Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
499/18.9T8SSB.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
CABEÇA DE CASAL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
A cabeça de casal, nomeada em inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, tem legitimidade para, nessa qualidade e por si só, deduzir oposição à renovação de contrato de arrendamento celebrado por ambos os ex-cônjuges, na qualidade de senhorios, no qual foi estipulado o prazo de 5 anos, relativo a prédio urbano integrado no património comum do ex-casal.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

BB, na qualidade de cabeça de casal nos autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio que correm termos sob o n.º 1882/14 no Cartório Notarial que identifica, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra CC e DD, pedindo: a) se declare a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre a autora, seu ex-marido e os réus, por oposição à renovação do contrato, cujo objeto é o prédio urbano sito na Rua …, lote …, freguesia da Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, e se decrete o despejo imediato do mesmo, devendo os réus ser condenados a entregar o imóvel à autora livre e devoluto de pessoas e bens; b) se assim não for entendido, se decrete a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre autora, ex-marido e réus, por falta de pagamento pontual e integral das rendas do imóvel locado, por alteração unilateral do local de pagamento da renda sem o consentimento ou a autorização da autora e ainda por realização de obras, em violação de cláusula contratual e de disposições legais sobre a matéria, sem a autorização prévia ou o consentimento da autora.
Alega, em síntese, que, nos autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio entre a autora e seu ex-cônjuge, EE, nos quais foi nomeada cabeça de casal, se encontra relacionado como bem comum do casal o prédio urbano que identifica, por ambos dado de arrendamento aos réus, por contrato celebrado em 18-06-2013, para habitação, mediante a renda mensal de € 650, pelo prazo de 5 anos, com início em 01-07-2013 e termo em 01-07-2018, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de 1 ano, nas mesmas condições, enquanto não for denunciado por qualquer das partes, com a antecedência de 120 dias; acrescenta que, na aludida qualidade de cabeça de casal, comunicou aos réus, com a indicada antecedência, a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento no termo do prazo de duração inicial do mesmo, não tendo os réus procedido à entrega do locado; mais alega que os réus alteraram o local de pagamento da renda, sem o conhecimento da autora, que desconhece se a mesma tem sido paga, e realizaram no locado obras e alterações não precedidas de prévia autorização dos senhorios, como tudo melhor consta da petição inicial.
Os réus contestaram, invocando a existência de uma causa prejudicial – sustentando que o prédio locado constitui um bem próprio do ex-cônjuge da autora e requerendo a suspensão da instância até decisão no processo de inventário da questão do direito de propriedade sobre o aludido bem –, defendendo-se por exceção – arguindo a ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário entre a autora e seu ex-marido – e por impugnação, bem como suscitando a litigância de má fé por parte da autora.
EE veio aos autos requerer a respetiva intervenção principal espontânea, pretendendo associar-se aos réus.
Notificada para o efeito, a autora apresentou articulado, no qual se pronunciou sobre a invocada causa prejudicial e sobre a matéria de exceção arguida, requerendo a ampliação do pedido deduzido, peticionando a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil.
As partes emitiram pronúncia sobre a requerida intervenção de terceiros.
Por despacho de 18-12-2018, foi indeferido o incidente de intervenção principal espontânea requerido por EE, foram consideradas não verificadas a exceção de ilegitimidade ativa e a existência de causa prejudicial, sendo indeferida a requerida suspensão da instância, foi admitida a ampliação do pedido formulada pela autora e concedido prazo aos réus para se pronunciarem sobre os novos factos articulados.
Os réus apresentaram articulado, no qual emitem pronúncia sobre a factualidade nova alegada pela autora.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e fixado o valor da causa, após o que se identificou o objeto do litígio e se enunciou os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte:
Pelo exposto, julgo procedente a presente acção e consequentemente:
a) Declaro a resolução do contrato de arrendamento relativo ao prédio urbano sito na Rua …, lote …, freguesia da Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, descrito na conservatória do registo predial de Sesimbra sob o n.º …, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….
b) Condeno os Réus CC e DD a entregar à Autora o prédio referido, livre de pessoas e bens.
c) Absolvo a Autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.
d) Condeno os Réus no pagamento das custas da presente acção.
