Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2078/18.1T8EVR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
JUROS DE MORA
RISCO GENÉRICO
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A descaracterização de um acidente de trabalho, nos termos da segunda parte da al. a) do n.º 1 do art. 14.º da LAT, ocorre quando se verificam cumulativamente os seguintes requisitos: (i) a existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) a violação, por ação ou omissão, dessas condições por parte do sinistrado; (iii) que essa ação ou omissão seja voluntária, ainda que não intencional; (iv) que essa ação ou omissão não tenha causa justificativa; e (v) que essa atuação seja a causa do acidente.
II – Apesar de a entidade patronal ter dado instruções à sua cozinheira para não lavar louça suja na cozinha, devendo apenas lavá-la na copa suja, a cozinheira, ao lavar uma panela na cozinha, não desrespeitou uma condição de segurança, desrespeitou sim uma condição de higiene e de organização do restaurante.
III – A instrução da entidade empregadora para que a louça suja fosse lavada na copa suja não evitava que o chão da cozinha ficasse molhado, uma vez que era nesse local que se lavavam, preparavam e cozinham os alimentos, encontrando-se também no local o fogão onde a comida era cozinhada.
IV – Por esse motivo, o risco de se escorregar e cair continuava a existir no chão daquela cozinha e deveria, nos termos do art. 15.º, n.º 1, als. a), c), d) e e), da Lei n.º 102/2009, de 10-09, ter sido evitado ou reduzido pela entidade empregadora.
V – Aos juros de mora devidos por acidente de trabalho aplica-se a regra do art. 135.º do Código de Processo do Trabalho e não o disposto nos arts. 804.º e 805.º do Código Civil, pelo que, independentemente da culpa do devedor no seu atraso, são os mesmos devidos com o vencimento da obrigação. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
F… (Autora) veio participar do acidente de que padeceu, no dia 11-07-2018, pelas 14h30m, enquanto trabalhadora de D… (Ré), exercendo a atividade de ajudante de cozinha na pastelaria “A …”, tendo, nessa data, hora e local, caído na cozinha, seu posto de trabalho e, como consequência dessa queda, sofrido uma rotura intramuscular na perna esquerda que a obrigou, e obriga, a diversos tratamentos de fisioterapia.
Efetuada a tentativa de conciliação não foi possível conciliar as partes.
No exame médico determinou-se a data da alta da sinistrada em 16-01-2019 e fixou-se a IPP em 0%.
A sinistrada F… veio interpor ação declarativa de condenação com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra D…, solicitando, a final, que a presente ação fosse julgada procedente, por provada, e, em consequência, fosse a Ré condenada a pagar à sinistrada:
a) A quantia de €5.701.22 (cinco mil setecentos e um euros e vinte e dois cêntimos), a título de 286 dias de indemnização por ITA apurada até à presente data;
b) A quantia vincenda de indemnização por ITA que se venha a apurar até alta médica;
c) A quantia de €2.285,07 (dois mil duzentos e oitenta e cinco euros e sete cêntimos), a título de despesas, médicas, tratamentos, hospitalares, transportes e outras, como supra se alegou e justificou bem como, as vincendas até alta médica;
d) A indemnização de IPP que se vier a apurar em sede de junta médica;
e) Os juros de mora vencidos e vincendos sobre tais quantias, à taxa legal em vigor, desde o dia do acidente de trabalho até integral e efetivo pagamento.
Para o efeito, e em síntese, alegou que, no dia 11-07-2018, pelas 14h30m, quando se encontrava ao serviço da Ré, ao deslocar-se no interior da cozinha, de forma súbita e inesperada, escorregou e caiu no chão, tendo de tal acidente de trabalho resultado lesões que foram a sua causa direta e necessária.
A Ré D… contestou, solicitando, a final, que a ação fosse julgada improcedente, por não provada.
Para o efeito, e em síntese, alegou que o acidente ocorrido deve ser descaracterizado, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 14.º do Regime jurídico dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 98/2009, de 04-09), por ter sido causado por negligência grosseira da sinistrada, visto que a sinistrada procedeu à lavagem de louça em local inapropriado e, com isso, levou a que o chão ficasse molhado e que caísse ao passar no chão molhado.
Proferido despacho saneador, procedeu-se ao julgamento de acordo com as formalidades previstas na lei, tendo sido proferida sentença em 13-06-2020, com o seguinte teor:
Pelas razões de facto e de direito supra expostas, julgo a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a ré, D…, dos pedidos formulados pela autora, F….
Custas a cargo da autora – artº 527º do Código de Processo Civil.
*
Fixo à acção o valor de 7.986l,29€.
Não se conformando com o decidido, a Autora F…, veio interpor recurso, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª A Apelante, não se conforma com a Sentença proferida na Ação Declarativa de Condenação, com Processo Especial Emergente de Acidente de Trabalho, por entender não ser justa nem adequada, por ter legitimidade e estar em tempo, vem impugnar a mesma, por via de interposição de Recurso, juntando alegações e conclusões, o qual, salvo melhor opinião, é de apelação, subindo imediatamente nos próprios Autos e com efeito meramente devolutivo.
2.ª Concomitantemente, considera a Apelante que a matéria de facto dada como provada deve ser alterada, nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, porquanto resulta da análise crítica de toda a prova carreada para os Autos, quer documental, testemunhal, conjugadas com o depoimento e as declarações de parte, que o Tribunal a quo ignorou um conjunto de factos, que pela respetiva relevância jurídica se impunha fossem considerados.
3.ª A Apelante, considera que deveria ter sido dada como não provada, a matéria constante nos Pontos 42 a 46 , patentes da Decisão recorrida, porquanto, considerados no seu conjunto com os demais depoimentos prestados e as declarações transcritas nas alegações, conjugados com a prova documental considerada provada, tal convicção revela-se, no mínimo contraditória.
4.ª Relativamente ao acidente de trabalho sofrido pela Apelante, foi provado que no momento da queda a sinistrada encontrava-se sozinha no interior da cozinha, que o mesmo não foi presenciado pela Apelada nem pela Testemunha Sr.ª J…, as quais, admitiram ainda, não terem visto a Apelante a lavar louça e quando chegaram à cozinha a Apelante estava caída no chão e ainda que a panela se encontrava em cima do lava louça.
(Reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos transcritos nas alegações, que se requer, Ficheiro 20200511104306_1454863_2870783, doravante, cf. Ficheiro Ré: 01m:31s; 02m:19s; 10m:41; 11m:08s; 20m:30s) e (Ficheiro 20200528102048_1454863_2870783, doravante, cf. Ficheiro Testemunha Sr.ª J…: 08m:30s)
5.ª Sobre o Ponto 42 da matéria de facto dada como provado, a Mm.ª Juiz a quo considerou que este facto resultou da confissão da Apelante, o que efetivamente não corresponde à verdade, porque a confissão da Apelante consistiu “lavou uma panela na cuba de preparação de alimentos existente junto ao fogão, esclarecendo que a panela era do tamanho normal e não de grandes dimensões”, não tendo a Apelada ou a Testemunha Sr.ª J…, em momento algum das suas declarações ou depoimento referido que a Apelante tenha caído ou se encontrava caída na parte da cozinha que estava molhada.
(Ficheiro 20200511100707_1454863_2870783, doravante, cf. Ficheiro Autora: 31m53s e 32m:15s)
6.ª Depois, importa referir que a Apelante esteve a lavar uma panela e outros utensílios no lava louça junto ao fogão onde havia gordura e devido a alguns “salpicos” molhou o chão tendo passado com a esfregona de modo a limpá-lo e que não escorregou na parte molhada e caiu ao pé da bancada onde se preparam as refeições, local da queda que a Apelada também refere ser esse não obstante também dizer ao pé do lava louça e quanto ao chão da cozinha estar molhado diz que é apenas junto ao lava louça, o resto do chão não, confirmando o que a Apelante disse.
(cf. Ficheiro Autora: 04m17s a 04m:29s; 05m:08s a 05m:14s; 17m:50 a 18m,29; 28m:35s) e (cf. Ficheiro Ré: 02m:17s a 02m:19s; 05m:43s a 05m:45s;07m:00s a 07m:42s)
7.ª Da conjugação destes dois locais, o primeiro, onde nas palavras da Apelante, estava molhado ou, para a Apelada, havia água, a que corresponde concretamente junto do lava louça do fogão e, um segundo local, onde se encontrava caída a Apelante, neste caso junto à bancada onde se preparam as refeições, local este que por exclusão de partes como disse a Apelada, não tem água, logo está seco, não pode assim a Apelante ter-se deslocado e caído pela parte molhada, pois esta, é só junto ao lava louça do fogão.
(cf. Ficheiro Autora: 05m14s) e (cf. Ficheiro Ré:07m:42s)
8.ª Encontrando-se a Apelante sozinha na cozinha aquando da queda, a prova deste facto resulta exclusivamente do depoimento e declarações das partes proferidas em audiência, concluindo-se que o local onde a Apelante caiu é outro que não junto ao lava louça do fogão, acabando a Apelada em dois momentos das suas declarações por o confirmar, pelo que, o Tribunal a quo deveria ter proferido decisão diversa resultante da conjugação do depoimento da Apelante e das declarações da Apelada, visto que não se fez prova que a queda da mesma ocorreu porque o chão da cozinha estava molhado e a Apelante se deslocou pela parte molhada e caiu, mas sim, “ A Apelante escorregou e caiu na cozinha ao pé da bancada onde se preparam as refeições, encontrando-se o chão molhado, apenas, junto do lava louça do fogão”, decisão que se acolhe e sugere como alteração ao Ponto 42 e este facto ser considerado não provado ou, se provado, como sugerido.
(cf. Ficheiro Autora: 04m:29s; 07m15s; 18m:04s; 18m;29s) e (cf. Ficheiro Ré: 02m:19s)
9.ª Relativamente ao Ponto 43 , para a prova deste facto, o Tribunal a quo considerou apenas as declarações da Apelada, a qual consistiu em descrever a forma como a copa suja está identificada, tendo-o feito sem que essa indicação se destinasse à Apelante, mas sim a outros colaboradores da Apelada, na medida em que a placa identificativa de copa suja se destina a quem presta serviço/posto de trabalho na sala de refeições e não na cozinha como é o caso da Apelante.
(cf. Ficheiro Ré: 11m:26s)
10.ª Apesar da Mm.ª Juiz do Tribunal a quo ter considerado este facto como provado sem qualquer referência ao que a Apelante disse, nomeadamente, que a copa suja serve para lavar pratos e alguma outra louça, não toda, atenta a prova como foi produzido e para os efeitos que a Apelada pretende valer contra a Apelante, ou seja, que esta sabia que era ali que tinha que lavar toda a louça ou utensílios, a Apelante considera que o mesmo deve ser considerado parcialmente provado, com a seguinte redação “ A copa suja, serve para lavar louça e os utensílios”.
11.ª Relativamente ao Ponto 44 , ter a Apelada dado indicação à Apelante que não podia lavar louça ou qualquer outro utensílio na cuba de preparação de alimentos, a Apelante começou por dizer que sempre conheceu a cuba como lava louça e que durante os 18 meses em que lá trabalhou sempre aí lavou louça, nunca a Apelada lhe deu qualquer ordem de que não o podia fazer e que ela própria, a Apelada, também lá lavava louça quando lhe calhava.
(cf. Ficheiro Autora:06m:04s a 07m:49s; 14m:02s a 15m:04s)
12.ª Já a Apelada, tendo chegado à cozinha e a Apelante encontrar-se caída no chão, não viu a mesma a cair e disse que foi a primeira vez que a Apelante ali lavou louça naquele lava louça junto ao fogão, quando a instâncias da Mm.ª Juiz do Tribunal a quo acaba por várias vezes referir pormenores de como a Apelante lavava a panela, nomeadamente, que “tinha a panela na bancada e ia lavando assim”, “Ela lava a panela grande em cima da bancada, mas ela tinha a panela meio dentro do lava louça e um bocado apoiada na bancada” ou se a “Apelante não tivesse trabalho, lavava toda a louça na cozinha”, declarações que o Tribunal a quo não teve em conta na análise deste facto, as quais permitiam concluir que a Apelada não podia ter dado qualquer indicação de segurança, pois descreveu a forma como a Apelante lavava a panela, e tendo referido que não viu lavar a panela e foi a primeira vez que a Apelante ali lavou louça, portanto, a Apelada não viu mas sabia como a Apelante lavava a panela em cima da bancada da cozinha.
(cf. Ficheiro Ré:10m:39s a 11m:08s;12m:00s a 13m:58s;18m:12s a 19m:15s)
