Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
43/16.2T8FAL-F.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: VENDA EXECUTIVA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
HIPOTECA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
Apreendido para a massa insolvente e vendido o imóvel hipotecado, o qual tinha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do locatário, nos termos do n.º2 do art.º 824.º do C. Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
BB, residente na Rua …, … e …, Ferreira do Alentejo, veio, por apenso ao processo de insolvência com o n.º 43/16.2T8FAL, intentar a presente ação declarativa comum contra a MASSA INSOLVENTE DE CC e DD, aqui representada pela sua AI; bem contra os devedores CC e DD, residentes na Estrada …, … em Ferreira do Alentejo, e bem assim os CREDORES destes, pedindo:
a) que seja reconhecida a existência e validade do contrato de arrendamento que permite ao Autor a titularidade da posse, reiterada, pública e pacífica sobre o imóvel supra indicado, contrato esse de arrendamento habitacional sem prazo;
b) seja declarada ineficaz em relação ao Autor, a comunicação da Sra. Administradora de Insolvência, que considera que o contrato caducou, devendo a mesma abster-se de tomar qualquer medida ou diligência de entrega do prédio enquanto a presente ação não for decidida;
c) seja reconhecida a existência de contrato de arrendamento com as legais consequências nomeadamente para efeito de venda no âmbito da insolvência, e respeitado por futuro adquirente, durante o prazo do contrato de arrendamento;
d) seja declarado que o Autor não pode ser perturbado nem impedido do exercício de direitos inerentes à sua qualidade de arrendatário, sem qualquer perturbação ou transtorno.
Para o efeito alegou, em síntese, que o prédio urbano destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Ferreira do Alentejo sob o artigo … e, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Alentejo, sob o n.º … da freguesia e Concelho de Ferreira do Alentejo, sito na Rua …, … e … constituído por r/ch e 1.ºandar, se encontra na sua posse, a qual lhe foi atribuída por contrato de arrendamento celebrado com o insolvente e que o tem utilizado como casa de morada de família. No dia 14 de Junho de 2017 recebeu uma carta enviada pela Sra. Administradora Judicial de Insolvência, com o intuito de o informar da situação de insolvência de CC e DD, notificando-o para exercer o seu direito de preferência, uma vez que o imóvel em questão foi apreendido para a massa insolvente, que não exerceu por ausência de meios financeiros. Mais alegou que o contrato de arrendamento não caducou por força da insolvência do locador e que o mesmo está em vigor.
Citados os réus, o credor Banco EE, S.A e a massa insolvente de CC e DD defenderam-se por exceção, alegando a caducidade do contrato de arrendamento com a venda judicial, bem como a invalidade desse contrato, sendo que a massa insolvente de CC e DD também deduziu, em caso de improcedência das invocadas exceções, pedido reconvencional, alegando a ilegitimidade do senhorio para, só por si, dar de arrendamento o imóvel em causa, sendo portanto o mesmo anulável. Ambos se defenderam por impugnação.
Foi concedido realizada tentativa de conciliação e as partes não se opuseram, sobre a possibilidade de ser proferida decisão de mérito, após o que foi prolatado o saneador sentença cujo dispositivo se transcreve:
De acordo com o supra exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais citados, o Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo julga a exceção de caducidade invocada pelos réus totalmente procedente e, em consequência:
a) Declara eficaz a comunicação da Senhora administradora da insolvência em relação ao autor BB, comunicando-lhe a caducidade do contrato de arrendamento, devendo este proceder à entrega do imóvel em causa nos autos livre e devoluto de pessoas e bens, nos termos, condições e no prazo que a Senhora administradora lhe conceder para o efeito, após o trânsito em julgado da presente sentença.
b) Absolve os réus Banco EE S.A. e Massa Insolvente de CC e DD de todo o mais peticionado e consigna a não ocorrência de abuso de direito por banda dos mesmos.
c) Consigna-se que, atenta a procedência da exceção de caducidade alegada pelos Réus Banco EE S.A. e Massa Insolvente de CC e DD, fica prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional deduzido pela Ré Massa Insolvente de CC e DD, deduzido em alternativa”.
Desta sentença veio Autor interpor o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Foi reconhecida a existência e validade do contrato de arrendamento quer pela massa insolvente quer pelo credor hipotecário.
2. A questão está em saber se o contrato de arrendamento persiste não obstante a alienação do direito com base no qual o contrato foi celebrado.
3. Defende a decisão que, tendo em conta a jurisprudência e as decisões que consideram que o contrato de arrendamento tem contornos de um direito real e por isso, tais direitos caducam com a venda.
4. A douta decisão recorrida, refere que o entendimento perfilhado, penaliza o recorrente, mas os interesses do Credor hipotecário devem ser suplantados em relação aos do A.
5. Não podemos aceitar este entendimento antes de mais por que se há interesse a prevalecer é o A. por configurar o respeito pelo direito á habitação, e por ser o mais fraco em relação ao credor hipotecário deve prevalecer, até por está constitucionalmente consagrado.
