causa nos autos.

Alega a arguida que não resulta da fundamentação, de que forma a arguida acordou com os demais arguidos deslocar-se a uma quinta existente no Forninho, a fim de entrar num armazém e apropriar-se dos objectos de valor que aí se encontrassem (facto nº 2.1.1) da matéria provada.

Este facto não foi impugnado, logo está provado. Mas mesmo que tivesse sido impugnado, há que ter em conta, as circunstâncias em que os arguidos actuaram e daí retirar as devidas ilações.

Consta da matéria provada que a recorrente, era a condutora do veículo em que seguiam o B e o outro indivíduo, parou junto à propriedade onde os factos foram praticados, deixou sair os outros arguidos, um deles saltou a vedação e retirou os objectos do interior da propriedade entregando-os ao outro, que ficou cá fora e os recebeu. Colocaram tudo no carro conduzido pela arguida, que permaneceu no local à espera, e os três abandonaram o local com os referidos objectos.

Se a arguida praticou os factos referidos, as circunstâncias em que actuaram indiciam, sem margem para dúvidas, face às regras da lógica e da experiência comum que existiu um acordo entre eles no sentido de se apropriarem dos bens pertencentes ao ofendido, de acordo com o plano traçado.

Não lhe assiste, assim, razão ao alegar que a sua participação se integra apenas na cumplicidade, uma vez que nem sequer saiu do carro, que qualquer dos outros dois arguidos podia ter conduzido o carro e que não precisavam dela para cometer o crime.

É certo que, qualquer dos outros dois arguidos podia ter conduzido o carro, mas tal não aconteceu, nem tem qualquer interesse para apreciação da sua participação nos factos, uma vez o que interessa é saber qual o papel por ela desempenhado na prática dos factos.

Os arguidos distribuíram as tarefas a exercer por cada um, já acima descritas, para a consumação do crime.

A arguida teve, assim, uma participação idêntica à dos outros arguidos, que foi tão relevante para a consumação do crime como a dos outros arguidos, já que tinha o domínio do facto, isto é, podia parar o desenrolar da acção típica. Caso faltasse a execução de qualquer das tarefas, o crime não se teria consumado na forma planeada.

Quanto ao facto alegado de depender económica e financeiramente de outro arguido não tem qualquer relevância para a qualificação da sua conduta como co-autoria ou cumplicidade.

A arguida é assim, co-autora dos factos e não meramente cúmplice, como pretende fazer crer.

III- 4ª- Da medida concreta das penas aplicadas aos arguidos A e B
O arguido B alega que a pena é exagerada, uma vez que não tem antecedentes criminais por este tipo de ilícitos.

A arguida A. alega que não foram valoradas todas as circunstâncias que atenuam a sua responsabilidade criminal, nomeadamente, o nunca ter sido condenada por factos de idêntica natureza aos em causa nos presentes autos, o facto de não se ter provado qualquer benefício económico decorrente da actividade descrita, a ilicitude diminuída e a sua integração social.

Vejamos.

Os arguidos incorreram no crime de furto qualificado previsto e punível no art.204º nº 2 al. e) do C.Penal, a que corresponde a pena de prisão de 2 a 8 anos.

A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 40º nº 1 e 2 do C. Penal).

Por sua vez, o art. 71º do mesmo diploma estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal, na determinação daquela atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, designadamente as referidas nas várias alíneas do seu nº 2.

Destes preceitos infere-se que, a função primordial de uma pena, sem embargo de outros aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos que incidam sobre os bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O limite mínimo da pena é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin, em Derecho Penal- Parte General, Tomo I, pág. 99/101 e 103, “ a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada. A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade... (....) a pena serve os fins de prevenção especial e geral: limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”.

Mais acrescenta o mesmo autor a pág. 100: “certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva”.

Na concretização destes princípios o tribunal aplicou a cada um dos arguidos a pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, sob determinadas condições.

Para a determinação das penas, o tribunal teve em conta os seguintes elementos:

“- O modo de execução dos factos – o facto de os arguidos se terem dirigido, durante o dia às instalações do queixoso, para de lá retirarem valores que não lhe pertenciam;

A gravidade das suas consequências – designadamente o prejuízo sofrido pelo queixoso;

O grau de violação dos deveres impostos aos arguidos, que se considera elevado, uma vez que o respeito pela propriedade dos outros emerge como um dos valores básicos que tecem e sustentam os valores da nossa civilização;

A intensidade do dolo, na sua forma directa;

O conjunto de solicitações internas e externas que determinaram o seu comportamento;

A postura social e moral dos arguidos;

As suas condições pessoais e a sua situação profissional, social e económica;

-As elevadas exigências de prevenção geral que determinam a imposição de medidas que tenham em vista dissuadir a prática deste tipo de infracções”.

Ambos os arguidos alegam que não tem antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, o que não assume relevo, dado que os possuem pela prática de outros crimes, o que aumenta as necessidades de prevenção especial, bem como as de natureza geral, que são elevadas neste tipo de crimes.

Quanto às circunstâncias invocada pela arguida foi tomado em consideração o facto de estar integrada socialmente, não se vislumbra face à forma como os factos ocorreram que a ilicitude dos mesmos seja diminuída, nem que não tenham retirado qualquer benefício económico da actividade descrita, dado que se apropriaram dos bens e não os devolveram nem indemnizaram o ofendido.

Ponderando a pena que em abstracto corresponde ao crime em que os arguidos incorreram, e os elementos tidos em conta pelo tribunal da 1ª instância para fixação da medida das penas concretas, consideram-se justas e adequada as penas prisão aplicadas suspensas na sua execução, conforme consta da decisão recorrida.

IV- Decisão
Termos em que acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a)Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido C e em consequência revogar nesta parte a decisão recorrida e absolver o arguido.

b)Negar provimento aos recursos interpostos por A e B e nesta parte manter a decisão recorrida.

Custas pelos arguidos A e B com taxa de justiça individual que fixamos em 3 Ucs.
Notifique

Évora, 11 de Março de 2014

(texto elaborado e revisto pelo relator, art. 94º, nº 2 do C P Penal)

José Maria Martins Simão

Maria Onélia Madaleno