Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
113/19.5GBRMZ.E1
Relator: MARIA MARGARIDA BACELAR
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
REPARAÇÃO DO PREJUÍZO
LIMITE TEMPORAL
Data do Acordão: 06/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O limite temporal previsto na lei para que a reparação integral do prejuízo causado possa relevar para a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 206.º CP, é o início da audiência de julgamento em 1.ª instância.
II. Ocorrendo a reparação em momento posterior, já não poderá haver atenuação especial da pena, sem prejuízo, no entanto, de essa circunstância vir a ser devidamente valorada em sede de determinação da medida concreta da pena.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
Acordam, em Audiência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal Judicial da Comarca de Évora - Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, e no que ora releva, o Arguido a seguir identificado:

AAA (…) nascido em 15.01.1982, (…) actualmente preso preventivo no Estabelecimento Prisional de Beja.

A final, foi decidido julgar a acusação procedente, e, em consequência,

condenar o arguido AAA, pela prática de um crime, em co-autoria material e na forma consumada, de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

- Suspender a execução da pena de prisão de 2 (dois) anos e 3 (três) meses aplicada a AAA por igual período, com regime de prova, nos moldes a fixar e a acompanhar pela DGRSP.
Inconformado, o arguido AAA interpôs recurso

da referida decisão, que motivou formulando as seguintes conclusões:

“1º A douta sentença recorrida não observa o disposto no artigo 43º, no nº 2 do artigo
71º, na alínea c) do nº 2 do artigo 72º e no artigo 73º do código penal, cuja aplicação imporia pena de Multa em substituição de prisão ou, na hipótese menos favorável para o arguido, dois anos de prisão, cuja execução seria suspensa.
2º Nunca seria de impor o regime de prova, por falecer o requisito da adequação à reintegração do arguido na sociedade.
3º Por ofender o nº 1 do artigo 29º da lei fundamental, é inconstitucional a regra constante do nº 1 do artigo 53º do código penal.
4º Termos em que deve a douta sentença ser revogada, aplicando-se ao arguido pena de multa em substituição de prisão ou pena de dois anos de prisão, com suspensão de execução, sem imposição de regime de prova.
Nos termos do nº 5 do artigo 411º do CPP, requer a realização de audiência, com vista a debater os seguintes pontos:
- atenuação especial
- pena
- inconstitucionalidade.”
O Digno Magistrado do Ministério Público Respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Proferido o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em audiência, nos termos dos artºs 419º, nº 3, alínea c) “a contrario” e 421º do C. P. Penal.

Realizado o julgamento com observância do formalismo legal, cumpre agora apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA

São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados
1. No dia 30.07.2019, pelas 2h30m, os arguidos AAA, também conhecido como (…), e BBB e um indivíduo do sexo masculino cuja identidade não se apurou, em concretização de um plano comum previamente delineado, dirigiram-se à propriedade designada (…) sita (…), a partir da qual se acede a tal propriedade, cujos limites não se encontravam vedados, por uma estrada de terra batida, com o intuito de fazerem seus os objectos de valor que pudessem transportar consigo que encontrassem.
2. chegados, em comunhão de esforços e de intenções, desferiram pontapés nas portas de três anexos edificados na propriedade, que se encontravam trancadas, com o que lograram danificar as respectivas fechaduras, abrindo as portas em causa, entrar em cada um desses anexos e apoderar-se de um jerricã, em plástico de cor vermelha, no valor de 16,90, contendo 20 litros de gasóleo, valendo 15,38, que se encontrava no interior de um dos anexos em questão, e um pulverizador, em cobre, no valor de 200,00, que estava dentro de outro dos ditos anexos.
3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida que os acompanhava apoderaram-se ainda de duas baterias de 95 amperes referência 58827/2, valendo cada uma 150,00, oito terminais de bateria, no valor total de 20,00, e dois cabos de bateria, valendo 27,00, que retiraram de dois tractores agrícolas que se encontravam ao ar livre, uma bateria de 95 amperes referência 59519/3, valendo 150,00, que alimentava uma cerca eléctrica existente na propriedade, e um painel solar de sensores e respectiva lâmpada, no valor de 25,00, que se encontrava no exterior de um dos mencionados anexos.
4. Após, abandonaram os três o local, levando consigo os referidos objectos e combustível, pertencentes a CCC, que fizeram seus.
5. Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de, em comunhão de esforços e de intenções com o indivíduo do sexo masculino cuja identidade não se apurou que os acompanhava, se introduzirem nos referidos anexos, pela forma descrita, e de fazerem seus os objectos e o combustível indicados, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu proprietário, o que quiseram e representaram.
6. Sabiam que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
7. Em audiência de julgamento, o arguido AAA confessou os factos constantes da acusação de forma integral e sem reservas.
8. O ofendido CCC declarou, em 23.11.2021, ter recebido naquela data, a quantia de 1.100,00 dos arguidos, na proporção de metade para cada arguido, considerando-se ressarcido de todos os danos indicados, por entender que existe uma reparação integral dos prejuízos que lhe causaram.
9. Antes de se encontrar em situação de prisão preventiva, o arguido AAA era trabalhador agrícola, auferindo uma retribuição mensal situada entre os 700,00 e os 800,00.
10. Vivia com a sua companheira e o seu pai em casa deste, juntamente com o filho de 7 anos de idade.
11. O arguido não frequentou o ensino escolar.
12. Os arguidos não têm antecedentes criminais averbados nos seus CRCs.”

FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS

“Inexistem factos não provados com relevância para a boa decisão da causa.”

A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”

O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados:
“A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada resultou da ponderação do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, coadunada com a prova documental constante dos autos.
No que respeita à factualidade considerada como provada, o tribunal teve por base as declarações do arguido AAA, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos constantes da acusação e das testemunhas CCC, DDD e EEE.
Baseou-se ainda o tribunal no auto de notícia e respectiva reportagem fotográfica de fls. 3 a 8, no auto de apreensão de fls. 28 e 28 verso, nas fotografias de fls. 83 a 96, 108 e 174 a 181, no auto visionamento de vídeo e extracção de fotogramas de fls. 97 a 103 e nos CRCs de 09.11.2021 (Ref.ªs 31152529 e 31152530).
No que diz respeito aos pontos 1 a 6 dos factos provados o tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do arguido AAA e da prova documental e testemunhal acima indicada, conjugados com as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
Vejamos, ainda que após a produção da prova constante da acusação, o arguido AAA confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais se encontrava acusado (motivo pelo qual se considera como provado o ponto referido em 7), confirmando igualmente a prática da mesma factualidade por parte do arguido BBB e do indivíduo cuja identidade não foi possível apurar.
Referiu ainda o arguido que se encontra arrependido, pedindo desculpa pela sua actuação.
Quanto aos depoimentos do ofendido CCC (militar da GNR aposentado) e dos militares da GNR DDD e EEE, os quais se revelaram credíveis pela forma espontânea e sem hesitações como foram prestados, sendo coincidentes entre si na parte que se mostra relevante para o caso concreto, os mesmos referiram que ao visionar as imagens da câmara de videovigilância que se encontrava a filmar no interior da sua propriedade, reconheceram os arguidos BBB e AAA uma vez que os conheciam do exercício das suas funções.
Ademais, pelos militares da GNR acima mencionados foi referido que, após localizarem os arguidos no posto de abastecimento da PRIO sito em (…), lograram recuperar as baterias que haviam sido retiradas da propriedade do ofendido, tendo este recolhido as mesmas na localidade da (…), concelho de (…).
Pelo ofendido CCC foi ainda mencionado quais os objectos que foram retirados do local naquele dia e o estado em que se encontravam as fechaduras.
No que se refere ao arguido BBB e à sua imputação subjectiva, a mesma foi considerada como provada por força da conjugação da conduta objectiva do arguido e que se deu como provada com as regras da experiência comum e da normalidade da vida que, face aos primeiros, outra não pode ter sido a vontade do arguido.
O facto 8 é considerado como provado por força da análise do documento junto aos autos a 24.11.2021.
Os factos relativos às condições económicas e sociais (factos 9 a 11) resultam das declarações do próprio arguido AAA.
A ausência de antecedentes criminais relativamente aos arguidos resulta dos respectivos CRCs junto aos autos.”