6. O anúncio de venda na insolvência anunciava a existência do contrato de arrendamento.
7. A declaração de insolvência não faz caducar o contrato de arrendamento nem suspende a sua execução - Artº 109 nº 1 do CIRE.
8. O bem ainda não foi vendido.
9. A adjudicação em processo de venda no processo de insolvência não faz caducar o contrato de arrendamento.
10. O arrendamento não foi feito nos dois anos antes da declaração de insolvência.
11. Não se pode falar de prejuízo de credores motivado pelo arrendamento, dada distância temporal entre a data da celebração do contrato e a data da declaração de insolvência, sendo certo que na data em que o contrato foi celebrado nem sequer era previsível a insolvência.
12. A validade do contrato de arrendamento não depende da autorização do credor hipotecário.
13. A única consequência contratual da celebração do contrato de arrendamento sem conhecimento ou consentimento do Banco credor, é o vencimento da totalidade do credito.
14. A proibição de arrendamento de prédio hipotecado sem o consentimento do credor hipotecário, significaria uma limitação inaceitável ao direito de propriedade.
15. A hipoteca sendo um direito real de garantia, só confere ao credor o direito de receber o seu credito com prioridade em relação aos demais. Mas não proíbe nem pode proibir o proprietário de livre administração do bem como é o caso de poder arrendar o prédio.
16. A não ser assim, a hipoteca seria uma intolerável limitação ao direito de administração do bem.
17. O artigo 695.º do C. Civil, expressa a nulidade da convenção que proíba o respetivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados.
18. Mas não resulta daí que os ónus obrigacionais caduquem.
19. Se o legislador quisesse que o contrato caducasse com a declaração de insolvência, teria expressamente escrito essa vontade no artigo 109 do CIRE.
20. Como o anúncio da venda na insolvência anunciava a existência de um contrato de arrendamento, significava que a venda era feita com esse ónus obrigacional.
21. Não foi anunciado que a venda era feita livre de ónus e encargos e de pessoas e bens, e sem o ónus constante do anúncio.
22. A menção da existência do contrato de arrendamento ditou também o preço dos proponentes e a vontade de adquirir nessas condições.
23. Só porque foi o Banco, credor hipotecário, que fez a melhor proposta, e porque pretende o prédio livre, é que a Srª Administradora pretende o prédio livre mesmo antes de concretizar a venda.
24. A possibilidade de vir a ser arrendado um prédio hipotecado faz parte dos riscos do contrato de credito, daí que se convencione que o credito de vença se o arrendamento for feito sem o conhecimento e consentimento do credor hipotecário.
25. Acresce ainda que no caso concreto a hipoteca não era para garantir o crédito para aquisição de habitação, mas um crédito concedido no âmbito de uma operação comercial normal, (com garantia de terceiro) aonde mais se justifica não existir limitação ao arrendamento.
26. A insolvência é uma execução universal em benefício de todos os credores e não em benefício exclusivo do credor hipotecário.
27. O benefício do credor banco hipotecário, é ver o seu crédito graduado em primeiro lugar pelo valor de venda do prédio hipotecado.
28. O exequente aqui não é o banco, e a venda não é em seu benefício.
29. A venda é feita pela e para a massa insolvente, e caso existam empregados dos insolventes em que esse bem seja o local de trabalho nem sequer o credor hipotecário é o credor preferencial.
30. Pelo que não se pode falar em eficácia ou ineficácia do contrato em relação ao credor hipotecário.
31. O direito do banco será o que vier a ser reconhecido na sentença de graduação de créditos e não antes disso.
32. O contrato de arrendamento para a habitação própria não tem caracter real, devendo ser respeito o direito á habitação conferido pelo contrato de arrendamento que não colide com o direito do credor hipotecário sobretudo quando a venda foi anunciada com esse ónus.
33. Fez-se incorreta aplicação dos artigos 824 nº 2, 1037 nº 2, 1057, do C. Civil e 109 do CIRE.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida.
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Contra alegaram a Massa Insolvente e o Credor Banco EE, S.A (EE), defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a questão essencial decidenda consiste em saber se apreendido para a massa insolvente e vendido o imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, faz caducar, nos termos do n.º2 do art.º 824.º do C. Civil, o direito ao arrendamento.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A matéria de facto assente na 1.ª instância, que não vem posta em causa, que se mantém, é a seguinte:
1. CC e DD, casados sob o regime de comunhão de bens, apresentaram-se à insolvência, que foi declarada por sentença proferida em 31.03.2016, transitada em julgado em 26.04.2016, nos autos a que estes se encontram apensos.
2. No âmbito do processo de insolvência, faz parte do ativo dos insolventes, o prédio urbano destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Ferreira do Alentejo sob o artigo … e, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Alentejo, sob o n.º … da freguesia e Concelho de Ferreira do Alentejo, sito na Rua …, … e … constituído por r/ch e 1.ºandar.