Inconformados, os réus interpuseram recurso desta sentença, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que os absolva do pedido, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I – O Tribunal “a quo” não aplicou correctamente o direito aos factos, no que respeita ao pedido principal formulado pela A. (cessação do contrato de arrendamento por “oposição à renovação”).
II - Ao remeter aos arrendatários a carta em que comunicava a sua “oposição à renovação” do contrato de arrendamento, a A. fê-lo com a plena consciência e conhecimento de que não era essa a pretensão e o desejo do seu ex-cônjuge, co-senhorio dos R.R. e também outorgante no contrato escrito de arrendamento.
III - Essa comunicação escrita de “oposição à renovação”, que a Mma. Juiz recorrida considerou como válida e legítima, não pode deixar de ser considerada como uma declaração de vontade unilateral, efectuada apenas por um dos senhorios outorgante no contrato, contra a vontade expressa do outro senhorio.
IV - A A., ora apelada, ao comunicar aos arrendatários, a cessação do contrato de arrendamento, actuou contra a vontade expressa do seu ex-marido, bem sabendo que este não desejava tal cessação.
V - O facto de a A. ter sido investida no cargo de cabeça-de-casal, devido à ausência do ex-marido no estrangeiro, não lhe confere legitimidade para, só por si, se opor à renovação contratual.
VI - Tal atitude é contrária ao estabelecido no artº 1405º, nº 1, do C.C., que impõe a obrigatoriedade do exercício dos direitos dos comproprietários em conjunto, e não apenas por algum ou alguns isoladamente.
VII - Por outro lado, tendo ambos os ex-cônjuges, na qualidade de senhorios, dado o locado de arrendamento aos R.R., terão de ser ambos a comunicar aos inquilinos a cessação dessa relação contratual.
VIII - A declaração de “oposição à renovação” do contrato não constitui um mero acto de gestão que esteja no âmbito da competência do cabeça-de-casal.
IX - Em regra, é o cabeça-de-casal que representa todos os interessados. Mas, este poder de representação pressupõe que todos (ou, pelo menos, a maioria dos interessados) estão de acordo com a decisão do cabeça-de-casal.
X - No caso dos presentes autos, a cabeça-de-casal não deveria ter tomado a decisão que tomou (opor-se ao arrendamento), sabendo ela perfeitamente que não era essa a vontade do outro comproprietário, sendo essa decisão manifestamente violadora da norma geral estabelecida no artº 2086º, nº 1, al. b), do C.C., a qual impõe à pessoa que foi investida no cargo de cabeça-de-casal o dever de administrar o património com prudência e zelo.
XI - Salvo melhor opinião, o principal erro do Tribunal “a quo” foi considerar legítima e válida a comunicação da A. aos arrendatários, manifestando a retensão de se opor à renovação, bem sabendo que não era essa a vontade do outro comproprietário, e sendo certo que, cada um deles, é titular de uma quota ideal correspondente a 50% da totalidade do bem, por força do regime de bens do casamento.
XII - A A. quebrou o princípio básico da confiança que deve ser depositada no cabeça-de-casal, violando, também, o disposto no aludido artº 11º., nº 1, da Lei nº 6/2006, que impõe que todas as comunicações aos inquilinos sejam, regra geral, subscritas por todos os senhorios.
XIII - Celebrar um contrato de arrendamento significa estar a “onerar”, de certa forma, o imóvel objecto dessa relação contratual, situação que não se compadece, nem se confunde, com os poderes normais de gestão corrente que a lei atribui ao cabeça-de-casal, nos casos de partilha.
XIV – Mas, como já se disse, tendo ambos os ex-cônjuges outorgado no contrato de arrendamento, na qualidade de senhorios, deveriam também ser os dois a assinar a comunicação de “oposição à renovação” dirigida aos inquilinos.
XV - O Tribunal recorrido invoca o artº 1024º, nº 1, do C.C., para defender a tese de que a locação constitui um acto de administração ordinária, podendo a cabeça-de-casal celebrar contratos de arrendamento e rescindi-los.
XVI - Porém, o nº 2 do mesmo artº 1024º do C.C. diz, claramente, que “o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito, e antes ou depois do contrato, o seu assentimento” (Redacção dada pela Lei 6/2006, de 27/2)
XVII – A ser assim, o contrato de arrendamento deveria ser considerado nulo e de nenhum efeito, sendo também nula e de nenhum efeito a comunicação aos arrendatários, relativa à “oposição à renovação”, nulidade essa que pode ser declarada oficiosamente e a todo o tempo.
