ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I- RELATÓRIO
AA, autora no processo à margem identificado que intentou, em 4.11.2014, contra BB e mulher CC e no qual peticionou a resolução dos contratos de arrendamento que os ligava por os Réus terem cedido o gozo dos locados, em finais de 2013, a seu filho sem consentimento ou autorização prévia ou posterior da mesma Autora, inconformada com a sentença que absolveu os Réus da integralidade dos pedidos por si formulados, dela veio interpor recurso de apelação deduzindo, para tanto, as seguintes conclusões :
A.- Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou improcedente a acção intentada pela recorrente, por considerar que falta um requisito para a resolução do contrato, qual seja a da caracterização como grave ou produzir o facto consequências,
B.- Com o devido respeito, discordamos com tal douto entendimento.
Vejamos…
C.- Para lá do mais resultou provado que: «Os Réus, até 2013, sempre utilizaram o locado como arrecadação dos seus utensílios piscatórios; Desde final de 2013 que os Réus não ocupam o mesmo espaço, tendo cedido a sua posição de arrendatário ao seu filho, que ocupa o imóvel em apreço. Tal cessão foi feita sem o conhecimento nem autorização dos senhorios, que nunca foi solicitada para o efeito. De tais factos a Autora e os demais herdeiros tiveram conhecimento no passado mês de Abril/ Maio de 2014. A Autora e a herança proprietárias do imóvel nunca aceitaram nem aceitam tal cessão.»
D.- Diz-nos o artigo 1083º nº 2 al e) do C. Civil que « É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:
(…)
A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.”
E.- Da leitura de tal normativo resulta claro e inequívoco, que no caso de « cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.”, tal situação é desde logo grave e traz consequências, que torna inexigível a manutenção do contrato de arrendamento. De facto, qualquer uma das situações elencadas nas alíneas a) a e ) do no 2 do artigo 1083º do C. Civil é só por si grave, não sendo necessário nessas situações alegar ou provar tal gravidade.
F.-A não ser assim, o legislador não teria especificado e indicado qualquer umas da alíneas de tal artigo, e teria apenas redigido o nº 2 do artigo 1083º do seguinte modo:
“É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento»
G. - Ora, ao discriminar e indicar especificamente as situações previstas nas alíneas a) a e) inclusive, quis, desde logo, o legislador transmitir que tais situações, a verificar-se, são fundamento, sem mais, para a resolução do contrato de arrendamento, é que tais situações estão só por si imbuídas de gravidade, não sendo necessária a alegação de qualquer outro facto.
H.- Assim, a cessão da posição de arrendatário sem conhecimento do senhorio é só por si grave,
I - Pois implica a perda de confiança que é exigida na celebração dos contratos, nomeadamente na relação senhoria/ arrendatário.
J. Uma das obrigações do arrendatário é exactamente não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar- art. 1038º f ) do C. Civil.
L.- No caso vertente, não tendo os RR feito a comunicação aos senhorios da cessão da posição contratual, os quais não consentiram nessa cessão, mostra-se desde logo, consubstanciado o fundamento legal de resolução do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1083º nº 2 alª e) do Código Civil.
M.- Tal situação traduz logo um incumprimento dos deveres a que o arrendatário está obrigado, consubstanciando uma causa de resolução do contrato, não sendo necessário alegar ou provar qualquer o outro requisito, que, aliás, não está previsto na lei.
De todo o modo e sem prescindir, sempre se diz…
N.- O tribunal «a quo» entende que para haver causa de resolução do contrato de arrendamento têm que se verificar cumulativamente dois requisitos (do que discordamos): - verificação do facto; e a sua caracterização como grave ou produzir o mesmo consequências.
O.- Refere, ainda, o tribunal a quo:
«Se é certo que os factos se subsumem na alínea em análise, menos certa é a circunstância de esta cessão, ineficaz, consubstanciar um comportamento grave com consequências para a Autora.
Efectivamente, e se bem atentarmos na petição inicial, não é alegado um único facto que se integre neste conceito (cfr. art. 54.º).