3. Este imóvel foi dado como garantia decorrente de dois mútuos contraídos pelos ora insolventes, um junto do Banco FF, S.A. e outro do Banco EE, através de hipotecas voluntárias constituídas pela AP 1 de 16.12.1999 e a AP 5 de 30.04.2004, inscritas na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Alentejo, com montante máximo assegurado de 12.971.600,00 escudos e 90.986,00 euros, respetivamente.
4. Nos termos da cláusula Sétima (Secção II – Condições Gerais) e Nona, dos documentos complementares aos contratos de mútuo com hipoteca supra identificados, resulta que: “O Banco reserva-se no direito de resolver unilateralmente o contrato e considerar vencido o empréstimo, tornando-se imediatamente exigível toda a divida: (…) a) se o objeto da hipoteca for alienado, onerado ou arrendado, sem prévio consentimento por escrito do Banco, ou se a mutuária deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do presente contrato (…)” e “A presente hipoteca poderá ser executada: (…) b) se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, total ou parcialmente, objeto de arresto, execução ou qualquer outro procedimento cautelar ou ação judicial, casos em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura (…)”, respetivamente a cada contrato.
5. O credor hipotecário não deu autorização a qualquer um dos ora insolventes para a oneração do imóvel, sobre o qual recaem as hipotecas referidas em 3., nomeadamente a cedência do gozo do mesmo a terceiros, mediante retribuição.
6. Em 03 de Março de 2008 foi outorgado entre CC, ora insolvente marido, como primeiro contratante e o ora autor BB, como segundo contratante, um documento particular intitulado “Contrato de Arrendamento com direito de preferência na venda”.
7. Consta da 2.ª Cláusula do referido documento:
“Pelo presente contrato, o primeiro contratante dá de arrendamento ao segundo, o prédio identificado na 1.ª Cláusula da seguinte forma:
A) O segundo contratante faz do prédio a sua habitação permanente, e da família que venha a constituir, não lhe podendo dar outro uso;
b) Enquanto o pai do primeiro contratante, António …, for vivo, o segundo, não paga a título de renda qualquer quantia, a condição de cuidar deste, providenciando pelo seu bem-estar e socorrendo-o em caso de doença, pagando no entanto todas as despesas referentes a consumo de água e eletricidade.
C) Por morte do pai do primeiro contratante, o segundo contratante passa a pagar mensalmente, a título de renda a quantia de €100 euros durante os cinco primeiros anos.
D) Findos os cinco anos, a renda será atualizada de acordo com os preços de mercado vigentes na terra.
E) A renda mensal, quando a ela houver lugar, deve ser paga diretamente e em numerário ao primeiro contratante na morada deste até ao dia 08 de cada mês.”
8. A 3.ª cláusula refere que “O presente contrato é celebrado sem prazo.”
9. Na 4.ª Cláusula foi estipulado que “Ambos os contraentes podem denunciar o contrato, através de carta registada com aviso de receção com pelo menos dezoito meses de antecedência.”
10. Ficou estabelecido na sua 5.ª Cláusula: “No caso do primeiro contratante pretender vender o prédio identificado na 1.ª cláusula, o segundo contratante tem direito de preferência na compra, e se o pai do primeiro contratante for vivo, o segundo compromete-se a deixá-lo viver naquele local enquanto vida deste, recebendo por isso uma compensação em dinheiro a combinar.”
11. Desde a outorga do documento referido em 1.6, o Autor sempre viveu no imóvel em questão, cumprindo as demais obrigações inerentes ao contrato celebrado.
12. Tendo vindo a constituir família, a qual habita no imóvel em questão.
13. No dia 24 de Janeiro de 2009, o Autor casou-se com GG.
14. O Autor, sempre tratou do pai do insolvente marido com os melhores cuidados e cumprindo os demais deveres inerentes ao acordo celebrado.
15. O imóvel descrito em 2. foi apreendido para a massa insolvente no dia 19 de maio de 2016.
16. Pelo menos até à apreensão de bens no âmbito do processo de insolvência a que estes autos se encontram apensos, quer a administradora de insolvência, quer o credor hipotecário, desconheciam por completo a existência do contrato de arrendamento daquela fração.
17. O contrato de arrendamento nunca foi comunicado às finanças e não se encontra registado.
18. Com data de 14 de Junho de 2017, foi remetida carta pela Exma. Sra. Administradora Judicial de Insolvência, …, que foi recebida pelo Autor, com o seguinte teor: “Exmo. Senhor,
Na qualidade de administradora de insolvência no processo n.º 43/16.2T8FAL, que corre seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo, em que foram declarados insolventes “CC e DD”, notifico V. Exa. nos termos dos artigos 1091.º e 416.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil para, querendo, exercer o direito de preferência na aquisição do prédio urbano destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Ferreira do Alentejo sob o artigo … e descrito na Conservatória do registo Predial de Ferreira do Alentejo sob o n.º …, sito na Rua …, … e …, em Ferreira do Alentejo, de que V. Exa. é arrendatário.