XVIII – Caso o contrato de arrendamento não seja considerado nulo, pelo menos a rescisão contratual, por “oposição à renovação”, deve ser considerada inválida (sendo, por isso, nula), uma vez que não existe manifestação escrita de todos os comproprietários no sentido de pretenderem exercer o direito à “oposição à renovação” (conclusão a que se chega através da interpretação, por analogia, do artº 1024º, nº 2, C.C.). Ou seja: sendo necessário consentimento escrito de todos os consortes para a celebração do contrato, também deverá considerar-se que o espírito da lei vai no sentido de ser necessário igual consentimento nos casos de denúncia, extinção ou resolução desses mesmos contratos.
XIX – A sentença recorrida enferma, assim, de uma errada aplicação da lei (erro de direito) devendo o presente recurso ser julgado procedente, sendo a sentença recorrida anulada e substituída por outra que, pelas razões supra expostas, ou por quaisquer razões diferentes que o Tribunal “ad quem” entenda serem aplicáveis, em abono da tese defendida pelos apelantes, julgue improcedente o pedido principal formulado pela A., relativamente à questão da “oposição à renovação” e absolva os R.R. desse pedido, não decretando o despejo do locado, tudo com as legais consequências.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento deduzida pelo senhorio, operada pela autora na qualidade de cabeça de casal nomeada em processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1º. A Autora e seu ex-marido, EE, são donos legítimos proprietários, do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua … lote …, freguesia da Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º …, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….
2º. Em consequência do divórcio, e com vista à partilha de bens comuns do casal, a Autora instaurou processo de inventário, no qual figura como requerido o seu ex-marido, processo esse que corre termos sob o n.º 1882/14 no Cartório Notarial da Exma. Sra. Dra. Maria de Fátima da Costa Logrado, e no âmbito do qual foi relacionado, entre outros bens comuns, o prédio acima identificado.
3º. No âmbito do processo de inventário, foi a Autora nomeada cabeça de casal.
4º. Por contrato de arrendamento celebrado em 18 de Junho de 2013, Autora e ex-marido deram de arrendamento aos Réus, e estes tomaram de arrendamento, o prédio urbano melhor identificado no art.º 1.º do presente articulado
5º. O imóvel locado destina-se a habitação dos Réus.
6º. A renda acordada foi de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).
7º. Ficou acordado entre as partes, na cláusula quinta do contrato de arrendamento, que a renda “…será paga até ao dia 08 útil de cada mês, … para a conta do banco Santander Totta com o Nib: …. Caso haja atraso no pagamento da renda os segundos outorgantes tem uma penalização de 50% nos termos do artigo 1041.º do Código Civil., o não cumprimento do pagamento fica sujeito à rescisão imediata do contrato.”.
8º. Mais ficou acordado entre as partes, no número um da cláusula terceira, que “O contrato de arrendamento será celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em 01 de Julho de 2013 e termo em 01 de Julho de 2018, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de 1 ano, nas mesmas condições, enquanto não for denunciado por qualquer das partes, com a antecedência de 120 dias, considerando que o mesmo não pode ser denunciado antes de 06 meses de vigência deste contrato”.
9º. Através de cartas registadas com aviso de recepção, devidamente recepcionadas pelos Réus, e datadas de 10 de Janeiro de 2018, na qualidade de cabeça de casal nomeada no âmbito do processo de inventário acima referido, comunicou aos Réus, a sua Oposição à renovação do contrato de arrendamento, em relação ao termo do prazo de duração inicial do contrato, que era de 01 de Julho de 2018, data em que os Réus deveriam entregar as chaves do locado à Autora, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens.
10º. Em resposta às referidas cartas, os Réus enviaram à Autora a carta datada de 12 de Janeiro de 2018, onde contestam a legitimidade da Autora para se opor à renovação do contrato.
11º. Os Réus, não entregaram à Autora as chaves do locado, continuando ali a residir.
12º. Nos termos da cláusula quinta do contrato de arrendamento aqui em causa, ficou estipulado entre as partes que “A renda mensal será de 650,00 (Seiscentos e Cinquenta Euros) a qual será paga até ao dia 08 útil de cada mês, aos primeiros outorgantes para a conta do banco Santander Totta com o NIB: …. Caso haja atraso no pagamento da renda os segundo outorgantes tem uma penalização de 50% nos termos do artigo 1041.º do Código Civil, o não cumprimento do pagamento fica sujeita à rescisão imediata do contrato”.