13.ª Em relação a tratar-se de uma condição de segurança, a Apelante para além de nunca lhe ter sido transmitida tal indicação considera que a mesma nos precisos termos não constitui qualquer condição de segurança, tratando-se apenas de uma mera regra de organização interna da entidade empregadora não enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, visto que, nesse mesmo lava louça junto ao fogão, a Apelante podia “lavar hortaliças e outras coisas assim”, não constituindo este ato qualquer risco, existindo risco, apenas quanto à lavagem de louça ou utensílios, pelo que, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo errou no julgamento deste facto, ao considerar existir uma condição de segurança quando em audiência de julgamento a prova produzida decorrente das declarações da Apelada, permitiam concluir que tal não aconteceu, que a Apelada nunca indicou qualquer condição de segurança e neste sentido, este facto deve ser considerado não provado ou, se provado, neste termos, “ A ré não indicou à autora, que não podia lavar louça ou qualquer instrumento de trabalho, no lava louça junto ao fogão”, eliminando do mesmo, a condição de segurança por não existir como tal e substituindo o termo “cuba de preparação de alimentos” por “lava louça junto ao fogão.
(cf. Ficheiro Autora:33m:24s a 33m:42s) (cf. Ficheiro Ré: 12m:37s a 12m:52)
14.ª Por fim, ainda quanto ao Ponto 44 , ser evidente a manifesta falta de credibilidade das declarações da Apelada, as quais o Tribunal a quo valorou como credíveis e com o qual não se acompanha, ainda mais, tendo em conta todo o seu comportamento ao longo do processo, desde logo pela não subscrição de qualquer apólice de seguro para a Apelante, a que acresce o facto também de 3 horas após o acidente ir subscrever uma apólice de seguro para tentar transferir a responsabilidade para a companhia de seguros, mais quando a final vem pedir a descaracterização por violação de condição de segurança que se consumou (segundo ela, conhecida por si no momento do acidente) e agora, a instâncias do próprio Tribunal a quo profere varias afirmações que contrariam o direito que se quer fazer valer, mormente, a indicação de uma condição de segurança para descaracterização do acidente, declarações que o Tribunal a quo não considerou e que, conduziam a decisão contrária no sentido da não descaracterização do acidente por não ter sido violada a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.
15.ª Por sua vez o Ponto 45 , a Apelante negou que durante os 18 meses em que lá trabalhou a Apelada lhe transmitiu alguma indicação no sentido de saber “que não podia molhar o chão para não escorregar e cair”, servindo apenas para prova deste facto as declarações e depoimento conclusivos da Apelada e da Testemunha Sr.ª J…, (Sim. Disse. Foi informado) as quais o Tribunal a quo considerou credíveis e isentas, sem qualquer outra referência objetiva de prova, quando, onde o fez, por que razão indicou, em que circunstâncias e quais as finalidades dessas indicações dadas pela Apelada à Apelante.
(cf. Ficheiro Autora, 15m:21s); (cf. Ficheiro Ré: 12m:22s a 12m:24s) e (cf. Testemunha Sr.ª J… 06m:29s a 06m:31s)
16.ª Considerando-se que a prova deste facto decorre das declarações da Apelada e depoimento da Testemunha Sr.ª J…, ambos conclusivos, e não de factos materiais provados, as mesmas não podem ser elas de per si objeto de prova, visto constituírem juízos valorativos integrantes do próprio facto a decidir, devendo estas serem excluídas do elenco factual considerado pelo Tribunal a quo como provado por se integrarem no thema decidendum e neste sentido a Mm.ª Juiz a quo errou no julgamento, porquanto se ter pronunciado sobre afirmações conclusivas, assim, essa pronuncia deve ter-se por não escrita.
17.ª Por último o Ponto 46 da matéria de facto não provada e também aqui se remete novamente para a ausência de resposta por Parte da Apelada, cabendo apenas à Testemunha Sr.ª J… alegar de forma conclusiva relativamente ao facto da Apelante saber que tinha de limpar o chão caso o molhasse e utilizar as placas de modo a sinalizar o mesmo como molhado, indicações que não foram transmitidas à Apelante além desta ter referido que na cozinha onde trabalhava nunca lá viu placa dessas.
(cf. Ficheiro Autora, 15m:21s e 15m:40s)
18.ª Ainda, no que concerne a limpar o chão, a Apelante visto encontra-se sozinha na cozinha aquando da queda não produziu prova sobre tal facto tendo apenas referido por diversas vezes que o fez e por sua vez a Apelada ou a Testemunha Sr.ª J… nunca disseram o contrário, referindo apenas a existência de água no chão junto ao lava louça do fogão, significando apenas que este facto não resultou provado e nada mais, não implicando tal resposta que se considere provado o facto contrário, como fez o Tribunal a quo, o qual, salvo melhor opinião, inclusive referiu por várias vezes que a Apelante realizou tal tarefa, nomeadamente, que limpou com a esfregona, e neste sentido ser considerado não provado por ausência de prova.
(cf. Ficheiro Autora, 15m:54s a 16m:32s e 34m:14s a 34:47s)
19.ª Em relação aos factos não provados considerados pelo Tribunal recorrido, contrariamente ao que a lei preconiza, regista-se ausência total de fundamentação sobre o sentido da sua decisão, desconhecendo, a Apelante, quais os motivos ou razões em que assentou essa escolha.
20.ª Sobre o Ponto 3 dos factos não provados, que remete no essencial para o local da queda encontrar-se seco, a Apelante e Apelada em audiência de julgamento referiram que onde estava molhado ou havia água era junto ao lava louça do fogão, acrescentando a Apelada, que no resto à volta não (onde estava molhado/havia água), e, perante o facto da Apelante não ter caído ao pé do lava louça mas sim, junto à bancada onde se preparam as refeições, local que por exclusão de partes se situa “no resto à volta”, logo, considera-se este facto como provado sugerindo-se assim o aditamento à matéria dos factos provados nos precisos termos em que se encontra redigido.
21.ª No que concerne ao Ponto 4 dos factos não provados, referente à Apelante ter realizado consultas e tratamentos na “Clínica …” e cujos custos foram suportados pela companhia de seguros, não tendo sido confirmado tal facto pela testemunha arrolada, Sr.º R…, gestor de sinistros da seguradora e desse modo a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo o considerar como não provado, verifica-se porém a existência nos autos de prova documental, fls. 54 e 61, que atesta a veracidade do alegado pela Apelante, concretamente, o ofício enviado pela companhia de seguros aos serviços do Ministério Público junto do Tribunal a quo, onde estão discriminados, desde logo a 1ª consulta, (18.07.2018) e vários outros tratamentos realizados nessa Clínica pela Apelante, o que permitia ao Tribunal a quo, apreciar a prova documental livremente e conjugando-a com as regras de experiência própria, conferia em nosso entender, proferir decisão diversa no sentido do mesmo constar da matéria dos factos provados, pelo que se propõe o seu aditamento aos factos provados nestes precisos termos.
22.ª Já o Ponto 5 e último dos factos não provados, que trata do facto da Apelante ter recebido a importância de € 513,98 referente ao pagamento de 29 dias de incapacidade temporária absoluta, quantia recebida através de cheque do … Banco que lhe foi remetido pela Companhia de Seguros …, novamente o Tribunal a quo valorou exclusivamente o depoimento da Testemunha Sr.º R…, ao dizer que não foi pago qualquer importância à Apelante, quando nos próprios autos existe prova documental (“Nota discriminativa das indemnizações pagas”, documentos que constituem fls. 54 e 62 dos autos) remetida pela companhia de seguros ao MP que atesta precisamente o oposto, que a companhia de seguros pagou à Apelante a importância acima mencionada, impunha-se assim, ao Tribunal a quo, fazer um juízo de suficiente probabilidade e verosimilhança de que o facto alegado pela Apelante, apesar de lhe ser desfavorável, corresponde à verdade, pelo que, a Apelante considera que o mesmo deve passar a constar do elenco dos factos provados com a atual redação.
23.ª Dizer ainda, que os Pontos 4 a 5 , considerados factos não provados pela Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, são factos alegados pela Apelante na Petição Inicial e que constam dos Temas da Prova os quais aproveitam a Apelada, no sentido da Apelante, estar a dizer aos autos, que a Apelada, no espaço temporal que decorre entre a participação do acidente (17.7.2018) e a seguradora ter conhecimento da não existência de seguro válido de acidente de trabalho (30.8.2018), que as consultas e tratamentos realizados na clínica “C…” foram da responsabilidade da seguradora e que esta inclusive, também pagou à Apelante 29 dias de incapacidade temporária absoluta, pelo que, a Apelada, nada deve à Apelante pelos pagamentos dessas consultas, tratamentos e 29 dias de ITA, considerações estas que o Tribunal a quo deveria ter em conta na análise crítica deste facto as quais lhe permitiriam considerar os mesmos totalmente provados, o que se sugere.
24.ª Por fim, quanto à matéria de facto impugnada, o Ponto 36 , constante dos Temas da Prova, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, ao não discriminar como facto provado ou não provado, e tendo-o feito sem qualquer fundamentação, não valorou, à semelhança de outra prova documental que apesar de impugnada pela Apelada foi apreciada livremente pela Mm.ª Juiz a quo, esta prova documental constante dos autos de fls. 230 e 231 que atesta a veracidade do mesmo, com a agravante de saber-se que o evento que conduziu à emissão desse documento contabilístico, que atesta e descrimina os moldes da sua ocorrência, não pode ser posta em causa, bem como, perante as razões conhecidas nos autos da falta de seguro da Apelada, coube à Apelante enquanto beneficiária dessa prestação de serviços médicos urgentes a responsabilidade pelo seu pagamento, portanto, bastava ao Tribunal a quo efetuar um juízo suficiente de verossimilhança acrescido da experiência própria lhe permitia proferir decisão diversa, donde, a Apelante propõe a sua inclusão na matéria de facto provada, com o mesmo texto.
25.ª Em termos de impugnação da matéria de direito, não podemos deixar de trazer à colação o facto do Tribunal a quo, também em matéria de direito, se limitar apenas a enquadrar alguns factos numa das normas indicadas pela Ré, com argumentação assaz escassa e pouco fundamentada, convocando apenas a norma do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da LAT, sem que tenha feito qualquer referência ao n.º 2 do mesmo artigo, que exclui a sua aplicação e também, sem qualquer interpretação e aplicação da mesma aos factos dados como provados o que, salvo melhor opinião, enferma de alegado erro de julgamento por errónea aplicação do direito ao caso concreto.
26.ª Também, o Tribunal a quo não fez qualquer abordagem aos requisitos cumulativos necessários para que seja produzida prova da descaracterização do acidente de trabalho, desde logo, quanto à existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, na qual assenta o pedido formulado pela Apelada, e, como supra se demonstrou e provou pelas declarações da Apelada em audiência de julgamento, a Apelante, reitera que nunca lhe foi imposta pela Apelada qualquer regra de segurança no sentido de que não podia lavar louça ou utensílios no lava louça junto ao fogão bem como, considera que essa condição de segurança invocada pela Apelada para a descaracterização do acidente, não constitui qualquer regra de segurança na medida em que o próprio risco inerente à tarefa ser apenas relativo a louça e utensílios e não conexionado com o risco decorrente da atividade da Apelante enquanto cozinheira ao utilizar esse lava louça, mas sim uma medida organizacional da empregadora.
27.ª “Da existência de ato ou omissão da vítima que os viole”, a Apelante, porquanto durante os 18 meses em que lá trabalhou ter procedido à lavagem de louça e utensílios no lava louça junto ao fogão sem que lhe tenha sido transmitida, por razões de segurança, que não o podia fazer, não pode pois, a Apelante, dar causa ao acidente, nomeadamente, por ter violado condições de segurança que não conhecia, já que nunca indicadas pela Apelada.
28.ª Também, o comportamento da Apelante ao ter procedido à lavagem de uma panela no lava louça junto ao fogão, só é voluntário ou consciente, caso fosse por si conhecida e constituísse uma condição de segurança, além do próprio ato de lavagem da panela estar associado um motivo justificativo invocado pela Apelante, nomeadamente, a “falta de tempo” para não proceder à lavagem na copa suja, e que a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo fazendo referência na Decisão recorrida, não atendeu e que justificava a aplicação do n.º 2, do artigo 14.º da LAT, excluindo assim a descaracterização do acidente, da mesma forma, se convocaria a aplicação deste normativo face à condição de segurança invocada pela Apelada, “ Porque as indicações que eu sempre dei era que a louça suja, tudo o quanto era louça era na copa suja, o resto, preparar os alimentos era na sala ao lado… foi sempre o que eu disse.”, resultante da própria dificuldade da Apelante em entender esta como norma ou condição de segurança, à qual, está associado determinado risco (molhar o chão), na medida em que, no mesmo lava louça, a Apelante lavava “hortaliças e outras coisas assim” como referiu a Apelada, sendo o risco o mesmo, pelo que a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não podia descaracterizar o acidente ao abrigo da 2ª parte da alínea a) do n.º 1, do artigo 14.º da LAT, porque o n.º 2 do mesmo artigo, que não foi tido em conta na Decisão, vem excecionar essa violação.