Para o efeito, informo V. Exa. de que o credor hipotecário – Banco EE, S.A. -, requereu a adjudicação do dito prédio, pelo preço de € 111.200,00 (cento e onze mil e duzentos euros).
Mais informo V. Exa. de que na qualidade de credor hipotecário requereu a dispensa do depósito do preço, ficando apenas obrigado ao pagamento de 20% a título de caução, nos termos do art. 164.º, n.º 4 do CIRE.
Assim e para o efeito do disposto no art. 416.º, n.º 2 do Código Civil, deverá V. Exa., querendo, exercer o direito de preferência no prazo legal de 8 (oito) dias. (…)”
19. O imóvel identificado em 2., apreendido para a massa insolvente, foi indicado para venda por propostas em carta fechada.
20. No anúncio de venda é referido que “O prédio se encontra onerado com contrato de arrendamento para habitação.”
21. O Autor não procedeu à compra do imóvel descrito em 2., no exercício do direito de preferência, por impossibilidade de obtenção de crédito junto da banca.
22. O credor hipotecário Banco EE, S.A. requereu a adjudicação do citado imóvel descrito, pelo valor de € 111.200,00, proposta que foi aceite pela Senhora Administradora de Insolvência.
23. Com data de 01 de Setembro de 2017, o Autor recebeu outra carta remetida pela Sra. Administradora Judicial de Insolvência, …, com o seguinte teor: “Exmo. Senhor,
Na qualidade de administradora de insolvência no processo n.º 43/16.2T8FAL, que corre seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo, em que foram declarados insolventes “CC e DD”, notifiquei V. Exa. em 14 de junho de 2017 para, querendo, nos termos dos artigos 1091.º e 416.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, exercer o direito de preferência na aquisição do prédio urbano destinado a habitação inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Ferreira do Alentejo sob o artigo … e descrito na Conservatória do registo Predial de Ferreira do Alentejo sob o n.º …, sito na Rua …, … e …, em Ferreira do Alentejo, de que V. Exa. é arrendatário.
Decorrido o prazo concedido V. Exa. não exerceu o direito de preferência.
Assim sendo, e porque no processo de insolvência foi requerida a adjudicação do imóvel pelo credor hipotecário – Banco EE, S.A. -, pelo preço de € 111.200,00 (cento e onze mil e duzentos euros), que foi por mim aceite, e porque a constituição de hipoteca é anterior ao contrato de arrendamento em que V. Exa. figura como arrendatário, notifico V. Exa. nos termos e para os efeitos do artigo 824.º, n.º 2 do CPC (“Os bens são transmitidos livres de direitos de garantia que os onerarem, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.”), da caducidade do contrato de arrendamento.
Ante o exposto, notifico igualmente V. Exa. para, no prazo de 30 (trinta) dias a partir da receção da presente, proceder à entrega do imóvel no estado em que o recebeu.
24. O Autor, no dia 27 de Setembro de 2017, remeteu uma carta ao credor hipotecário do imóvel, Banco EE, S.A., indicando no Assunto “Arrendamento” com o seguinte teor: “ Exmos. Senhores,
BB, venho pelo presente expor e requerer a V. Exas., o seguinte:
Sou arrendatário de um imóvel, sito em Ferreira do Alentejo, na Rua …, … e … em Ferreira do Alentejo, desde 3 de Março de 2008, com a morada fiscal na mesma.
Os proprietários do imóvel foram declarados insolventes, em meados do ano passado.
O prédio foi à venda, não apareceram interessados e, o Banco EE adjudicou o imóvel, pelo valor da avaliação 111 200,00€.
No início deste mês fui notificado pela Senhora Administradora de Insolvência, para sair do arrendado no prazo de 30 dias.
Tal deixou-me a mim e à minha família numa situação muito difícil.
Como inquilino do imóvel, e uma vez que comigo residem também a minha mulher, duas filhas uma de 9 anos e outra de 2 anos e o pai do insolvente marido, com 88 anos de idade, e com saúde bastante debilitada, uma vez que sofre de doença do foro oncológico, e porque não tenho casa, é minha intenção adquirir, por compra o imóvel em causa.
Tendo até já feito diligências juntos dos bancos no sentido de conseguir financiamento para a aquisição.
Acontece que, por ora, e devido ao valor do imóvel, não é possível concederem-me crédito.
No entanto, tudo me leva a crer que num futuro muito próximo tal seja possível.
Afigurando que dentro aproximadamente de dois anos, os rendimentos do meu agregado familiar seja suficiente para a concessão do crédito para a compra do imóvel.
Assim requeiro a Vossas Excelências, que me seja concedido o prazo de pelo menos dois anos, a viver no identificado imóvel, pagando uma renda, indicada para o imóvel, tendo em conta a sua localização e as condições do mesmo, e os usos da terra.