Consequentemente, nenhum facto que integrasse este fundamento poderia ser dado como provado…»
P.- Se o tribunal «a quo» entendia verificar-se insuficiência na alegação da matéria de facto, sempre deveria ter feito uso do dever que lhe é imposto pelo artigo 590º nº 2 al b) e nº 3 do C.P.Civil, e assim, ter convidado a A. a aperfeiçoar o seu articulado (Neste sentido, veja-se por exemplo Ac. Rel Lisboa de 15-05-2014. , Ac. Da Rel.- de Coimbra de 02-02-2010).
Q.- A A. no artigo 54º da sua petição inicial referiu o seguinte:
«Ora, a referida cessão é grave, traduz um incumprimento dos contratos de arrendamento e torna inexigível aos locadores a manutenção dos mesmos arrendamentos. »
R.- Os RR. não contestaram a acção.
S.- No entender do tribunal «a quo», «na p.i., não é alegado um único facto que se integre neste conceito (cfr. art. 54.º). »
T- E é exactamente essa «deficiência» do articulado que constitui o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela A. ; O tribunal a quo considera não terem sido alegados todos os factos com interesse para a decisão da causa.
U-Então, sempre deveria o mesmo ter proferido despacho judicial a convidar a A. ao aperfeiçoamento do seu articulado, o que não foi feito.
V.- Pelo que, foi cometida uma nulidade processual – art. 195ºC. P. Civil, a qual influiu no exame da causa e na decisão da causa, que desde já se invoca, para os devidos efeitos.
X.- Destarte, sempre deveria a presente acção ter sido julgada procedente por provada ou caso assim se não entendesse sempre deveria a A. ter sido convidada a corrigir a sua petição inicial.
AA.- Porque assim, se não decidiu, foi violado o preceituado nos artigos 1038º f), 1083 nº 2 e) ambos do C. Civil e 590º nº 3 do C.P.Civil.
Nos termos expostos e nos mais de Direito aplicáveis, depois do douto suprimento do muito que há a suprir, deve:
I.- Dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente,
II- Devendo ser revogada a douta decisão e consequentemente, a acção ser julgada procedente;
III- Caso assim se não entenda sempre deve ser decretada a nulidade, e consequentemente, ser a A. notificada para corrigir a sua petição inicial,
IV- E com todas as consequências legais.
Decidam VV. Excelências como se peticiona e será feita CORRECTA
JUSTIÇA !”.
2.Não foram apresentadas contra-alegações.
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
4. OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que está pelas conclusões do recorrente (cfr. art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639º e 663º nº2, todos do CPC), o que cumpre indagar é se carecia a senhoria Autora, para além da alegação da factualidade integradora do fundamento de resolução do contrato de arrendamento constante da alínea e) do nº2 do artº 1083º do Cód. Civil, de ter alegado outra atinente à gravidade e inexigibilidade a que alude o proémio desse normativo.
Caso se responda afirmativamente a essa questão, indagar-se-á se, ainda assim, deveria o Tribunal “ a quo” ter convidado a Autora a suprir tal insuficiência alegatória.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. O Tribunal “ a quo” proferiu a seguinte decisão quanto à matéria de facto:
“Factos provados:
Atenta a revelia dos Réus, e ao abrigo do disposto no art. 567.º n.º 1 do Código de Processo Civil, consideram-se assentes os seguintes factos alegados pela Autora:
A. Em 14 de Janeiro de 2005, faleceu DD,
B. No estado de viúva de EE.
C. A falecida deixou como únicos e universais herdeiros:
Seus filhos:
a) FF;
b) GG;
c) HH;
d) II,
e) JJ;
E seus netos em representação do seu pré falecido filho João …:
f) - LL; e
g) -MM.
D. Em 20 de Abril de 2006 faleceu NN, no estado de viúva.
E. A falecida instituiu como sua única e universal herdeira a Autora.
F. Em 8 de Janeiro de 2012 faleceu a JJ no estado de divorciada,
G. Tendo deixado como única e universal herdeira sua filha, OO.
H. Do acervo das heranças abertas por óbito de NN e de DD faz parte o seguinte imóvel, na proporção de metade para cada herança: prédio urbano sito na Rua …, nºs …, … e … e Rua Dr. …, …, freguesia de Santiago - Sesimbra, concelho de Sesimbra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº …, com o registo de aquisição a favor das falecidas pela ap. 17 de 23/10/1991.