29.ª Último pressuposto, “que o acidente tenha sido consequência desse ato ou omissão”, aqui a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo considerou irrelevante o tamanho da panela, decisão que respeitosamente se censura, começando pelo facto da Apelada ter trazido aos autos e feito prova em audiência da qualificação como de “grandes dimensões”, constituindo esta inverdade também um comportamento justificativo de falta de credibilidade da Apelada e Testemunha Sr.ª J…, já que a dimensão é desnecessária face à condição de segurança invocada ab initio (lavar louça ou utensílios na cozinha), para além de tudo isto, também a Apelante, considera ser necessário haver um nexo entre essa violação e o sinistro ocorrido ou seja, que a queda da Apelante foi consequência direta e imediata desta falta ou violação (causa-efeito), e a Apelada não fez prova disso, para mais, a Apelante não caiu a lavar a panela, esta estava em cima da bancada e a Apelante deslocou-se desse local, bem como o facto de lavar uma panela normal como confessou a Apelante ou ser de grandes dimensões como disse a Apelada, os salpicos/água no chão, serem diferentes quer em quantidade ou na área do chão molhada, elementos que, se apurados, seriam eventualmente suficientes ou aptos, de forma única e exclusiva, para provocar ou não a queda sofrida pela Apelante e recaia sobre a Apelada o ónus de produzir tal prova demonstrativa da existência de nexo causal entre o facto de ter lavado a panela no lava louça junto ao fogão e o acidente, o que esta não fez.
30.ª Finalmente, quanto à matéria de direito, a Apelante atentas as considerações acabadas de proferir, conclui que o Tribunal a quo errou no julgamento, por não ter sido produzida prova pela Apelada, que conferia à Mm.ª Juiz do Tribunal a quo aplicar a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, por não estarem reunidos os pressupostos cumulativos de direito para a sua aplicação, nomeadamente, a ordem não constituir uma condição de segurança, também a involuntariedade e inconsciência desse ato, ainda a existência de causas justificativas e também, a falta de nexo causal entre o ato e o acidente, errando deste modo, o Tribunal a quo ao aplicar esta norma violada (à contrário, não devia ter aplicado), artigo 639.º, n.º 2, alínea c) do CPC.
Nestes termos, nos melhores de Direito com o Douto Suprimento dos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, com a revogação da Sentença recorrida por outra que julgue procedentes os Pedidos formulados pela Autora/Apelante, com todas as legais consequências, assim se fazendo, JUSTIÇA.
A Ré D… apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
I - São as seguintes as questões levantadas em sede de recurso por parte da Recorrente: alteração dos pontos 42.º a 46.º da matéria de facto dada como provada; Alteração dos pontos 3.º a 5.º dos factos dados como não provados; Aditamento do ponto 36.º dos temas da prova e erro na subsunção dos factos ao direito.
II – No que se refere ao ponto 42.º dos factos dados como provados a Apelante insurge-se alegando que este facto deve ser alterado passando apenas a constar como provado: “A autora escorregou e caiu na cozinha ao pé da bancada onde se preparam as refeições, encontrando-se o chão molhado ao pé do lava louça” na sua opinião.
III - A opinião da Recorrente não releva para nada, o que interessa é a prova que foi produzida ou não.
IV - A Recorrente não transcreve a totalidade da fundamentação avançada pelo Tribunal a quo quanto a ter dado como provado este facto.
V - O Tribunal a quo refere expressamente que formou a sua convicção também na prova documental constante do processo e que consta no elenco dos factos provados:
“ 9.º Aquando da sua submissão, em 16.01.2019, a exame médico-legal no Gabinete Médico-legal e Forense do Alentejo Central, a autora declarou, quanto à história do evento, que “escorregou na cozinha com o chão molhado e caiu”
10.º Na tentativa de conciliação que teve lugar no dia 09-04-2019 a autora aceitou que o acidente de trabalho ocorreu “(…) no exercício das suas funções, escorregou e caiu na cozinha com o chão molhado”
VI - A Apelante nunca faz menção a esta prova documental, nem rebate estes factos dados como provados, aceitando-os.
VII - Perante esta prova já existente no processo, nem era necessário qualquer elemento de prova adicional a produzir.
VIII - A Recorrente nunca explica a contradição com o que veio a alegar nomeadamente no artigo 6.º da PI.
IX - Ao tomar conhecimento na tentativa de conciliação do fundamento da Recorrida para não assumir a responsabilidade, a Recorrente na PI vem contar uma história e adultera os factos.
X - A matéria de facto dada como provada no ponto 42.º foi bem decidida pelo Tribunal a quo e não merece censura, aliás, tal facto já resultava provado da conjugação de outros factos dados como provados, nomeadamente os factos constantes dos pontos 9.º e 10.º que a Recorrente não questiona nem coloca em crise.
XI - O Tribunal a quo deu como provado o facto vertido no ponto 43.º e a Recorrente vai à motivação da decisão retirar o que lhe interessa e “esquece-se” do que não lhe interessa.
XII - O que releva é se existia copa suja no local de trabalho, ou não, da Recorrente.
XIII - E isso até do depoimento de parte da Recorrida resulta, ao reconhecer a sua existência e lavar lá a louça.
XIV - A alteração pretendida pela Recorrente em nada releva, ou influencia, a decisão no caso sub judice dado que reconhece a existência da copa suja.
XV - Balizando-se, inclusive, o Tribunal a quo nas regras de experiência comum para concluir que se existe um local próprio para a lavagem de louça e utensílios devem os funcionários agir em conformidade.
XVI - Não deixa de ser criativa, reconhece-se, a teoria da Recorrente em como a placa serve para os outros trabalhadores e não para ela.
XVII – Porém, não explica como que a Recorrente entrava na cozinha e não vê a placa, sendo que não alegou, nem provou, a existência de uma porta para o exterior através da cozinha e que só entrava e saia por essa e que não ia à sala de refeições.
XVIII - O depoimento da Recorrente, não tendo confessado o facto, de nada interessa para apreciação deste facto dado que não foram pedidas as duas declarações de parte.
XIX - Não indica a Recorrente elementos probatórios que contrariem a decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto a esta matéria de facto, pelo que terá de ser improcedente a impugnação deduzida quanto a este ponto, embora seja irrelevante para a decisão da causa.
XX - A Recorrente como alegada prova do contrário do facto dado como provado n.º 44.º alega o seu depoimento, sendo que o mesmo não releva dado que não constitui confissão, e até resulta o seu depoimento, cujos excertos transcreve, que tinha conhecimento da existência da copa suja, que lavava a louça e utensílios nela e refere que quando havia vagar lavavam na copa suja 09m.50s, e quando estava mais atarefada não lavava lá, o que é elucidativo, aliás pormenor esse evidenciado pelo Tribunal a quo na decisão que tomou.
XXI - Nas declarações de parte que a Recorrente transcreve “esqueceu-se” da parte em que a Recorrida confirma esta factualidade ao responder à Meritíssima Juíza:
14m40seg a 15min, dia 11-05-2020: Ré:“ Porque as indicações que sempre dei foi que tudo o que era louça suja era na copa suja, o resto preparação dos alimentos era na sala ao lado, foi sempre o que eu indiquei ainda por cima se aquilo está dividido as duas casas estão divididas.”
XXII – A Recorrente ignora o depoimento da testemunha J… quanto a este facto que o confirmou dado que na passagem de 03m.00seg a 06m.10seg, dia 28/05/2020, a testemunha indica o procedimento de lavagem apenas na zona de copa suja, refere os riscos e até o facto da zona de copa suja ter um tapete apropriado ao contrário das outras zonas, descrevendo ainda o procedimento em caso do chão ser molhado.
XXII - Depoimento esse que foi tido em consideração pelo Tribunal a quo, da mesma forma que até fundamentou nas regras do senso comum!
XXIV - Não indica a Recorrente meios de prova que possam abalar a decisão de facto tomada pelo Tribunal a quo quanto a este facto.
XXV - Quanto ao ponto 45.º dos factos dados como provados, a Recorrente invoca o seu depoimento a negar tal facto e as declarações da R. e testemunha J…, reconhecendo que quer a Recorrida nas declarações quer a testemunha no seu depoimento confirmaram este facto.
XXVI - Refere que o depoimento da testemunha Jéssica não foi credível porque não esclarece como, quando, onde e de que modo ocorreram os factos materiais e não é coerente com o número de lava louças, quando esquece que a própria Recorrente foi repreendida pelo Tribunal por nas suas declarações não estar a explicar devidamente o espaço da cozinha, entrando em grosseira contradição.
XXVII - O Tribunal considerou credível o depoimento da testemunha, e bem, razão pela qual deu como provado tal facto conjugado com as declarações da Recorrida e, mais uma vez, a Recorrente na argumentação desvia-se do objeto do processo à mingua de argumentos, quando a própria Recorrente, na pessoa do seu mandatário, até receber a decisão ora recorrida parece ter ficado esclarecida isto porque, apesar do artigo 516.º n.º 2 do CPC conferir tal faculdade, ouvido o depoimento em momento algum, podendo-o fazer, o mandatário da Recorrente colocou as questões que agora coloca, sendo esse o momento oportuno, isto é como, quando, onde e de que modo ocorreram os factos.
XXVIII - Não existem elementos probatórios, nem a Recorrente indica, que possam abalar a decisão do Tribunal a quo quanto a este facto.
XXIX - No que respeita ao ponto 46.º dos factos dados como provados, o Tribunal a quo alicerçou-se nas declarações da Recorrida e no depoimento da testemunha J… conjugadas com as regras de experiência comum para dar como provado tal facto.
XXX - A Recorrente insurge-se invocando o seu depoimento, e que não podia fazer prova de forma alguma, dado que estava sozinha na cozinha quando o depoimento da A. não releva dado que não constitui confissão,
XXXI - A Recorrente podia, como fez a Recorrida, requerer as suas declarações de parte como meio de prova, sendo as mesmas valoradas livremente pelo Tribunal.
XXXII - A Recorrente não indica qualquer meio de prova que possa alterar a resposta a este facto nem adianta qualquer fundamento válido que possa abalar alguma das provas em que se alicerçou o Tribunal a quo para dar como provado tal facto.
XXXIII - Pretende também a Recorrente a alteração do ponto 3.º dos factos não provados, passando este para o elenco dos factos dados como provados.
XXXIV - O Tribunal a quo é claro ao indicar que resultou de: ”ausência de prova quanto aos mesmos”, não podendo fundamentar de outra forma.
XXXV - A Recorrente é que tem de indicar os meios de prova dos quais resultasse provado tal facto, e os excertos descontextualizados das declarações da R. não provam tal facto, sendo caricato que se peça que seja dado como provado um facto com provas das quais não resulta esse facto!
XXXVI - Esse facto está em clara contradição com outros factos dados como provados que a Recorrente não questiona, nomeadamente os pontos 9.º e 10.º
XXXII - Não existem, nem a Recorrente indica, elementos probatórios que levem à alteração da decisão da matéria de facto proferida quanto a este facto pelo Tribunal a quo.
XXXIII - Pretende a Recorrente a alteração do ponto 4.º dos factos não provados, passando a constar como provado, sendo que o facto em causa pouco releva para o caso sub judice
XXXIX - Por outro lado, trata-se de um facto controvertido cujo ónus da prova cabia à Recorrente, a qual reconhece não ter resultado da prova testemunhal que arrolou.
XXXX - Tratando-se de factos controvertidos, por si só sem ser conjugado com qualquer outra prova adicional, o documento de fls. 54 a 61, na leitura que a Recorrente lhe dá, é insuficiente para dar como provado tal facto.
XXXXI - Terá de improceder a impugnação da Recorrente também quanto a este facto dado como não provado.
XXXXII - Quanto ao ponto 5.º dos factos não provados, este facto não foi confirmado pela testemunha R…, antes pelo contrário, e a prova documental de fls. 54 a 62 dos autos é insuficiente para dar como provado tal facto controvertido.
XXXXIII - Considera a Recorrente que o ponto 36 dos temas da prova deve ser dado como provado, quando tal facto é controvertido e o documento que a Recorrente invoca foi impugnado pela Recorrida, aliás como reconhece a Recorrente.
XXXXIV - Perante a impugnação, a Recorrente não requereu a produção de qualquer meio de prova nos termos do n.º 2 do artigo 445.º do CPC
XXXXV - Não se ignora que o Tribunal a quo considerou provados outros factos com base em documentos impugnados pela Recorrida mas fê-lo sempre e nos casos em que não existiam apenas os documentos, mas foi produzida alguma prova por outro meio, o que não foi o caso pelo que não deverá ser aditado tal facto à matéria de facto dada como provada.