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me aguardando de Vossas Excelências uma resposta satisfatória.”
25. O Autor remeteu uma carta à Sra. Administradora de Insolvência, com data de 04 de Outubro de 2017, com o seguinte conteúdo:
“Eu, BB, venho pela presente responder à carta enviada por Vossa Excelência.
Depois de procurar pela vila, não consegui até ao momento encontrar casa para alugar. O meu agregado familiar é constituído por mim pela minha mulher duas filhas menores e como sabe tenho a meu cargo o pai do meu senhorio, um homem com quase noventa anos e doente oncológico.
A situação não se consegue resolver no prazo que me foi dado, apesar das tentativas que já fiz e continuo a fazer, passando por ir ao banco tentar arranjar uma solução que passasse pela compra da casa com recurso ao crédito e, fazendo uma exposição à administração do banco e que, aguardo resposta.
Por outro lado, e uma vez que já existia um contrato de arrendamento de Março de 2008, que o banco comprador tinha conhecimento, tenho algumas dúvidas que o contrato tenha terminado com a compra da casa pelo banco, uma vez que existem situações idênticas à minha na vila de Ferreira e, apesar dos bancos comprarem as casas, os inquilinos continuam a viver nelas e passam a fazer o pagamento da renda ao banco.
Tenho todo o interesse em ver a situação resolvida porque está a tornar-se penoso para a minha família viver nesta turbulência.
Apelo assim aos Vossos bons ofícios no sentido de conceder um prazo de pelo menos mais 90 dias para tentar encontrar uma solução para a situação.”
26. Com data de 19 de Outubro de 2017, o Autor recebeu carta da Sra. Administradora de Insolvência, com o seguinte teor: “ Exmo. Senhor,
Acuso a receção da sua missiva datada de 04 de outubro de 2017, cujo teor mereceu a minha melhor atenção.
Porém, informo V. Exa. de que não obstante compreender a envolvência familiar descrita, o certo é que, conforme referido na minha comunicação anterior, o contrato de arrendamento caducou nos termos do artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil.
Igualmente certo é que já decorreu um longo período de tempo desde a declaração de insolvência do Sr. CC e da sua mulher DD.
Assim sendo, e com vista à desocupação definitiva do imóvel supra identificado, prorrogo o prazo por mais 30 (trinta) dias.
Mais informo que o prazo agora concedido é improrrogável e que após o seu decurso tomarei posse imediata do imóvel.
27. O Autor recebeu, no dia 23 de Outubro de 2017, uma comunicação do Banco EE, S.A., datada de 19 de outubro de 2017, tendo como “Assunto: Arrendamento” do seguinte teor: “Exmo. Senhor,
Acusamos a receção da carta de V. Exa. De 27 de Setembro de 2017, dirigida à Administração, a qual mereceu a nossa melhor atenção.
Em resposta informamos que o imóvel apesar de já ter sido adjudicado o Banco não é o proprietário, pelo que a questão que coloca sobre o arrendamento deverá ser colocada ao Sr. Administrador de Insolvência e, respondida por este.
Tomámos assim a liberdade de enviar nesta data cópia da carta de V. Exa. ao Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, para que a questão seja analisada e respondida. (…)”.
28. Até ao presente, o Autor não procedeu à entrega do imóvel à massa insolvente.
29. O Autor encontra-se no imóvel sem pagar qualquer quantia à massa Insolvente.
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2. O direito.
2.1. Da caducidade do contrato de arrendamento.
A questão essencial a decidir, como se deixou dito, consiste em saber se o contrato de arrendamento celebrado entre os insolventes e o recorrente, tendo por objeto um imóvel com hipoteca registada anteriormente a esse arrendamento e apreendido para a massa insolvente e vendido no âmbito desse processo, caduca nos termos do n.º2 do art.º 824.º do C. Civil.
A decisão recorrida defendeu que o contrato de arrendamento, tendo contornos de um direito real, caducou com a venda judicial, louvando-se em jurisprudência e doutrina maioritárias.
Com efeito, escreveu-se na decisão recorrida:
“(…) Ora, como é sabido, é precisamente o preceituado neste artigo que tem estado no cerne da discussão sobre a natureza jurídica do direito do arrendatário, dividindo a doutrina entre os que consideram tratar-se de um direito real - esta posição foi defendida por Oliveira Ascensão, in Direito Civil, Reais, 5.ª ed., Coimbra Editora, págs. 536 e ss., e Menezes Cordeiro, in Da Natureza do Direito do Locatário, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, 1980, pág. 363. Porém, este autor reviu esta sua posição, in A Posse: Perspectivas Dogmáticas Atuais, 3.ª ed. Almedina, págs. 72 e 73 – e os que sustentam estarmos perante um direito pessoal de gozo - esta é a posição clássica, claramente maioritária, sendo sufragada por Galvão Teles, in Arrendamento, págs. 305 e ss., Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª ed., Coimbra Editora, pág. 365, Pedro Romano Martinez, in Obrigações, pág. 160 e ss., Januário Gomes, in Constituição da relação de arrendamento urbano: sua projeção na pendência e extinção da relação contratual, Almedina, pág. 122 e ss. Andrade Mesquita, in Direitos Pessoais de Gozo, Almedina, pág. 163, Henrique mesquita, in Obrigações Reais e Ónus Reais, Menezes Leitão, in Arrendamento Urbano, 2.ª ed., Almedina, pág. 16, e Cláudia Madaleno, in A Vulnerabilidade das Garantias Reais, Coimbra Editora, pág. 284.