I. Por contrato celebrado em 1 de Fevereiro de 1960 os anteriores proprietários do imóvel deram de arrendamento ao Réu, casado desde 1964 com a Ré sob o regime da comunhão geral de bens, parte do rés-do-chão do prédio sito na Rua Dr. …, nº …, destinado a armazém para arrecadação, pelo prazo de seis meses, pela renda mensal no valor de 350$00, a qual hoje em dia, em virtude das diversas actualizações, é no valor de € 37,21.
J. Os Réus, até 2013, sempre utilizaram o locado como arrecadação dos seus utensílios piscatórios.
K. Porém, desde final de 2013 que os Réus não ocupam o mesmo espaço, tendo cedido a sua posição de arrendatário ao seu filho, que ocupa o imóvel em apreço.
L. Tal cessão foi feita sem o conhecimento nem autorização dos senhorios, nunca tendo a mesma sido solicitada para o efeito.
M. De tais factos a Autora e os demais herdeiros tiveram conhecimento no mês de Abril/ Maio de 2014.
N. Em 1 de Novembro de 1978 os anteriores proprietários do referido imóvel deram de arrendamento aos Réus outra parte do rés-do-chão, com entrada pela Rua …, nº … , do prédio descrito em H, pelo prazo de seis meses, com início em 1 de Novembro de 1978, renovando-se automaticamente por iguais períodos.
O. Foi fixada a renda mensal de 2.000$00, a qual actualmente e em virtude das diversas actualizações é de € 74,42, a pagar na residência do senhorio no primeiro dia útil do mês anterior a que respeita.
P. Os Réus, até 2013, sempre utilizaram o locado como arrecadação dos seus utensílios piscatórios.
Q. Desde final de 2013 que os Réus não ocupam o mesmo espaço, tendo cedido a sua posição de arrendatário ao seu filho, que ocupa o imóvel em apreço.
R. Tal cessão foi feita sem o conhecimento nem autorização dos senhorios, que nunca foi solicitada para o efeito.
S. De tais factos a Autora e os demais herdeiros tiveram conhecimento no passado mês de Abril/ Maio de 2014.
T. A Autora e a herança proprietárias do imóvel nunca aceitaram nem aceitam tal cessão.
*
Factos não provados:
Com relevância para a boa decisão da causa inexistem factos não provados”.
2. Do mérito do recurso
Como se referiu, a acção foi julgada improcedente referindo-se para sustentar tal decisão, o seguinte:
“Nos termos do disposto no art. 1038.º alínea f) do Código Civil incumbe ao arrendatário não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar.
No que tange ao regime convencional, resulta dos factos provados que os senhorios não deram o seu consentimento para o efeito, não resultando das cláusulas do contrato esta possibilidade ab initio.
Relativamente ao regime legal, a possibilidade de transmissão inter vivos está dependente do cumprimento do requisito constante do art. 424.º do Código Civil (cfr. art. 1059.º n.º 2 do Código Civil), a saber, o consentimento do locador para o efeito, consentimento este prévio ou posterior à transmissão.
Da factualidade provada resulta não ter havido qualquer comunicação dos Réus, na qualidade de arrendatários, para o efeito nem a prestação de qualquer consentimento posterior por parte da Autora ou da herança titular do direito de propriedade sobre o imóvel.
Nos termos do disposto no art. 1083.º n.º 1 do Código Civil: “Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.”
Acrescenta o n.º 2:
“É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:
(…)
A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.”
Se é certo que os factos se subsumem na alínea em análise, menos certa é a circunstância de esta cessão, ineficaz, consubstanciar um comportamento grave com consequências para a Autora.
Efectivamente, e se bem atentarmos na petição inicial, não é alegado um único facto que se integre neste conceito (cfr. art. 54.º).
Consequentemente, nenhum facto que integrasse este fundamento poderia ser dado como provado, nomeadamente em face da revelia dos Réus.
Atento o exposto, uma vez que ambos os requisitos são de verificação cumulativa (verificação do facto e a sua caracterização como grave ou produzir o mesmo consequências) e não se verificando um deles impõe-se a absolvição dos Réus do pedido.” (sublinhado nosso).
Será assim?