XXXXVI - A Recorrente lavra em manifesto erro ao considerar que o Tribunal a quo errou na subsunção dos factos ao direito, dado que as alegações que apresenta quanto a este fundamento são sempre na perspetiva da alteração da decisão da matéria de facto no sentido em que a Recorrente pretende.
XXXXVII - Em momento algum, de forma válida e sustentável, a Recorrente invoca um erro de subsunção dos factos ao direito baseada nos factos que o Tribunal a quo deu como provados.
XXXXVIII - Se a aplicação de outras normas, ou de forma diversa as que o Tribunal aplicou, resulta da alteração da matéria de facto não existe erro!
XXXXIX - Quanto à violação das regras de segurança, o que encontramos na alegação da Recorrente é que esta considera que não consubstancia uma regra de segurança, contrariando a decisão do Tribunal a quo e a matéria de facto dada como provada.
XXXXX - Considerando que o risco de queda em virtude de escorregamento não está relacionado com a atividade de cozinheira, mas então não explica porque a mesma escorregou e caiu.
XXXXXI - Quanto à existência de causa justificativa vem agora alegar a Recorrente que, ponto 107: “O Tribunal a quo face à prova produzida de que a ajudante da Apelante se encontrar de baixa clínica e não ter sido substituída, sobrecarregando assim as tarefas da apelante, a hora do acidente ser próximo do final do horário de trabalho, tudo isto, são enquadráveis como justificações relevantes para a não descaracterização do acidente.”
XXXXXII - Trata-se de factos novos que cabiam ser alegados pela Recorrente e não o fez e não foi produzida prova quanto aos mesmos, nem a Recorrente requereu que tais factos sejam dados como provados.
XXXXXIII - Quanto ao nexo de causalidade, mais uma vez esbarra a Recorrente na decisão da matéria de facto dada como provada porque o Tribunal a quo justifica a existência do mesmo com base nos factos dados como provados.
XXXXXIV - A Recorrente pretende demonstrar a inexistência de nexo de causalidade mas não com base nos factos dados como provados, mas sim com a alteração destes!
XXXXXV - Sendo certo que, no que se refere ao nexo de causalidade, são elucidativos os factos dados como provados nos pontos 9.º e 10.º, que a Recorrente não questiona, relacionados com os que constam nos pontos 6, 11, 42, 45.º e 46.º da matéria de facto dada como provada provam o nexo causal.
XXXXXVI - Assim sendo, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.
Nestes termos, Negando-se provimento ao recurso apresentado pela A. e confirmando-se a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo far-se-á a tão costumada JUSTIÇA!
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
Em resposta ao parecer, a Autora veio pugnar pela procedência do recurso.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram dispensados, por acordo, os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Impugnação da matéria de facto; e
2) Requisitos para a descaraterização do acidente de trabalho.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1º A autora, F…, nasceu no dia 29.08.1961.
2º Foi admitida ao serviço da ré mediante a celebração de um contrato de trabalho para, com carácter regular, sob a sua direção, autoridade, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções de cozinheira de 2ª.
3º Como contrapartida do trabalho prestado, a autora auferia uma retribuição anual de 10.394,34€ (retribuição mensal de 660,00€ x 14 meses) + (subsídio de refeição de 4,77€ x 22 dias x 11 meses).
4º No dia 11 de Julho de 2018, cerca das 14,30 horas, durante o período normal de trabalho e no seu local de trabalho, mais propriamente na cozinha, a autora escorregou e caiu no chão.
5º O calçado e o vestuário que a autora envergava era apropriado às funções, sendo o mesmo que sempre utilizou para o desempenho das mesmas.
6º No momento da queda a sinistrada encontrava-se sozinha no interior da cozinha.
7º Face à ocorrência do acidente foram accionados os meios de socorro, nomeadamente os Bombeiros Voluntários de Vendas Novas, tendo comparecido no local 4 operacionais e uma ambulância.
8º Decorrente da gravidade da situação, pelo bombeiro/operacional responsável pelo socorro, foi informado o CODU, que ordenou o transporte imediato da sinistrada para o Hospital do Espírito Santo de Évora, sem passagem pelo Centro de Saúde Local.
9º Aquando da sua submissão, em 16.01.2019, a exame médico-legal no Gabinete Médico- legal e Forense do Alentejo Central, a autora declarou, quanto à história do evento, que “Escorregou na cozinha com o chão molhado e caiu.”.
10º Na tentativa de conciliação que teve lugar no dia 09.04.2019 a autora aceitou que o acidente de trabalho ocorreu quanto “(…) no exercício das suas funções, escorregou e caiu na cozinha com o chão molhado.”.
11º A autora lavou uma panela na cuba de preparação de alimentos existente junto ao fogão.
12º A autora dispunha no local de meios para lavar o chão.
13º A sinistrada apresentou a participação de acidente de trabalho à companhia de seguros.
14º Decorrente da apresentação pela sinistrada da participação de acidente de trabalho, os serviços da seguradora procederam à marcação de uma consulta de ortopedia.
15º A mando dos serviços da companhia de seguros a sinistrada deslocou-se ao Hospital da Luz, à consulta de Ortopedia.
16º A companhia de seguros, face à não existência de seguro válido, não procedeu ao pagamento do transporte em viatura auto própria inerente à deslocação a Lisboa, “despesas para reembolso”, no valor de 60,00€.
17º Por carta datada de 30.08.2018, a companhia de seguros … notificou a sinistrada, informando que “não era da nossa responsabilidade o sinistro ocorrido com o referenciado, porquanto não existir contrato válido à data e hora do acidente”.
18º O médico ortopedista, Dr. Fr…, na consulta realizada em 12.09.2018 prescreveu à sinistrada a realização de “Ecografia da coxa esq.”.
19º Pela consulta a sinistrada liquidou a importância de 60,00€ à Clínica “c…”.
20º Para a efectivação das sessões de fisioterapia prescritas enquanto decorriam os tratamentos sob ordens da seguradora e que foram suspensas, nomeadamente 8 sessões, a sinistrada realizou as mesmas nas datas constantes das Faturas Recibo n.ºs 4829, 4757, 4782, 4837, 4855, 5053, 5082 e 5108, emitidas pela Clínica “c…” em Vendas Novas, no valor unitário de 15,00€, liquidando a importância total de 120,00€.
21º O exame médico prescrito anteriormente foi realizado no dia 24.09.2018 na Clínica “A…” em Évora e importou no montante de 50,00€, conforme Fatura Recibo n.º 85162/R2018.
22º Para a realização do dito exame a autora despendeu a quantia de 40,00€ com a deslocação a Évora em viatura auto própria.
23º Em 26.09.2018, o médico ortopedista prescreveu à sinistrada a continuação de fisioterapia.
24º Pela consulta a sinistrada liquidou a importância de 55,00€ à Clínica “c…”, conforme Fatura/Recibo n.º 5146.
25º Com a continuação da fisioterapia, a autora despendeu o montante total de 270,00€, correspondente a 18 sessões no valor de 15,00€ cada, conforme Faturas Recibo n.ºs 5125, 5202, 5229, 5245, 5280, 5326, 5340, 5370, 5422, 5442, 5461, 5478, 5494, 5556, 5580, 5592, 5604 e 5623, emitidas pela Clínica “c…”.
26º A autora foi consultada pelo médico ortopedista Dr. C… em 24.10.2018, tendo pago a importância de 55,00€, conforme Fatura/Recibo n.º 5623 emitido pela Clínica “c…”.
27º Na referida consulta o médico prescreveu à sinistrada a realização de “continuação de fisioterapia + 10 sessões” e “Ecografia da coxa esq.”.
28º Para a efetivação da prescrição do médico, “continuação de fisioterapia + 10 sessões”, a sinistrada despendeu importância total de 150,00€, conforme Faturas/Recibo n.ºs 5660, 5696, 5719, 5758, 5770, 5836, 5861, 5935, 6010 e 6096, emitidas pela Clínica “c…”.
29º O exame médico prescrito anteriormente foi realizado no dia 19.11.2018 na Clínica “A…” em Évora, tendo a autora liquidado a importância de 50,00€, conforme Fatura Recibo: 102640/R2018.
30º Para a realização do dito exame a autora despendeu a quantia de 40,00€ com a deslocação a Évora em viatura auto própria.
31º Tendo na sua posse o relatório médico deste exame, a sinistrada, no dia 22.11.2018 voltou à consulta de ortopedia, na qual o clínico prescreveu, “Pede-se fisioterapia – 10 sessões”.
32º Por esta consulta de ortopedia a sinistrada liquidou a importância de 55,00€, constante da Fatura/Recibo n.º 6209, emitida pela Clínica “c…”.
33º Para a efetivação da prescrição do médico, “Pede-se fisioterapia - 10 sessões”, a sinistrada realizou as mesmas sessões nas datas constantes das Faturas/Recibo n.ºs 6272, 6364, 6385, 6416, 6459, 6508, 6542, 6594, 6651 e 6722, emitidas pela Clínica “c…”, no valor unitário de 15,00€, liquidando a importância total de 150,00€.
34º Após a realização dos tratamentos de “fisioterapia - 10 sessões”, em 18.12.2018, a sinistrada voltou à consulta de ortopedia, tendo o ortopedista prescrito a realização de outra “Ecografia da coxa esq.”.
35º Pela consulta a sinistrada liquidou a importância de 55,00€ à Clínica “c…”, conforme Fatura/Recibo n.º 6722.
36º Em 02.01.2019, a sinistrada voltou à consulta de ortopedia na Clínica “c…”, tendo pago a importância de 55,00€ à Clínica “c…”.
37º A Ecografia requisitada pelo ortopedista, foi realizada no dia 12.01.2019, na Clínica “A…”, tendo a sinistrada liquidado a importância de 50,00€, conforme Fatura Recibo n.º 3873/R2019.
38º Para a realização deste exame a autora despendeu a quantia de 40,00€ com a deslocação a Évora em viatura auto própria.
39º Em 16.01.2019, a sinistrada despendeu a quantia de 40,00€ em deslocação ao Gabinete Médico-Legal e Forense do Alto Alentejo Central, em Évora, onde foi sujeita a perícia médico-legal.
40º Em 15.03.2019 a sinistrada despendeu a quantia de 40,00€ em deslocação em viatura auto própria à Procuradoria do Juízo do Trabalho de Évora, para a tentativa de conciliação.
41º Em 09.04.2019 a sinistrada despendeu a quantia de 40,00€ em deslocação em viatura auto própria à Procuradoria do Juízo do Trabalho de Évora, para a tentativa de conciliação.
42º A queda da autora ocorreu porque o chão da cozinha estava molhado e a autora ao deslocar-se pela parte molhada escorregou e caiu.
43º A copa suja, que está devidamente assinalada, é o local que serve para lavar a louça e todos os utensílios. (alterado conforme fundamentação infra)
44º A ré indicou à autora, como condição de segurança, que não poderia lavar a louça, ou qualquer instrumento de trabalho, na cuba de preparação de alimentos mas sim na copa suja em virtude deste ser o local apropriado. (alterado conforme fundamentação infra)
45º E indicou à autora que não podia molhar nem andar sobre o chão molhado para não escorregar e cair. (eliminado conforme fundamentação infra)
46º E que teria de limpar o chão caso o molhasse, devendo assinalar com as placas disponíveis que alertam para o piso molhado e risco de queda, o que a autora não fez. (alterado conforme fundamentação infra)
47º A autora está curada sem desvalorização desde 16.01.2019 do acidente que sofreu em 11.07.2018.
(acrescentados os factos 48º e 49º conforme fundamentação infra)
E deu como não provados os seguintes factos:
1º O acidente de trabalho ocorreu na zona central da cozinha, sensivelmente no caminho/local de passagem em direcção à porta de acesso à arrecadação exterior.
2º E quando a sinistrada iniciava a preparação das refeições para os trabalhadores da entidade patronal.
3º O local da queda encontrava-se limpo, seco e livre de quaisquer objectos que interferissem no normal deslocamento da autora.
4º Ainda sob a responsabilidade da companhia de seguros, a sinistrada efetuou várias consultas e tratamentos na Clínica “calendáriodotempo. (eliminado conforme fundamentação infra)
5º Em 20.08.2018, a companhia de seguros Tranquilidade enviou à sinistrada o cheque 04686612.5, sobre o … Banco, no valor de 513,98€ para pagamento de 29 dias de incapacidade temporária absoluta.
(acrescentado o facto 6º conforme fundamentação infra)
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se a sentença recorrida (i) errou na apreciação da matéria de facto; e (ii) errou ao considerar que se mostravam verificados os requisitos para a descaraterização do acidente de trabalho.
1 – Impugnação da matéria de facto
Segundo a Apelante, os factos dados como provados nos pontos 42.º a 46.º deveriam ter sido dados como não provados ou, pelo menos, e quanto aos factos 42.º a 44.º, ter sido dada outra redação a tais factos, em face do confronto entre as declarações da Apelante e da Apelada e do depoimento da testemunha Jéssica Silva; os factos dados como não provados nos Pontos 3.º a 5.º devem ser dados como provados, sendo o Ponto 3.º em face das declarações da Apelante, o Ponto 4.º em face dos documentos de fls. 54 e 61 e o Ponto 5.º em face dos documentos de fls. 54 e 62; e o tema da prova constante do Ponto 36.º, apesar de não constar nem nos factos provados nem nos factos não provados, deveria ter ficado a constar dos factos provados, em face dos documentos de fls. 230 e 231.

Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016, no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal.
No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica.
Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016, no âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.
II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância.

Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016, no âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt:
I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.

E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso.
Cita-se a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015, no âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.

Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que, por vezes, são indicados, e que retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento.
Apreciemos, então.
Consigna-se que se procedeu à audição de todo o julgamento.
Relativamente ao cumprimento pela Apelante dos requisitos previstos no art. 640.º do Código de Processo Civil, confirma-se que a Apelante procedeu ao seu cumprimento.

a) Factos provados 42.º a 46.º
Consta destes factos provados o seguinte:
42º A queda da autora ocorreu porque o chão da cozinha estava molhado e a autora ao deslocar-se pela parte molhada escorregou e caiu.
43º A copa suja, que está devidamente assinalada, é o local que serve para lavar a louça e todos os utensílios.
44º A ré indicou à autora, como condição de segurança, que não poderia lavar a louça, ou qualquer instrumento de trabalho, na cuba de preparação de alimentos mas sim na copa suja em virtude deste ser o local apropriado.
45º E indicou à autora que não podia molhar nem andar sobre o chão molhado para não escorregar e cair.
46º E que teria de limpar o chão caso o molhasse, devendo assinalar com as placas disponíveis que alertam para o piso molhado e risco de queda, o que a autora não fez.

No entender da Apelante, tais factos deverão ser dados como não provados ou, pelo menos, quanto aos factos provados 42.º a 44.º deverão ser dados como provados com a seguinte redação:
42. A Apelante escorregou e caiu na cozinha ao pé da bancada onde se preparam as refeições, encontrando-se o chão molhado, apenas, junto do lava louça do fogão.
43. A copa suja, serve para lavar louça e os utensílios.
44. A ré não indicou à autora, que não podia lavar louça ou qualquer instrumento de trabalho, no lava louça junto ao fogão.

Relativamente ao facto provado 42.º, para além das declarações de parte da Apelada e do depoimento da testemunha Jéssica Silva, que confirmaram encontrar-se o chão molhado quando entraram na cozinha e se depararam com a Apelante caída no chão, conforme decorre dos factos provados 9.º e 10.º, a própria Apelante, em 16-01-2019, aquando do exame médico-legal no Gabinete Médico-Legal e Forense do Alentejo Central e, em 09-04-2019, aquando da tentativa de conciliação, confirmou ter escorregado e caído na cozinha com o chão molhado.
Assim, bem andou o tribunal a quo ao dar o facto 42 como provado nos seus exatos termos.
Relativamente ao facto provado 43.º, em face das declarações da Ré, do depoimento da testemunha J… e de parte das declarações da Autora, resulta que o local para a lavagem da louça suja era a copa suja e que, na copa suja, existia uma placa a indicar copa suja.
Não foi, porém, feita qualquer menção à lavagem de “todos os utensílios” na copa suja, uma vez que a Ré e a testemunha J… apenas se referiram à louça suja (entendendo-se esta como toda a louça suja que é utilizada na confeção e ingestão dos alimentos), e a Autora esclareceu expressamente que o grelhador e o fogão eram lavados na própria cozinha, como, aliás, se afigura perfeitamente credível, uma vez que se trata de objetos que dificilmente poderão ser deslocados para a copa suja.
Deste modo, retirar-se-á a menção a “e todos os utensílios”.
O facto provado 43.º passa, então, a ter a seguinte redação:
43º A copa suja, que está devidamente assinalada, é o local que serve para lavar a louça.

Relativamente ao facto provado 44.º, importa destacar o depoimento da testemunha Jéssica Silva que referiu que não se misturava a louça suja com a confeção de alimentos, daí existir um sítio onde se recebia a louça suja para ser lavada e um outro sítio destinado à confeção de alimentos.
A razão para a distinção entre estes dois lugares era, então, uma questão de higiene.
Esta testemunha também referiu que há sempre risco de se cair em qualquer lugar, mas, quando o chão estava molhado, tinham automaticamente de o limpar e colocar as placas amarelas, dizendo “escorregadio”, nunca referindo a mesma que era expressamente proibido que o chão da cozinha fosse molhado.
Na realidade, não é credível equacionar que a distinção entre espaços para a cozinha e para a copa suja resultasse de uma questão de segurança relativa a eventuais quedas, impedindo-se a existência de chão molhado na cozinha, autorizando-se apenas a existência de chão molhado na copa suja.
Efetivamente, é difícil conceber uma cozinha, local onde se confeciona alimentos, sem a existência de um lava-louça, razão pela qual, no caso concreto, existiam dois. Na confeção de alimentos, resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida, que na lavagem de alimentos se tem de utilizar água, bem como que, ao proceder a tal lavagem, se pode molhar o chão.
De igual modo, resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida que, depois de se utilizar o grelhador e o fogão, estes instrumentos necessitam de ser bem lavados (ainda mais evidente num restaurante onde a quantidade de refeições é superior), sendo comum na lavagem dos mesmos molhar-se o chão da cozinha.
Acresce que no local onde se confecionam alimentos, designadamente onde existe um grelhador e um fogão, para além da água, também resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida, ser habitual existir gordura no chão e poder acontecer, com frequência, entornarem-se produtos, alguns deles líquidos. A própria Autora mencionou que, não podendo referir se no dia do acidente existia gordura no chão, era habitual o chão da cozinha ter pingos de gordura.
Quanto à menção neste facto “ou qualquer instrumento de trabalho”, dir-se-á, novamente, que não foi feita qualquer menção pela Ré nem pela testemunha J… a instrumentos de trabalho diferentes de louça (entendida esta como toda a louça suja que é utilizada na confeção e ingestão dos alimentos).
Por fim, resulta de parte do depoimento da Apelante que a mesma bem sabia que a copa suja, como o próprio nome evidencia, se destinava à lavagem da louça suja; já não a cozinha, que se destinava à confeção dos alimentos.
Pelo exposto, retirar-se-á ao facto provado 44 as expressões “como condição de segurança” e “ou qualquer instrumento de trabalho”.
O facto provado 44.º passa, então, a ter a seguinte redação:
44º A ré indicou à autora que não poderia lavar a louça na cuba de preparação de alimentos, mas sim na copa suja, em virtude de este ser o local apropriado.

