Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
271/14.5T8OLH-I.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: FALTA DE CITAÇÃO
PACTO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Enquanto que a violação do pacto de jurisdição determina a incompetência absoluta do tribunal (cfr. arts. 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1, do CPC), a violação do pacto de competência acarreta a incompetência relativa do tribunal (art. 102.º do CPC). Em ambos os casos, porém, não há lugar ao conhecimento oficioso da violação – cfr. arts. 97.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1, a contrario sensu, do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: (…), Lda.

Recorrida / Autora: Massa Insolvente de (…), Unipessoal, Lda.

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual a A. formulou os seguintes pedidos:
a)- ser a ré condenada a reconhecer a denúncia contratual operada pela autora, com efeitos a partir do dia 16 de Março de 2016, e, em consequência, ser condenada a entregar o estabelecimento comercial denominado Farmácia (…);
b)- ser a ré condenada no pagamento da quantia global de € 69.073,04;
c)- ser a ré condenada a entregar à autora os valores de faturação (em suporte documental contabilístico) relativo ao período compreendido entre Março de 2015 até à data da efetiva desocupação do estabelecimento comercial da Farmácia (…);
d)- ser a ré condenada a pagar à autora os valores correspondentes à diferença entre 9,11% do valor mensal das vendas, sem IVA, e a quantia de € 2.688,15, que se apurarem da análise da faturação da exploração da farmácia de (…), compreendida entre o período de Março de 2015 até a efetiva desocupação, a liquidar em execução de sentença;
e)- ser a ré condenada a pagar à autora os valores correspondentes às rendas (€ 2382,92) e remunerações mensais (€ 922,50) previstas na cláusula 5ª, al. c) do contrato de cessão de exploração (doc. nº 4) que se vencerem após o mês de Junho de 2017 até a efetiva desocupação da referida farmácia de (…), a liquidar em execução de sentença;
f)- ser a ré condenada no pagamento dos juros vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas nos pontos d) e f) supra até integral e efetivo pagamento, a liquidar em execução de sentença;
g)- ser a ré condenada no pagamento dos juros vincendos, desde a presente data até efetivo e integral pagamento, sobre as quantias referidas nos arts. 34.º e 43.º da petição inicial.
Foi proferido despacho consignando-se que a R, regularmente citada, não deduziu oposição, considerando-se confessados os factos articulados pela A. na petição inicial.
Determinou-se o cumprimento do disposto no art. 567.º, n.º 2, do CPC.

II – O Objeto do Recurso

Foi proferida sentença julgando a ação totalmente procedente, decidindo:
«a) Julgar válida e eficaz a resolução operada pela Autora, com efeitos a partir de Março de 2016;
b) Condenar a Ré a entregar à Autora o estabelecimento comercial denominado Farmácia (…);
c) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 69.073,04 (sessenta e nove mil e setenta e três euros e quatro cêntimos);
d) Condenar a Ré a entregar à Autora os valores de faturação (em suporte documental contabilístico) relativos ao período compreendido entre Março de 2015 até à data da efetiva desocupação do estabelecimento comercial da Farmácia de (…);
e) Condenar a Ré a pagar à Autora os valores correspondentes à diferença entre 9,11% do valor mensal das vendas, sem IVA, e a quantia de € 2.688,15, que se apurarem da análise da faturação da exploração da farmácia de (…), compreendida entre o período de Março de 2015 até a efetiva desocupação, a liquidar em execução de sentença;
f) Condenar a Ré a pagar à Autora os valores correspondentes às rendas (€ 2.382,92) e remunerações mensais (€ 922,50) previstas na cláusula 5ª, al. c) do contrato de cessão de exploração (doc. nº 4) que se vencerem após o mês de Junho de 2017 até a efetiva desocupação da referida farmácia de (…), a liquidar;
g) Condenar a Ré a pagar à Autora os juros vencidos e vincendos sobre as quantias fixadas supra até integral e efetivo pagamento; e
h) Condenar a Ré nas custas.»