O mesmo acontece, em nosso entender, quando o contrato de arrendamento é celebrado após a constituição da hipoteca, caso em que caduca com a venda executiva, sendo então aplicáveis os art.º 819.º e 824.º, n.º 2, este por analogia, e não o art.º 1057.º, todos do Código Civil (cfr. neste sentido, Aragão Seia, in Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 7.ª ed., Almedina, pág. 341, podendo ver-se para uma explicação das diferentes situações possíveis, o Ac. do TRC de 09-10-2012, no processo n.º 1734/10.7TBFIG, e disponível em www.dgsi.pt.).

Assim e em consonância com a maioria da doutrina e da jurisprudência repete-se que, por aplicação analógica do regime disposto no art.º 824.º, n.º 2, do Código Civil, este contrato de arrendamento que é (indiscutivelmente) titulado pelo Autor caduca com a venda judicial do imóvel ao beneficiário de hipoteca constituída em data anterior. O que, como consequência, faz exigir a entrega do imóvel pelo credor hipotecário, aqui Réu, ao Autor”.
Posição contrária defende o recorrente, sustentando a manutenção do contrato de arrendamento, ainda que celebrado após a constituição e registo de hipoteca voluntária e realizada a venda judicial.
Ora, esta concreta questão nem sempre mereceu posição unânime da jurisprudência, pois até fins do ano de 2007 o STJ encontrava-se dividido quanto a essa questão, pese embora a tese maioritária defendesse a caducidade do arrendamento celebrado nessas circunstâncias.
Todavia, como se realça no Acórdão do STJ de 22/10/2015 (Pires da Rosa), disponível em www.dgsi.pt, “ O STJ, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo, uniformemente, que, com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respetivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC”.
Na verdade, esta tem sido a orientação unânime do Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver nomeadamente nos seus acórdãos de 5/2/2009 (João Bernardo), 7/5/2010 (Álvaro Rodrigues), 9/7/2015 (João Camilo), 22/10/2015 (Pires da Rosa) e mais recentemente no seu acórdão de 15/02/2018 (Roque Nogueira), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Neste último aresto (15/2/2018), que acompanhamos de perto, após identificar a jurisprudência produzida até então nos dois sentidos, escreveu-se:
“A partir de 2007, a jurisprudência encontrada do STJ sobre a questão em análise é, uniformemente, no sentido da caducidade do arrendamento (cfr. os Acórdãos do STJ, de 5/2/09, 27/5/10, 19/5/11, 16/9/14, 9/7/15, 22/10/15 e 9/1/18, este último ainda inédito, proferido no proc. nº732/11.8TBPDL, subscrito como adjunto pelo ora relator).
Tem sido, também, neste último sentido o entendimento geral da doutrina (cfr. Oliveira Ascensão, in ROA, nº45, 363 e segs., Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223, Romano Martinez, in «Da Cessação do Contrato», pág.321, A. Luís Gonçalves, in RDES, Ano XXXX – XII da 2ª série – nº1, pág.98, e Ana Carolina Sequeira, «A Extinção de Direitos por Venda Executiva», in «Garantias das Obrigações», págs.23 e 43).
Por nossa parte, não vemos razões substanciais para divergir do entendimento que vem sendo seguido pela doutrina e pela jurisprudência, com base, fundamentalmente, nos argumentos aduzidos no atrás citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, in CJ, Ano XXII, tomo III, 43.
Deste modo, não obstante se entender que o arrendamento não assume a natureza de um direito real, a tese da não caducidade não é a que melhor responde às exigências de justiça, nem aos interesses teleologicamente detetáveis no art.824º, nº2, do C. Civil, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos.
Concorda-se, pois, em geral, com o exarado no citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, quando aí se refere:
«Assim sendo, ter-se-á por afastada a taxatividade das causas de caducidade do contrato de arrendamento com assento no art.1051º C. Civil, considerando que o mesmo também pode caducar, entre outras causas – atente-se, v.g., no caso de impossibilidade da prestação (art.795º CC), como apreciado no ac. desta Conferência de 08/5/2013 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Página 6 de 9 http:// proc.9304.6YYPRT-A.P1.S1) – por via da aplicação do art.824º-2 citado, bem como a regra emptio non tolli locatum, que o art.1057º, também do C. Civil, acolhe ao prever, ipso jure, a transmissão da posição jurídica do locador para o novo adquirente quando se transmita o bem com base no qual foi celebrado o contrato, inaplicável em caso de venda executiva.