Relativamente ao facto 45.º, nas suas declarações, a Ré mencionou que tinha dito à Autora que não podia molhar o chão e andar pelo chão molhado, tendo também mencionado que lhe tinha dito que, quando molhasse o chão, tinha de o limpar e assinalar com as placas amarelas.
Na realidade, e como já se mencionou supra, não é credível que, ao se contratar uma cozinheira, se proíba a mesma, durante o exercício da sua atividade, de molhar o chão da cozinha, seu local de trabalho. E, no caso concreto, tratando-se de um restaurante, sendo na cozinha lavados e confecionados os alimentos, a que acresce utilizar-se também na cozinha o fogão e o grelhador, é manifestamente incredível que a Ré tivesse proibido a Autora de molhar o chão da cozinha.
Dir-se-á ainda que, resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida, que não se deve andar sobre o chão molhado, o que não impede que, por vezes, quem procede à sua limpeza tenha de andar sobre o chão molhado ou quem se encontre no local onde o chão ficou molhado, para sair desse local, não tenha igualmente de andar sobre o chão molhado.
Efetivamente importa, uma vez mais, atentar no depoimento da testemunha Jéssica Silva que, sobre este assunto, referiu que sempre que o chão estava molhado devia ser automaticamente limpo e nele serem colocadas as respetivas placas a indicar “escorregadio”.
A instrução que a Ré transmitiu à Autora foi, assim, de lavar imediatamente o chão quando o molhasse e não que estava proibida de molhar o chão da cozinha, visto que, mesmo que tivesse dado tal instrução, por absurda, nunca poderia ser acatada.
Deste modo, o facto provado 45.º passará para o elenco dos factos não provados.
Por último, relativamente ao facto provado 46.º, a Ré afirmou que disse à Autora que devia limpar o chão quando o molhasse e assinar com as placas amarelas que o chão estava molhado, facto esse que foi confirmado pela testemunha J….
Quanto à circunstância de a Autora, depois de ter molhado o chão, ter passado o mesmo com uma esfregona, conforme a mesma mencionou, por tal circunstância manter o chão molhado e não ter sido contraditada nem pela Ré nem pela testemunha J…, afigura-se-nos que apenas se deve dar como provado que a Autora não colocou no local as referidas placas, já não que não tenha procedido à limpeza do chão com uma esfregona.
Atente-se, aliás, que foi dado como confessado pela Autora que existiam no local meios para lavar o chão, pelo que, nos termos do art. 360.º do Código Civil, devem igualmente ser dados como provados os factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, exceto se se provar a sua inexatidão, o que, e quanto à circunstância de a Autora ter procedido à limpeza do chão com uma esfregona, não aconteceu.
Assim, o facto provado 46.º passa a ter a seguinte redação:
46º E que teria de limpar o chão caso o molhasse, devendo assinalar com as placas disponíveis que alertam para o piso molhado e risco de queda, tendo a autora procedido à limpeza do chão com uma esfregona, mas não tendo colocado no local qualquer placa.
b) Factos não provados 3.º a 5.º
Constam destes factos não provados que:
3º O local da queda encontrava-se limpo, seco e livre de quaisquer objectos que interferissem no normal deslocamento da autora.
4º Ainda sob a responsabilidade da companhia de seguros, a sinistrada efetuou várias consultas e tratamentos na Clínica “c….
5º Em 20.08.2018, a companhia de seguros … enviou à sinistrada o cheque 04686612.5, sobre o … Banco, no valor de 513,98€ para pagamento de 29 dias de incapacidade temporária absoluta.

Relativamente ao facto não provado 3.º, por se ter mantido como provado o facto 42.º, pelas razões supra mencionadas, nada mais há a acrescentar, mantendo-se este facto como não provado.
Relativamente ao facto não provado 4.º, não só consta do documento de fls. 60 e 61 que efetivamente existiram consultas e tratamentos efetuados à Autora, no montante de €70,94, que foram suportados pela companhia de seguros …, como a própria testemunha R…, gestor de sinistros de acidentes de trabalho da seguradora …, confirmou que a referida companhia de seguros procedeu ao pagamento de serviços médicos relativos à Autora, cujo montante não indicou, não tendo ainda havido qualquer reembolso quanto aos mesmos. Tal testemunha, aliás, chegou a referir que a Autora estava a ser observada nos serviços clínicos da seguradora.
Assim, e tendo em atenção que o facto não provado 4.º não se reporta sequer a qualquer quantia, circunstância relativa à qual poderia existir dúvidas, o facto não provado 4.º será eliminado dos factos não provados, passando para os factos provados com a numeração 48.º e com a seguinte redação:
48º Ainda sob a responsabilidade da companhia de seguros, a sinistrada efetuou várias consultas e tratamentos na Clínica “C…”.

Relativamente ao facto não provado 5.º, efetivamente consta do documento de fls. 62 que a seguradora Tranquilidade, a título de incapacidade temporária absoluta, pagou à Autora a quantia de €443,04 e não a quantia de €513,98.
Porém, a testemunha R…, quando confrontada, por duas vezes, sobre o pagamento pela companhia … à Autora dos 29 dias de incapacidade temporária absoluta, afirmou convictamente que nada tinha sido pago a tal título. Nessa altura, e existindo já nos autos o documento de fls. 62, deveria tal testemunha ter sido confrontado com o teor do mesmo, o que inexplicavelmente não aconteceu, pelo que se mantém a dúvida sobre a veracidade daquilo que se mostra vertido nesse documento.
Assim, mantém-se como não provado o facto 5.º.
c) Dar como provado o tema da prova n.º 36.º
Consta no despacho saneador no tema da prova n.º 36.º que:
36º Face à recusa da companhia de seguros em suportar as despesas decorrentes do episódio de urgência junto do Hospital de Évora, a sinistrada foi notificada, em 18.02.2019, para proceder ao pagamento das mesmas, tendo para o efeito liquidado a importância total de 124,07€?

Tratando-se, e bem, este facto de um tema da prova, deveria ter sido dado ou como provado ou como não provado, não se compreendendo a razão pela qual não ficou a constar em nenhuma das partes.
Assim, importa apreciá-lo, em face da prova constante dos autos, de forma a concluir se foi ou não feita prova quanto ao mesmo.
Consta a fls. 198 e 199, um documento emitido pelo Ministério da Saúde Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE, emitido em 18-02-2019, e assinado por um funcionário e pelo tesoureiro desse Hospital. Tal documento foi enviado à Autora e nele mostra-se certificado que o referido Hospital recebeu a quantia de €124,07, referente ao episódio de urgência da Autora, ocorrido no dia 11-07-2018.
O Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE é uma empresa pública, tendo o documento que se mostra junto aos autos sido emitido por funcionários (inclusive pelo tesoureiro) de um organismo público, no âmbito das suas competências, pelo que a tal documento deve ser aplicado o disposto no art. 371.º, n.º 1, do Código Civil[2], e, a ser assim, não tendo sido invocada a sua falsidade, faz o mesmo prova plena dos factos praticados pela entidade pública, ou seja, no caso, o recebimento pelo Hospital da referida quantia.
Nesta conformidade, deve ser dado como provado um novo facto, o facto 49.º, nos seguintes termos:
49º Em 18-02-2019, o Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE recebeu da Autora a quantia de €124,07, referente ao seu episódio de urgência, ocorrido no dia 11-07-2018.
Em conclusão:
Foi parcialmente provida a impugnação fáctica da Apelante, nos seguintes termos:
a) Foi eliminado do elenco dos factos provados o facto 45.º, o qual passou para o elenco dos factos não provado como facto não provado 6.º e com a seguinte redação:
6. A ré indicou à autora que não podia molhar nem andar sobre o chão molhado para não escorregar e cair.

b) Os factos provados 43.º, 44.º e 46.º passaram a ter a seguinte redação:
43º A copa suja, que está devidamente assinalada, é o local que serve para lavar a louça.
44º A ré indicou à autora que não poderia lavar a louça na cuba de preparação de alimentos, mas sim na copa suja, em virtude de este ser o local apropriado.
46º E que teria de limpar o chão caso o molhasse, devendo assinalar com as placas disponíveis que alertam para o piso molhado e risco de queda, tendo a autora procedido à limpeza do chão com uma esfregona, mas não tendo colocado no local qualquer placa.

c) O facto não provado 4.º foi eliminado do elenco dos factos não provados e passou para o elenco dos factos provados como facto provado 48.º e com a seguinte redação:
48º Ainda sob a responsabilidade da companhia de seguros, a sinistrada efetuou várias consultas e tratamentos na Clínica “C…”.