Inconformada, a Ré apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida por falta de citação, a substituir por outra que conceda à Recorrente prazo para contestar ou, assim não se entendendo, que constate a violação do pacto de aforamento, julgando-se competente o Tribunal da Comarca de Lisboa. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1- Na sentença de que se recorre resulta, quanto à fundamentação da matéria de facto, a confissão dos factos alegados pela Autora na petição inicial, resultante da não contestação dos mesmos pela Ré, nos termos do disposto no art. 567º, nº 1, do CPC.
2- A apelante nunca teve conhecimento da ação, cuja citação foi dada como verificada por prova por depósito,
3- A segunda parte do nº 2 do art. 230º do CPC, prevê uma mera presunção do oportuno conhecimento pelo destinatário dos elementos que lhe foram deixados pela citação por depósito nos termos do n.º 5 do art. 229.º do CPC.
4- A apelante desconhece se houve depósito da carta de citação em Vila Nova de Milfontes.
5- Porque a citação, na perspetiva de documento judicial físico, nunca lhe foi entregue ou recebido no recetáculo do correio.
6- Ocorreram circunstâncias que obstaram ao conhecimento dos elementos para se defender
7- Porque não utiliza a sede com regularidade, na medida em que tem a sua organização e estabelecimento em (…).
8- O que é do conhecimento da apelada, que requereu a notificação da douta sentença em (…), sendo o local em que é sabido que a apelante se encontra em funcionamento.
9- Daí que se verificou a falta de citação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188º, nº 1, e), do CPC.
10- O que se enquadra ainda no princípio geral de direito na interpretação não restritiva quanto à admissibilidade da defesa de acordo com orientação “favorablia sunt amplianda, odiosa restringenda”.
11- O Tribunal a quo considerou provados os factos alegados na petição inicial, reproduzindo na matéria dada como provada, quase na íntegra, o teor acordado no “Contrato de cessão de exploração” de celebrado a 04/03/2015.
12- A Clausula 13ª prevê o aforamento do contrato determinado a competência do Tribunal do foro da Comarca de Lisboa, com exclusão de qualquer outro.
13- O n.º 1 do art. 95º do CPC prevê que as regras de competência em razão da matéria, da hierarquia e do valor da causa não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 104º.
14- O n.º 3 do mesmo artigo estatui que a competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a que deriva da lei.
15- O regime de arguição da incompetência relativa encontra-se previsto no art. 97º do CPC, cabendo a arguição pelo Réu ou conhecimento oficioso do pacto privativo de jurisdição até ao momento do trânsito em julgado da sentença.
16- A douta sentença não se pronuncia, pelo que é omissa, sobre o aforamento contratual, dando o Tribunal da Comarca de Faro como competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
17- A tramitação no Tribunal da Comarca de Faro, viola o pacto de aforamento celebrado em 04/03/2015, sendo assim o Tribunal de Olhão territorialmente incompetente para julgar a causa, encontrando-se violado o disposto no art. 95.º e 97.º do CPC.»
Em sede de contra-alegações a Recorrida sustenta que a citação se operou de forma válida e legal, tendo a Recorrente optado por nada fazer. No que respeita à competência, invoca que a ação tinha que correr termos por apenso ao processo de insolvência por via do disposto no art. 128.º, n.º 1, al. a), da LOFTJ. Pugna, pois, pela manutenção da sentença recorrida, improcedendo o recurso.