Tanto quanto sabemos, a jurisprudência[1] tem-se pronunciado maioritariamente no sentido de que as situações previstas nas als. a) a e) do nº2 do art. 1083º do Código Civil, pela sua gravidade objectiva, dispensam o senhorio de alegar e provar outros factos que integrem a inexigibilidade da manutenção do contrato e que nessas situações tipificadas, o locador tem apenas o ónus de alegar e provar factos que as integrem, deles decorrendo, por presunção, a inexigibilidade da manutenção do contrato.
Em sentido diverso, no seu interessante estudo sobre a “ Resolução do Contrato de Arrendamento no novo e no novíssimo regime de arrendamento urbano[2] “, Albertina Pedroso, a propósito do tema refere o seguinte: “(…) 4.2. O incumprimento específico previsto no n.º 2 do artigo 1083.º do CC
No tocante à possibilidade de resolução do contrato pelo senhorio, o n.º 2 do artigo 1083.º do CC logo vem proclamar a necessidade de um incumprimento específico, uma espécie de incumprimento qualificado, na terminologia da lei, o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
Assim, em vez de, como acontecia no artigo 64.º do RAU, enumerar taxativamente as causas de resolução efectuando a selecção dos vários tipos de incumprimento que eram considerados suficientemente graves para fundar a cessação do contrato, o legislador do NRAU optou pelo uso de cláusulas gerais, apontando genericamente para o incumprimento grave das obrigações emergentes do contrato, como justa causa de resolução.
Desta sorte, a gravidade do incumprimento fundador do direito à resolução do contrato há-de aferir-se quer pela própria natureza da infracção – actuação/omissão substancialmente grave – quer pelas consequências ou efeitos que provoca – e que tornam tal incumprimento grave – quer ainda pela reiteração da conduta violadora das obrigações assumidas – que, por essa via, também é qualificável como grave –, tudo de tal forma que não seja razoavelmente exigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
4.3. O elenco exemplificativo das alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 1083.º do CC
Para além de consagrar a referida cláusula geral mercê da qual apenas considera fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do contrato de arrendamento, na parte final do n.º 2 do artigo 1083.º, o legislador do NRAU veio acrescentar: designadamente, quanto à resolução pelo senhorio, enunciando vários situações que reconduziu a cinco alíneas .
A principal questão que tem sido objecto de divergência na interpretação deste elenco exemplificativo previsto no n.º 2 do artigo 1083º. do CC é a de saber se os casos seleccionados pelo legislador como hipóteses de incumprimento pelo arrendatário preenchem ou não, por si só, a cláusula geral ínsita na 1.ª parte do artigo .
Como é sabido, o preceito em referência adoptou a denominada “técnica dos exemplos-padrão”, a qual tem sido usada noutros diplomas relativamente aos quais tem sido defendido que as circunstâncias exemplificativas não são de funcionamento automático carecendo de ser enquadradas na cláusula geral.
Este é o entendimento que preconizamos porque efectivamente não consideramos que tendo o legislador optado por esta enunciação exemplificativa na sequência da exigência de um incumprimento grave, por si ou pelas suas consequências, e que por tal motivo torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, a simples alegação e prova de qualquer uma das situações enunciadas possa configurar o imediato preenchimento das aludidas cláusulas gerais.
Basta pensar que, se assim fosse, que razão teria o legislador para não avançar para a possibilidade de resolução extrajudicial nestes casos?
Tal opção do legislador, que impõe quanto aos fundamentos enquadrados neste n.º 2 do artigo 1083.º o recurso à acção judicial, só pode ter como justificação válida precisamente a indispensabilidade do preenchimento do conceito geral de justa causa, fazendo impender sobre o senhorio, autor na acção de despejo, o ónus da alegação e da prova (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC) da factualidade subsumível, não apenas nas diferentes alíneas do n.º 2, mas também, na cláusula geral constante da 1.ª parte do n.º 2.
Na verdade, a simples alegação e prova de factos subsumíveis em qualquer uma das situações enunciadas, pode não bastar para o imediato e indispensável preenchimento da cláusula geral do n.º 1 do preceito, até porque as causas resolutivas previstas nas diversas alíneas configuram níveis de gravidade de grau muito diferente entre si, sendo que algumas das situações “eleitas” pelo legislador têm, quando objectivamente consideradas, um grau de gravidade menor do que outros fundamentos não elencados, por exemplo, as obras não autorizadas .