O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO
Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito dos recursos, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões [da respectiva motivação] que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

As questões suscitadas pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:

1) Medida da pena:
a) Se lugar à atenuação especial da pena (tendo em consideração a alínea c) do nº 2 do artigo 72º e o artigo 73º do Código Penal.)
b) Excessividade da pena concreta aplicada.
c) Indevida imposição do regime de prova.

O MÉRITO DO RECURSO DO ARGUIDO
O recorrente não suscita qualquer questão quanto á matéria de facto, nem nós vislumbramos qualquer vício dos previstos no artigo 410º do C.P.P., pelo que a temos como definitivamente assente.
1) Se lugar à atenuação especial da pena (tendo em consideração a alínea c) do nº 2 do artigo 72º e o artigo 73º do código penal.)

Em tese geral, pressuposto da entrada em aplicação do regime da atenuação especial [da pena], para além dos casos em que a lei expressamente a prevê, é quando “existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.” (art.º 72º, nº 1, do Cód. Penal). O nº 2 deste preceito enumera em seguida, exemplificativamente, tais circunstâncias – verdadeiros “factores”, deste modo, da medida legal ou abstracta da pena atenuada -, chamando a atenção para situações como as de: “ter o agente actuado sob a influência de ameaça grave ou sob o ascendente de pessoa de quem depende ou a quem deva obediência”; “ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida”; “ter havido actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados”; ou “ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”.
Donde que, «por um lado, outras situações que não as descritas naquelas alíneas [do nº 2 do cit. art.º 72º] podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção; por outro lado, as próprias situações descritas nas alíneas do art.º 72º-2 não têm o efeito “automático” de atenuar especialmente a pena, mas só o possuirão se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido» (FIGUEIREDO DIAS in “Direito Penal Português. Parte Geral, II As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, p. 306.). «Deste ponto de vista, pode afirmar-se, com razoável exactidão, que a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena». (FIGUEIREDO DIAS, ibidem.)
Ora, «a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo» (FIGUEIREDO DIAS, ibidem.). Por isso, «a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios». (FIGUEIREDO DIAS in ob. e vol. citt., p. 307.)
No caso dos autos, pretende o Recorrente que se verificaria o factor atenuativo previsto na al. c) do nº 2 do cit. art.º 72º: “Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação , até onde lhe era possível, dos danos causados”.
«O instituto da atenuação especial da pena tem na sua génese uma ideia pragmática de que a capacidade de previsão do legislador é limitada e não raro a vida fornece exemplos que o legislador não previu. Ora, nesses casos, quando a responsabilidade do agente seja menor que a pressuposta pelo legislador na formulação do tipo legal, imperativos de justiça e proporcionalidade, impõem a recurso a uma válvula de segurança do sistema. Daí que a atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro de uma moldura geral abstracta escolhida para o tipo respectivo» (Ac. da Rel. do Porto de 14/4/04, relatado pelo Desembargador António Gama e proferido no proc. nº263-04).
É que, «a atenuação especial em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios. (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime” (1993), pg. 307)
O Tribunal a quo justificou do seguinte modo a não aplicação ao arguido ora recorrente do regime constante do art.º 206º do código Penal:
“O crime de furto qualificado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão, nos termos do artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, sendo que o tribunal singular apenas poderá aplicar uma pena até 5 anos, atendendo ao disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
De salientar que, tal como resultou provado, o ofendido veio declarar que recebeu no dia 23.11.2021 (data posterior ao início do julgamento) a quantia de € 1.100,00, considerando-se ressarcido de todos os danos indicados, por entender que existe uma reparação integral dos prejuízos que lhe causaram.
Ora, nos termos do disposto no artigo 206.º, n.º 2, do Código Penal “Quando a coisa ou o animal furtados ou ilegitimamente apropriados forem restituídos, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.”
Atendendo a que na norma acima referida é indicado como momento temporal para a aplicação do regime da atenuação especial da pena o início da audiência de julgamento em 1.ª instância, tendo a reparação ocorrido já após o aludido momento temporal, entende o tribunal que não é de aplicar a atenuação especial da pena prevista nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal.
Não obstante, a circunstância de o ofendido se considerar ressarcido de todos os danos sofridos, será devidamente valorada aquando da determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º, do Código Penal».
Nenhum reparo nos merece os argumentos aduzidos pelo tribunal a quo.
Sustenta o recorrente que a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 71º, nº2, alínea c) do nº 2 do artigo72º e 73º do CP, por não ter atenuado especialmente a pena, como deveria face ao reduzidíssimo grau de ilicitude, às condições pessoais do arguido e à integral reparação dos danos.
O “princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção”. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, NotÍcias Editorial, pág. 305.)
Como supra já deixamos consignado, a atenuação especial da pena prevista no art.º 72º citado, está reservada para os «casos extraordinários ou excepcionais». Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente.
A «Doutrina e jurisprudência coincidem em que não é suficiente a verificação num determinado caso, das circunstâncias indicativamente enunciadas pelo legislador ou outras de igual densidade para que o tribunal deva atenuar especialmente a pena estabelecida na norma citada. Decisiva é “a imagem global do facto, a gravidade do crime como um todo”[ Consequências cit., pag. 312.] ou a desnecessidade da pena pela acentuada diminuição das exigências de prevenção geral de integração.
Critério decisivo é que essas ou outras circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do tipo de ilícito que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da sua prevenidamente muito ampla moldura penal… (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 06-10-2021, proferido no Proc. nº401/20.8PAVNF.S1 no site htpp//www.dgsi.pt).»
Revertendo à situação dos autos, verificamos que, na factualidade provada e no item da “Motivação da medida da pena ” não se descortinam as exigidas circunstâncias atenuantes da responsabilidade do arguido ao nível da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena que aconselhem o abaixamento da moldura penal abstrata prevista no tipo incriminador, razão pela qual, bem andou o Tribunal a quo ao não aplicar a atenuação especial prevista nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal, pois, não se verificam as circunstâncias que necessariamente conduzam a uma atenuação especial da pena.
Consequentemente, o recurso improcede, quanto a esta questão.