As questões suscitadas no presente recurso são:
- da falta de citação;
- da incompetência do Tribunal.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância
1 - Por sentença proferida em 05 de Novembro de 2014, no âmbito dos autos de processo nº 271/14.5T8OLH de que os presentes são apenso, foi declarada a insolvência da sociedade (…), Unipessoal, Lda.
2 - A Ré é uma sociedade comercial por quotas, constituída e registada na competente conservatória do registo comercial sob o número de pessoa coletiva (…), e que se dedica ao comércio a retalho de produtos farmacêuticos, todos os medicamentos de uso humano sujeitos ou não a receita médica, bem como os medicamentos e produtos farmacêuticos homeopáticos; preparação de manipulados; venda e revenda de drogas de uso medicinal e quaisquer outros produtos químicos e outras substâncias de uso medicinal; compra e venda de especialidades farmacêuticas, calçado, dermo-cosméticos, consumíveis médico hospitalares, meios ou auxiliares de diagnóstico médico; medicamentos homeopáticos e fitossanitários, nutrição, cosmética, perfumaria, esteticista, produtos destinados a higiene pessoal e íntima, profilaxia, puericultura, ortopedia e próteses, cosméticos e perfumes, consultas de nutrição.
3 - Do ativo da massa insolvente, ora autora, integra além do mais, o estabelecimento comercial de farmácia denominado “Farmácia de (…)”, instalada na Rua (…), nº 35, de (…), com o alvará de funcionamento nº (…), emitido pelo Infarmed em 31-05-2014.
4 - O Senhor Administrador da Insolvência, em representação da Autora outorgou, com a Ré, em 04 de Março de 2015, contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial da farmácia referida, com o teor do documento nº 4 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido na íntegra.
5 - A referida cessão de exploração foi celebrada pelo prazo de 6 meses, automaticamente renovável por iguais períodos, salvo se fosse denunciada por qualquer uma das partes (autora e ré) com 60 dias de antecedência face ao termo do seu prazo, tendo o seu início no dia 05 de Março de 2015, e ficando consignado, para efeitos unicamente de contagem do prazo do acordo, que o prazo de 6 (seis) meses da cessão de exploração teria o seu termo inicial no dia 15 de Março de 2015.
6- Ficou convencionado entre autora e ré que o preço de cessão de exploração compreenderia:
a) o montante em dívida por rendas vencidas, após a declaração de Insolvência, ao Banco (…), no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária n.º (…), relativo às instalações do estabelecimento em causa, que à data de 09/02/2015 ascendia ao montante de € 17.864,67 euros (dezassete mil, oitocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos) – rendas vencidas no valor de € 17.546,65, a que acresciam juros de mora no valor de € 318,02 (trezentos e dezoito euros e dois cêntimos).
b) a renda vencida no dia 15/02/2015 e não paga no valor de € 1.465,15 a título de renda, € 13,63 de seguro, € 1,53 de comissão de expediente e € 72,14 de despesas de incumprimento, o que perfaz o montante total de € 1.552,45 (mil quinhentos e cinquenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos).
c) a partir de março de 2015, a importância mensal correspondente a 9,11% (nove, onze por cento) do Valor Mensal das Vendas, sem IVA, que seria paga em duas prestações:
i) Uma no valor de € 1.938,15 (mil, novecentos e trinta e oito euros e quinze cêntimos) – renda no valor de € 1.922,99, seguro no valor de € 13,63 e comissão de expediente no valor de € 1,53, a entregar até ao dia 10 do respectivo mês; e
ii) Outra no montante de € 750,00, mais o que correspondesse à diferença entre os mencionados 9,11% do valor mensal das vendas, sem IVA, e a quantia de € 2.688,15 (soma das quantias de € 1.938,15 e de € 750,00), sendo esta parte entregue até ao dia 05 do mês seguinte;
d) Se aquela importância, calculada naqueles termos (9,11% do valor mensal das vendas) fosse inferior ao já mencionado valor de € 2.688,15 (soma das quantias de € 1.938,15 e de € 750,00), seria paga, pelo menos, a quantia de € 2.688,15 (soma das quantias de € 1.938,15 e de € 750,00), a fim de permitir a manutenção do leasing imobiliário celebrado com o Banco (…) sobre o imóvel, onde se mostra instalado o estabelecimento, ora cedido e assegurar para a massa insolvente o valor líquido de € 750,00;
7 - Mais estabeleceram autora e ré, no referido contrato de cessão de exploração que o pagamento do valor estabelecido na cláusula quinta seria efetuado até ao dia 10 do mês a que respeitasse no que se refere à quantia inicial, correspondente ao cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária e até ao dia 5 do mês seguinte o excedente.
8 - Ainda como preço de cessão de exploração, a ré obrigou-se a pagar à autora o preço do stock transmitido até ao dia 31 de Março de 2015.
9 - A ré obrigou-se com a autora, pelo referido contrato de cessão de exploração, e como garantia do cumprimento da obrigação mensal da renda mínima (€ 1.938,15), a entregar à autora, no prazo de 15 dias, garantia bancária do bom cumprimento das obrigações correspondente ao montante de 6 meses do valor mínimo da renda a pagar, sendo a mesma reduzida mensalmente na mediada dos pagamentos entretanto calculados.
10 - Ficou determinado entre ré e autora que os pagamentos da aquisição do stock e da renda acordada no número um da cláusula Quinta seriam efetuados através de transferência bancária da ré para a conta bancária da autora com os seguintes dados:
Banco: Banco (…), S.A.
Conta nº (…)
NIB: (…) – cfr. cit. doc. nº 4.
11 - Mais acordaram autora e ré, que esta assumiria o pagamento de todas as contribuições, impostos, taxas, multas, coimas e demais prestações devidas ao estado, às autarquias locais e a quaisquer outros organismos pelo funcionamento do dito estabelecimento, que se vencessem a partir da data de início da vigência do presente contrato e que ao mesmo digam respeito.
12 - Além do mais, nos termos da cláusula nona do referido contrato de cessão de exploração, alíneas d) e f), respetivamente, a ré obrigou-se para com a autora a prestar-lhe todas as informações relativas à exploração do estabelecimento comercial, assim como efetuar-lhe os pagamentos devidos nos termos previstos no presente contrato.
13 - A ré iniciou a exploração do referido estabelecimento no dia 15 de Março de 2015.
14 - Iniciada a exploração do estabelecimento comercial de farmácia denominada “Farmácia de (…)”, a ré pagou à autora os valores indicados na conta corrente que constitui documento nº 5 junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido.
15 - A Ré não pagou IVA relativo aos valores mensais supra mencionados.
16 - A partir do mês de Julho de 2015, a ré deixou de efetuar os pagamentos mensais à autora previstos na cláusula 5ª, nº 1, al. c), 2ª parte, do contrato de cessão de exploração.
17 - Desde o início da vigência do contrato de cessão de exploração, a ré nunca remeteu à autora os valores de faturação mensais (deduzidos de IVA), para que fosse possível determinar o cálculo da parte variável da remuneração mensal prevista na cláusula 5ª, nº 1, al. c), 2ª parte, do contrato de cessão de exploração.
18 - Por carta registada com aviso de receção, datada de 29/12/2015, a autora comunicou à ré a denúncia do contrato de cessão de exploração, com efeitos a partir do dia 16/03/2016.
19 - A referida missiva foi recebida pela ré em 08/01/2016.
20 - Não obstante a denúncia contratual operada pela autora, até hoje, a ré não entregou o estabelecimento comercial à autora, continuando a usar e fruir do mesmo, recolhendo os frutos da sua exploração.