O que acontece quanto ao enquadramento do fundamento de resolução neste número do artigo 1083.º - precisamente mercê da consagração no mesmo de exemplos de tipo muito distinto -, é que o ónus que recai sobre a parte será mais facilmente cumprido nalguns dos casos previstos na lei do que noutros.
Expostas as duas teses em presença, temos que para a primeira o preenchimento inequívoco (como a sentença, aliás, reconhece) do fundamento enunciado na alínea e) do nº2 do artº 1083º do Cód. Civil seria só por si suficiente para decretar a resolução; enquanto que, na perspectiva da segunda, se deverá apurar se o circunstancialismo fáctico enunciado basta para “o imediato e indispensável preenchimento da cláusula geral do n.º 1 do preceito”.
Como vimos, está em causa o fundamento elencado na alínea e) do nº2 do artº 1083º do Código Civil.
E tal como na sentença recorrida se admitiu, a factualidade provada integra-se, sem margem para dúvidas, nesse mesmo fundamento resolutivo: desde final de 2013 que os Réus não ocupam os locados, tendo cedido a sua posição de arrendatário ao seu filho, que ocupa os imóveis em apreço, tendo tal cessão sido feita sem o conhecimento nem autorização dos senhorios, nunca tendo a mesma sido solicitada para o efeito.
Mas provou-se mais: que a celebração dos contratos de arrendamento em apreço com os RR remontam a 1960 e 1978, que as rendas dos locados são respectivamente de € 37,21 e € 74,42 mercê das actualizações entretanto efectuadas, que o conhecimento pela Autora dos factos atinentes à cessão ocorrida só ocorreu em Abril/ Maio de 2014, tendo a mesma se aprestado a propor a presente acção logo em Novembro desse mesmo ano.
Que mais teria a Autora de alegar para, à luz do proémio do citado normativo, justificar a inexigibilidade da manutenção do arrendamento?
A sentença não o diz, limitando-se a dizer que os factos provados são insuficientes.
Não o são, como se verá.
Tratando-se de contratos de arrendamento em que a lei não permite a cedência do gozo do locado por outrem que não o arrendatário (visto a lei não o permitir, nem o senhorio o autorizar) – artº 1038º f) do Cód. Civil- pode-se presumir terem sido realizados – como é apanágio dos arrendamentos deste jaez – em função da pessoa do inquilino e na confiança que o mesmo merece ao senhorio.
Na medida em que não é um dado indiferente a pessoa do inquilino, i.e. quem frui o locado, a mera cedência do gozo do mesmo assume, por si só uma gravidade que não é desprezível.
Mas há mais: Não obstante o senhorio não ter consentido na cedência ocorrida e portanto ver o locado fruído por uma pessoa que não escolheu, vai continuar a receber o valor irrisório das rendas que os locados lhe proporcionam, precisamente por os arrendamentos terem sido celebrados com os Réus há mais de vinte anos!!!
Perante a gravidade e consequências que se patenteiam em razão da violação por parte dos inquilinos Réus da obrigação a que estão adstritos de não cederem o gozo dos locados, é inexigível ao senhorio a manutenção dos arrendamentos nestas circunstâncias.
E, por consequência, a pretensão da Autora de os ver resolvidos não pode deixar de proceder, ficando prejudicada a apreciação da segunda questão que enunciámos.
III-DECISÃO
Por todo o exposto, julga-se o recurso procedente e em consequência, revogando-se a sentença recorrida, julga-se procedente a acção declarando resolvidos os contratos de arrendamento aludidos supra em II-1.I) e N) e condenam-se os Réus a despejar os locados e a entregá-los à Autora.
Custas pelos apelados.
Évora, 17 de Novembro de 12017
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
Bernardo Domingos
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[1] Cfr. designadamente TRL de 11/3/2012 relatado pelo Desembargador Aguiar Pereira ( e jurisprudência nele citada) , TRP de 3/11/2010 relatado pela Desembargadora Joana Salinas e TRC de 4.6.2013 relatado pelo Desembargador Freitas Neto.
[2] Revista Julgar, nº 19, Coimbra Editora, pag, 37 e seguintes.