A hipoteca, não impedindo, embora, o poder de disposição dos bens, mediante alienação ou oneração, faculdades que decorrem da respetiva inoponibilidade ao credor hipotecário, na medida em que este goza da preferência que lhe é concedida pela prioridade do registo, não deixa de produzir limitações de vária ordem ao direito de propriedade do hipotecador a quem fica vedado praticar livremente atos que ponham em causa o valor da coisa hipotecada, estando limitado aos atos que caibam nos poderes de administração ordinária – arts.686º, 695º, 700º e 701º C. Civil (vd. M. Isabel H. Menéres Campos, «Da Hipoteca – Caracterização, Constituição e Efeitos», 232 e segs.).
A finalidade da hipoteca é, lembra-se, a garantia de um crédito em que o valor do imóvel é elemento fundamental na atribuição do empréstimo e na determinação do respetivo quantitativo, sendo que, como refere na obra acabada de citar, «as instituições de crédito, aquando da concessão, avaliam fundamentalmente o valor que, na venda em execução, pode alcançar o imóvel, e não há dúvidas que um dos fatores que pode influir nesta avaliação é a situação arrendatícia da coisa.
Um prédio arrendado tem um valor, um prédio devoluto tem outro.
Se o prédio está arrendado, o credor hipotecário não pode desconhecer esse facto, pelo que o mesmo é-lhe oponível. Pelo contrário, se a coisa que se hipoteca está livre, a existência de um arrendamento posterior coloca a difícil questão de harmonizar os distintos interesses em jogo (…)», o do proprietário, o do arrendatário e o do credor que se vê confrontado com uma desvalorização do imóvel decorrente do, entretanto celebrado sem a sua intervenção e vontade, arrendamento que, por sua vez, o arrendatário sabe ou pode saber (desde logo pela publicidade registral) ter por objeto
bem hipotecado sujeito a execução.
Por isso, como se escreve na mesma obra (pg. 242), citando A. Luís Gonçalves (“Arrendamento de prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento”, RDES, ano XXXX (XII, da 2ª Série), nº1, pg.98) e Henrique Mesquita (RLJ, A.127º, 223), o contrato de arrendamento “na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito à extinção por força da venda executiva. O arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a breve prazo é um ónus, não podendo sobrepor-se à hipoteca, porquanto origina a degradação do valor dado em garantia”.
Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente de natureza socioeconómica, que não, necessariamente, no sentido técnico jurídico da integração de lacuna – art.10º-1 C. Civil; cfr. ac. STJ de 27/5/10-Proc.5425/03.7TBSXL.S1 – deverá entender-se que “a referida norma do art.824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objeto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”.
Não se trata, portanto, de estender, por via analógica, o efeito extintivo previsto no art.824º-2 a direitos de crédito, naturalmente de eficácia relativa e, nessa medida, inoponíveis a terceiros, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade, “possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção” (Ana Carolina S. Sequeira, “A Extinção De Direitos Por Venda Executiva”, in “Garantias das Obrigações”, 23 e 43).
Sairá, assim, objetivamente penalizado o arrendatário, mas não pode esquecer-se que, como acima já notado, no jogo de interesses em confronto, fará menos sentido protegê-lo, em detrimento do credor hipotecário, tendo em consideração que ele não ignorava ou não devia ignorar a hipoteca que onerava o bem locado (vd. ac. STJ, de 02/02/98, BMJ, 482º-224)» - fim de citação.
Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9/12/2012, proferido no processo n.º 1734/10.7TBFIG (Albertina Pedroso) [1], in www.dgsi.pt, se defendeu a caducidade do arrendamento nestas circunstâncias, ou seja, na sequência de venda judicial de imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo dessa hipoteca, ao abrigo do disposto no n.º2 do art.º 824.º do C. Civil, preceito legal que prevê: “Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”.
Pelo mesmo caminho seguem Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in “Arrendamento Urbano”, Novo Regime Anotado, Quid Juris, 2009, pág. 245/246, defendendo que “(…) o arrendamento – esteja ou não registado – caduca no caso de venda em ação executiva de imóvel hipotecado/penhorado, quando o contrato de arrendamento tenha sido celebrado após o registo da hipoteca/penhora – cfr. art.ºs 819.º e 824.º do C. C., este último aplicável por analogia”( [2]).
Aderimos, pois, à orientação unânime seguida pelo STJ, pelas razões já explanadas, por considerar a melhor interpretação dos textos legais em presença, em particular do art.º 824.º/2 do C. Civil, face aos vários interesses em conflito, sendo certo que o art.º 1051.º do C. Civil não enuncia de forma taxativa os casos de caducidade do arrendamento, visto que este pode também caducar no caso de impossibilidade de cumprimento, nos termos do art.º 795.º do C. Civil, e o art.º 824.º/2, por ser norma especial, prevalece sobre a regra geral da transmissão da posição do locador prevista no art.º 1057.º.