13º. A conta bancária identificada no artigo antecedente do presente articulado era da titularidade da Autora e do ex-marido.
14º. Em 22 de Janeiro de 2016, e em virtude da sua nomeação como cabeça de casal no âmbito do processo de inventário, a Autora, através de carta registada com aviso de recepção, comunicou aos Réus que deveriam passar a pagar a renda à Autora, através de NIB de sua titularidade.
15º. A carta acima referida veio devolvida com indicação de “objecto não reclamado”.
16º. A Autora enviou ainda aos Réus carta de igual teor, por correio simples, a qual não veio devolvida.
17º. Os Réus nunca informaram a Autora sobre o novo local do pagamento da renda mensal.
18º. Por carta registada datada de 16 de Abril de 2018, a Autora comunicou aos Réus a sua intenção de visitar o imóvel locado.
19º. Tal visita veio a ocorrer em 20 de Maio de 2018.
20º. No decurso da visita a Autora (que foi acompanhada pela sua mãe e pela sua filha, aqui testemunhas) constatou que:
- Na casa principal, foram retiradas as portas que separam a cozinha da sala e retiraram os vidros da banheira de uma das casas de banho;
- Foram retiradas duas meias portas de alumínio que dão acesso ao anexo e ergueram uma parede em sua substituição;
- Foi demolida ainda uma meia parede de acesso da garagem para o anexo, ficando o espaço todo amplo.
21º. Dispõe a cláusula décima do contrato de arrendamento que, “Os Segundos Outorgantes não podem fazer quaisquer obras ou benfeitorias no locado arrendado sem prévia autorização e por escrito dos primeiros outorgantes, ficando estipulado que as que fizerem ficam pertencendo ao prédio, podendo os segundos outorgantes alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização, mesmo quando autorizadas”
22º. Depois de receberem a comunicação unilateral da Autora, a comunicar a sua “oposição à renovação” do arrendamento, os Réus entraram em contacto telefónico com o ex-marido da Autora, EE, tendo este afirmado, peremptória e conclusivamente, que não concordava com essa oposição e que, pela sua parte, pretendia ver o contrato renovado.
23º. Desde o início do contrato, os Réus, sempre trataram de todos os assuntos relativos ao locado directamente com o proprietário EE, e não com a Autora (devido a uma relação antiga de amizade que os une).
24º. Algum tempo depois da assinatura do contrato, o Réus marido e o senhorio EE acordaram que a renda passaria a ser de 600,00 €, ficando o valor correspondente à redução de renda (50,00 €), mensalmente, na posse dos Réus, para estes fazerem face às despesas de conservação do prédio (pinturas, roturas de canalização, pequenos consertos no telhado, etc.).
25º. Por esse motivo, a partir de determinado momento, os Réus começaram a pagar os 600,00 € mensais, em vez dos 650,00 €, estipulados no contrato.
26º. Sucede, ainda, que, em determinado momento, a pedido do próprio EE, as rendas passaram a ser depositadas numa outra conta, por este indicada.
27º. Com alguma frequência, e já depois de se ter ausentado para o estrangeiro, o senhorio EE telefonava ao Réu marido, CC, pedindo-lhe que depositasse a renda directamente na conta de que o mesmo é titular, no Banco UCI, conta essa, destinada ao pagamento das prestações mensais relativas à amortização do crédito hipotecário concedido para a completa remodelação da moradia edificada no terreno pertencente, ao dito EE.
28º. Quando os Réus tomaram posse do locado, na casa principal, as portas que separavam a cozinha da sala já se encontravam retiradas, encontrando-se também já retiradas as duas “meias portas” de alumínio que davam acesso ao anexo, e erguida ainda uma parede em sua substituição, quando os Réus assinaram o contrato de arrendamento e quando lhes foi entregue a chave do locado, desconhecendo estes quem executou essas alterações.