d) Acrescentou-se ao elenco dos factos provados o facto provado 49.º com a seguinte redação:
49º Em 18-02-2019, o Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE recebeu da Autora a quantia de €124,07, referente ao seu episódio de urgência, ocorrido no dia 11-07-2018.
Uma vez que foram efetuadas significativas alterações à matéria factual, proceder-se-á de seguida à indicação da matéria factual dada como provada e não provada definitivamente assente:
Factos Provados
1º A autora, F…, nasceu no dia 29.08.1961.
2º Foi admitida ao serviço da ré mediante a celebração de um contrato de trabalho para, com carácter regular, sob a sua direção, autoridade, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções de cozinheira de 2ª.
3º Como contrapartida do trabalho prestado, a autora auferia uma retribuição anual de 10.394,34€ (retribuição mensal de 660,00€ x 14 meses) + (subsídio de refeição de 4,77€ x 22 dias x 11 meses).
4º No dia 11 de Julho de 2018, cerca das 14,30 horas, durante o período normal de trabalho e no seu local de trabalho, mais propriamente na cozinha, a autora escorregou e caiu no chão.
5º O calçado e o vestuário que a autora envergava era apropriado às funções, sendo o mesmo que sempre utilizou para o desempenho das mesmas.
6º No momento da queda a sinistrada encontrava-se sozinha no interior da cozinha.
7º Face à ocorrência do acidente foram accionados os meios de socorro, nomeadamente os Bombeiros Voluntários de Vendas Novas, tendo comparecido no local 4 operacionais e uma ambulância.
8º Decorrente da gravidade da situação, pelo bombeiro/operacional responsável pelo socorro, foi informado o CODU, que ordenou o transporte imediato da sinistrada para o Hospital do Espírito Santo de Évora, sem passagem pelo Centro de Saúde Local.
9º Aquando da sua submissão, em 16.01.2019, a exame médico-legal no Gabinete Médico- legal e Forense do Alentejo Central, a autora declarou, quanto à história do evento, que “Escorregou na cozinha com o chão molhado e caiu.”.
10º Na tentativa de conciliação que teve lugar no dia 09.04.2019 a autora aceitou que o acidente de trabalho ocorreu quanto “(…) no exercício das suas funções, escorregou e caiu na cozinha com o chão molhado.”.
11º A autora lavou uma panela na cuba de preparação de alimentos existente junto ao fogão.
12º A autora dispunha no local de meios para lavar o chão.
13º A sinistrada apresentou a participação de acidente de trabalho à companhia de seguros.
14º Decorrente da apresentação pela sinistrada da participação de acidente de trabalho, os serviços da seguradora procederam à marcação de uma consulta de ortopedia.
15º A mando dos serviços da companhia de seguros a sinistrada deslocou-se ao Hospital da Luz, à consulta de Ortopedia.
16º A companhia de seguros, face à não existência de seguro válido, não procedeu ao pagamento do transporte em viatura auto própria inerente à deslocação a Lisboa, “despesas para reembolso”, no valor de 60,00€.
17º Por carta datada de 30.08.2018, a companhia de seguros … notificou a sinistrada, informando que “não era da nossa responsabilidade o sinistro ocorrido com o referenciado, porquanto não existir contrato válido à data e hora do acidente”.
18º O médico ortopedista, Dr. Fr…, na consulta realizada em 12.09.2018 prescreveu à sinistrada a realização de “Ecografia da coxa esq.”.
19º Pela consulta a sinistrada liquidou a importância de 60,00€ à Clínica “c…”.
20º Para a efectivação das sessões de fisioterapia prescritas enquanto decorriam os tratamentos sob ordens da seguradora e que foram suspensas, nomeadamente 8 sessões, a sinistrada realizou as mesmas nas datas constantes das Faturas Recibo n.ºs 4829, 4757, 4782, 4837, 4855, 5053, 5082 e 5108, emitidas pela Clínica “c…” em Vendas Novas, no valor unitário de 15,00€, liquidando a importância total de 120,00€.
21º O exame médico prescrito anteriormente foi realizado no dia 24.09.2018 na Clínica “A…” em Évora e importou no montante de 50,00€, conforme Fatura Recibo n.º 85162/R2018.
22º Para a realização do dito exame a autora despendeu a quantia de 40,00€ com a deslocação a Évora em viatura auto própria.
23º Em 26.09.2018, o médico ortopedista prescreveu à sinistrada a continuação de fisioterapia.
24º Pela consulta a sinistrada liquidou a importância de 55,00€ à Clínica “c…”, conforme Fatura/Recibo n.º 5146.
25º Com a continuação da fisioterapia, a autora despendeu o montante total de 270,00€, correspondente a 18 sessões no valor de 15,00€ cada, conforme Faturas Recibo n.ºs 5125, 5202, 5229, 5245, 5280, 5326, 5340, 5370, 5422, 5442, 5461, 5478, 5494, 5556, 5580, 5592, 5604 e 5623, emitidas pela Clínica “c…”.
26º A autora foi consultada pelo médico ortopedista Dr. C… em 24.10.2018, tendo pago a importância de 55,00€, conforme Fatura/Recibo n.º 5623 emitido pela Clínica “c…”.
27º Na referida consulta o médico prescreveu à sinistrada a realização de “continuação de fisioterapia + 10 sessões” e “Ecografia da coxa esq.”.
28º Para a efetivação da prescrição do médico, “continuação de fisioterapia + 10 sessões”, a sinistrada despendeu importância total de 150,00€, conforme Faturas/Recibo n.ºs 5660, 5696, 5719, 5758, 5770, 5836, 5861, 5935, 6010 e 6096, emitidas pela Clínica “c…”.
29º O exame médico prescrito anteriormente foi realizado no dia 19.11.2018 na Clínica “A…” em Évora, tendo a autora liquidado a importância de 50,00€, conforme Fatura Recibo: 102640/R2018.
30º Para a realização do dito exame a autora despendeu a quantia de 40,00€ com a deslocação a Évora em viatura auto própria.
31º Tendo na sua posse o relatório médico deste exame, a sinistrada, no dia 22.11.2018 voltou à consulta de ortopedia, na qual o clínico prescreveu, “Pede-se fisioterapia – 10 sessões”.
32º Por esta consulta de ortopedia a sinistrada liquidou a importância de 55,00€, constante da Fatura/Recibo n.º 6209, emitida pela Clínica “c…”.
33º Para a efetivação da prescrição do médico, “Pede-se fisioterapia - 10 sessões”, a sinistrada realizou as mesmas sessões nas datas constantes das Faturas/Recibo n.ºs 6272, 6364, 6385, 6416, 6459, 6508, 6542, 6594, 6651 e 6722, emitidas pela Clínica “c…”, no valor unitário de 15,00€, liquidando a importância total de 150,00€.
34º Após a realização dos tratamentos de “fisioterapia - 10 sessões”, em 18.12.2018, a sinistrada voltou à consulta de ortopedia, tendo o ortopedista prescrito a realização de outra “Ecografia da coxa esq.”.
35º Pela consulta a sinistrada liquidou a importância de 55,00€ à Clínica “c…”, conforme Fatura/Recibo n.º 6722.
36º Em 02.01.2019, a sinistrada voltou à consulta de ortopedia na Clínica “c…”, tendo pago a importância de 55,00€ à Clínica “c…”.
37º A Ecografia requisitada pelo ortopedista, foi realizada no dia 12.01.2019, na Clínica “A…”, tendo a sinistrada liquidado a importância de 50,00€, conforme Fatura Recibo n.º 3873/R2019.
38º Para a realização deste exame a autora despendeu a quantia de 40,00€ com a deslocação a Évora em viatura auto própria.
39º Em 16.01.2019, a sinistrada despendeu a quantia de 40,00€ em deslocação ao Gabinete Médico-Legal e Forense do Alto Alentejo Central, em Évora, onde foi sujeita a perícia médico-legal.
40º Em 15.03.2019 a sinistrada despendeu a quantia de 40,00€ em deslocação em viatura auto própria à Procuradoria do Juízo do Trabalho de Évora, para a tentativa de conciliação.
41º Em 09.04.2019 a sinistrada despendeu a quantia de 40,00€ em deslocação em viatura auto própria à Procuradoria do Juízo do Trabalho de Évora, para a tentativa de conciliação.
42º A queda da autora ocorreu porque o chão da cozinha estava molhado e a autora ao deslocar-se pela parte molhada escorregou e caiu.
43º A copa suja, que está devidamente assinalada, é o local que serve para lavar a louça.
44º A ré indicou à autora que não poderia lavar a louça na cuba de preparação de alimentos, mas sim na copa suja, em virtude de este ser o local apropriado.
45º (eliminado)
46º E que teria de limpar o chão caso o molhasse, devendo assinalar com as placas disponíveis que alertam para o piso molhado e risco de queda, tendo a autora procedido à limpeza do chão com uma esfregona, mas não tendo colocado no local qualquer placa.
47º A autora está curada sem desvalorização desde 16.01.2019 do acidente que sofreu em 11.07.2018.
48º Ainda sob a responsabilidade da companhia de seguros, a sinistrada efetuou várias consultas e tratamentos na Clínica “C…”.
49º Em 18-02-2019, o Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE recebeu da Autora a quantia de €124,07, referente ao seu episódio de urgência, ocorrido no dia 11-07-2018.
Factos não provados
1º O acidente de trabalho ocorreu na zona central da cozinha, sensivelmente no caminho/local de passagem em direcção à porta de acesso à arrecadação exterior.
2º E quando a sinistrada iniciava a preparação das refeições para os trabalhadores da entidade patronal.
3º O local da queda encontrava-se limpo, seco e livre de quaisquer objectos que interferissem no normal deslocamento da autora.
4º (eliminado)
5º Em 20.08.2018, a companhia de seguros … enviou à sinistrada o cheque 04686612.5, sobre o … Banco, no valor de 513,98€ para pagamento de 29 dias de incapacidade temporária absoluta.
6. A ré indicou à autora que não podia molhar nem andar sobre o chão molhado para não escorregar e cair.
2 – Requisitos para a descaraterização do acidente de trabalho
No entender da Apelante, a aplicação da al. a) do n.º 1 do art. 14.º da LAT pressupõe sempre uma análise do seu n.º 2, o que, no caso, não ocorreu, pelo que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, sendo que, na situação em apreço, também não foi feita qualquer análise pelo tribunal a quo dos requisitos cumulativos necessários para a descaracterização de um acidente de trabalho.
Alegou ainda que a distinção de espaços entre a cozinha e a copa suja reporta-se a uma medida organizacional da empregadora e não a uma regra de segurança.
Alegou, por fim, que o acidente de que padeceu não foi consequência de um ato ou omissão sua.
Apreciemos.
Dispõe o art. 14.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04-09) que:
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