B – O Direito

Da falta de citação
A Recorrente invoca a falta da sua citação nos termos e para os efeitos previstos no art. 188.º, n.º 1, al. e), do CPC, já que nunca teve conhecimento da ação.
Nos termos do disposto no art. 188.º, n.º 1, al. e), do CPC há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. Trata-se de nulidade que resulta sanada caso o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação – cfr. art. 189.º do CPC.
E por se tratar de uma nulidade processual, tem aplicação o disposto no art. 195.º do CPC, cujo regime legal determina que dela não cabe diretamente recurso, devendo ser arguida perante o respetivo tribunal decisor, no prazo de 10 dias – arts. 199.º e 149.º do CPC. Só posteriormente, no caso de discordância com o despacho que aprecie a arguição de nulidade, verificados que estejam os pressupostos para interposição do recurso, é que dessa decisão caberá recurso para o tribunal superior. É que o objeto dos recursos não são nulidades, mas antes decisões judiciais; as decisões é que são impugnadas por via dos recursos, cabendo ao Tribunal superior apreciá-las, confirmando ou revogando. Ora, se ocorreu uma nulidade no processo, o Tribunal de recurso só pode conhecer dela por via da apreciação de decisão proferida em 1.ª Instância que dela tenha conhecido e que consubstancie a decisão recorrida. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[1], «O objecto de qualquer recurso não são nulidades processuais, mas antes decisões. O que o recorrente impugna é uma decisão e o que o tribunal ad quem aprecia, confirmando ou revogando, é essa mesma decisão. Portanto, se se verificou uma nulidade no processo que decorreu no tribunal a quo, o tribunal ad quem só pode conhecer dela se e na medida em que a mesma se reflita num vício da decisão recorrida.»
Em face do exposto, é manifesto que a reação da Ré à invocada nulidade teria de ser exercitada, no prazo de 10 dias, junto do Tribunal de 1.ª Instância.
Ainda que tal matéria pudesse integrar o objeto do presente recurso, o que não se verifica, certo é que os autos evidenciam que a citação se operou em conformidade com o disposto no art. 246.º do CPC. Tal regime consagra a citação na sede estatutária constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, o que se harmoniza com o ónus que recai sobre as pessoas coletivas de manter atualizados os dados constantes de tal ficheiro. Na verdade, consultada que foi a certidão permanente relativa à matrícula da R no registo comercial, constatou-se que a carta de citação registada com a/r foi enviada para a respetiva sede estatutária e, tendo esta sido devolvida com menção de recusa de recebimento, foi remetida nova carta para a mesma sede estatutária, com observância do disposto no art. 246.º, n.º 4, do CPC, vindo a carta a ser objeto de depósito, conforme previsto no art. 229.º, n.º 5, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 246.º, n.º 4, do CPC – cfr. fls. 161 a 168 e 173 a 175 dos autos. Daí a prolação do despacho de fls. 176, consignando-se a ré regularmente citada.
Por outro lado, operando-se a citação nos termos estatuídos no art. 229.º, n.º 5, do CPC, a presunção de que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados constitui uma presunção inilidível (não se admite demonstração em contrário, diversamente da citação efetuada ao abrigo do art. 228.º do CPC – cfr. art. 230.º do CPC, confrontando o n.º 1 com o n.º 2).[2]
Termos em que se conclui não ser de acolher, em sede do presente recurso, a pretensão da Recorrente no sentido de ver declarada a nulidade processual decorrente da falta de citação.