29º. Nos últimos doze meses antes da entrada da acção os Réus pagaram as rendas respeitantes ao locado, nos seguintes termos:
- Renda de Agosto de 2017 foi paga parcialmente, em 20 de Julho de 2017 e em 11 de Agosto de 2017 - € 300,00 cada;
- Renda de Setembro de 2017 foi paga parcialmente em 25 de Agosto de 2017 e no dia 13 de Setembro de 2017 – € 300,00 cada;
- Renda de Outubro de 2017 foi paga parcialmente em 28 de Setembro de 2017 e em 13 de Outubro de 2017;
- Renda de Novembro de 2017 foi paga parcialmente em 26 de Outubro de 2017 e apenas no valor de € 300,00;
- Renda de Dezembro de 2017 – Não foi paga;
- Renda de Janeiro de 2018 foi paga em 13 de Dezembro de 2017;
- Renda de Fevereiro de 2018 foi paga em 11 de Janeiro de 2018;
- Renda de Março de 2018 foi paga em 12 de Fevereiro de 2018;
- Renda de Abril de 2018 foi paga em 12 de Março de 2018;
- Renda de Maio de 2018 foi paga em 12 de Abril de 2018;
- Renda de Junho de 2018 foi paga em 14 de Maio de 2018;
- Renda de Julho de 2018 foi paga em 12 de Junho de 2018;
- Renda de Agosto de 2018 foi paga em 13 de Julho de 2018;
- Renda de Setembro de 2018 foi paga em 13 de Agosto de 2018;
- Renda de Outubro de 2018 foi paga em 11 de Setembro de 2018;
- Renda de Novembro de 2018 foi paga a 08 de Outubro de 2018.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
1º. Os Réus alteraram a configuração do imóvel locado, tendo nele efectuado as obras discriminadas em 20. dos factos provados.
2º. As obras levadas a cabo pelos Réus alteraram a disposição interna das divisões do arrendado.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Está em causa, nos presentes autos, a cessação de uma relação jurídica qualificada na decisão recorrida como contrato de arrendamento urbano, para fim habitacional, com prazo certo, estabelecida entre a autora e o seu ex-cônjuge, EE, na qualidade de senhorios, e os réus, na qualidade de arrendatários, o que não vem questionado na apelação, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito.
Discordam os réus recorrentes da decisão da 1.ª instância, na parte em que considerou que o contrato cessou no termo do prazo de 5 anos nele estipulado, a 01-07-2018, em resultado de oposição à renovação automática do contrato deduzida pela autora, na qualidade de cabeça de casal nomeada em processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, em consequência do que se condenou os réus a procederem à entrega do locado, livre de pessoas e bens.
Sustentam os apelantes que a senhoria apelada, ao comunicar aos arrendatários a oposição à renovação do contrato de arrendamento, o fez contra a vontade expressa do outro senhorio, seu ex-marido, também outorgante do contrato, sabendo que este não pretendia fazê-lo cessar, o que impede se considere validamente deduzida a oposição à renovação do contrato. Acrescentam que a circunstância de ter a autora sido investida no cargo de cabeça de casal, no inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, não lhe confere legitimidade para, por si só, se opor à renovação contratual, devendo a comunicação de tal oposição ser efetuada por ambos os senhorios, assim não podendo considerar-se válida e eficaz a oposição deduzida pela autora.
Cumpre apreciar a questão da validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento deduzida pela autora, na qualidade de cabeça de casal nomeada em processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio.
A apreciação da questão suscitada impõe a prévia determinação do regime aplicável.
Considerou a decisão recorrida, e não vem posto em causa na apelação, que é aplicável o regime decorrente da Lei n.º 31/2012, de 14-08, em vigor à data da constituição do direito à oposição da renovação do contrato de arrendamento.
Estabelece o artigo 59.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27-02, que o Novo Regime do Arrendamento Urbano se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias; por outro lado, resulta do estatuído no artigo 65.º, n.º 1, da mesma Lei, que aquele regime entrou em vigor (120 dias após a sua publicação) a 28-06-2006. Esta Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NLAU), por seu turno, veio a ser alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, que entrou em vigor (90 dias após a sua publicação) a 13-11-2012, conforme resulta do estatuído no respetivo artigo 15.º, a qual não alterou a redação do citado artigo 59.º.
Tendo o contrato em apreciação sido celebrado a 18-06-2013, mostra-se aplicável o regime constante do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, conforme considerou a decisão recorrida.