2) Da pretensa excessividade da pena concreta aplicada
Em sede de escolha da pena concreta, a sentença recorrida ponderou o seguinte, no que relativamente ao ora Recorrente:
“O crime de furto qualificado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão, nos termos do artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, sendo que o tribunal singular apenas poderá aplicar uma pena até 5 anos, atendendo ao disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
(…)
Deverão assim ser considerados e devidamente sopesados os seguintes factores: os bens furtados ascendem ao valor de € 754,28.
O ofendido declarou que em 23.11.2021, recebeu naquela data, a quantia de € 1.100,00 dos arguidos, na proporção de metade para cada arguido, considerando-se ressarcido de todos os danos sofridos.
O grau de ilicitude é elevado, atendendo aos danos causados aquando da execução dos factos e à circunstância de, em concreto, não se terem apurado dificuldades financeiras, revelando que os arguidos agiram sem motivo aparente que não o mero objectivo de apropriação dos referidos bens.
O grau de culpa é elevado, uma vez que os arguidos agiram com dolo directo.
As necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta a frequência com que este tipo de crimes é julgado nos nossos tribunais e o sentimento de insegurança que crimes relacionados com o património causam na população e, finalmente;
As necessidades de prevenção especial são medianas, uma vez que os arguidos não têm antecedentes criminais averbados nos respectivos CRCs.
Em sede de audiência de julgamento, o arguido AAA confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos constantes da acusação, pedindo desculpa pelos mesmos, não obstante apenas o ter feito após a produção da prova indicada na acusação.
O arguido AAA mostra-se inserido a nível social e familiar.”
Perante este quadro e atenta a moldura penal abstracta aplicada ao crime praticado pelo arguido não merece qualquer reparo a pena concreta encontrada e aplicada pelo Tribunal a quo ao ora Recorrente.
A integral reparação do dano e as condições pessoais do arguido, não justificaria a aplicação de pena coincidente com o limite mínimo da moldura penal abstracta, o que tudo mostra à saciedade a justeza da pena única aplicada pelo Tribunal recorrido.
Não se evidencia, portanto, a apontada excessividade da pena única imposta ao ora Recorrente.
Consequentemente, o recurso também improcede, quanto a esta questão.