Para que possa existir uma descaracterização de um acidente de trabalho, nos termos da segunda parte da al. a) do n.º 1 do art. 14.º da LAT, torna-se necessária a verificação cumulativa de vários requisitos[3]:
a) a existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) a violação, por ação ou omissão, dessas condições por parte do sinistrado;
c) que essa ação ou omissão seja voluntária, ainda que não intencional;
d) que essa ação ou omissão não tenha causa justificativa;
e) que essa atuação seja a causa do acidente.
No caso em apreço, resultou provado que:
- a Autora foi admitida ao serviço da Ré mediante a celebração de um contrato de trabalho para, com carácter regular, sob a sua direção, autoridade, fiscalização e mediante retribuição, exercer as funções de cozinheira de 2ª (facto 2.º);
- no dia 11 de Julho de 2018, cerca das 14,30 horas, durante o período normal de trabalho e no seu local de trabalho, mais propriamente na cozinha, a Autora escorregou e caiu no chão (facto 4.º);
- A Autora lavou uma panela na cuba de preparação de alimentos existente junto ao fogão (facto 11.º);
- A Autora dispunha no local de meios para lavar o chão (facto 12.º);
- A queda da Autora ocorreu porque o chão da cozinha estava molhado e a Autora, ao deslocar-se pela parte molhada, escorregou e caiu (facto 42.º);
- A Ré indicou à Autora que não poderia lavar a louça na cuba de preparação de alimentos, mas sim na copa suja, em virtude de este ser o local apropriado (facto 44.º);
- A Ré indicou também à Autora que teria de limpar o chão caso o molhasse, devendo assinalar com as placas disponíveis que alertam para o piso molhado e risco de queda, tendo a Autora procedido à limpeza do chão com uma esfregona, mas não tendo colocado no local qualquer placa (facto 46.º).
Resulta, assim, dos factos supra elencados que a Autora era cozinheira no restaurante da Ré e, durante o seu horário de trabalho, enquanto estava a exercer a sua atividade de cozinheira, escorregou na cozinha, no chão molhado, e caiu. Resulta ainda dos factos provados que o local apropriado para lavar a louça era a copa suja e não a cuba de preparação de alimentos, tendo a Autora lavado uma panela nessa cuba.
Resulta também que a Autora, conforme lhe tinha sido dito pela Ré, estando o chão da cozinha molhado, limpou-o com uma esfregona, mas não colocou no local qualquer placa de sinalização.
Na realidade, e atendendo ao modo como os factos foram dados como provados, não resulta sequer que a Autora, ao lavar a panela em local não apropriado, tivesse, em consequência desse ato, molhado o chão, visto que apenas foi dado como provado que a Autora lavou uma panela na cuba de preparação de alimentos e que escorregou e caiu no chão molhado. Atente-se que, existindo na cozinha uma cuba para preparação de alimentos junto ao fogão, a circunstância de o chão da cozinha se encontrar molhado pode resultar de muitos fatores, designadamente em virtude da lavagem de alimentos ou da lavagem do fogão.
Acresce que também não resulta da matéria dada como provada qual fosse o líquido que tivesse molhado a cozinha, visto que não consta estarmos perante água na cozinha, pelo que sempre poderíamos estar perante qualquer outro líquido, sendo que não faltam líquidos numa cozinha.
Deste modo, tendo a Autora, sem qualquer dúvida, desrespeitado uma instrução que lhe tinha sido dada pela sua entidade empregadora, ao lavar uma panela na cuba destinada apenas à preparação e lavagem de alimentos, ao invés de lavar tal panela na copa suja, não resulta da matéria dada como assente que tal circunstância tenha sido a causa do acidente, visto, por um lado, não ter resultado provado que o chão tivesse ficado molhado por causa dessa lavagem e, por outro, naquela cozinha, como em todas as cozinhas, existem diversos fatores suscetíveis de levar a que o seu chão seja molhado, pelo que não é sequer possível recorrer a presunções judiciais.
Atente-se ainda que era à Ré quem competia fazer tal prova, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil[4].
De qualquer modo, sempre se dirá que mesmo que tivesse resultado dos factos provados que o chão da cozinha se encontrava molhado em virtude de a Autora ter lavado na cuba de preparação de alimentos uma panela, ao invés de ter lavado tal panela na copa suja, conforme instrução expressa da Ré, por tal instrução não se reportar a uma condição de segurança estabelecida pela Ré, antes sim, a uma instrução de organização e de higiene, nunca tal acidente de trabalho poderia ser descaracterizado nos termos da última parte da al. a) do n.º 1 do art. 14.º da LAT.
Na realidade, sendo a cozinha deste restaurante o local de lavagem e confeção de alimentos e encontrando-se nela um fogão (conforme factos provados), resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida, que seria normal que o seu chão ficasse molhado, pelo que, e independentemente da situação concreta da lavagem da panela, existira sempre, naquele local, concretos riscos de se escorregar e cair.
Daí que as normas de segurança fornecidas pela Ré à Autora para evitar tais riscos consistiam, sim, na instrução para que limpasse o chão sempre que este estivesse molhado, o que a Autora fez com a esfregona que existia no local, e que colocasse as placas a alertar que o piso estava molhado e havia risco de queda, o que a Autora não fez.
No entanto, tais normas são essencialmente para terceiros e não para quem tenha molhado o chão e que, muitas vezes, não pode sequer evitar andar pelo chão molhado, sendo que a instrução que a Autora desrespeitou (não colocação da placa) destina-se a evitar o desconhecimento do chão molhado, o que, na situação em concreto, em nada teria evitado a queda, visto que a Autora (a ter-se dado como provado que o chão estava molhado devido à lavagem da panela) tinha perfeito conhecimento de tal circunstância.
Assim, porque a instrução desrespeitada pela Autora relativa ao local para lavagem da panela não se reportava a uma instrução de segurança, e porque a instrução de segurança desrespeitada pela a Autora (não colocação de placas de aviso de chão molhado e perigo de queda) não era causa adequada a evitar tal acidente, também nessa situação não se verificaria a descaracterização do acidente de trabalho.
Por fim, importa atentar no disposto no art. 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10-09, que se cita:
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;
f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;
g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.
5 - Sempre que seja necessário aceder a zonas de risco elevado, o empregador deve permitir o acesso apenas ao trabalhador com aptidão e formação adequadas, pelo tempo mínimo necessário.
6 - O empregador deve adotar medidas e dar instruções que permitam ao trabalhador, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser tecnicamente evitado, cessar a sua atividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possa retomar a atividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excecionais e desde que assegurada a proteção adequada.
7 - O empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros suscetíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior.
8 - O empregador deve assegurar a vigilância da saúde do trabalhador em função dos riscos a que estiver potencialmente exposto no local de trabalho.
9 - O empregador deve estabelecer em matéria de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação as medidas que devem ser adotadas e a identificação dos trabalhadores responsáveis pela sua aplicação, bem como assegurar os contactos necessários com as entidades externas competentes para realizar aquelas operações e as de emergência médica.
10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das atividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de proteção que se torne necessário utilizar.
11 - As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador.
12 - O empregador suporta a totalidade dos encargos com a organização e o funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as ações necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho, sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.
13 - Para efeitos do disposto no presente artigo, e salvaguardando as devidas adaptações, o trabalhador independente é equiparado a empregador.
14 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 a 12.
15 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o empregador cuja conduta tiver contribuído para originar uma situação de perigo incorre em responsabilidade civil.

Resulta do citado artigo que compete à entidade empregadora assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho, concretamente, deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta, designadamente os riscos inerentes à atividade desenvolvida, de forma a evitá-los e se possível combatê-los na sua origem, sendo a identificação dos riscos em todas as atividades do trabalhador uma função sua, devendo sempre atuar de forma a eliminá-los ou pelo menos reduzi-los (art. 15.º, nºs. 1 e 2, als. a), c), d) e e), da Lei n.º 102/2009, de 10-09).
Ora, no caso em apreço, sendo a Autora cozinheira no restaurante da Ré, competia a esta evitar o risco de que a sua trabalhadora escorregasse e caísse na cozinha, local onde tal risco é manifestamente evidente, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, mesmo quando na cozinha apenas se preparam e confecionam os alimentos, não se procedendo aí à lavagem da louça suja.
Na realidade, utilizando-se não só água, como outros líquidos, na lavagem e preparação dos alimentos, bem como sendo frequente, ao utilizar-se o fogão, haver salpicos para o chão, designadamente de gordura, é facilmente identificável que o chão de uma cozinha, e ainda mais, o chão de uma cozinha de um restaurante (que, por definição, confeciona muitos alimentos durante um período curto de tempo, o que implica desembaraço e rapidez no desempenho das funções por parte da cozinheira, o que potencia ainda mais que se suje o chão) se encontra repetidamente sujo, molhado e escorregadio. Acresce que, mesmo procedendo à lavagem do chão logo que o mesmo fique sujo ou molhado, se tal lavagem ocorrer com uma esfregona (material fornecido pela Ré à Autora), permanece o mesmo molhado, e, sendo esse o local de trabalho da Autora, ainda que nele coloque as placas de alerta de chão molhado e escorregadio, terá de continuar a utilizá-lo sob pena de ficarem sem almoçar os clientes do restaurante.
Por todos estes motivos, para o risco de escorregar e cair em chão molhado numa cozinha de um restaurante, uma das medidas mais adequadas a evitar ou reduzir significativamente este risco, sobretudo para a trabalhadora que exerce funções nesse local e não o pode abandonar, é o da colocação na cozinha de um chão antiderrapante.
Deste modo, encontrando-se este risco facilmente identificável, competia à Ré, enquanto entidade empregadora da Autora, tomar medidas de forma a evitar ou reduzir esse risco, logo desde o início da abertura do restaurante, designadamente através da colocação de um chão antiderrapante na cozinha, o que efetivamente não fez.
É manifesto, por isso, que a Ré, ao violar o disposto no art. 15.º, n.º 1, als. a), c), d) e e), da Lei n.º 102/2009, de 10-09, é responsável pelo acidente.
Pelo exposto, e quanto a esta pretensão da Apelante, merece a mesma inteiro provimento.
Em face do provimento da pretensão da Apelante quanto à não descaracterização do acidente de trabalho, importa apurar, em face dos pedidos formulados, quais os montantes que lhe são efetivamente devidos pela Ré.
a) Indemnização devida por ITA
Mostra-se assente, no presente recurso, que o acidente da Autora ocorreu no local de trabalho, durante o seu horário de trabalho e no exercício das suas funções, enquadrando-se, assim, no conceito de acidente de trabalho[5], o qual, em virtude da análise supra efetuada, não preenche os requisitos previstos para a sua descaracterização.
Sobre esta matéria regem os arts 2.º, 48.º, 50.º e 71.º, nºs. 1 a 3, da LAT.
Resulta da matéria factual apurada que, como contrapartida do trabalho prestado, a Autora auferia uma retribuição anual de €10.394,34 (retribuição mensal de €660,00 x 14 meses) + (subsídio de refeição de €4,77 x 22 dias x 11 meses) – facto provado 3.º
Resulta igualmente da matéria fáctica assente que a Autora teve alta em 16-01-2019 (facto 47.º), pelo que a indemnização por ITA será calculada apenas até essa data, iniciado a sua contagem no dia seguinte ao do acidente que ocorreu em 11-07-2018.
Assim, tendo em atenção que o valor diário do trabalho prestado era de €28,48 e que 70% desse valor corresponde a €19,94, sendo o período de ITA de 189 dias, a indemnização devida, a título de ITA, é de €3.768,66.

b) A quantia vincenda de indemnização por ITA que se venha a apurar até alta médica
Uma vez que resulta dos factos provados que a alta ocorreu em 16-01-2018, e a petição inicial deu entrada em juízo em 23-04-2019, esta pretensão não merece provimento.

c) Pagamento das despesas sofridas em virtude do acidente de trabalho, a título de despesas médicas, tratamentos hospitalares e transportes
Nos termos dos arts. 23.º, al. a), 25.º, n.º 1, als. a) e f) e 39.º da LAT são devidos à Autora o ressarcimento das despesas efetuadas em consultas, tratamentos e transportes resultantes do acidente de trabalho sofrido.
Em face dos factos que foram dados como provados, apurou-se que a Autora, em virtude do acidente de trabalho sofrido e até à alta, ocorrida em 16-01-2018, despendeu em consultas, tratamentos e transportes, a quantia de €1.599,07.

d) A indemnização de IPP que se vier a apurar em sede de junta médica
Resulta da matéria dada como provada que não foi apurada qualquer IPP (facto 47.º), pelo que nada há a conceder à Autora relativamente a este pedido.

e) Os juros de mora vencidos e vincendos sobre tais quantias, à taxa legal em vigor, desde o dia do acidente de trabalho até integral e efetivo pagamento
Dispõe o art. 135.º do Código de Processo do Trabalho que nos processos laborais são devidos juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso, dispondo, assim, diferentemente do que se mostra vertido nos arts. 804.º e 805.º do Código Civil, pelo que, em processo de trabalho, os juros de mora são devidos desde o vencimento da obrigação e independentemente da culpa no atraso do pagamento por parte do devedor[6].
Relativamente à indemnização devida por ITA, em face do disposto no art. 72.º, n.º 3, da LAT, os juros de mora são devidos a partir de cada mês que se vença a prestação (e na proporção do montante devido) até efetivo e integral pagamento.
Já relativamente às despesas efetuadas pela Autora em consultas, tratamentos e transportes, acrescem juros desde a data dos respetivos vencimentos e até efetivo e integral pagamento.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora F…, e, em consequência, declara-se que o acidente ocorrido é um acidente de trabalho, condenando-se a Ré D… a pagar à Autora:
a) a indemnização por ITA no montante de €3.768,66 (três mil setecentos e sessenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos);
b) o montante de €1.599,07 (mil quinhentos e noventa e nove euros e sete cêntimos) relativo a despesas médicas, tratamentos hospitalares e transportes; e
c) juros de mora, à taxa legal, desde o respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento.
Fixo o valor da causa em €7.986,29 (art. 297.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Custas pela Autora e Ré na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.
Évora, 17 de dezembro de 2020
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
Mário Branco Coelho
_______________________________________________

[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.

[2] Veja-se o acórdão do TRE, proferido em 14-07-2020, no âmbito do processo n.º 1580/18.0T8EVR.E1, consultável em www.dgsi.pt.

[3] Veja-se o acórdão do TRE, proferido em 28-04-2017, no âmbito do processo n.º 758/15.2T8STC.E1, consultável em www.dgsi.pt.

[4] Veja-se o acórdão do TRL, proferido em 07-11-2018, no âmbito do processo n.º 34045/15.1T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt.

[5] Conforme bem refere Carlos Alegre no Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais Anotado, Almedina, pp. 35, acidente de trabalho é “(…) o acontecimento não intencionalmente provocado, de carácter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde, imputável ao trabalho, no exercício de uma actividade profissional, ou por causa dela, de que é vítima um trabalhador”.

[6] Veja-se o acórdão do TRE, proferido em 09-03-2016, no âmbito do processo n.º 354/15.4T8BJA.E1, consultável em www.dgsi.pt.