Estando em causa um contrato de arrendamento urbano, para fim habitacional, com prazo certo, é aplicável, salvo disposição em contrário, a regra da renovação automática no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, prevista no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil. No entanto, regulando esta matéria, conforme permite o preceito em causa, as partes estipularam no contrato outorgado que a renovação, a ocorrer, seria por períodos sucessivos de 1 ano.
Sob a epígrafe Oposição à renovação deduzida pelo senhorio, dispõe o artigo 1097.º do Código Civil, no seu n.º 1, que o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima indicada nas várias alíneas do preceito, aplicáveis em função da duração do prazo que estiver em curso; no caso presente, estando em curso o prazo de duração inicial do contrato de 5 anos, é aplicável a alínea b), a qual fixa aquela antecedência em 120 dias, o que igualmente foi estipulado no contrato.
A dedução de oposição à renovação do contrato, ao impedir a respetiva renovação automática, tem como consequência a caducidade do arrendamento findo o prazo estipulado, o que constitui uma forma de cessação do contrato, conforme prevê o artigo 1079.º do Código Civil.
Respeitando à cessação do contrato de arrendamento, a comunicação a que alude o citado artigo 1097.º encontra-se sujeita às normas constantes dos artigos 9.º a 12.º da Lei n.º 6/2006, de 27-02, conforme decorre do mencionado artigo 9.º.
Existindo, no caso presente, pluralidade de senhorios, cumpre atender ao artigo 11.º daquela lei, preceito que dispõe, além do mais, o seguinte: 1 - Havendo pluralidade de senhorios, as comunicações devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos, ou por quem a todos represente, devendo o arrendatário dirigir as suas comunicações ao representante, ou a quem em comunicação anterior tenha sido designado para as receber; (…) 6 - Nas situações previstas nos números anteriores, a pluralidade de comunicações de conteúdo diverso por parte dos titulares das posições de senhorio ou de arrendatário equivale ao silêncio.
Decorre deste preceito que, em caso de pluralidade de senhorios, as comunicações ao arrendatário, designadamente as relativas à cessação do contrato de arrendamento, conforme esclarece o artigo 9.º, devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos ou por quem a todos represente, sendo certo que a pluralidade de comunicações de conteúdo diverso por parte dos titulares das posições de senhorio equivale ao silêncio[1], pelo que tais comunicações se têm por não efetuadas[2], assim não produzindo qualquer efeito.
Extrai-se da matéria de facto provada que o prédio locado pertence à autora e a seu ex-cônjuge e que se encontra pendente processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio entre ambos, no âmbito do qual foi a autora nomeada cabeça de casal e aquele prédio urbano relacionado como bem comum do casal.
Em consequência da dissolução do casamento, designadamente pelo decretamento do divórcio, cessam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, salvo as decorrentes da obrigação de alimentos, cumprindo proceder à liquidação e partilha do património comum do casal, conforme dispõem os artigos 1688.º e 1689.º do Código Civil.
No caso presente, não está ainda partilhado o património comum do ex-casal, no qual se integra o prédio locado, encontrando-se pendente processo de inventário intentado para o efeito, pelo que a administração dos bens comuns cabe ao ex-cônjuge investido no cargo de cabeça de casal, isto é, à autora. É de aplicar à administração do património comum do casal, com as necessárias adaptações, o regime previsto para administração da herança, designadamente o estatuído no artigo 2079.º do Código Civil, nos termos do qual a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.
Está em causa a prática pela autora, no exercício das suas funções de cabeça de casal, de ato destinado a fazer cessar um contrato de arrendamento urbano celebrado com prazo certo, no qual foi estipulado o prazo de 5 anos, relativo a prédio urbano integrado no património comum do ex-casal.
Sendo a autora cabeça de casal no inventário para partilha do património comum do ex-casal e cabendo-lhe, nessa qualidade, a administração desse património, no qual se integra o bem locado, cumpre concluir que representa ambos senhorios, assim se encontrando preenchido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2006, de 27-02, para os casos de pluralidade de senhorios. Efetivamente, a comunicação enviada aos arrendatários, apesar de não ter sido subscrita por todos os senhorios, o foi por quem a todos represente, a saber: a autora, na qualidade de cabeça de casal.