3) Da não sujeição a regime de prova
Sustenta o Recorrente, que o regime de prova não se revela adequado, nos termos do nº 1 do artigo 53.º do Código Penal, defendendo que a reintegração do arguido na sociedade está mais do que assegurada pelo decurso do tempo de suspensão da execução da pena e pela demonstração ativa que ele efetuou quanto ao seu arrependimento.
Quid juris?
O Recorrente não põe em causa a verificação, no caso dos autos, dos pressupostos legais de que o art.º 50º-1 do Cód. Penal faz depender a suspensão da execução da pena de prisão, quando aplicada em medida não superior a 5 anos. Porém, questiona o facto de a sentença recorrida ter determinado que a suspensão da pena de prisão a ele imposta seja acompanhada de regime de prova.
a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova.
Dispõe o artigo 53º do Código Penal, sob a epígrafe “Suspensão com regime de prova” que:
“1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
(…)”

O Tribunal “a quo” fundamentou do seguinte modo a determinação de que a suspensão da pena de prisão imposta ao arguido/recorrente seja acompanhada de regime de prova:
De acordo com o artigo 53.º, n.º 1, do Código Penal, “o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reinserção do condenado na sociedade.”
Este regime tem em vista um acompanhamento para que o condenado se afaste da delinquência e desenvolva o seu sentido de responsabilidade, atingindo-se assim uma mais fácil reintegração do condenado na sociedade e, paralelamente, visa acautelar as finalidades de punição, tendo, a mais das vezes, uma finalidade preventiva especial.
Pelo acima exposto, decide o tribunal ao abrigo do disposto no artigo 53.º, n.º 1, do Código Penal, submeter a suspensão da pena aplicada aos arguidos a regime de prova, nos moldes a fixar e a acompanhar pela DGRSP.”

O Tribunal de 1ª instância fundamentou correctamente, por forma não passível de qualquer censura a determinação de que a suspensão da pena de prisão imposta ao arguido/recorrente seja acompanhada de regime de prova.
Esta Relação não pode senão subscrever as razões aduzidas na sentença recorrida em desabono da tese perfilhada pela Recorrente.
Como bem observa o Digno Magistrado do Ministério Público, nas suas contra motivações de recurso –, «…Considerando as finalidades do regime de prova, tão bem assinaladas na sentença recorrida, com a qual se concorda, e não obstante o arrependimento demonstrado pelo arguido, que confessou os factos, pedindo desculpa, sempre se terá de dizer que tal confissão apenas ocorreu após a produção da prova indicada na acusação, pelo que, no caso concreto, concordamos com a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a regime de prova, por se entender que o regime de prova, atendendo aos factos provados, é conveniente e adequado a promover a reintegração do arguido na sociedade
Sustenta ainda o Recorrente, que a regra constante do nº 1 do artigo 53º do Código Penal é inconstitucional, por ofender o nº 1 do artigo 29º da lei fundamental.
Não pode passar em claro a difícil inteligibilidade da arguição de inconstitucionalidade feita pelo Recorrente.
O regime de prova, bem como a suspensão condicionada a outras regras, visa a reintegração social do condenado fora da prisão.
A sentença recorrida (conforme a lei lhe permite e nada obstava a sua aplicabilidade) explicitou correctamente as razões que justificaram, no caso concreto, a imposição do regime de prova, -promover a reintegração do arguido na sociedade.
E, porque assim é, a decisão recorrida não coonestou nenhuma interpretação do citado preceito do Código Penal ofensiva do princípio da legalidade e da tipicidade estabelecido no art.º 29º, nºs 1 da Constituição da República.
Destarte, e sem necessidade de mais extensa fundamentação, afigurasse-nos que o artigo 53.º, n.º 1, do Código Penal, não padece de qualquer inconstitucionalidade material.

DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao presente recurso, assim confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do Recorrente. Taxa de justiça: 4 (quatro) UCs.

Évora, 07/ 06 / 2022
Maria Margarida Bacelar
Martinho Cardoso
Gilberto da Cunha