Assim, não se vê razão para discordar dessa jurisprudência, pois como sublinha o citado acórdão do STJ de 9/7/2015, “(…) pensamos como a generalidade dos autores, que esse direito tem natureza pessoal ou creditícia, mas tem contornos que se assemelham aos direitos reais em que o regime dos direitos reais se lhe aplica – cfr. art. 1037.º, n.º2 do C. Civil.
As exigências de justiça e os interesses teleologicamente detetáveis no referido n.º 2 do art.º 824.º apontam para a aplicação ao arrendamento do regime da caducidade neste último previsto”.
Ora, no caso dos autos, é manifesto que o contrato de arrendamento foi celebrado com os insolventes e o recorrente em data posterior ao registo da hipoteca, pelo que não pode deixar de considerar-se que caducou, automaticamente, por aplicação do citado art.824º, nº2, do C. Civil, com a venda do imóvel arrendado, no caso com a adjudicação ao credor hipotecário, no âmbito do processo de insolvência.

E não colhe o argumento defendido pelo recorrente de que o anúncio da venda na insolvência anunciava a existência de um contrato de arrendamento, o que significa que a venda era feita com esse ónus obrigacional, ou seja, a venda não foi anunciada que era feita livre de ónus e encargos e de pessoas e bens, pois como bem se refere no citado acórdão do STJ de 22/10/2015:

“II - A simples inscrição na publicitação da venda não faz nascer um ónus ou limitação que nunca existiu nem impede a morte de um ónus ou limitação que caduca por força da própria venda executiva. III - Não é, pois, a circunstância de no edital que anunciava a venda em execução se fazer constar que o bem se encontra onerado por um arrendamento a favor de A. que faz nascer o ónus desse arrendamento (se acaso não existia) ou que evita a sua morte ou os seus efeitos se, tendo existido, deva ter-se por inoponível ao comprador ou caducado por força e como efeito da própria venda. IV - Quer se considere a dimensão real do arrendamento quer tão só e apenas a dimensão obrigacional do contrato que o substancia, o que importa é definir se o ónus ocorreu antes ou depois do arresto, penhora ou garantia com os quais o credor/exequente se protegeu”.

Resumindo, a decisão recorrida, sufragando a maioria Doutrina, bem como a Jurisprudência mais recente do STJ, decidiu pela caducidade do contrato de arrendamento, porque celebrado em data posterior ao registo da hipoteca, razão pela qual nenhuma censura merece, devendo ser mantida.

Improcede, pois, a apelação.

Vencido no recurso, suportará o apelante as custas respetivas – art.º 527.º/1 do C. P. C.


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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
Apreendido para a massa insolvente e vendido o imóvel hipotecado, o qual tinha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do locatário, nos termos do n.º2 do art.º 824.º do C. Civil.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante.

Évora, 2018/09/13
Tomé Ramião (Relator)
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro


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[1] Com efeito, neste aresto, sustentou-se a tese da não caducidade apenas quando o arrendamento seja anterior ao registo da hipoteca, sumariando-se: “2.- O processo de insolvência não é o meio próprio para decidir sobre a existência e validade do contrato de arrendamento cuja existência se mostrava devidamente publicitada nos anúncios para a venda do imóvel respetivo. 3.- O artigo 109.º, n.º 3, do CIRE não acrescenta nem retira direitos ao locatário: apenas garante a tutela que lhe é conferida pela lei civil. 4.- Sendo a data de celebração do contrato de arrendamento anterior ao registo da hipoteca a favor do adquirente em venda forçada em processo de insolvência do senhorio, aquele contrato não caduca apesar da sua participação fiscal ser posterior à constituição daquela garantia, transmitindo-se os direitos e obrigações do senhorio para o adquirente do arrendado, nos termos dos artigos 1057.º do CC e 109.º, n.º 3, do CIRE.
[2] Em sentido contrário, defendendo que o arrendamento não caduca no caso da venda executiva do imóvel, pronuncia-se Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, 8.ª edição, 2017, págs. 154/155, que citando vasta Doutrina e Jurisprudência em sentido oposto, ou seja, defendendo a caducidade do arrendamento, afirma: “ Não nos parece, porém, que essa posição possa ser aceite, dado que o arrendamento não se inclui em nenhum dos direitos cuja caducidade a lei determina no art.º 824.º, n.º2, nem se prevê qualquer exceção ao regime do art.º 1057.º, sendo que aliás o arrendatário pode ter direito de preferência na venda do local arrendado (art.º 1091.º), o que seria incompatível com a extinção do seu direito pela venda executiva. Aliás, determina o art.º 109.º do CIRE que “ a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância”, sendo pacífico que entre esses direitos se inclui a manutenção da posição contratual e o direito de preferência”.