Acresce que, estando em causa um contrato de arrendamento por prazo não superior a 6 anos, cuja celebração constitui, para o senhorio, nos termos do artigo 1024.º, n.º 1, do Código Civil, um ato de administração ordinária, daqui decorre que a respetiva cessação no termo do prazo estipulado configura, necessariamente, um ato de igual natureza, conforme considerou a decisão recorrida. Nesta conformidade, dispõe a autora, na qualidade de cabeça de casal, de legitimidade substantiva para efetuar a comunicação em apreciação, destinada a impedir a renovação automática do contrato no termo do prazo estipulado e, assim, fazer caducar o contrato.
Nesta conformidade, cumpre concluir que a comunicação em sentido contrário posteriormente efetuada pelo outro senhorio, ex-cônjuge da autora, aos arrendatários, em contacto telefónico por estes encetado, se mostra ineficaz, não tendo a virtualidade de invalidar a comunicação regularmente efetuada pela autora, em representação de ambos, na sua qualidade de cabeça de casal.
Invocam os apelantes a desconformidade entre a atuação da autora, na qualidade de cabeça de casal, e a vontade do seu ex-marido, sustentando que, ao comunicar aos arrendatários a oposição à renovação do contrato, a autora o fez contra a vontade expressa do outro senhorio, também outorgante do contrato, sabendo que este não pretendia fazê-lo cessar, o que entendem impedir se considere validamente deduzida a oposição à renovação do contrato.
No entanto, esta solução que os recorrentes defendem para o litígio assenta em matéria de facto que não se encontra provada, o que importa se considere prejudicada a apreciação da questão suscitada. Efetivamente, não consta da factualidade considerada assente que, em momento prévio à comunicação efetuada pela autora, tenha o seu ex-cônjuge manifestado a respetiva vontade de não impedir a renovação automática do contrato, nem que a autora, ao efetuar a comunicação em apreciação, soubesse que aquele não pretendia faz cessar o arrendamento.
Apesar de decorrer da matéria de facto provada a existência de um conflito de interesses entre os dois senhorios, ex-cônjuges, no que respeita à cessação do contrato de arrendamento, o qual se manifestou sequência de contacto telefónico dos arrendatários com o ex-marido da autora após receberem a comunicação por esta efetuada, desconhece-se a eventual existência de vontades divergentes em momento anterior a tal comunicação. Não se encontram provados elementos factuais que permitam considerar que a autora, ao deduzir oposição à renovação automática do contrato findo o prazo de 5 anos nele estipulado, tenha atuado deliberadamente em sentido contrário à vontade do outro senhorio, conforme afirmam os apelantes, não permitindo a factualidade provada configurar um eventual abuso dos poderes de representação pela autora, como cabeça de casal.
Improcede, assim, a apelação.


Em conclusão:
A cabeça de casal, nomeada em inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, tem legitimidade para, nessa qualidade e por si só, deduzir oposição à renovação de contrato de arrendamento celebrado por ambos os ex-cônjuges, na qualidade de senhorios, no qual foi estipulado o prazo de 5 anos, relativo a prédio urbano integrado no património comum do ex-casal.


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.

Évora, 21-11-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
José António Moita

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[1] Em anotação ao artigo 11.º da Lei n.º 6/2006, de 27-02, Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge (Arrendamento Urbano – Novo regime anotado e legislação complementar, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009, p. 45) afirmam: “O n.º 6 contém uma presunção inilidível (ou juris et de jure) – art.º 350.º, n.º 2, do CC – e consubstancia-se num desvio assinalável ao regime prescrito pelo art.º 218.º do CC. Com efeito, o silêncio corresponde à ausência de declaração, à não declaração, associada a uma pura omissão. É, pois, ilógica a equivalência efectuada no preceito em anotação entre uma “pluralidade de comunicações de conteúdo diverso” e o silêncio. Mais correcto teria sido a adopção pelo legislador da solução prescrita pelo art.º 280.º do CC, sancionando com a nulidade a situação em apreço, por indeterminabilidade da declaração negocial”.
[2] Soares Machado/Regina Santos Pereira (Arrendamento Urbano (NRAU), 3.ª edição revista e aumentada, Lisboa, Petrony, 2014, p. 267) esclarecem o seguinte: “Existindo pluralidade de senhorios (…), caso se verifique, não uma única comunicação, mas várias comunicações com a mesma finalidade, de teor diferente por parte de diversos co-titulares, tais comunicações têm-se todas por não efectuadas”.