Da incompetência do Tribunal
A Recorrente alude ao regime inserto nos arts. 95.º e 97.º do CPC sustentando que, em face da cláusula 13.ª do contrato (nos termos da qual se indicou como competente para qualquer questão emergente da interpretação, execução ou extinção do contrato o Tribunal da Comarca de Lisboa, com exclusão de qualquer outro), deverá julgar-se procedente a exceção dilatória da preterição do pacto de aforamento, o que é de conhecimento oficioso, julgando-se competente para a ação o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
Importa desde já salientar que o recurso constitui o meio processual de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Tem em vista a reapreciação ou a reponderação das questões submetidas a litígio, já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas. Donde, não cabe invocar em sede de recurso questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, conforme resulta do regime inserto nos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, salvo se a lei expressamente determinar o contrário (art. 665.º, n.º 2, do CPC) ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2, do CPC).
Por conseguinte, a questão atinente à exceção dilatória da incompetência do Tribunal, que não foi suscitada em 1.ª Instância, só é de apreciar no âmbito do presente recurso caso consubstancie matéria de conhecimento oficioso.
Ora vejamos.
É certo que a aplicação das regras de competência em razão do território pode ser afastada por vontade das partes plasmada em convenção expressa, salvo nos casos a que se refere o art. 104.º do CPC – art. 95.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC. É certo ainda que a competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a que deriva da lei – art. 95.º, n.º 3, do CPC.
Trata-se da estipulação de pacto de competência, da convenção pela qual as partes designam como competente para o julgamento de determinado litígio um tribunal diferente daquele que resulta das regras da competência interna.[3]
Diversamente, os pactos de jurisdição previstos no art. 94.º do CPC consistem na estipulação da jurisdição nacional competente para apreciar determinado litígio que apresente elementos de conexão com mais do que uma ordem jurídica, convencionando a competência no foro internacional.
Enquanto que a violação do pacto de jurisdição determina a incompetência absoluta do tribunal (cfr. arts. 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1, do CPC), a violação do pacto de competência acarreta a incompetência relativa do tribunal (art. 102.º do CPC). Em ambos os casos, porém, não há lugar ao conhecimento oficioso da violação – cfr. arts. 97.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1, a contrario sensu, do CPC).
Não sendo, como não é, matéria de conhecimento oficioso, a invocada violação do pacto de competência plasmado na citada cláusula contratual, por não ter sido suscitada em 1.ª Instância, não pode ser objeto de apreciação neste recurso.

Termos em que improcedem integralmente as pretensões recursivas da Recorrente.

As custas recaem sobre a Recorrente – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso.
Custas pela Recorrente.
Évora, 21 de novembro de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] blogippc.blogspot.pt, comentário ao Ac. RG 6/12/2018 (45/17.1T8MAC.G2)
[2] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Vol. 1.º, 3.º edição, pág. 445.
[3] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit,. pág., 196.